Como se diz que nada existe no pensamento
que, antes não haja passado pelos sentidos e, como eu própria lhe
pedi, para que me desses condições para que pudesse ser claro daquele
dia por diante, venho desta vez confirmar concretamente tudo isso, e com
bastante clareza, para que possa ser compreendido não abstratamente ou
numa única categoria, mas como um todo inseparável, dentro de uma
realidade peculiar, ou de suas causas e efeitos. Quero que me julgues
acertadamente, não como quem dá uma opinião, e porque nada sabe, nada
afirma, com receio de errar, mas, o método de compreensão e de justiça,
que apliques o da indução ou da dedução, da análise ou da síntese
sem esquecer o que mais indica a existência do real, fora de nós –
para que possas ter em teu pensamento uma representação justa, de
minhas ações.
Seguindo
o caminho que muitos temem, o do diálogo frente-a-frente, da rejeição
a timidez, enveredo pelo caminho dos que não enganam e que levantam o
problema porque não temem soluções incompatíveis com o seu desejo,
desde que a solução seja verdadeira, não se tem o que temer, senão
se adaptar à realidade.
Nesta
primeira parte de uma durável convocação entre nós, e que se inicia
a partir de agora, e penso que aceitas. Forneço os seguintes pontos:
estreitar nossa confiança mútua e sincera; crise no coletivo sua divisão
reflete crise na esquerda; e um ponto terceiro que encontraremos após
discutir o primeiro ponto, mas que fica reservado para ser o último,
tendo em vista sua importância, que depende do bom andamento dos dois
últimos.
ESTREITAR
NOSSA CONFIANÇA MÚTUA
Se
recordarmos o passado veremos como mais estreita era nossa confiança
que, nossas palestras eram longas e cheias de cooperação, embora hoje
exista confiança, pelo menos eu tenho, não são longas, dois ou três
minutos parece bastar, o que existe ainda confiança mas, não deixa
lugar a uma maior cooperação; com se pode ouvir coisas importantes, as
vezes complexas, refleti-las e tomar posição, com dados fornecidos num
período de tempo minguado, como o que ocorre entre nós ultimamente?
Bem, não começo a falar prontamente me diz que tens pressa, que fica
para outro dia, dias, se volta comigo surge outra vez o tempo que é
curto; por isso que pode haver confiança entre nós. Mas não cooperação.
Uma outra coisa pode ser, suponho, o clímax da fuga, o assunto –
ninguém se dispõe a dialogar sobre coisas, que está abaixo do
interesse, pois dos assuntos que consideramos fútil, débil, não extraímos
nada de proveitoso, por isso fugimos dele. É verdade também que idéias
brilhantes, porém mal comentadas, pode dar enjôos a quem ouve; há idéias
que mobiliza, organiza e transforma e existe outras que retardam, assim
optamos pela que melhor juízo faremos dele; cabe então a sinceridade
que nos deve ser peculiar, recusar ou aceitar esse ou aquele assunto, de
outra maneira continuamos dentro de um esquema que causa aborrecimento
e, ficamos ou fico, pensando que é o melhor, só porque você nega –
se for o caso – sua autoridade própria, que é invulnerável de vários
modos a autoridade de outros. Se mutuamente escolhemos o que nos
interessa, melhor harmonia existirá para tratá-los.
Os
idealistas e os agnósticos como Kant que só vê as coisas a priori,
coisas para si, são incapazes de conhecer ou reconhecer a realidade,
porque elas existem antes das experiências, antes das sensações –
dizem – mas quando o homem foi capaz de compreendê-las e explicá-las,
tornou-se coisa para nós, coisas conhecidas. Mas a doutrina kantista
foi sempre negada pelos materialistas, por causa do seu dualismo,
doutrina enganadora que sempre ficou entre o sim e o não, nunca se
definiu. Não é esse o meu objetivo, como também não é assim que
colaboramos para que as gerações, futura continuadora da história dos
nossos feitos etc. sejam felizes.
Falo
assim porque ultimamente, quando me visitas, e inicio falando de alguma
coisa, como se só tivesse uma coisa para falar, imediatamente dizes que
tens pressa e vais, acontece que entre muitos problemas sou possuidor de
um a muito tempo, não posso viver com ele sem perspectiva de solução.
Já disse certa vez que para mim qualquer consequência seria solução,
hoje não digo mais, quero solucionar todos os problemas, com soluções
vigorosas.
Nas
minhas condições de defensor de uma causa justa, sustentarei por toda
minha vida o amor, liberdade, a paz e ao povo de todo mundo, amante
dessa paz, que lutam pela independência e pela soberania de seus países.
Esse amor que sacrificamos até a própria vida e, também muito
propriamente pelas pessoas que destacamos, como necessárias às
transformações, da realidade material da sociedade, importantes ao
aparecimento do novo. O amor fraternal entre essas pessoas cresce
conscientemente. Não se ama ou odeia pessoas, porque é pobre ou é
rica, pelo seu modo de vestir, nobre ou popular, porque têm traços
fisionômicos simpáticos ou ao contrário, mas pelo que ela representa,
pelo que faz, em prol de uma classe, de um povo. Às vezes esse amor
abstrato, mas interligado pelo pensamento e sentimentos, torna-se amor
íntimo, individualizado, só de dois. Quem pensa que guerreiro só ama
a guerra ou a causa que defende esteja sendo enganado pela sua análise
fria e cega, todo guerreiro ao voltar do compromisso, pensa reencontrar
a mulher e seus filhos, os amigos, abraçá-los etc. mesmo que tenha saído
vitorioso ou derrotado. Só para ver como as pessoas amam uns aos outros
por várias causas, que por isso não se deve esquecer, quanto mais
estreitamos laços de amizade e de confiança, mais pomos fim aos
problemas considerados insolúveis, mais cooperação passa a vigorar.
Recife,
14 de fevereiro de 1973
Samuel
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