Advogada:
Vilocq torturou Gregório
Jornal do Commercio –
27.03.79
“Quando
vi Gregório Bezerra todo ensanguentado, amarrado pelo pescoço
com uma corda de várias pontas que eram puxadas por soldados,
cambaleando pela praça de Casa Forte, tendo à frente o coronel
Darci Vilocq que gritava o tempo todo, decidi fazer alguma coisa
por aquele homem, mesmo sem saber, na hora, quem ele era”.
Esse
testemunho do denominado “passeio” do ex-líder comunista Gregório
Bezerra foi dado ontem pela advogada Mércia Albuquerque, que o
defendeu e o assistiu até o dia em que ele foi banido do país,
em troca do embaixador norte-americano Charles Elbrick: “Gregório
foi muito torturado pelo coronel Vilocq, que não pode negar o
que aconteceu em Casa Forte, pois até crianças assistiram ao que
ele fez”.
Por
defender Gregório Bezerra, Mércia Albuquerque foi presa seis vezes:
“Numa
delas, fiquei sabendo que foi o próprio Vilocq quem autorizou,
mas isso não posso provar. Ele, pessoalmente, nunca me ameaçou
mas eu sofri muitas pressões quando resolvi defender Gregório
até o fim”.
Ela
conta que, no dia em que Gregório “passeou” pela praça da Casa
Forte não sabia nem mesmo quem ele era: “Foi por acaso. Eu era
recém-formada em Direito na época e ensinava na Escolas Reunidas
Pio XII, em Casa Forte. Na cidade, o tumulto era grande e havia
boato de que não haveria aulas. Mesmo assim, fui até ao colégio,
já que começava a dispensar os alunos. Foi então que vi uma gritaria,
todo mundo correndo e fui até a praça ver o que estava acontecendo”.
Ela
classifica de “Quadro Alucinante” a cena que assim descreve: “pela
praça, ia passando uma verdadeira procissão, tendo à frente um
homem que gritava coisas horrorosas que agora não lembro com detalhes
e fiquei sabendo mais tarde que era o coronel Vilocq e, atrás
dele, cambaleando, todo ensanguentado, sendo puxado por soldados
que seguravam nas pontas de uma corda amarrada no seu pescoço,
vinha um homem alto, forte, Gregório Bezerra”.
Segundo
a advogada, as crianças começaram a chorar e gritar e ela perguntou
a um rapaz quem era aquele que estava amarrado: “me disseram que
era o chefe do partido comunista que ia ser enforcado ali na praça
e que o da frente era o coronel Vilocq; uma coisa horrível que
não gosto nem de lembrar. Mas logo depois, ele foi retirado do
meio da rua e naquele momento, eu decidi que ia fazer alguma coisa
por ele”.
Nesse
mesma época, dia a advogada, ela estava estagiando com o advogado
Juarez Vieira da Cunha, que foi contratado para defender Gregório
Bezerra: “eu, dois ou três dias depois do que houve na praça,
fui ao quartel com Juarez conhecer o Gregório. E quando ele quis
saber se também eu o defenderia, expliquei que estava apenas começando,
ao que ele disse: “minha filha, sou comunista e jamais negarei.
Por isso, não é difícil ser meu advogado, pois o que eu quero
é apenas lealdade”.
Juarez
Vieira da Cunha aceitou a defesa de Gregório, mas logo depois,
segundo a Sra. Mércia Albuquerque, foi preso: “sua família ficou
muito traumatizada e quando deixou a prisão, eu resolvi enfrentar
sozinha o caso de Gregório. Recebi pressões de todas as maneiras
possíveis e imagináveis e, durante todo o tempo, tive o apoio
de Boris Trindade, penalista da capital, que muito me incentivou.
Também fui estimulada por outro colega, Fernando Tasso, que me
ajudou demais. E além disso, ninguém mais me apoiava porque eu
era apolítica, não conhecia ninguém do partido e havia abraçado
aquela causa por não concordar com a violência que assisti”.
Ela
disse também que um dia, indo ao quartel de motomecanização, para
pegar uns dados já preparando sua defesa, encontrou o coronel
Vilocq se vangloriando: “ele recebia algumas visitas e mostrava
o cano de ferro com o qual espancou Gregório e tentou empala-lo.
Fiquei tão chocada que fui embora, sem falar mais com ninguém”.
Por
conta dos espancamentos – conta a advogada – Gregório Bezerra
foi operado da próstata e teve que ser medicado para que sarasse
da pancada que levou na cabeça com o cano de ferro, além dos espancamentos:
“quando Gregório foi para o IV Exército, depois do que ocorreu
em Casa Forte, eu levei, escondida, uma pinça para que ele pudesse
retirar dos pés as pedras, pedaços de madeira e outros objetos
que estavam encravados, depois do “passeio”. Seus pés ficaram
estragadíssimos porque antes de sair para a rua, ele me contou
que colocaram soda cáustica em sua cela, para que seus pés ficassem
feridos”.
Por
tudo isso, afirmou a advogada, “eu acredito que o jornalista não
entendeu bem o que Vilocq contou, porque não é possível que ele
negue o que ocorreu na praça de Casa Forte. E as televisões filmaram
o que aconteceu lá e milhares de pessoas assistiram, inclusive eu”.