Itamaracá,
18 de abril de 1974
Il.mo.
Sr.
Dr.
Presidente da OAB (Secção de Pernambuco)
Recife-PE
Nesta
Prezado
Senhor:
Vimos através
desta denunciar as arbitrariedades a que fomos submetidos pelos Órgãos
de Segurança do Exército, num desrespeito aos mínimos direitos do
Homem proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, nesta
capital do Estado de Pernambuco.
Nós,
MOISÉS DOMINGOS SOBRINHO, JOSÉ MENDONÇA DA SILVA e EDILSON ROMARIZ
MACHADO, fomos respectivamente sequestrados pelos Órgãos de Segurança:
MOISÉS
DOMINGOS SOBRINHO, sequestrado no dia 17 de agosto de 1973, quando
transitava na Avenida Caxangá, cerca de 21:30 horas. Interceptado por
homens que se identificaram policiais, foi bruscamente arrastado,
espancado, algemado, em seguida jogado dentro de um carro, marca
Volkswagen, placa particular, e conduzido para um local desconhecido,
posteriormente reconhecido como sendo um Quartel, enquanto os policiais
aplicavam-lhe socos violentos no rosto e na cabeça além de cutiladas
na nuca;
EDILSON
ROMARIZ MACHADO, sequestrado quando deixava o trabalho, espancado,
jogado numa Kombi, placa particular, encapuzado e levado para um quartel
militar no dia 31 de agosto de 1973;
JOSÉ
MENDONÇA DA SILVA, sequestrado de sua residência, quando se preparava
para sair em direção ao trabalho, também algemado, espancado,
encapuzado e levado para um quartel militar.
Todos
os acima citados fomos torturados por elementos em trajes civis, sendo
que podemos constatar a presença do famoso torturador e delegado
paulista Sérgio Paranhos Fleury. Todo fomos submetidos durante vários
dias a torturas físicas e psicológicas, tais como: choque elétrico no
pênis e no ânus, introdução, num dos citados, de objeto de madeira
(cabo de vassoura), no ânus; choques elétricos nas orelhas, tórax, pés
e mãos da seguinte forma: o torturador, de físico atlético
amarrava-nos a um fio oriundo de uma pequena bateria denominada
“telefone”, numa mão, e outro fio nos dedos dos pés, passando em
seguida a acionar a pequena manivela anexa à máquina, que produzia
correntes de intensidade progressiva, aplicando choques de poucos volts
até o máximo suportável pelo corpo humano. Além dos choques havia o
“pau-de-arara” onde o indivíduo é colocado amarrado de cabeça
para baixo a um cano de ferro introduzido debaixo do joelho na região
que separa a coxa da perna, sendo forçado a passar duas, três, seis ou
mais horas com intervalos de quinze ou vinte minutos no máximo apesar
de estar nesta situação são aplicados choques violentos que vão
minando as forças do torturado. Fomos, também, obrigados a permanecer
em pé com as mãos suspensas a um poste alto durante cerca de 48 horas
sem refeição e expostos a pancadas esporádicas pelos policiais em trânsito
no Quartel. Acrescente-se a isto pancadas e chutes por todas as partes
do corpo. Tivemos a oportunidade de presenciar também mulheres nuas
recebendo choques nos seis e vaginas. Durante a noite, ainda, éramos
constantemente acordados com chutes nas grades das celas, e, na maioria
das vezes, levados às salas de torturas.
Diante
desta situação fomos obrigados a confirmar nossa participação em ações
as quais sequer tínhamos o mínimo conhecimento. Por exemplo, fomos
responsabilizados por um assalto ao bolão de ouro em Afogados, outro na
Encruzilhada; fomos também acusados de usar a farda de sargento do Exército
numa ação a um posto da Aeronáutica; depois disseram que não estávamos
vestidos de sargento e sim de soldado; deram-nos residências em locais
ignorados por nós que serviam para guardar objetos ilegais.
Posteriormente, retiraram nossa responsabilidade das ações
supracitadas e fizeram-nos novas acusações.
Quando
saímos da clandestinidade, onde acreditávamos indubitavelmente estar
num quartel militar, devido aos toques de corneta, bandejas de caserna e
mantas de cor verde, fomos transferidos para o DOPS onde recebíamos
constantemente a visita de policiais civis que tínhamos visto durante a
fase de tortura ameaçando-nos de que, se negássemos qualquer coisa,
voltaríamos ao mesmo processo.
Assim,
deixando neste órgão de representação e defesa dos direitos
outorgados ao Homem a nossa denúncia contra aqueles que, graça a sua
situação favorável na sociedade utilizam a força e o método científico
de tortura em desmesurada violação dos mais elementares direitos do
Homem.
Subscrevemo-nos.
(assinaturas)
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