IPPS Aquiraz, 27 de setembro de 1997
Sra.
Mércia,
Um abraço,
Como vão a
Sra. e seus familiares? Desejo que todos estejam em plena forma, gozando
de saúde e podendo exercer suas atividades funcionais com êxito e
dignidade!
Infelizmente
não recebi sua carta! Não sei que se está havendo algum entrave pelo
fato dela chegar às minhas mãos. Talvez seja melhor que a Sra. escreva
para a residência do meu amigo, à rua Da. Leopoldina, 761, senão
torna-se necessário a Sra. escrever novamente, pois aproxima-se a data
do qual tenho o direito de requerer livramento condicional, e precisamos
apressar a documentação necessária. A senhora não imagina o quanto
seria importante para mim a liberdade ainda este ano. Primeiro porque
nossos filhos começam a sentir profundamente minha ausência e a não
compreender porque eu não volto para casa! E ficamos muito aflitos
quando nos despedimos em dias de visita. Eles dizem: “Paim, por favor,
vamos para casa!”. E Iraucana também sofre com o fato da convivência,
quando já vivemos tanto diariamente por oito anos, nos apoiando
mutuamente, entendendo e repartindo as dificuldades, unidos nos momentos
de tristezas e alegrias. Nosso amor fica que nem partido, . em segundo
lugar (...), ao sair este ano, eu não perderia um semestre na
Faculdade, e apressaria, portanto, minha formatura, que traria como
consequência, a realização profissional e a maior estabilidade e
segurança, pois meus filhos e esposa, a Dra. Compreende bem esta situação,
pois já acompanho a vida de muitos presos políticos, não só atrás
das grades, mas como pessoa humana que sente e é capaz de emocionar-se.
Gostaria, portanto, que a Sra. se empenhasse no sentido que este
processo de liberdade condicional sem grandes atropelos. E nada melhor
que isto acorre do que estar em dia com toda a documentação necessária.
Vou relacionar o que já conseguimos e pedir esclarecimento sobre o que
mais seria preciso. Conseguimos:
a)
Certidão negativa nos cartórios judiciários, que parece
corresponder à “folha corrida”;
b)
Certidão carcerária expedida pelo presídio;
c)
Relatório social expedido pelo presídio.
Falta ainda
conseguirmos a proposta de emprego. Gostaria que a Sra. esclarecesse o
seguinte:
1
– O que seria necessário, do ponto de vista da documentação para a
inclusão dos seis meses que passei preso em 1974. Se realmente o Juiz
Auditor Militar de Recife incluirá este tempo na minha pena e, caso
positivo, se ele expedirá um documento neste sentido;
2
– Tendo em conta que esta decisão implica em interpretação de lei,
se não seria melhor dar entrada aqui no Ceará quando tivermos com a
documentação acima; isto em mãos?
3
– No caso da proposta de emprego gostaria de saber a este teria que
ser em Fortaleza ou poderia ser o Hospital Municipal de Quixadá, por
exemplo, onde eu trabalhava como estagiário, poderia renovar a
proposta? Se não me engano a lei exige que o indivíduo em liberdade
condicional tem que ter um meio de subsistência e remuneração fixa!
Neste
caso um emprego fora de Fortaleza também precisaria desta exigência?
Se a lei, no entanto, apenas exigir um local fixo de frequência do
indivíduo, a declaração de matricula expedida pela Faculdade de
Medicina seria suficiente? Ou o melhor seria mesmo uma proposta de
emprego em Fortaleza?
4
– A documentação conseguida (certidão carcerária, relatório
social, certidão negativa nos cartórios, proposta de emprego)teria que
ser enviada para a Auditoria Militar ou para o Conselho Penitenciário
ou ainda para o Advogado que, então, a encaminharia?
Dra.
Mércia, gostaria que a Sra. entrasse em entendimento com a Dra. Vanda
sobre toda esta questão, pois ele é quem nos vai orientar aqui, e
escrevesse o mais breve possível esclarecendo todos estes problemas e
se lembrasse de também preestabelecer o dia da (...) e o horário da
qual minha família pudesse entrar em contato com a Dra. Pelo telefone
interestadual.
5
– Se a Dra. Sabe em que pé anda a apelação para o STM, quando entra
em pauta e o que fazer para apressar este processo. Bom, Sra. Mércia,
penso que não esqueci nada do que me preocupava! Tenho a firme convicção
de que a Sra. tudo fará para o êxito dessa empreitada. Sei que a Sra.
tem outras preocupações, mas espero que não (...) um pouco de sua
grande energia e vontade seja dedicado ao objetivo de conseguir vencer
esta barreira. Espero que um dia, talvez, já em liberdade, possamos
conversar mais detidamente sobre (...) que convive de grande reflexão
para (...) e de grande conforto no sentido de a Sra. externar, com
amizade e fraternidade, os seus sentimentos relativos à nossa situação!
Um
sincero e fraterno abraço,
Manuel
Fonsêca
27.09.1977
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