União reabilita
imagem de ex-militante
Jornal
do Commercio – 11 de fevereiro de 1996 – Política – pág. 8
Acaba
luta de Madalena para provar que Mata Machado não foi um traidor
Paulo
Sérgio Scarpa
Maria
Madalena Prata da Mata Machado, 48 anos, passou os últimos 23 anos tentando
provar que José Carlos Novaes da Mata Machado, ex-dirigente da Ação Popular
Marxista-Leninista (APML), com quem se casou em 1970, foi morto em dependências
militares após tortura e que não traiu seus companheiros durante interrogatório,
segundo a versão oficial do Exército. Este ano, com o reconhecimento pela
União de que Mata Machado foi morto no Doi-Codi no Recife, em 1973, Madalena
respira aliviada ao ver que chegou ao fim de um longo caminho permeado de angústia
e tensão. “Acabou o velório”, sentencia.
Madó
– como era chamada por Mata Machado – ou Maria Elizabeth de Paiva, a
Betty – como era conhecida na APML quando na clandestinidade entre 1970 e 73
–, é uma das viúvas de militantes que foram presos entre 1964 e 79 que
ainda são dados como desaparecidos ou já considerados oficialmente
mortos pela União. “Sou viúva, não terei mais de explicar minha vida para
pessoas estranhas e desconhecidas todas as vezes que tinha de assinar um mero
documento”, desabafa.
Desde
a semana passada, Madalena não tem mais de dar este tipo de explicação
sobre o passado. Mata Machado foi incluído na lista oficial de 136 mortos
reconhecidos pela Comissão Especial do Ministério da Justiça, após
depoimentos tomados no Recife pelo Grupo Tortura Nunca Mais, que comprovaram
que o ex-militante foi torturado e morto em dependência militar. A versão
oficial do Exército dizia que Mata Machado tinha sido morto aos 27 anos
durante tiroteio por “companheiros” nas ruas do Recife, após ter
“confessado em interrogatório” no Doi-Codi sua participação na APML.
A
Comissão Especial é responsável pela análise de dezenas de processos
semelhantes para a posterior concessão de indenização – que deve chegar
em média a R$ 100 mil – e a liberação de certidão de óbito pelos cartórios
estaduais. Os atestados servem para as famílias solucionar problemas ainda
pendentes, como a realização de inventários ou a simples prova de viuvez.
LEMBRANÇAS
– A primeira
reação de Madalena após o reconhecimento oficial da morte de seu marido,
Mata Machado, foi a de reunir todas as suas coisas, acumuladas em mais de
duas décadas, e guardá-las em uma caixa. “Hoje, tenho uma sensação de
leveza, de quem encerrou uma história. De ter agora espaço para pensar em
outra coisa. Mesmo morto, ele ocupou um espaço muito grande na minha vida”,
revela.
A
caixa vai para o único filho que teve com Mata Machado, Dorival, hoje com 23
anos e vivendo com a avó paterna em Belo Horizonte (MG). Dorival nasceu em
Goiânia (GO) em 1972, em plena época da repressão, quando a mãe tentava
fugir da polícia, e chegou a viver com o pai somente nos primeiros nove meses
de vida, quando o casal foi morar numa favela em Fortaleza (CE). A
clandestinidade fez com que Dorival só fosse registrado aos 2 anos e, mesmo
assim, pelo avô, o ex-senador Edgar Godói da Mata Machado.
Madalena
já sabe como aplicar a indenização que receberá da União. “Nunca
pedimos nada, mas se vão dar, o dinheiro vai todo para meu filho menor, para
que tenha um patrimônio. Eu vou continuar a trabalhar”, diz. Ela conta que
Dorival abriu mão de sua parte, já que tem direito à herança do avô. Ela
quer apenas o suficiente para resolver um problema de arcada dentária, uma
sequela de anos de tensão.
ÚNICO
SONHO –
“A angústia era tão grande que acabei trancando o maxilar de tanto cerrar
os dentes com força”, justifica. Madalena tem um filho do primeiro
casamento, Eduardo, e outro, Lucas, 10 anos, de uma terceira ligação
recentemente interrompida. “Sempre achei que meus filhos teriam um pai que
me ajudasse a criá-los. Isso nunca foi possível”, lamenta.
Sobre
Mata Machado, tem apenas elogios. “Era louca pelo José Carlos, que era
meigo, carinhoso, lindo e gostoso. Fui arriada por ele”, confessa. Ela conta
que essa relação prosseguiu após a morte de José Carlos e atrapalhou sua
única relação amorosa nos últimos 15 anos. “Ele sabia que, mais do que a
ele, amei alguém que já não existe mais”. E releva que resta apenas uma mágoa.
“Não perdôo por terem matado um jovem e terem tirado o amor de minha vida.
Queria ter namorado um pouco mais. A gente é que deveria ter decidido quando
parar”, diz.
Madalena
tem agora um único desejo. “Uma grande faixa na rua dizendo: José Carlos não foi traidor”.
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