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Maceió, 14 de outubro de 1974. 

Prezada Dr. Mércia,

Temos conversado muito rapidamente e em condições que não são muito favoráveis. E eu gostaria que pudéssemos nos entender bem durante todo o tempo do seu trabalho, de agora até o Tribunal, sobretudo de modo a que você (permita que lhe trate assim) fique inteiramente à vontade e certa da minha confiança.

Na última conversa que tivemos, rápida e na presença de terceiros como a anterior, você se preocupou em me explicar as calúnias que certas pessoas fizeram circular a seu respeito. Tomara que eu esteja enganado, mas julguei que seu esforço em me representar foi explorada (desnecessária), se atende a suposição de que dê o que tenha dado algum crédito àquela calúnia. Fique certa que não há nada disso. Sua folha de serviços inquestionável durante dez anos em defesa de tantos como eu, que têm sido levados aos tribunais acusados de “crimes” políticos, é suficiente para impedir qualquer tentativa de confundir os desenformados, a seu respeito. E eu lhe conheço desde 1963, quando eu não passava de um guri idealista de apenas 16 anos – e você certamente lembra de mim. Não pastasse minha opinião pessoal, todo o grupo de pessoas a que estive ligado tem em alta conta seu trabalho e tem plena confiança na sua capacidade profissional e na sua virtualidade, comprovada fidelidade aos princípios e as razões éticas que norteiam na atividade de defensora de acusados de “crimes” políticos. Isto eu deixei claro, creio, em nossa última conversa em Maceió; e o comprova o n.º de companheiros que presentemente recebem a seu préstimo profissional.

Confio em você e, respeito, não deu nem daria crédito a nada que se diga, que possa questionar, o estimável trabalho que você tem realizado. É esta também a convicção de minha esposa – também sua constituinte – de minha família e amigos, assim como dos demais companheiros, seus constituintes.

Você está empenhada em conseguir minha transferência para Pernambuco, atendendo a solicitação minha e de minha família. E sugerir que se deve lutar para que eu seja posto em um quartel, preocupada naturalmente em assegurar-me melhores condições carcerárias, através da família, e pessoalmente aqui em Maceió, dia 7 de outubro, tenho insistido em preferir ser posto no Presídio de Itamaracá. Aproveito a oportunidade para realmente lhe desejar claro que sugerindo minha permanência num quartel, você pretendo o meu bem-estar, tenho, entretanto, fortes razões para preferir o presídio de Itamaracá. Além de considerar-me muito mais seguro lá, pois tudo que possa me acontecer, terá inúmeros companheiros como testemunhas, ao contrário de estando num quartel. Todos os presídios – e quero dar minha parcela de colaboração nessa luta – muitos são os presos políticos em Itamaracá problemas – inúmeros são os problemas que envolvem a todos, e os problemas que afligem cada um. Quero tornar produtivos todos os anos que eu passar preso, ajudando os companheiros por todos os meios a meu alcance; finalmente, você há de compreender, eu não me sentiria bem estando preso em outro lugar cujas condições fossem mais ruins, sabendo que muitos companheiros estão às voltas com as difíceis condições carcerárias de Itamaracá. Desse modo, se você conquistar minha ida para Itamaracá, tenho certeza que estou fazendo muito pelo bem-estar do seu constituinte.

Espero em futuro breve ter a oportunidade de conversar com você mais tranquilo, não só sobre os aspectos particulares de minha defesa jurídica, como também se lhe restar meios para me ouvir, com tantos problemas e preocupações que já lhe tomam o tempo, conversar sobre as preocupações que me esquentam a cabeça, decorrentes da terrível experiência que vivi – de sob torturas brutais e ser obrigado a confessar informações sobre o que há de mais sagrado para mim. Levo muito fé em sua experiência e creio que sempre haverá de sua parte uma palavra que me ajude a carregar a causa do intento da sua pessoa, com o qual eu não aprendi ainda a conviver.

Vou concluir, que já me alonguei do mais.

Muito obrigado por tudo que você tem feito e sei que ainda fará.

Um abraço, confiante de

Luciano Siqueira

 


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