SETEMBRO
DE 1973
Anotações
Inéditas de Mércia Albuquerque
Jorge Barret
José Nivaldo
José Henrique Souza Filho
Moura
Julio Santana
Jerson
Tereza Vilaça
Martinho Leal Campus
Ayberê Ferreira de Sá
Raimundo Correia de Oliveira
Lauro Tenório
José Xavier
Emmanuel Bezerra dos Santos
Emmanuel Lisboa
Rubens Lemos
Orlia Nogueira Barros
luiz Nogueira Barros
Ivanildo Sampaio
Emmanuel Bezzera
01.09.1973
Recebi
uma carta de Jorge Barret procedente do Chile.
Já o fazia defunto, tomei um choque violento com a emoção.
Li, reli a carta, e fiquei admirada com a sorte desse paraguaio que
teve assassinada a irmã pelo DOI em janeiro deste ano.
03.09.1973
Fui
procurada pelo pai de José Nivaldo. Um conceituado médico
de Surubim, a esposa também médica. Nivaldo foi preso
em sua residência com um rapaz conhecido por Biu. A casa foi revirada
depredada. Fazia apenas quinze dias que Nivaldo casou.
04.09.1973
Li
no jornal que Rogério será liberado.
Recebi carta de José Henrique Souza Filho me comunicando que
foi posto em liberdade no dia 29 de agosto, mais de um mês desaparecido.
Tomei conhecimento que o jovem da igreja junto com Nivaldo se chama
Severino Vicente da Silva (Biu).
15.09.1973
Fui
visitar os presos, encontrei Moura bem doente. Levei um vatapá
para todos e arroz. Conversei com o pessoal e demonstaram um excelente
estado de espírito.
Julio Santana se queixou de todos e de tudo. Um pobre camponês,
preso há dez anos, vítima da esquerda e da direita. Dei
atenção a ele mais de uma hora, afinal alguém precisa
ouvi-lo, deixei despejar toda a amargura que o machuca há muito
tempo.
No fim fica mesmo na cadeia os lascados.
Saí com imensa dor de cabeça mas bem de espírito,
ajudei alguém.
16.09.1973
Logo
cedo me apareceu Jerson, discutimos, em fim não chegamos a um
acordo. Quando estava já para sair, apareceu Dr. José
Nivaldo, a esposa e uma senhora. A situação ficou tensa.
O médico, arrasado, queria notícias do filho, confortei-os,
animei-os , em fim consegui mudar o estado de espírito deles.
Ao entardecer me apareceu Inês, chorando porque a sobrinha se
acha no Chile. Tranqüilizei-a e fiquei com terrível dor
de cabeça.
(Tereza Cristina)
13.09.1973
Ganhamos o embargo
com relação a Erlita Rodrigues e Julio Leocadio. A sustentação
oral foi feita por Rosa e Beth.
14.09.1973
A
mãe de Tereza Vilaça tomou conhecimento, por meu intermédio
da absolvição de Erlita. Tomou um choque violento, caiu
em um profundo pranto e indiretamente me acusou, dizendo se tivesse
dinheiro Tereza já teria saído. Entendi o desespero de
Dona Estelita, confortei-a e não consegui almoçar.
Pela manhã, o pai de Alvamar me acordou para me dar uma Talha,
feita pelo filho na prisão e pedir-me para não esquecer
de providenciar o alvará para o dia 21.
À noite, o irmão de Juarez veio ver-me, está arrasado.Dona
Estelita, voltou ainda muito nervosa.
O pai de Biu Vicente, um ancião, também me apareceu, este
velho me deixou arrasada.
17.09.1973
Fui
avisada que foram absolvidos por unanimidade Martinho Leal Campos, Ayberê
Ferreira de Sá e Raimundo Correia de Oliveira.
Fui ao DOPS, os presos não se encontram lá,
ainda se acham np DOI, no IV Exército.
Foi preso Lauro Tenório, irmão da Dra. Selma, e está
sofrendo muito.
O Dr. Jorge, o Sr. João Vicente aqui estiveram procurando se
inteirar sobre irmão e filho presos há mais de um mês.
Nunca vi tanta bandalheira, encoberta pela força máxima
da nação.
O IV Exército é a gestapo brasileira, acoberta uma vara
de torturadores.
18.09.1973
D. Oficial
DEPARTAMENTO DE PESSOAL
Em 13.09.73
Port. N° 251 - O DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE PESSOAL,
no uso de suas atribuições, de acordo com a delegação
conferida pela portaria n.22/71, do Secretário da Fazenda, tendo
em vista solicitação do Diretor do Departamento
de Rendas do Interior, contida na C.I. n. 392, de 06.09.73, resolve
remover JOSÉ DE OLIVEIRA XAVIER, Exator SF-IV, matrícula
n. 64.203, da Coletoria Estadual de Palmares para a de Águas
Belas.
Casualmente deparei
com a transferência de José Xavier que fora preso, torturadíssimo
durante um mês, sendo posto em liberdade sem processo. Xavier
acusou várias pessoas inocentes por não suportar as torturas
no DOI.
A televisão anunciou a prisão de um dos assaltantes da
Kombi de Zé Bodinho, que revelou ter participado do assalto da
loteria, e da padaria. Assalto comum. Lisboa e Emanuel
morreram para confessarem serem os mentores destes assaltos. Que vergonha!
É pior que erro, é burrice, é imbecilidade, é
merda.
20.09.1973
Ontem à noite
fui procurada pela cunhada de Dionari em prantos. Dionari quintanista
de direito, teve a casa invadida por agentes do DOI. Estava de camisola
e teve que trocar de roupa na frente dos agentes. As crianças
gritavam apavoradas, Dionari foi arrastada para um opala que desapareceu
na escuridão. Os agentes do DOI voltaram minutos depois e saquearam
a casa. Só muito tarde. Só muito tarde um tio das crianças
chegou e encontrou a depredação.
Hoje Boris tomou as providências, numa busca tremenda sem ter
notícias da moça.
O comentário é o pior possível na cidade toda.
Sr. Jerônimo, homem de direita, comentou comigo os excessos, achando
mesmo uma medida anarquista.
Fui a Secretaria, e não chegaram lá os presos.
Não sei o quê vão inventar agora, pois os assaltos
atribuídos aos políticos, foram praticados por marginais.
Não sei se o DOI é um hospício. Ou a caverna de
Alibabá?
23.09.1973
Acordei com o telefone
de Natal chamando, era Roberto para pedir-me ajuda, há oito dias
foi seqüestrado o casal Rubens Lemos e sendo posto
em liberdade apenas a mulher, que informou que o marido havia sido conduzido
pela polícia de Recife para lugar incerto.
Nem tirei a camisola, entra Dona Marta, a mãe de Leonardo, para
me participar que o cel. Cúcio Neto, telefonou para avisá-la
que às 9 horas da segunda-feira, queria falar com ela, e que
o casal estava no Depto de recuperação, presos. O DOI
agora mudou de nome? Daqui há pouco, receberá o nome de
Hospital psiquiatrico.
21.09.1973
O marido de Dionari,
Leonardo se encontra desaparecido, e já foi constatado que também
se acha preso, já não é mais surpresa para ninguém
se acha no DOI, IV Exército.
22.09.1973
Às seis e
trinta fui acordada por uma antiga colega de infância, Dra Iracema,
com o marido e um filho, pedia-me para tentar localizar um primo seqüestrado
pela polícia federal.
Apareceu-me Fátima e a irmã de Dionari Sarmento, aflitas
porque as crianças não pararam de chorar.
Às dez horas, despenteada, muito pálida,
com o rosto deformado, chegou a senhora Orlia Nogueira Barros, totalmente
desorientada, repetia: "Os federais levaram meu marido, Luiz Nogueira
Barros, ele é médico" e ficava em silêncio,
para repetir a mesma coisa. Consegui fazê-la tomar um calmante
e localizar um cunhado dela para levá-la à clínica.
29.09.1973
Fui visitar os presos,
atualmente existem apenas 29 (vinte e nove) detentos na Barreto Campelo.
Não levei boas notícias, pois a pena de Nitão?
foi confirmada e perdi o recurso para revogar a preventiva de Maia e
Alex.
Receberam a notícias tranqüilos, como se já esperassem.
Fiquei comovida quando Dona Maria Xavier*, uma senhora com 75 anos,
abraçou o filho, e um pouco comovida, disse: "Coragem meu
filho! O macho não se dobra e todo o amanhã é diferente
do hoje." Moura continua doente, sensibilizo-me diante dos dramas
que assisto.
*Mãe de Ivanildo Sampaio
06.09.1973
Dona
Joana Bezerra me escreve, na angústia que a maltrata, acredita
que saiba de Emanuel Bezerra, mas não sei se é vivo, se
é morto, se está aqui ou ali, se continua no PCR ou se
deixou a política.
Sinto uma depressão imensa por não poder informar, e mentir
a uma mãe eu não minto, prefiro ficar em silêncio.
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