Eu,
Gregório Bezerra, Acuso!
Apresentação
O Relato
A Tortura
O Processo
A Defesas Acusa
Apresentação
Do fundo
do cárcere, no Recite, Gregório Bezerra enviou
o relato que se vai ler abaixo, em linguagem de autêntico
"filho do povo", que Gregório é, como
Maurice Thorez o foi. Retocar essas notas seria um crime, porquanto
estaria sendo atingida a própria fidelidade do estilo
de um camponês, fiel a si mesmo e às suas origens.
Daí, porque, vale a pena conhecer o que Gregório
escreveu, modestamente, sobre si próprio, algumas vezes
até minimizando a sua participação nos
fatos políticos e sociais. Em respeito à pessoa
desse que, como Auguste Blanqui, o comunardo francês que
ostentava nos seus setenta anos de vida, quarenta de prisão,
clandestinidade e exílio - e Gregório está
perto disso, como o político brasileiro, de todos os
tempos, que mais tempo sofreu nos cárceres -, leiamos
o relato que se incorporará, decerto, à história
do povo brasileiro, como um documento do mais alto valor. Depois
disso só nos restará recordar Górki, quando
disse: "- Homem, que essa palavra soe bem alto". E,
de fato, com Gregório ela ainda não deixou de
ressoar, o seu eco se ouve em todos os rincões do País
e as paredes medievais da Detenção do Recife não
foram suficientes para abafá-la. Porque, ali, um homem,
um político, um comunista, escreve, silenciosamente,
com letras de ouro, uma saga que as futuras gerações
brasileiras jamais esquecerão.
O RELATO
Minha Infância
"- Nasci no município de Panelas de Miranda, Pernambuco,
em 13 de março de 1901, filho de camponeses paupérrimos
e analfabetos e tive, como jardim de infância, o trabalho
na preparação de roçados."
"- Ao completar quatro anos de idade me disse minha mãe:
"- Meu filho, tu intera, hoje, quatro aninhos. Já
tá um home, tá bom de trabaio, manhã tu
vai trabaiá com nói, Iimpá mato no roçado.
"- Meu pai colocou um cabo, numa enxada velha, gasta pelo
trabalho e o tempo, e fez o mesmo com um cacareco de foice,
e me falou:
"- São teus. Toma conta e zela, da manhã
envante tu vai aprendê a trabaiar com nói, em tudo."
"- Foi a minha 'escola', durante os primeiros anos de vida.
E foi uma excelente escola."
Vidas Secas
"- Em 1905, acossados pelos flagelos da seca e da fome,
emigramos para a zona da mata, no sul do Estado de Pernambuco,
para a zona canavieira. Fomos morar em um sítio de um
casal de tios."
"- Aqui fomos castigados por um inverno rigoroso que arruinou
toda nossa lavoura e quase perdemos minha mãe."
"- Famintos e aos trapos, fomos trabalhar no engenho "Brejinho",
onde comecei a minha vida de assalariado agrícola, ganhando
80 réis por dia, espalhando e juntando bagaço
de cana, para alimentar a fornalha do engenho."
Cabra-do-Eito
"- Estamos, agora, em 1907. Fui trabalhar, ou iniciar-me
nos serviços do eito, com a assistência dos meus
pais e dos meus irmãos. Tempos depois meu salário
foi aumentado para 140 réis diários. Ainda neste
ano passei a trabalhar como ajudante de carreiro, com um primo.
Embora ganhando mais e a trabalho exigir maior responsabilidade,
tinha que me levantar de madrugada para juntar os bois e levá-los
para o galpão onde ficavam os carros."
"- Quando não havia trabalho de carriamento, ia
trabalhar na estrebaria, cuidando do cavalo do senhor de engenho.
Esse serviço me abrigava, também, a levantar-me
de madrugada para ir aos brejos cortar capim, e amontoá-lo
no caminho, para que depois fosse transportada à estrebaria.
Depois, tinha que o limpar e serrá-lo. O animal tinha
que ser bem tratado, pois assim queria o 'patrão'. Às
8 horas do dia, a estrebaria já devia se encontrar bem
limpa, para o cavalo comer sua primeira refeição."
Chepa Barata
"- A minha primeira refeição era um gole
de 'pinga', dado por minha mãe, para, segundo ela, 'espantar
o frio e dar-me coragem'. Às 10 horas enganava o estômago
com um prato de farofa, com uma migalha de charque ou um pouco
de bacalhau. A seguir ia cuidar da horta da 'casa grande', até
o meio dia, quando largava para levar o cavalo até o
rio, onde o lavava e deixava-o beber. Para se ter uma idéia
do meu tamanho, naqueles anos, basta que se diga que tinha de
encostar o animal junto a uma pedra de regular tamanho, ou resto
de tronco cortado, para alcançar o seu lombo ou pescoço."
Desgraça
"- Neste mesmo ano (1907) meu pai foi gravemente acidentado
e levado, às pressas, para um hospital do Recife. Somente
tivemos notícia do seu fim quando já adultos.
Fechando o ano, minha saudosa mãe veio a falecer, vítima
de pneumonia."
Orfandade
"- Fiquei, assim, junto com outros irmãos, - ao
todo, onze -, órfão de pai e de mãe. Minha
avó materna tentou nos amparar, mas a fome e a seca devoravam
tudo. Houve, então, a debandada, a família espalhada
por toda parte. Eu fiquei com minha avó até 1910,
quando emigrei para o Recife, como escravo doméstico
da família do senhor de engenho de Brejinho, a quem vim
encontrar de novo, em Palmares, Pernambuco."
Disparada
"- Dois anos mais tarde, não suportando os maus
tratos e injustiças dessa família, fugi para não
ser mais escravo de ninguém."
"- Sem pais, sem casa onde residir e sem amparo de ninguém,
ainda menino, tornei-me ganhador-de-fretes. Dormia onde o sono
me vencesse, comia nos quiosques quando apanhava algum dinheiro.
E quando não ganhava curtia fome. Era assim, o dono de
todas as calçadas, de todos os pés de escada abertos
da cidade do Recife..."
Jornaleiro
"- Encontrei gente boa, generosa, humana, mas encontrei,
também, gente ruim, perversa e desalmada."
"- Fracassando na profissão de freteiro e não
tendo quem me orientasse, ou me arranjasse uma profissão
segura, com o pão certo, tornei-me gazeteiro, vendedor
de jornais, profissão duríssima na época,
principalmente para os de minha idade."
Operário
"- Em 1917 cheguei a ser ajudante de pedreiro, arrumador
de armazéns e até carvoeiro. Nos serviços
de construção civil foi que me demorei mais. Participei,
então, das lutas sociais do operariado pernambucano.
Em 1922 ingressei no Exército."
Militar
"- Fui soldado do Exército, desde 1922, e no Exército,
em 1925, aprendi a ler. Resolvi, então, enfrentar o curso
da Escola de Sargentos da Infantaria e já em 1926, no
fim do ano, era promovido a sargento instrutor. Em 1930 matriculei-me
na Escola de Educação Física do Exército.
Até então era apolítico. Caíram-me
nas mãos alguns livros sobre a História do Socialismo
e das Lutas Sociais. Descobri a verdade, finalmente. Inspirado
no exemplo e na luta heróica do povo soviético,
desde a Revolução de 1917, achei o caminho que
há muito procurava: - o caminho da libertação
do Proletariado e das massas Camponesas."
Revolucionário
"- Ingressei nas fileiras do glorioso Partido Comunista
como um soldado consciente, e fiel, da Classe Operária
e do Povo. Fiz-me revolucionário."
"- Fui dos dirigentes do movimento armado da Aliança
Nacional Libertadora, em novembro de 1935, em Pernambuco e todo
e todo o Nordeste. Dei tudo que pude. Fui gravemente ferido,
preso e barbaramente espancado e torturado pela polícia
político de Malvino Reis, Etelvino Lins & Cia. Recolhido
à Casa de Detenção, fui julgado e condenado
a 27 anos e meio de reclusão, pelo Tribunal de Segurança
Nacional. Recebi, na prisão, a dolorosa trágica
notícia do trucidamento do meu irmão, o dirigente
operário José Lourenço Bezerra, que havia
sido preso a 4 de agosto de 1936 e morto a 18 do mesmo mês,
após 14 dias de torturas e de espancamentos. Deixou viúva
e 5 filhos menores, o mais velho, com 6 anos."
Decisão
"- Queriam os covardes algozes do meu irmão que
ele fizesse e assinasse 'declarações espontâneas'
contra o Partido, a Aliança, a Revolução.
Ante a sua recusa, digna de um soldado da classe operária,
liquidaram-no fisicamente em meio a horríveis torturas."
"- Esse monstruoso crime da reação serviu
para selar, definitivamente, as minhas convicções
revolucionárias e enrijecer-me mais ainda para a luta
do povo brasileiro, na busca de sua completa emancipação."
Prisões
"- Durante 10 anos perambulei por diversos cárceres.
Na Casa de Detenção do Recife passei 3 anos e
6 meses, na mais dura e desumana condição. Outros
3 anos e 6 meses, no Arquipélago de Fernando de Noronha,
de onde saímos por causa da segunda guerra mundial e
sua expansão. Passei, então, para a Ilha Grande,
no Estado do Rio de Janeiro, onde existia um presídio
de triste celebridade; pouco antes da Anistia, fui transferido
para a Penitenciária do antigo Distrito Federal, hoje
Estado da Guanabara, isso, em 1 945."
Legalidade
"- Libertado, em maio de 1945, voltei ao Recife, para reorganizar
o Comitê Estadual do Partido Comunista de que fui membro,
a participar ativamente, das lutas democráticas. Em 2
de dezembro de 1945, após memorável campanha,
tiveram lugar, em todo País, eleições gerais.
Fui eleito deputado federal, na legenda do PCB, então
legal, integrando, na Constituinte, a bancada de 15 parlamentares,
que tinha como seu líder o camarada Prestes. Fui o candidato
mais votado do Recife e o segundo, por número de votos,
em todo o Estado. Comigo se elegeram os companheiros Agostinho
de Oliveira e Alcedo Coutinho."
Constituinte
"- Em minha passagem pela Assembléia Nacional Constituinte
pronunciei 22 discursos, salientando-se, pela sua importância
e repercussão: 1) o direito de vota aos analfabetos e
praças-de-pré; 2) a situação da
juventude trabalhadora no Nordeste; 3) as reivindicações
dos ex-combatentes."
"- Como membro da Comissão Especial do Vale do São
Francisco tive o reconhecimento, dos demais membros, quando
destaquei a necessidade de se dar ao homem da região
condições favoráveis de vida. Discuti a
reorganização do Departamento Nacional da Criança,
na mesma sessão em que ocorreu a cassação
dos mandatos dos parlamentares comunistas, em 9 de janeiro de
1948. Foi a minha despedida da Casa de Tiradentes."
Farsa "-
Em 16 de janeiro de 1948 fui sequestrado, em plena Cinelândia,
pela polícia político do Rio, por ordem do então
ministro da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa. Acusaram-me
de haver incendiado o Quartel do 15º Regimento de Infantaria,
sediado em João Pessoa, Estado da Paraíba, há
dois mil quilômetros da cidade em que me encontrava, e
dela não saíra. Fiquei incomunicável 91
dias, após o que me transferiram para o Recife, em regime
de semi-incomunicabilidade, até ser julgado pelo Conselho
da Justiça Militar, na auditoria da 7ª Região
Militar. Fui defendido pelos advogados Aristides Saldanha e
Carlos José Duarte, e da tribuna, acusei o quanto havia
de falso em acusar-me uma ação terrorista própria
dos fascistas. Fui absolvido por falta de provas, resultado
que todo o País já esperava."
Mergulho
"- O Serviço Secreto do Exército e a polícia
política de Pernambuco inconformados com a minha absolvição,
mesmo após um ano e vários meses de prisão
injustificada, tentaram me sequestrar, promovendo um cerco ao
quartel do RO, em Olinda e proximidades, do qual logrei escapar
incólume, graças a ajuda de corajosos e dedicados
companheiros."
"- Fui forçado a cair numa duríssima clandestinidade,
por 9 longos anos, caçado, por todo o país, pelas
várias polícias políticas dos Estados e
serviços secretos das forças armadas, como se
fosse um animal perigoso."
Trabalho
"- Fugindo de Pernambuco, passei a condição
de "turista" sem dinheiro. Pude conhecer melhor a
vida dos meus irmãos camponeses dos Estados de Goiás,
Minas, Mato Grosso, São Paulo e norte do Paraná.
Por onde andava, minha preocupação permanente
era a de cumprir com o meu dever, ajudando as massas operárias
e camponesas a se organizarem. Realizei centenas de comícios,
conferências e palestras sobre a Reforma Agrária.
Organizei dezenas de núcleos de futuras Ligas Camponesas
e, onde pude, sindicatos rurais. Ao lado dos posseiros, do norte
do Paraná e de Goiás, lutei contra os 'grileiros'
e ladrões oficializados, assumindo, essas lutas, algumas
vezes, formas vigorosas. Colhi mais de 16 mil assinaturas na
companha do "Apelo de Estocolmo" e organizei centenas
de Conselhos Pró Paz, no Brasil, batendo-me contra a
preparação guerreira e seus traficantes."
Autocrítica
"- Autocriticando-me penso que jamais me descuidei dos
meus deveres específicos de militante comunista.
Ao menos, no fundamental. Admito haver cometido erros e possuir
algumas falhas que, com a ajuda do povo e do Partido, superei.
Creio, contudo, que, em tempo algum jamais me faltou ânimo
para desempenhar as tarefas de organização da
vanguarda política da Classe Operária."
"- Tenho alguma experiência no trabalho paciente
da organização das massas, de que provenho, e
as quais sempre me liguei e com elas muito aprendi na sua luta
incessante contra o latifúndio e o imperialismo, pelo
progresso e a emancipação social do Brasil. Essa
luta será minha até a morte, eu o asseguro, da
prisão onde me encontro. Sempre lutei e continuarei lutando
pelo registro eleitoral do Partido Comunista Brasileiro, por
cuja legalidade todos devemos nos bater, em nome da própria
democracia em nossa terra.
Humanismo
"- Em 1957 achava-me excursionando pelo interior baiano.
Fazia já nove anos que estava afastado da família.
Senti saudades da esposa, dos filhos e dos netos. A estes, nem
sequer conhecia. 'Meus filhos tinham casado e já eram
pais, como eu o fui, ainda jovem. Não conhecia, também,
genro, nem nora, a quem desejava, igualmente, abraçar.
Como avô, tinha uma vontade irresistível de beijar
meus netos, pô-los no colo e fazer-lhes carinhos. Não
aguentei as saudades e vim ao Recife, sem dar conhecimento a
ninguém, mesmo ao Partido, porque queria ser o único
responsável pelo meu ato, ousado demais, para quem se
achava em dura e cruel clandestinidade revolucionária."
"- Vim, vi-os, senti-os e, na volta, fui reconhecido e
preso, na cidade sertaneja de Serra Talhada, interior de Pernambuco,
de onde me transferiram para o Comissariado de Caxangá,
no Recife. À noite desse mesmo dia fui duramente interrogado
pelo delegado Álvaro da Costa Lima e o 'tira' conhecido
por 'Chico Pinote'. No dia seguinte me transferiram para a Secretaria
de Segurança Pública, onde fui ouvido pelo coronel
Secretário de Segurança. Não fui espancado,
recebi apenas ameaças. Estava preparado para tudo e até
me surpreendeu o tratamento recebido. Do Recife mandaram-me
à Polícia Central, no Rio, onde, igualmente, fui
tratado como ser humano. Dias depois fui posto em liberdade,
em obediência a uma ordem de 'habeas-corpus' e semanas
após, era revogada a prisão preventiva contra
mim decretada. Custara-me caro a grave infração
às normas de segurança do Partido, a aventura
sentimental, a saudade familiar, o meu lado humano."
Vida Livre
"- Mas a inexistência de qualquer processo contra
mim, a partir de então, tornara-me um homem livre, como
as demais.
Não havia mais razão para ocultar-me, mesmo, porque,
a dura ilegalidade do Partido estava sendo atenuada, inúmeros
quadros haviam retornado à atuação político
de massas sem nenhum constrangimento policial. Resolvi tentar
o retorno a Pernambuco e ao Nordeste, apesar das ameaças
de prisão e até de liquidação física,
mesmo porque, todo revolucionário deve ter um pouco de
audácia."
"- Ao chegar ao Recife engajei-me, de novo, no trabalho
de massa, na campanha pela renovação dos títulos
eleitorais e alistamento de novos eleitores. As massas, descrentes
dos políticos das classes dominantes, não confiavam
mais em eleições, fazenda pouco caso do trabalho
eleitoral. Tivemos que agir com paciência, mas, os resultados
foram magníficos, porque conseguimos criar a 'Frente
do Recife', integrada pelas forças progressistas e patrióticas,
e eleger o seu candidato, o Dr. Pelópidas Silveira. Mais
tarde, em 1959, com o apoio tardio do Governador Cid Sampaio,
elegemos o nacionalista Miguel Arraes de Alencar, prefeito do
Recife. E em 1962, mesmo lutando contra o Governador, o latifúndio,
o imperialismo e o IBAD, afora o Rosário em Família,
o povo fez do Dr. Miguel Arraes de Alencar, governador."
Tempos de
Arraes "- Pernambuco teve, então, o primeiro governo
estadual autenticamente democrático e progressista. Governo
que humanizou a zona rural, garantindo deveres e direitos, a
ricos e pobres, empregadores e empregados."
"- Dirigi em Pernambuco a campanha pelo registro eleitoral
do Partido Comunista Brasileiro. Realizei comícios e
conferências em todos os bairros do Recife e nos principais
municípios do Estado."
"- Participei de todos os movimentos nacionalistas e democráticos
que tiveram lugar no Brasil."
Golpe "-
Com o golpe militar de 1º de abril de 1964, fui preso quando
procurava mobilizar a massa camponesa pernambucana para defender
a permanência, no governo, do Dr. Miguel Arraes de Alencar
e resistir ao movimento insurrecional. Estava em Palmares e
fui levado ao Parque de Moto Mecanização, em Casa
Forte e espancado, pessoalmente, pelo coronel do Exército
Darcy Ursmar Villocq, a cano de ferro, no que este ajudado por
três ou quatro sargentos. Fui, também, amarrado
e arrastado pelo pescoço, pelas ruas do Recife, num espetáculo
de puro nazismo que horrorizou a toda gente. Hoje me encontro
recolhido à Casa de Detenção do Recife,
onde escrevo estas notas, aguardando o meu julgamento, pelo
Conselho de Justiça Militar da 7ª Região.
Estou tranquilo, porque ao meu lado está todo o povo
brasileiro, o proletariado, as massas camponesas, os intelectuais.
Não temo o futuro. Espero o dia em que serei libertado,
que acredito próximo, se o povo souber unir-se para derrotar
a ditadura que aí está. Então estarei outra
vez, nas ruas, ao lado do meu povo, para lutar pela libertação
nacional, do jugo de nossa Pátria pelos imperialistas
norte-americanos, pelo progresso do Brasil, contra o atraso
e pelo bem-estar de todo o povo brasileiro."
"- Esta á a minha única aspiração."
A TORTURA
A literatura
revolucionária contém preciosas narrativas, acerca
de brutalidades e de torturas, sofridas por revolucionários
e patriotas, nos vários países do mundo, através
dos tempos. O relato do poeta Júlio Fuchik, publicado
em livro sob o título "Testamento sob a Forca",
ainda hoje comove milhões de leitores, queimando como
fogo as carnes putrefactas dos SS nazistas. "Memórias
do Cárcere", de Graciliano Ramos, continua sendo
o maior libelo acusatório do Estado Novo e da edição
brasileira do fascismo, agora rediviva, por obra e graça
do Pentágono. As palavras que vamos ler não foram
produzidas por um poeta, como Fuchik, ou um escritor do gênio
de Graciliano. Um camponês, de mãos grandes, desengonçado,
de olhos azuis, os cabelos embranquecidos pelo tempo, pronunciou-as
diante dos juizes militares, da imprensa, dos advogados e do
povo que compareceu no seu interrogatório na Auditoria
da 7ª Região Militar, no Recife. Algumas dessas
palavras foram publicadas, em jornais, resumidas ou truncadamente.
Outras, oralmente, chegaram ao conhecimento de diminutos círculos,
como sói acontecer em época de ditadura. Vale
a pena, pois, lê-las na sua íntegra, sem glosas,
nem comentários, como foram ditas e por quem o foram.
Apenas se custa a acreditar, após conhecê-las,
que a natureza humana haja descido tanto no Brasil de hoje.
Ao se tomar conhecimento do miserável papel de torcionários,
como os Villocqs e Ibiapinas, e seus auxiliares, tem-se a vontade
de dizer como aquela personagem de Sartre, em "Mortos sem
sepultura": "- Num mundo onde a maldade é tanta,
a vida não tem sentido".
Os Himmlers e os Heidrichs, os enforcados de Nuremberg, as bestas
de Buchenwaid e os cães de Auschewitz, e até as
torquemadas, se vivas fossem, aplaudiriam, delirantemente, seus
discípulos diletos de verde oliva, desgarrados nos trópicos.
Felizmente o que conta, para a História e a Vida, não
são os Villoqs e Ibiapinas: são os Gregórios.
Quem recorda o nome do fuzilador de Frei Caneca ou do carrasco
de Tiradentes? A espécie humana não está
representada, nunca, por esses trogloditas, por asses escapos
das cavernas, mas, sim, pelos homens como Gregório que
conseguem triunfar sobre a baixeza, o sadismo, a dor física,
a vontade de trair, de conciliar com o carrasco, de não
pensar na morte.
Fuchik: ao subir para o patíbulo, depois de passar por
horríveis torturas, ainda podia dizer: "- Homens,
eu vos amava". Gregório, como Fuchik, passou pela
tortura e não perdeu o sentimento humano, o amor pela
humanidade. Vidas assim, não perderam o sentido, nem
serão, jamais, um equívoco.
Prisão
"- Minha prisão teve lugar no dia 2 de abril de
1964, em terras de propriedade da Usina Pedrosa, no município
de Cortês, em Pernambuco, cerca das 9 horas do aludido
dia. De jipe, eu me dirigia sozinho, para Ribeirão, sabendo,
por alto, dos acontecimentos que se desenrolavam no País."
"- Ao aproximar-me da Usina Pedrosa, encontrei-me, frente
a frente, com outro jipe, guiado pelo capitão Rêgo
Barros, da Polícia Militar de Pernambuco, que se fazia
acompanhar de diversos investigadores. Quando me reconheceu,
deu-me voz de prisão."
Tentativa
"- A seguir Gregório conta como, ao ser conduzido
preso, deparou-se, ao mesmo tempo, com um destacamento do 20º
Batalhão de Caçadores, que ocupara Ribeirão,
vindo de Maceió e um bando de pistoleiros, comandados
pelo usineiro José Lopes de Siqueira Santos, que se notabilizou,
tristemente, pelo assassínio, a metralhadora, de camponeses
da Usina Estreliana, de sua propriedade que, pacificamente,
reclamavam o pagamento de solários atrasados.
O capitão Rêgo Barros evitou o seu trucidamento,
alegando que o prendera à ordem do coronel Ivan Rui,
novo secretário de Segurança Pública e
só aquela autoridade, ou da Exército, entregaria
o prisioneiro. Finalmente se chegou a um acordo; um pelotão
do 20-BC levou-o diretamente ao Quartel General do IV Exército,
onde já o esperava, para interrogá-lo, o próprio
general Justino Alves Bastos.
Afronta
"- Gregório Bezerra conta que, em Ribeirão,
tivera o pulso amarrado com cordas e sangrava quando o levaram
à presença do general Justino. Lá estava
o truculento coronel Ibiapina que, ao vê-lo, perdeu a
compostura e ameaçou-o na presença do próprio
superior: "- A tua honra vai se dissolver daqui a pouco".
E acrescentou: "- General, esse Gregório Bezerra
foi meu instrutor no Colégio Militar do Ceará,
o melhor instrutor de educação física,
o homem mais estimado e mais querido dos alunos do Colégio.
Hoje, metido no comunismo! Traiu a confiança de todos
e da Pátria, esse Gregório! Hoje tenho nojo e
ódio de ti".
Com a mesma entonação de voz Gregório respondeu-lhe:
"- Também tenho nojo e ódio aos que me insultam!
Sou mais patriota do que aqueles que me chamam de traidor e
de vendido!"
Armas "-
O general Justino Alves Bastos antes de recolher Gregório
perguntou-lhe:
"- Onde estão os depósitos de armas sob a
sua responsabilidade?
Gregório respondeu-lhe com dignidade revolucionária:
"- Que depósitos, General! Não os tenho.
Se os tivesse, não estaria, agora, em vossa presença,
sendo humilhado e insultado dessa forma. Estaria nas ruas, lutando.
Justino insistiu:
"- O que estava fazendo pelos engenhos e usinas?"
Gregório redarguiu:
"- Cumprindo o meu dever de patriota, junto aos camponeses
espoliados e escravizados pelos latifundiários."
Ibiapina interviu:
"- Essa, não! Comunista cumprindo deveres patrióticos...
Quem já viu um traidor da Pátria ser patriota?"
Gregório mais uma vez objetou:
"- Sou comunista e sou um patriota verdadeiro."
E protestou, energicamente, contra as afrontas que recebia.
Tortura
"- O drama de Gregório, daí por diante se
desenrola em meio ao terror, digno de descrição
por um Kafka ou um Hoffmann. Levaram-no para a Fortaleza das
Cinco Pontas, em cujas cercanias foi fuzilado Frei Caneca e
depois, para o Parque de Moto-Mecanização, no
arrabalde de Casa Forte, guarnição sob comando
do coronel Villocq.
O próprio coronel foi esperá-lo, no pátio
do quartel, com um cano de ferro, iniciando, ele próprio,
o espancamento, aos gritos de que Gregório havia incendiado
"o meu sagrado 15 RI", mentira deslavada, porquanto
Gregório fora absolvido da acusação pela
própria Justiça Militar. Tratava-se, tão
só, da busca de um pretexto para o início das
atrocidades.
Relatou Gregório aos juizes militares:
"- Uns três ou quatro sargentos do Parque de Moto-Mecanização,
instrumentos inconscientes daquele verdugo, completavam o espancamento
com pontapés e socos por todos os lugares do meu corpo.
As pancadas se sucediam no estômago, no rosto, nos rins,
nos testículos, nas costas, nas pernas. Um grupo de sargentos
e soldados, ao longe do pátio do quartel, assistia aquele
quadro de covardia e sadismo sem precedentes, silenciosamente."
As sevícias continuaram, no xadrez. Gregório sangrava,
abundantemente. O próprio Villocq batia com o cano de
ferro, num homem agarrado, gritando, histericamente: "-
Eu sou ibadeano". E os sargentos agressores, em coro: "-
Nós, também!". Desnudaram-no, quase desmaiado
e Villocq mandou que os sargentos lhe enfiassem o cano de ferro
no corpo. Gregório reuniu as últimas forças,
revidou os golpes e pode salvar-se da suprema ignomínia
arquitetada por uma besta humana.
Circo Romano
"- Vestiram-lhe um calção, ataram-lhe o pescoço
com uma corda e depois de o fazerem andar num chão molhado
com ácido, para queimar-lhe a planta dos pés e
embaçarem a vista, resolveram 'passear' com Gregório
pelas ruas adjacentes do quartel.
"- Aí, Villocq comandou a minha saída - diz
Gregório - em procissão, pelo subúrbio
de Casa Forte, numa demonstração tipicamente medieval.
Eu, na frente, de calção, com o sangue a jorrar
de todos os lados, e a malta de militares, com Villocq no comando,
a puxar-me pelo pescoço, em três tiras de corda,
cada um puxando para um canto. E eu, sem poder me por de pé,
tal o estado de abatimento físico. Mas se eu caísse,
talvez fosse pior. Então, eu reagia e punha-me a andar.
Os pés, nessas alturas, eram verdadeiras feridas, pela
ação do ácido."
"- Gregório Bezerra vai ser enforcado na Praça
de Casa Forte. Venham ver!" - gritava o nazista Villocq,
como um possesso. Outras vezes convidava o povo para linchá-lo,
sem que fosse atendido. Também aludia ao seu fuzilamento.
Os alunos do CPOR negaram-se a participar do massacre. Uma irmã
de caridade desmaiou. As mulheres choravam convulsivamente,
entre elas a própria esposa do coronel Villocq, o que
irritou o SS, o qual gritava, a altos brados: "Está
com pena deste bandido? Ele vai morrer agora mesmo. Venha assistir
também o seu enforcamento na Praça, venha também."
Mais de mil pessoas assistiam, atônitas, o massacre, porque
mesmo na rua, ainda o espancavam. Parou o trânsito. Passageiros
de carros particulares e ônibus foram obrigados a presenciar
um espetáculo que o Recife só vira, dantes, no
Brasil Colônia, quando foram justiçados os revolucionários
de 1817. Uma freira telefonou para o Arcebispo interino pedindo
para parar o "espetáculo de circo romano".
O pastor se entendeu, diretamente, com o comandante do IV Exército,
general .Justino, o qual aquiesceu. A ordem de parar veio pelo
coronel Ibiapina, que 'argumentou' com Villocq a seu modo: "-
Ainda tenho de interrogá-lo. Depois, façam dele
o que quiserem."
O Homem
- Villocq, entretanto, saiu derrotado nos seus intentos. Não
conseguiu, em momento algum, o apoio da população,
mesmo das classes médias, habitantes do bairro. Os oficiais
da reserva recusaram-se a participar do massacre. E de centenas
de soldados, graduados e oficiais, apenas uns poucos consentiram
em se rebaixar ao papel de verdugos SS.
A sua maior derrota, porém, foi quando pretendeu humilhar
Gregório e desmoralizá-lo, perante o povo.
"- Diga, bandido: eu sou um traidor da Pátria!"
Ao que Gregório respondeu:
"- E eu sou um patriota, coronel!"
"- Diga, bandido: minha pátria está livre!"
Gregório, outra vez, fulminou-o:
"- Minha pátria será livre, coronel."
Filmagem
"- Fui levado, novamente, para o quartel das Cinco Pontas.
Seriam 15 horas e 30 minutos. Aí chegando, fui filmado
pelos fotógrafos de televisão, no estado em que
eu estava. Depois eu soube que este filme foi levado, nas duas
televisões do Recife, à note, despertando uma
onda de indignação em todo Nordeste. Houve gente
que desmaiou de emoção, durante o filme em que
eu aparecia completamente ensanguentado, com as cordas no pescoço"
- contou Gregório no seu depoimento aos juizes militares.
A Lei de Segurança do Estado diz em seu artigo 22:
"- Ofender fisicamente, injuriar ou coagir, por motivos
doutrinários, políticos ou sociais, pessoa que
estiver sob a sua autoridade ou permitir que outro o faça."
Pena: reclusão de um a dois anos.
Os regulamentos militares também mandam punir, rigorosamente,
os comandantes que ajam como Villocq agiu, cominando-o, ainda,
com sanções morais, porque, segundo o código
de ético da profissão tal procedimento infamante
atinge o bom nome da corporação e a honra dos
seus componentes.
Os juizes militares, contudo, não mandaram abrir nenhum
inquérito policial militar a respeito. O general Ernesto
Geisel que, a mando do marechal Castelo Branco, compelido pela
imprensa a investigar "o caso das torturas de criminosos
políticos", ouviu Gregório, concluiu pela
improcedência das acusações.
O coronel Ibiapina foi promovido por merecimento e obteve, como
prêmio, a responsabilidade de comandos de maior importância
no sul do país.
Mensagem
"- Assim Gregório concluiu sua narrativa aos juizes
militares:
"- Sofro, ainda, as consequências das torturas que
me foram impostas por Villocq, esperando no cárcere que
o furacão desapareça e surja novamente a liberdade,
o melhor bem da vida."
"- Preciso operar-me e recuperar, totalmente, a minha saúde,
para continuar lutando pela libertação nacional
do jugo dos imperialistas norte-americanos, pelo progresso do
Brasil, contra o atrasa e pelo bem-estar de todo o povo brasileiro.
Esta é a minha única aspiração."
O
PROCESSO
Gregório
Bezerra, mais uma vez, enfrenta um tribunal da reação,
após vários anos de sua prisão, no Estado
de Pernambuco, em 2 de abril de 1964. Enquadrado na Lei de Segurança
Nacional, como incurso nas penas do artigo 2º. do referido
diploma legal que pune o crime de lesa-Pátria e de traição
nacional, aguarda o veredito dos juizes militares da Auditoria
da 7ª Região Militar, podendo vir a ser condenada
a uma pena de 15 a 30 anos.
O processo é uma monstruosidade e quem o diz é
a sua defensora, a advogada Mércia de Albuquerque Ferreira,
que aceitou a incumbência do patrocínio da causa
porque seus anteriores advogados se declararam coatos e sem
condições para o livre exercício da profissão.
"- Sob todos os aspectos, esse processo é uma monstruosidade
jurídica. Há, nele, graves nulidades, tanto de
forma como de conteúdo. Sua peça informativa -
o inquérito policial militar - tem manchas de sangue.
Do sangue do espancamento dos réus e de testemunhas.
Muitos dos denunciados sofreram os piores suplícios -
que a Nação conheceu em detalhes. Gregório
quase foi morto. Suas torturas foram filmadas e rodadas no vídeo
das televisões do Recife, num espetáculo de circo
romano." - diz a sua defensora.
Prossegue a Dra. Mércia: "- Das nove testemunhas
de acusação ouvidas em Juízo - nove testemunhas,
apenas, para um processo de mais de trinta réus! - a
maioria delas é confessadamente agentes do Serviço
Secreto das Forças Armadas. As que não são
agentes secretos, são militares da ativa da Polícia
Estadual. Todas, enfim, com interesse na causa, na apuração
unilateral da causa."
Pode-se prever a que ocorrerá quando os "juizes"
pronunciarem o seu veredito. O IPM sobre "a subversão
em Pernambuco" foi presidido pela tenente-coronel Hélio
Ibiapina, do Serviço Secreto do Exército e que
se celebrizou pelas torturas infligidas às suas vítimas.
Esse IPM teve a chancela do então general comandante
do 7º RM, general Murici, de notória ideologia fascistizante.
Os oficiais que compõem as Auditorias Militares, na presente
época de ditadura não oficializada, são
inferiores tanto ao apurador, como ao chancelador da farsa.
Além de tudo foram escolhidos a dedo, afastados aqueles
que poderiam por em dúvida as acusações
ao "cabeças", que são o ex-governador
Miguel Arraes, seus auxiliares diretos e Gregório Bezerra.
Não é por acaso que a reação faz
questão que os acusados de "crimes políticos"
sejam julgados por tribunais militares. Emílio Zola conta
em seu livro "Acuso" que, tendo posto em dúvida
a honestidade do julgamento que condenou o capitão Dreyffus,
de origem judia, como traidor da França e espião
da Alemanha, foi processado pelo ministro de Guerra, perante
um tribunal militar. Quando o ministro de Guerra compareceu
ao Supremo Tribunal Militar para, em pressão, ratificar
a sua queixa contra o jornalista, à ocasião sentado
no banco dos réus, os 'juizes' puseram-se em posição
de sentido e até o presidente, inadvertidamente, os acompanhou.
Zola se sentiu prejulgado e da própria sala de audiência
rumou à Inglaterra, onde pediu asilo e tomou conhecimento
da sua condenação. Isso não quer dizer,
contudo, que não possa haver exceções à
regra, que esse ou aquele juiz dê provas de honestidade
profissional ou pessoal. Tem havido casos até mesmo no
STM, no mais alto escalão do Judiciário militar,
mas, via de regra funcionam os tribunais militares como 'juízos
de castas', como os chamou um ex-auditor militar, Gomes Carneiro.
A monstruosidade maior não é o processo em si
nem o juízo a que foi distribuído: ela consiste,
na verdade, na desfaçatez com que pessoas comprometidas
com o imperialismo estrangeiro, ou mais precisamente, com os
objetivos criminosos dos trustes norte-americanos e dos militares
do Pentágono, que tudo fazem para atrelar o Brasil ao
carro de guerra dos Estados Unidos, seja em São Domingos,
seja no Vietnã, que estão leiloando as riquezas
minerais do País e até liquidando as indústrias
estatais nacionais, após haver alienado a soberania pátria
quase que inteiramente, em favor da OEA, essa gente tem o cinismo
de acusar de 'verde-pátria' a patriotas provados como
Miguel Arraes e Gregório Bezerra! É a velha tática
do larápio que sai gritando 'pega o ladrão', para
salvar-se da polícia...
O promotor Acioli, a quem foi dada a tarefa inglória
de acusar Arraes e Gregório, é um conhecido arrivista
político que, em certa época de sua vida, se intitulou
"homem de esquerda" e chegou mesmo a presidir uma
das associações de bairros do Recife, mantendo
contatos administrativos com o Sr. Miguel Arraes, quando prefeito
e mesmo após governador. Por isso mesmo ele resolveu
dar à peça de denúncia um certo colorido
de crítica ao marxismo, citando, amiúde, Lenine
Marx, Fidel Castro e Mao Tsé-Tung, para provar a sua
tese de que estava em curso no Brasil, em 1964, a preparação
psicológica de uma "guerra revolucionária"
através do que classificou "prolegômenos da
subversão". Os mestres do socialismo são
citados, ora truncados, ora falsamente, mas, ainda mesmo apelando
para o que leu na sua juventude de homem pobre e desprezado
pela sociedade aristocrática, não conseguiu o
"intelectual" energúmeno justificar o objeto
de sua denúncia, qual o de provar que Arraes e Gregório
eram agentes subsidiados por potências estrangeiras. As
testemunhas, agentes secretos e alcaguetes, foram obrigados
a confessar que não sabiam o que eram essas tais "potências
estrangeiras"... E o próprio representante do Ministério
Público não se dignou a tipificar a potência
autora intelectual do crime, aludindo, ora à União
Soviética, ora a China Popular, ora a Cuba, mas, sem,
na verdade, dizer em que dia, em que hora, em que momento, Arraes
e Gregório receberam "dinheiro e armas" de
supostos agentes dessas potências do socialismo científico.
A devassa na vida de Arraes e Gregório comprovou que
são ambos pobres e honrados. Nada se lhes pode acusar
no que tange às suas vidas particulares. E quanto às
"armas", Gregório, indagado do general Justino
Alves, respondeu, em pleno quartel do IV Exército: "Que
depósitos de armas, General! Não os tenho. Se
os tivesse, não estaria, agora, em vossa presença,
sendo humilhado e insultado dessa forma. Estaria nas ruas, lutando!".
Não há dúvida que, judicialmente falando,
a denúncia do promotor é inepta, como sustentou,
violentamente, a Dra. Mércia de Albuquerque Ferreira.
E que, politicamente, 'o processo da subversão comunista
em Pernambuco' é uma iniquidade. Não é
a Gregório, nem a Arraes, nem aos seus auxiliares que
se vai julgar entre quatro paredes de uma Auditoria: é
ao povo brasileiro, representado pela sua parcela pernambucana.
Miguel Arraes fez em Pernambuco um governo diferente, voltado
para os interesses dos trabalhadores urbanos e agrícolas.
Inaugurou um estilo novo de administração, baseado
na cooperação dos governados com os governantes,
a dinamização administrativa através do
trabalho de equipe e objetivando o bem-estar social. As estruturas
tradicionais se viram ameaçadas e o combateram. O povo
o apoiou porque se sentia identificado com as suas idéias
progressistas. No depoimento que prestou na Justiça Militar,
recentemente, Gregório fez a defesa "do honrado
doutor Miguel Arraes de Alencar" e da própria tribuna
em que, ocasionalmente se encontrava, acusou aqueles que o depuseram,
denunciando os motivos que o fizeram 'alvo das investidas golpistas,
em abril de 1964". Eis o comportamento de um revolucionário
honrado como Gregório: preferiu defender Arraes, a se
defender, pessoalmente. E ainda mais, defendeu Arraes e a si
mesmo, politicamente, acusando a ditadura que aí está
de intervir em Pernambuco, em favor de cruéis latifundiários
como o usineiro José Lopes de Siqueira Santos, impune
metralhador dos camponeses da usina Esteliana.
Arraes está exilado na Argélia, Gregório
preso no Recife. Qualquer que seja o resultado do julgamento
da Auditoria da 7ª RM, de uma coisa estamos certos: o povo
julgará os pseudo julgadores de hoje. À História
cabe o implacável julgamento final. E, então,
os restos insepultos do fascismo terão o destino merecido.
A DEFESA ACUSA
As Testemunhas
- No seu depoimento proferido em 17 de outubro de 1966, perante
o Conselho de Justiça Militar da 7ª Região
Militar, após relatar as torturas sofridas no Parque
de Moto-Mecanização e o "espetáculo
de circo romano", da Praça da Casa Forte, Gregório
Bezerra passou a contestar a depoimento das testemunhas de acusação,
o ex-sargento Artur Bruno Schwambach, ÉIcio Souto e Cristóvão
de tal, todos grandes empresários de ônibus, no
Recife e seus inimigos, porque como o recordou Gregório,
antes de 1964, havia ele dirigido campanha contra os aumentos
extorsivos das passagens e pela municipalização
dos transportes coletivos.
Ademais, essas três testemunhas são, confessadamente,
agentes do Serviço Secreto do Exército, o ex-sargento
Schwambach se declarou "compadre" (sic) do tenente-coronel
Hélio Ibiapina e ele própria relatou que, a pedido
do IV Exército, haviam conduzido Gregório preso
da 2ª Companhia de Guardas até Cinco Pontas,
O promotor Francisco Acioli julgava poder contar com eles para
dar, ao processo iníquo contra Arraes e Gregório,
um verniz de "legalidade". Quando a defesa interrogou
dos três alcaguetes o que faziam, no comando do IV Exército,
à ocasião em que estavam Gregório, a professora
Maria Celeste e outras pessoas presas, responderam que ali foram,
em dia de conflagração armada, "vender terrenos
a oficiais do Exército..."
Essas gaias testemunhas, que qualquer tribunal decente rejeitaria,
tentaram, também, usar a tática de dividir réus
e co-réus. Élcio Souto afirmou que Gregório
tinha chamado 'os comunistas de Pernambuco de covardes, porque
somente ele, Gregório, tentara defender o governo que
estava nas mãos do comunista Miguel Arraes". Evidente
a intenção do espião: incriminar o nacionalista
Miguel Arraes de "comunista", para retirar o apoio
que o mesmo recebia, politicamente, de círculos industriais
e comerciais não satisfeitos com a político entreguista;
e, ao mesmo tempo, fazer crer às massas populares, que
confiam em Gregório, que o Partido Comunista abandonou-o
à própria sorte, não cumprindo seu dever
de resistência ao fascismo.
E a velha tática burguesa do "caluniai, caluniai,
caluniai que, no final, alguma cousa fica", que o próprio
Gregório soube combater, de pronto, chamando-os pelo
verdadeiro nome: "mentirosos, policiais".
Retorção
- Gregório, como um experimentado líder revolucionário,
sabe que, diante dos tribunais da reação, o marxista-leninista
não pode adotar a posição passiva de 'réu',
nem se colocar na defensiva. A única tática capaz
de produzir efeito satisfatório é a política,
não a jurídica. O banco dos réus também
pode se transformar numa tribuna e, por cima dos juizes, o revolucionário
fará chegar suas palavras às massas, se corajosamente,
souber desmascarar as farsas dos detentores ocasionais do poder.
Dimitrov soube, como ninguém, mostrar-se um discípulo
à altura de Lenine quando, perante um tribunal civil
do Ill Reich, acusou o marechal Hermann Goering, testemunha
de acusação de ter sido ele próprio, e
não os comunistas, os incendiadores do Parlamento Alemão.
Dimitrov tornou-se um incômodo para os nazistas, com as
suas denúncias e estes preferiram libertá-lo.
Anos depois Goering confessou, em Nuremberg, aos juizes do Tribunal
Internacional que o ouviam que Dimitrov falava a verdade: o
Reichstag havia sido incendiado a mando de Hitler, porque, o
'fuhrer' queria poderes excepcionais e o Parlamento se negava
a concedê-los. Havia que ser inventada uma "conspiração
comunista" para justificar o estado de emergência.
Dimitrov acertara porque usara da lógica do "a quem
aproveita o crime?" e "quem usa do terrorismo como
arma política?"
Gregório, próprio, dera, em 1949, um exemplo idêntico,
ao repelir perante o próprio tribunal que, novamente
o julga e então absolveu, a autoria do incêndio
do 15 RI, da Paraíba, uma reedição, em
pequena escala, do caso do Reichstag. Ardeu o quartel da Paraíba
quase que no mesmo dia em que, no Congresso, se cassavam os
mandatos dos parlamentares comunistas acusados de favorecer
uma conspiração em marcha...
Subversão
- Daí porque, Gregório se defendeu, desde logo,
da pecha de 'subversivo', atirada, justamente, por um grupelho
que assaltou o Poder, rasgou uma Constituição
e violentou as Instituições republicanas, inaugurando
uma era transitório, de fascismo e de poder pessoal,
no Brasil, que só encontra precedentes em 1937.
"- Não sou subversivo, Sr. Presidente, sou um revolucionário,
a serviço das causas do proletariado e do povo da minha
terra" - disse Gregório aos juizes militares.
"- Se ser subversivo é defender a reforma agrária
radical; se ser subversivo é lutar contra a exploração
do homem pelo homem; se ser subversivo é defender o livre
desenvolvimento da indústria e da economia nacional contra
o poder dos trustes norte-americanos, então eu sou subversivo"
- afirmou Gregório, a esta altura já de pé,
em plena sala de audiências, ouvido com particular atenção,
pelos juizes militares e em melo a absoluto silêncio na
Auditoria.
Porque, com essas palavras, a defesa não se defendia,
acusava e mostrava àqueles que teriam de o julgar que,
a partir daquele momento estavam alertados para o fato de que
estavam sendo instrumentos dóceis de uma hierarquia a
serviço de interesses contrários a todo povo brasileiro.
Depois de ouvir as palavras pronunciadas por um quase septuagenário,
a ninguém era lícito desconhecer a verdade e o
dever da luta contra o imperialismo e seus agentes na nossa
Pátria.
Firmeza
"- Nunca lutei às escondidas. Sempre fui homem de
luta às claras, porque, para defender meu povo, não
preciso de subterfúgios" - afirmou.
E defendendo o direito dos comunistas, de defender suas idéias,
de votar e de participar da vida público, aduziu:
Não perdemos os nossos direitos políticos. Continuamos
em pleno gozo de nossa condição de cidadãos
brasileiros. E como cidadãos brasileiros estamos obrigados
a cumprir o nosso dever na vida político da nossa Pátria".
Gregório se recusava a aceitar o decreto do marechal
Castelo Branco que lhe retirou os direitos políticos,
por 10 anos. E isso o dizia aos juizes militares. Eis uma atitude
digna de todo patriota brasileiro, não se conformar,
não transigir, não aceitar o fato consumado, o
arbítrio. Mesmo depois de "cassado" Gregório
fazia o seu comício para o público que a própria
reação lhe fornecera: oficiais e soldados do Exército.
Em suma, o povo fardado, já que o sem farda fora impedido
de ouvi-lo.
Profissão
de Fé - Gregório quando fala de si é para
falar do Partido e de Fé do Povo. Um e outro entranharam-se-lhe
na alma e no corpo, que se tornaram na carne de sua carne. Gregório
vê antes de tudo a organização, a vanguarda,
porque sabe que, sem ela, como depositária de uma ideologia
superior, é impossível a libertação
de um povo. Não há exemplo, em contrário,
na História.
"- Tornei-me comunista, porque, desde menino, vi a fome
matar os meus irmãos camponeses. Tornei-me comunista
por conhecer, na própria carne, o terrível flagelo
das secas no Nordeste e a exploração dos latifundiários.
Tornei-me comunista porque não me conformo com a alienação
da nossa Pátria aos negocistas do imperialismo norte-americano.
Portanto, como comunista e verdadeiro patriota, cheguei à
conclusão de que, nas condições atuais,
o primeiro passo para a libertação do nosso povo
da opressão imperialista é a conquista de uma
reforma agrária radical, que elimine o latifundiário
e entregue as terras às grandes massas camponesas que
nela trabalham e vegetam, como verdadeiros servos de uma minoria
cruel e desumana de latifundiários."
Profissão de fé honesta, análise correta
da realidade brasileira. Enquanto Gregório estava na
prisão, a ditadura, que conjuga à violência
a demagogia, criou um órgão para fazer a "reforma
agrária", com a sigla de IBRA. Em palavras, a reforma
agrária está feita através de um "estatuto
da terra", de regulamentos e portarias. Mas o IBRA só
tem feito expulsar camponeses, como ocorre na Baixada Fluminense,
e arrancar impostos extorsivos. Da mesma forma que nega legitimidade
ao Estado Militarista e base moral ao fascismo, Gregório
nega todas as suas reformas, porque sabe que elas são
"para inglês ver", o monopólio da terra
continua intocado. E é do entrelaçamento dos trustes
imperialistas estrangeiros com os latifundiários que
surgem as situações políticos como essa
que aí está, que nega o próprio direito
de sobrevivência à indústria nacional, já
não só às amplas massas produtoras, operárias
e camponesas.
Que Fazer?
"- Que fazer para sair da situação de miséria
e de fome, no Brasil?" - se perguntou Gregório Bezerra.
Ele próprio respondeu:
"- Não era nosso desejo recorrer à subversão,
Sr. Presidente. Somos revolucionários, mas defendemos
uma saída pacífica para os nossos problemas; uma
saída que não é uma quartelada ou uma luta
intestina entre irmãos." - continuou.
Gregório não se referia, apenas, a 1964, mas aos
dias atuais, em que o desespero e o aventurismo levaram muitos
a admitir, de imediato, o apelo às "soluções
de força", esquecidos de que Lenine, ainda em março
de 1917, procurava uma "saída pacífica"
para a Rússia convulsionada, advertindo que se devem
esgotar todos os meios legais e constitucionais antes de se
passar à cartada final
Gregório explica o sentido dessa luta:
"- Não é uma luta pacífica, de braços
cruzados, porém uma luta de massas, de pressão
de massas, com o povo nas ruas, nos sindicatos, no Parlamento,
nos quartéis, defendendo prontas soluções
para os angustiantes problemas nacionais."
"- Na verdade, isto não era subversão (referia-se
agora à luta de 1964), era democracia" - concluiu.
Os Subversivos
"- subversivos, sim, são os que deram o golpe de
abril de 1964, instaurando a ditadura militar revolucionária
que aí temos para infelicidade do povo e vergonha da
Nação Brasileira!" - exclamou Gregório
diante dos juizes militares, atônitos porque jamais, dantes,
haviam visto tanta coragem política e pessoal reunidas
num homem só, num septuagenário num homem doente,
massacrado pelas torturas de Villocq e de Ibiapina. O promotor
Acioli não se continha, de nervoso, na cadeira, o auditor,
Amílcar Menezes, roía as unhas traindo instabilidade.
Os oficiais, porém, se mantinham impassíveis nas
suas cadeiras de julgadores.
Gregório leu trechos de jornais estrangeiros, traduzidos
em português, para comprovar que a ditadura estava dando,
ao Brasil, triste fama lá fora. Já ninguém
se iludia com a "falsa democracia cabocla. Citou acórdãos
do Supremo Tribunal Federal para comprovar a sua tese de que
os comunistas não estavam excluídos da vida política.
Aproveitou a oportunidade, também, para desmascarar políticos
e juristas burgueses que, traíram seus princípios
atrelando-se ao carro ditador."
Denúncia
- No final do seu discurso Gregório Bezerra denunciou
que, em 1963, nada menos de 20 camponeses foram assassinados.
Na Usina Estreliana, cinco. Assassinatos, houve, também,
na Usina Santo André, em També e em Caxangá,
em solo pernambucano. Prestou a sua homenagem ao grande líder
camponês vitimado em Sapé, Pedro Teixeira.
Acusou, nominalmente, dois usineiros pernambucanos de "assassinos
covardes de camponeses", José Lopes de Siqueira
Santos, ex-deputado federal, e Júlio Maranhão.
O primeiro fez uso de uma metralhadora e matou cinco, de uma
ver. A 2 de abril de 1964, José Lopes reclamou a sua
marte, tanto "a Policia Militar, como ao Exército.
Queria trucidá-lo, com as próprias mãos.
Júlio Maranhão eliminou, fisicamente, um trabalhador,
à queima-roupa. Depois doou um caixão barato ao
morto e mandou enterrá-lo no cemitério particular.
Os camponeses, revoltados, reexumaram o assassinado, compraram
um caixão novo, mais decente e o expuseram, no ataúde,
na sede do Sindicato Rural. O caixão velho foi posto
na porta do escritório da Usina, com a guarda de trabalhadores
rurais, noite e dia, para não ser retirado. E apodreceu
ali. Decretou-se greve por trinta dias, até a vitória
da reivindicação do delegado sindical assassinado
- o pagamento dos atrasados - foi obtida."
"- Assim lutavam ao camponeses, vítimas das atrocidades
dos donos de terras" - disse Gregório.
Arraes "-
O único governo que mandou apurar esses crimes foi o
governo do honrado doutor Miguel Arraes de Alencar" - prosseguiu
Gregório - Por isso esse governo foi alvo das investidas
dos golpistas, em abril de 64" - afirmou Gregório,
exaltando a ação do governador deposto, aliás,
também, réu no processo iníquo sobre a
"subversão em Pernambuco".
Outro pormenor interessante: Gregório usa da energia
e da veemência sem chegar ao ataque pessoal. Quando, por
exemplo, referiu ao Conselho que a esposa do coronel Villocq
assistira o seu espancamento usou a expressão: digníssima
esposa. Isso, após ter sofrido o que sofreu, o que revela
um elevado sentimento humano, indispensável a boa formação
moral de um revolucionário.
Inversão
- Gregório falou durante 40 minutos. Sua voz enchia de
espanto os juizes militares. Ninguém imaginava que aquele
homem, com quase 70 anos, quebrado pelas torturas, de cabelos
embranquecidos pelo tempo, reunisse, ao mesmo tempo, tanta energia
e coragem para enfrentar a reação no seu próprio
covil.
Os seus olhos cintilavam. Suas palavras queimavam como fogo,
tinham a força de um anátema bíblico. Elas
passavam por cima dos juizes, pequenos demais para impedir-lhes
o curso.
Se alguém entrasse, naquele momento, na sala da Auditoria,
ficaria com a impressão de que Gregório Bezerra
era o promotor de acusação e os membros da Justiça
Militar, simbolizando a falsa "revolução"
de 1º de abril de 1964, os verdadeiros acusados.
E, na verdade, o quadro político - não jurídico
- era esse mesmo, porquanto, o verdadeiro tribunal que julga
os democratas é o da opinião pública, não
os integrantes de justiças de classes ou de castas dominantes.
O veredito final quem dá é a História.
E daí, porque, um jurista liberal, Carrara, escreveu:
"Impossível incluir no quadro dos delitos as ações
políticas".
Exaltação
- E Carrara próprio explicou porque:
"O que se pune como crime hoje é motivo de exaltação
amanhã: de um lado a infâmia atirada ao réu,
atingindo a sua família; do outro, a glória, a
consagração da poesia popular e das legendas heróicas.
Num dia o patíbulo e a execração; no dia
seguinte a tumba coberta de flores, o monumento, o reconhecimento
da História".
Olhe-se a própria História do Brasil: Tiradentes
arrastado pelas ruas, corda ao pescoço, pelos Villocqs
da época, após ter sido torturado pelos inquisidores
que se antecederam ao Ibiapina. Esquartejaram-no, declararam
infame a sua descendência, salgaram-lhe a própria
casa, "para não nascer hera, nem mato". Trinta
anos depois, o Brasil independente, o povo invade a cadeia,
onde passou as últimas horas que antecederam a execução,
arrastando, pelas ruas, as algemas de ferro, beijando-as, como
sagradas. No local do forca, a Escola Tiradentes. No da cadeia,
o Palácio Tiradentes, com a efígie do alferes-mártir.
Tiradentes está em tudo, na prosa, na poesia, na pintura,
até nos préstitos populares que descem do morro,
evocando o seu sacrifício, ao som dos agogôs, dos
atabaques e dos tamborins. Morreu o homem, nasceu o símbolo,
mais indestrutível, ainda, do que o ser biológico,
transitório e fraco.
Dever - Não
é uma atitude digna de um revolucionário saber que
alguém, em alguma parte do país e do mundo, se encontra
enclausurado, à mercê da reação, sem
nada fazer em seu favor. A solidariedade política é
o melhor termômetro para se conhecer do grau do nível
ideológico de um combatente antiimperialista e antifascista.
Não basta ler o presente texto, é preciso divulgá-lo.
Não basta divulgá-lo, é preciso que se dê
o caráter organizado ao movimento de repulsa, que há
de surgir do conhecimento das atrocidades que foram infligidas
a Gregório Bezerra. É necessário, também,
que se capitalize o resultado que há de advir, do exemplo
de audácia e firmeza de Gregório diante da reação.
O lugar vago, ocasionalmente, de Gregório, no movimento,
terá de ser ocupado pelos gregórios que vivem, anonimamente,
na massa e que devem ser trazidos às fileiras da Revolução
Brasileira. É dos "filhos do povo" que ela se
nutre e de que carece o Partido Comunista, o seu motor.
Para derrotar a ditadura entreguista que se institucionaliza,
é dever dos democratas cerrar fileiras e zelar pela unidade
das forças democráticas, combatendo toda espécie
de divisionismo, de pessimismo, de capitulacionismo, de amargura
e de pânico. Um homem como Gregório, isolado, entre
quatro paredes, não se amedrontou. E nem sequer, perdeu
o conhecimento exato da realidade brasileira, anunciando, como
ele o fez, a natureza, aparentemente forte, mas intrinsecamente
fraca da ditadura militar-fascistizante que aí está.
O essencial é a defesa dos direitos humanos, das liberdades
democráticas. Comissões de defesa, de uma e outra
prerrogativas do cidadão, e não apenas do cidadão,
do homem, devem surgir por toda a porte. Nas cidades, nos campos,
nos lares, nos quartéis. É preciso desmascarar,
um a um, os processos monstruosos da reação. É
necessário denunciar o caráter reacionário
e fascista da sua nova e falsa "Constituição",
na verdade, uma consolidação de atos institucionais
terroristas, a que se juntaram princípios pilhados às
cartas políticas do salazarismo e de outras correntes fascistas.
Cumpre lutar contra a Lei, Contra a Imprensa, que se intitula
de Imprenso, que visa calar as últimas vozes que defendem
a Democracia no país. Cumpre barrar a nova Lei de Segurança
Nacional, cópia servil do modelo legal de Mussolini e de
Rocco, que punirá não só o ato, mas, a própria
intenção de se voltar contra os 'verde-pátria'
que assaltaram o poder em 10 de abril de 1964.
"- A liberdade - disse-o Gregório aos juizes militares
- é o bem maior".
Com efeito, não há maior bem e, por isso mesmo,
querem nos arrebatá-la toda, privando 85 milhões
de brasileiros de dizerem o que pensam, de se reunir em praça
pública, nos seus sindicatos, nas suas associações
de classe. De se organizarem, enfim, porque um povo organizado
não é, nem será nunca, escravo de ninguém.
Finalizemos recordando a letra do nosso Hino da Independência:
"Liberdade, Liberdade,
abre tuas asas sobre nós!"
Que as asas da Liberdade se abram sobre Gregório. Que as
asas da Liberdade se abram sobre todo o povo brasileiro, iluminado
pelo exemplo dos seus líderes indômitos, como Gregório,
e guiado pela sua vanguarda, organizado, unido e forte, para a
conquista da efetiva democracia pela qual lutaram, sofreram e
morreram, os melhores filhos do povo brasileiro através
de sua História.