Recife, 28 de fevereiro de 1967
Prezada
Dra. Mércia, saúde, muita saúde para você, seu esposo e meu
neto carteiro.
Acuso
o recebimento das ameixas e as outras coisas que você mandou-me.
Sou-lhe grato por tudo.
Mércia
amiga, esqueci-me do dia que terei de ouvir a leitura oficial
do meu atestado de fidelidade à luta do nosso povo, contra o
imperialismo e o latifúndio, se você souber, mande avisar-me.
Disseram-me
que você ficou muito chocada com as condenações; isto é uma
prova de sua consciência sadia e do seu imenso desejo de amenizar,
ou mesmo, libertar seus clientes, todavia, nossos julgadores
não pensam com você, nem são possuídos de corações, profundamente
humano como o seu. Eles agem automaticamente, em função de uma
classe, de que são instrumentos conscientes. Entretanto, minha
querida defensora e amiga, não foi surpresa para mim, e para
ser franca, estou preocupado em fazer um exame de consciência,
para saber o que fiz de errado para merecer a diminuição de
um ano, em minha condenação, pois esperava 20 anos, no mínimo
e só me deram 19 anos, o que foi que fiz?
Esta
condenação nada me afeta, mesmo condenado e mergulhado no fundo
do cárcere, sou mais livre do que os militares, que hoje oprime
a todo o povo brasileiro. Fazem o que mandam e não dizem o que
querem, nem o que pensam. Eu faço o que desejo e digo o que
penso, mesmo diante deles. O amanhã é nosso, Mércia.
Para
frente.
Esta
carta deveria ser-lhe entregue por Fernando, que foi (...) Auditoria,
hoje, infelizmente, nós e você não sabíamos e sabe o que houve?
Fernando foi qualificado e ouviu as testemunhas de acusação,
sem a presença de sua advogada. O auditor deu 48 horas para
ele apresentar testemunhas de defesa... Seria bom você comparecer,
se possível, na Auditoria, 4ª feira. Ele lhe explicaria melhor.
Sem
outros assuntos e com toda estima e um abraço fraterno do seu
cliente e amigo
Gregório
Bezerra