Curitiba, 21 de junho de 2002.
Minha grande amiga Mércia
“Amigo,
palavra difícil de pronunciar.
Amigo, coisa difícil de se encontrar!”
Nos
idos de 1964, início de uma das fases mais tristes da história
brasileira e da minha vida, tive a felicidade de encontrar e
conhecer você, apresentado por alguns colegas de trabalho e irmãos de
fé que, como eu, enfrentavam os inquéritos policiais militares criados
pelos detentores do poder. Era você uma mulher jovem, corajosa, ou
melhor, destemida, que abraçava a nobre causa de defender presos políticos
ou aqueles que eram tidos como subversivos.
Na
época, também eu era um jovem de origem pobre, atordoado pela
avalanche de acontecimentos, quase sem recursos, praticamente indefeso.
Senti imediatamente que encontrara a minha defensora. Passei a
acompanhar e tornou-se fato marcante para mim sua atuação na defesa de
perseguidos e a sua frieza – no bom sentido – em decidir sem vacilações
ou erros.
A
partir daí, foi aumentando a minha admiração e até gratidão pela
maneira como você conduzia a relação processual. Mesmo sabendo que eu
não dispunha de recursos suficientes aceitou o encargo e jamais me
pressionou por honorários e agiu da mesma maneira em relação a tantas
outras pessoas vitimadas pelo regime de exceção.
Ao
longo da duradoura convivência, fui percebendo que você, por força de
um ideal, estava sacrificando além da sua juventude, sua família, sua
presença no lar, longe de Aradin, em tenra idade. E por referir-me a
ele – seu filho, hoje um jovem – soube com tristeza que, vem
sofrendo perseguições de pessoas ligadas a uma ONG, que, como uma
ironia da vida, pousam de esquerda.
Hoje
é muito fácil ser ou estar na esquerda; tornou-se simpático, até
patriótico. Mas “o que é falso não cria raízes”. O verdadeiro
patriota, no meu conceito, é aquele que cultiva um caráter firme e um
espírito solidário e grato em relação mútua e por tantos quantos
arriscaram suas vidas para ajudá-lo. É aquele que sabe também
perdoar. A verdadeira pátria se constitui de pessoas com virtudes e
defeitos. No nosso caso, muitas pessoas foram induzidas a agir contra nós.
Quanto a você Mércia, ressalto mais uma vez o seu destemor porque só
quem vivenciou aquele contexto pode aquilatar o que era lidar na defesa
de adversários do regime instalado no país, na calada da noite de 31
de março para 1º de abril.
Portanto,
faço votos que o Aradin receba, agora, os louros das vitórias
conquistadas pela valorosa mãe e gostaria de saber de boas notícias
sobre o seu sucesso profissional e como cidadã.
Aquele
abraço.
Tibiriça de Melo e Silva
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