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Gregório Bezerra

 Minha cara doutora Mércia
Casa de Detenção do Recife, em 28 de julho de 1967.

 

No momento em que o Superior Tribunal Militar se prepara para julgar a minha apelação contra a iníqua sentença de 19 anos de reclusão que me foi imposta pela Auditoria de Justiça da 7ª Região Militar, quero expressar à senhora, que funcionou, denodamente, como minha advogada, juntamente em companhia de outros dignos profissionais, a minha absoluta tranquilidade de ânimo e a minha profunda compreensão quanto aos resultados desse caso jurídico-militar.

A despeito de me considerar um prisioneiro sem crime – porque crimes não têm aqueles que sempre se colocaram ao lado do povo e da legalidade constitucional – não tenho dúvida de que a sentença de condenação será mantida, dessa ou daquela maneira, a ponto de poder permitir o sacrifício completo de minha liberdade que sou um homem beirando os 70 anos de vida.

Faço um exame de consciência, doutora Mércia, e não vejo como tenha sido nocivo ao povo de minha terra. Desde menino, acompanho os seus sofrimentos. Desde rapazinho que luto em favor da melhoria das suas condições de vida. Não importa que a reação tente me apresentar a esse mesmo povo como um assassino frio e calculista, como um bandido sem entranhas. Depois do movimento insurrecional de 1935, quando os fascistas brasileiros quiseram convencer a Nação que eu havia assassinado oficiais dormindo (a revolta do Recife foi deflagrada pelas 11 horas do dia e nem os IPMs da época falaram em morte de oficiais dormindo!) depois de 1935, fui mandado pelo povo de minha terra, em sufrágio direto, para a Assembléia Nacional Constituinte, tendo sido eleito o 2º deputado federal mais votado de Pernambuco, ultrapassando os limites do próprio quociente eleitoral.

Julgamentos como esse, doutora Mércia, é que definem a história e esclarecem a conduta dos homens. Quisera que os meus os meus carcereiros fossem submetidos, como eu, ao direto e implacável julgamento do povo.

Não tenho ilusões quanto à Justiça Militar, nesta hora em que vivemos, embora reconheça em muitos dos seus dignos Ministros padrões de honradez e dignidade. Mas estou diante de uma Justiça de classe, que me julgará de acordo com as próprias limitações dos interesses da classe que representa. Além disso, muitos desses eminentes Ministros têm preconceitos irremovíveis quanto à minha pessoa, porque não têm condições de entender como um sargento do Exército, como eu fui, tenho chegado, pelas mãos do povo, ao Congresso Nacional e tenha merecido, no curso de sua vida, as melhores demonstrações de carinho desse mesmo povo.

Estou preso desde abril de 1964. Em meu poder, não foram encontrados nem armas nem documentos comprometedores. Fui condenado à pena de 19 anos de reclusão, sem defesa, porque ao meu advogado principal, Dr. Sobral Pinto, a Justiça Militar não concedeu um adiamento de audiência por motivo de doença comprovada. E a senhora, doutora Mércia, que vinha acompanhando o processo desde o início, com inteligência e desassombro, também se retirou da audiência de julgamento, em solidariedade ao grande professor e advogado Sobral Pinto, seu ilustre colega de defesa.

Embora preso, acompanho a marcha do Mundo. E vejo, das grades, esse magnífico espetáculo das lutas de libertação nacional dos povos oprimidos, como o glorioso povo do Vietnan, invencível – tome nota, doutora Mércia – em sua decisão de combater por um mundo melhor, contra o imperialismo e a fome.

Nesta ocasião, quando o Supremo Tribunal Militar se prepara para conhecer de minha apelação, quero agradecer à senhora todo o esforço que vem desempenhando em favor da minha causa. Não se aperreie por mim. Esse mesmo conselho tenho dado aos meus filhos, à minha esposa, aos meus netos e aos amigos. Com quase vinte anos de prisão na minha vida de revolucionário, não tenho o direito de pensar somente em mim. Aos homens que se colocam acima da vida individual, devotados ao bem comum, é bom que se lembrem daqueles versos maravilhosos de Frei Caneca:

 

“Entre Marília e a pátria

coloquei meu coração.

A pátria roubou-mo todo,

Marília que chore em vão.”

 

Com os meus respeitos e os meus cumprimentos à sua digna família,

 

Cordialmente

 

Gregório Bezerra.

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