São
Paulo, 20 de fevereiro de 1978
Mércia,
um abraço.
Como você me
conhece há muitos anos, sabe que uma das minhas características
negativas é escrever pouco aos amigos e parentes. E, essa pesou muito
nesses últimos tempos que estão sendo de trabalho intenso.
Em
relação ao problema Santana, como combinei consigo, estou tocando
adiante. Publiquei um artigo no n.º 18 de Versus, inclusive com a sua
entrevista, e lancei no mesmo uma campanha nacional e pública de
solidariedade à família do companheiro desaparecido. Creio que dentro
de uns 20 dias começaremos a receber alguma ajuda financeira, à qual
centralizaremos e depois remeteremos para você, que deverá dar o
devido destino. Vamos ver qual vai ser seu resultado prático.
Fizemos
a publicação do nosso artigo nas folhas afro-latino-americanas de
Versus, que são dirigidas por líderes da comunidade negra de São
Paulo. Foi o primeiro artigo de um branco nas folhas negras. Teve grande
importância política tanto estratégica como taticamente. As
comunidades negras do Rio de Janeiro e São Paulo são muito
importantes, tanto pelo seu peso numérico como pela sua participação
na estratificação social. As comunidades negras são basicamente
proletárias. A luta democrática não pode ser levada a bom termo sem
esse setor. Daí o estratégico. O tático encontra-se no fato que as
folhas afro-latino-americanas são lidas e discutidas pelas vanguardas
dessas comunidades. Os negros do RJ e SP vivem seus primeiros momentos
de conscientização e organização independente, em uma sociedade
capitalista e branca. Quando colocamos o negro camponês, Santana, na
problemática da luta de classes nordestina, como produto e agente,
estamos contribuindo para a elaboração da verdadeira história do povo
brasileiro. E, os negros são parte fundamental da história não
escrita ainda.
Infelizmente,
nem todo o material, que é de ótima qualidade, que você mandou pude
usá-lo. Uma boa parte chegou quando o jornal já estava na gráfica. O
guardei, esperando usá-lo brevemente para um trabalho sobre as lutas
camponesas no Nordeste. Não temos nenhum trabalho sério, que nos dê
uma clara visão da luta de classes nos campos nordestinos. Fazê-lo é
uma tarefa. Como temos uma editora, e um mercado de compra ávido para
esse tipo de livro, creio que é chegada a hora de o escrevermos. Nós
de Versus, estamos nos preparando para publicarmos, no mínimo, um livro
por mês. Esses livros, como foi o nosso sobre Paulo Pontes, será em
boa parte distribuída nas bancas de jornais. O processo é semelhante
ao empregado pela Editora Abril. E realmente funciona. Vejamos os dados.
Um livro no Brasil que vende 3000 exemplares é sucesso, o nosso sobre
Paulo Pontes já vendeu pouco mais de 1800. Temos condições de vender
e rapidamente, uns 5 a 6000 exemplares de um livro, se for bem feito,
sobre as lutas camponesas no Nordeste. A sua importância, nesse momento
de reabertura política, de reformulação partidária, de redespertar
ou despertar político de amplos setores da população, é grande. Pode
nos ajudar a encontrar um caminho mais plano, não tão trágico, como
os caminhos que tantos de nós percorreram.
A
pouco tempo fomos, nós de Versus, chamados à uma grande assembléia,
em que se discutiu o momento que a sociedade brasileira vive, que é de
abertura política, que deve ser cada dia mais intermediado pelas lutas
de diversos setores, e pela busca desses, de alternativas políticas
partidárias. Decidiu-se, então pela formação de um movimento amplo,
profundamente democrático, de convergência socialista. Creio que esse
movimento dará as bases para o fim da estreiteza das idéias dos sectários,
trará a unidade de todos os socialistas em uma alternativa não
nacional-populista, nem social-democrata, não esquerdista.
A
publicação do nosso jornal e dos nossos livros, visa essa unidade
democrática e socialista tão necessária para chegarmos à um mundo
mais humano, um mundo sem as tragédias dos “Júlios Santanas”.
Mércia,
dentro de pouco tempo devo ir aí ao Recife, para tratar de negócios.
Para tratar da estrutura da sucursal de Versus. Passarei apenas uns
poucos dias. Seria muito importante para mim combinar essa viagem, com a
resolução do problema dos meus papéis. Não sei se você tem algum
resultado da nossa apelação ao comandante da 7ª Região Militar. Caso
você tenha, mande me dizer.
O
Versus está aberto para você. Caso tenha algo que queira dizer pode me
escrever. Ou carta ou artigo que publicaremos, ou algum assunto que você
gostaria que discutíssemos nas nossas páginas.
Lembranças
ao Otávio e ao Aladim. Um abraço meu e de Chana.
Leocádio.
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