JUSTIÇA
VEJA, 21 de novembro de 1973
IPM
paterno
No
dia 30 de outubro, os órgãos de segurança do governo divulgaram uma nota
oficial informando que num tiroteio ocorrido no Recife um subversivo de
codinome Antônio matara os jovens José Carlos Novais da Matta Machado, de
27 anos, e Gildo Macedo Lacerda, de 24, militantes, como ele, da organização
conhecida como Ação Popular Marxista-Leninista. Minuciosa, a nota oferecia
detalhes suficientes para a compreensão do roteiro cumprido pelos dois até
serem baleados, no dia 28, na esquina da avenida Caxangá com a rua general
Polidoro.
Segundo
o documento, Matta Machado foi preso “na capital de São Paulo”. Tanto ele
quanto Lacerda, “durante os interrogatórios, confirmaram uma reunião
programada para Recife. Ambos informaram que no dia 28 de outubro teriam.
nessa cidade, um encontro com um subversivo de codinorne Antônio, ainda não
identificado, que seria um dos chefes do Comitê Nacional, encarregado da
Comissão Executiva e da Secretaria Internacional da APML”. Os dois,
acrescenta a nota, foram levados para Recife e estavam no local combinado à
hora do encontro, quando Antônio, pressentindo alguma irregularidade e a
movimentação dos agentes de segurança, abriu fogo contra seus presumíveis
companheiros, acusando-os, aos gritos, de traidores, ocasião em que se
iniciou o tiroteio”. Ao silenciarem as armas, havia dois agentes de segurança
feridos, um com maior gravidade” (“mas já estão fora de perigo, após
delicada cirurgia”), enquanto Lacerda morreu “no local” e Machado
“quando era transportado para o hospital”.
Missas
e visitas – Na quinta-feira da semana passada o ex-professor de direito
Edgar da Matta Machado, ex-deputado estadual e federal, cassado em 1969, ex-chefe
da Casa Civil do governo Milton Campos e ex-secretário de Finanças, Educação
e Planejamento do governo Magalhães Pinto, recebeu, em Belo Horizonte, o
corpo de seu filho, exumado do Recife. Dias antes, comparecera a três missas
pela alma de José Carlos, celebradas pelo arcebispo de Belo Horizonte,
Dom João de Rezende Costa, e pelo bispo auxiliar, Dom Serafim Fernandes de
Araújo. E, em casa, recebeu visitas de pêsames do ex-vice-presidente Pedro
Aleixo, e dos deputados Tancredo Neves e Ulysses Guimarães.
Na
sexta-feira, da tribuna da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, o
deputado emedebista Marcos Tito revelou que, no último dia 9, Matta Machado
pediu ao procurador-geral da Justiça Militar a abertura de inquérito para
“apurar a responsabilidade, para posterior punição, dos autores e/ou
co-autores do homicídio”. Em seu requerimento, o ex-deputado udenista
revela novos detalhes da questão. Segundo ele, José Carlos foi preso no dia
19 de outubro, em São Paulo, quando seguia para Belo Horizonte “em
companhia de dois cunhados e um amigo” que, a pedido da família, tinham
ido buscá-lo. Os acompanhantes, detidos e levados para Minas Gerais, foram
libertados depois de onze dias. Além disso, no dia 22, em Belo Horizonte,
foram presos a esposa de José Carlos. Maria Madalena, e seu filho Eduardo,
de 4 anos. Este foi entregue á família três dias depois, “levado por um
sargento”.
Erros
factuais – O requerimento de Matta Machado utiliza apenas as informações
contidas na nota oficial para instruir seu pedido de inquérito. Em dois
pontos, porém, ele corrige enganos. A “qualificação” de José Carlos,
divulgada ao mesmo tempo da nota oficial, informou que ele, “em 1967, foi
presidente do diretório acadêmico da faculdade de Agronomia e Veterinária
da UFMG”, assim como revelou que “é irmão de Cristina Matta Machado,
autora do livro “Tática de Guerra dos Cangaceiros”, contendo ensinamentos
de tática de guerrilhas e de subversão”. Respondeu o pai: José Carlos
nunca foi aluno da Faculdade de Agronomia e Veterinária da Universidade
Federal de Minas Gerais, que, com este nome, aliás, não existe. Foi, sim,
aluno da Faculdade de Direito da mesma Universidade” e “Cristina Matta
Machado não era irmã de José Carlos, nem estava a ele ligada pelo mais
distante parentesco”.
Dos
doze pontos contidos na qualificação, onde José Carlos aparece corno um
ex-vice presidente da União Nacional dos Estudantes e um destacado dirigente
da organização subversiva conhecida como Ação Popular, de cuja comissão
executiva faria parte, o professor Matta Machado refutou apenas dois. Secamente,
reconheceu que “não tem o requerente-denunciante elementos para confirmá-los
‘in totum’ “. Contudo, esclarece que seu filho não estava condenado
por nenhuma auditoria militar, da mesma forma que não havia sido decretada
sua prisão preventiva. E, num raciocínio estritamente jurídico, afirmou:
“Não
existia nada, absolutamente nada, de ostensivamente punível contra José
Carlos”.
|