Recolhimento de Presos Tiradentes, São Paulo/SP – 13.12.72
Mércia,
um forte abraço.
Escrevo-lhe com
atraso, e sem muitas desculpas, a não ser a falta de seu endereço.
Afinal, encontro o caminho lógico, minha família será a intermediária.
Ora viva! Eis estancada a indecisão desarrazoada.
Li
a carta que você enviou a Ayberê. Esta e as notícias mandadas por
minha família e o que dizem os advogados daqui dão-me ciência de que
tudo vai bem com o meu processo aí. Assinamos, Ayberê e eu, a bendita
sentença na semana passada. Você deve ter recebido comunicação deste
fato, certo? Na oportunidade, lemos as razões finais. Dá-nos uma idéia
convincente da subjetividade e inconsistência do processo. Acho que,
juridicamente, nada aborta uma revogação. Mas para não envolver-me
muito nas ondas do otimismo, espero simplesmente uma redução. Pelo que
analiso, com a mudança do STM para Brasília, o recesso e tudo o mais,
este recurso só será julgado aí pra maio ou junho. Estou quente? Bem,
apesar de necessitar deste resultado com presteza, não estou aperreado.
Compreendo as dificuldades que vocês, advogados, enfrentam nestes
casos. Sei que você deve ter o tempo muito tomado, mas, assim que possível,
gostaria que me escrevesse detalhando as questões a respeito.
Temos
acompanhado com certo contentamento a atitude do STM nos últimos dias.
É sintomático, embora não seja um processo recém-nascido. Vem de
longe. Eles necessitam fazer valer o direito. Achamos muito justo, pois
é do que precisamos com premência. E aproveito para, em seu nome,
agradecer a todos os advogados conscientes de sua profissão, que não têm
descansado um minuto.
Mércia,
evidentemente, você não se lembra de mim com precisão. Também, eu de
você tenho vaga lembrança. Entretanto, abstenho-me de formar nova
imagem física e de avivar um sentimento de carinho e respeito por você,
em face de sua dedicação, que não é de agora. Esta imagem, sim, é
fundamental. Desde Recife até hoje amadureci bastante e refleti muito a
respeito de tudo. E o melhor é que tirei uma boa conclusão. Subi a
escarpa principal. E anima-me a entrar nesta área pessoal pelo que você
fala na sua carta para Ayberê. Pelo que sei, você não está nada
envelhecida, seja física, seja mentalmente. E cumpre um papel social
bastante digno. Talvez tenha sido um reflexo de seu mal-estar físico.
Espero. Não desanime, m. as auroras da história nem sempre despontam
lineares e cristalinas. A tendência é demorar em trevas que tornam
muito mais resplandecente o sol do dia em rebento.
Ficamos
alegres com as absolvições havidas aí. Muito boas. Só causa
estranheza porque até os revés foram absolvidos. Sinal dos tempos?
Bem, por aqui os signos não estão assim em conjunção com bons
astros. Nós seremos julgados aqui, talvez, aí por fins de janeiro ou
começo de fevereiro. A confiança é a mesma.
Acredito
que minha família esteja cumprindo com o compromisso com você. Caso
contrário, tenha um pouco de paciência, que tudo será acertado.
Quero-a muito bem de saúde, junto com os seus. Feliz Natal.
Até
outro dia. Do seu amigo
Martinho
Campos.
|