Ex-deputado
Gregório Bezerra prepara-se para voltar ao País
Diário de Pernambuco – 02.09.1979
As
atenções da imprensa brasileira estão concentradas, hoje, e com
maior intensidade nos próximos dias e meses, em vários líderes
políticos ligados à esquerda, que se preparam para retornar ao
País, depois de anos de exílio, beneficiados pela anistia política
decretada pelo Governo brasileiro. Pernambuco ocupa, talvez, o
maior destaque nesse noticiário, em função da vinculação de alguns
desses políticos, os mais notórios com este Estado, a exemplo
do ex-governador Miguel Arraes, ex-deputado Francisco Julião Arruda
de Paula, e o ex-deputado comunista Gregório Lourenço Bezerra.
Este, por enquanto o mais noticiado, é, talvez, o mais importante
em termos de Pernambuco: foi aqui que nasceu, e aqui no Nordeste
concentrou toda a atividade político-revolucionária que marcou
sua movimentada vida.
Defensora
de presos políticos desde os primeiros instantes do Movimento
Revolucionário de 31 de Março de 1964 – entre eles Gregório Bezerra,
a advogada Mércia Albuquerque Ferreira fala do seu famoso constituinte,
que, na sua opinião, voltará, em futuro bem próximo, a ter vez
na vida pública do Estado.
P
– Como é a personalidade de Gregório Bezerra, o lado humano, quero
dizer, procedem as acusações que lhe fazem de assassinato a sangue
frio, de homem cruel e insensível, que não se detém diante de
nada na consecução de seus objetivos?
MAF
– Poderá ser estigmatizado de frio, cruel e insensível um homem
que adora crianças, sempre nutriu respeito absoluto pelos velhos,
além de bom filho e pai extremoso? Gregório é, isto sim, um homem
de espírito rígido, que nunca deixou de arriscar a vida, saúde
e segurança social, pegando em armas quando necessário, em defesa
de seus princípios. Muito embora sua notoriedade e ascendência
sobre seus companheiros na prisão, dispensasse privilégios, não
fazia valer nem usufruir da condição de “símbolo”. Era um fator
de equilíbrio no meio da comunidade carcerária, dando exemplos
de disciplina. Certa vez, ruiu a cerca mandada erigir pelo então
diretor da Casa de Detenção, coronel Olinto Ferraz, para separar
presos políticos dos presos comuns. Naturalmente o[houve logo
a integração de todos os presos. Gregório, entretanto, nunca transpôs
os limites territoriais que se lhe haviam imposto. Do seu lado
humano um detalhe: tinha amor pela natureza, chegando a ter um
pequeno jardim na prisão, onde cultivava rosas. Do seu grande
coração: preso consigo, havia um jovem, Fernando Lopes, cuja família
passava por dificuldades. Gregório passou então a destinar toda
a ajuda que recebia dos amigos à família necessitada do companheiro.
P
– Acredita que após o seu retorno ele ainda participe de atividades
político-partidárias?
MAF
– Participará sem dúvida. Muito embora aos 80 anos não tenha a
mesma disposição física, seus princípios são os mesmos, creio.
Jamais – em sua defesa – negou sua condição de comunista convicto
e militante. Mas, tudo fica no terreno das hipóteses. Só ele mesmo
é que poderá responder se vai ou não fazer política.
P
– E o episódio de Casa Forte, notadamente no que se refere a Gregório
e o coronel Darcy Vilocq Viana, desmentido ou minimizado por uns
e confirmado por outros, como foi realmente?
MAF
– Desse, eu posso falar, pois fui testemunha ocular. Foi aquele
quadro terrível que me arrancou da timidez e tranquilidade de
simples professora primária que eu era até àquela data, fazendo-me
prometer a mim mesma que haveria de fazer algo por aquele homem
que até então eu nem sabia quem era. Sua condição de líder comunista
não significava absolutamente nada para mim. Marcou-me para sempre
o espetáculo aniquilante que vi: aquele homem vestido com um simples
calção, banhado de sangue, com uma corda amarrada no pescoço,
desfilar escoltado por militares, à frente do então comandante
do quartel de Casa Forte, coronel Darcy Vilocq Viana, debaixo
de brutal espancamento, ante uma multidão horrorizada, com destino
à Praça de Casa Forte, onde seria sacrificado não fora a intervenção
de autoridades aclesiásticas, e do próprio povo. O clamor da multidão
foi que me chamou a atenção para a cena medieval, já que eu estava
à porta da escola onde ensinava, acompanhada das crianças, minhas
alunas. Até àquela data sempre fui avessa à política, sendo uma
professora tímida, oriunda do interior de Alagoas onde nunca sequer
participei de comícios – eventos que naquela época eram tão do
gosto da juventude que neles via uma fuga à ociosidade das pequenas
cidades. É que cresci entre ódios originados pela política: meu
pai, udenista, amigo de Rui Palmeira, tinha um oponente em meu
próprio avô, pessedista ligado a Silvestre Péricles. Prometi jamais
me envolver em política sob qualquer aspecto, me dedicando inteiramente
ao problema do menor abandonado e delinquente. Em 1964 estava
de viagem marcada para fazer novo curso de especialização relativo
ao problema do menor. O episódio de Casa Forte fez mudar tudo.
O quadro estarrecedor me colocou onde estou atualmente.
P
– Como se portou Gregório como seu cliente?
MAF
– Cito um fato para ilustrar sua envergadura moral. Quando fui
vê-lo na Casa de Detenção, logo após sua prisão, acompanhada de
Juarez Vieira da Cunha, com quem eu trabalhava. Gregório, vendo-me
pela primeira vez, perguntou se eu havia sido incluída na procuração
como sua defensora. Ante a minha timidez quanto ao peso da responsabilidade
de defendê-lo, insistiu para que também o defendesse, desprezando
a minha alegação de profissional iniciante, argumentando que a
missão não seria tão difícil do ponto de vista de minha condição
de advogada, já que ele sempre fazia valer sua condição de comunista
convicto, reafirmando-a. Preveniu-me, entretanto, o quanto seria
difícil o caminho que eu iria percorrer posteriormente na vida
comum, no que se relaciona à discriminação que eu iria sofrer,
em vários setores de atividade, juntamente com o meu filho, que
estava para nascer.
P
– E se confirmaram as previsões de Gregório, ou seja, a senhora
tem sofrido algum tipo de discriminação pelo fato de ser defensora
de presos políticos?
MAF
– Fui discriminada por parte da minha família, enquanto outra
parte me dava apoio e incentivo. Mas a verdade é que a maioria
tentava me demover da idéia. No trabalho a complicação foi grande.
Sofri demissões, fui hostilizada, chegando mesmo, no início do
atual Governo a ser perseguida e discriminada por certa chefia,
na repartição onde trabalho, que não me dava trabalhos para executar
e outras chicanas. Eu sempre aceitei tudo com um sorriso nos lábios,
deixando a pessoa que me perseguia insegura quanto aos seus próprios
atos.
P
– Certos setores de esquerda fazem restrições ao seu nome, a sua
atuação como advogada de presos políticos, tachando-a mesmo de
colaboracionista dos órgãos de segurança?
MAF
– Tenho sofrido restrições de certos apressados – injustas para
com quem, de 1964 para cá, atuou como advogada de nomes como Jarbas
Holanda, Cândido Pinto de Melo, Zé Raimundo, David Capistrano,
Júlio Santana, Adalgisa Cavalcanti. A carta que Gregório me escreveu
antes de embarcar para o exílio, e que lhe dou autorização para
publicar na íntegra, é o maior testemunho à minha integridade
e honradez profissional. Qualquer pesquisador honesto que queira
saber dos fatos reais e se disponha a debruçar sobre os arquivos
da Auditoria Militar, vai ver o que tem sido a minha vida profissional
nos últimos quinze anos.
P
– A anistia está aí mas a Lei de Segurança Nacional também. Acha
que a LSN poderá voltar a ser acionada com a frequência dos últimos
quinze anos?
MAF
– A história é pontilhada de contradições e, por que não dizer,
repetições. A conjuntura internacional talvez não o permita, mas
a Lei de Segurança Nacional não deixa de ser uma ameaça para os
contestadores do regime. A nova Lei de Segurança Nacional ainda
é extremamente rígida e cheia de falhas.