Guanabara, 31-10-73
Cara
Mércia,
Eu deveria ter
escrito a você imediatamente sobre a minha libertação e não após
mais de um mês. Se não o fiz foi devido ter saído muito nervoso,
cansado, impossibilitado de escrever algo concreto e também a Regina
tem acertado comigo para telefonar a você avisando. Só que eu pensava
escrever logo que chegasse aqui na Guanabara. E não senti os dias
correndo rapidamente.
Bom,
o importante é o fato de estar lhe escrevendo e de sentir que o seu
trabalho para a minha libertação foi de grande proveito para mim. Sem
ele eu teria passado mais tempo preso. Com a chegada da carta precatória
na terça-feira me possibilitou a liberdade , não passando assim mais
um fim de semana das grades.
Não
houve nenhum problema comigo. Não estou sendo seguido, pressionado,
nada. A Auditoria me deu um documento dizendo que fui solto. Documento
que eu requeri através da Regina e que me é muito necessário, já que
possuo apenas uma carteirinha de identidade, que em São Paulo não tem
muito valor, como você sabe.
A
Regina ficou de pressionar o Auditor para ver se consegue os nossos móveis
e documentos. Se não for possível recuperá-los desta forma ela vai
entrar com uma representação na justiça comum. Isso, aqui, já
aconteceu mais de uma vez e tem dado certo, entretanto, em nossa casa,
com já quase dois anos da apreensão, não creio que recuperaremos
muita coisa, como por exemplo, os nossos documentos. É, Mércia, isso
me preocupa muito. Para que seja possível organizar a minha vida são
necessários os documentos certos. Todos os documentos que possuo são
uma carteirinha de identidade e uma carteira de trabalho.
Quando
saí estava com vontade de ir aí em Pernambuco e entre outras coisas,
trataria de meus documentos (reservista, registro de nascimento etc.),
entretanto após discutir com a Regina, resolvemos adiar por uns tempos
essa viagem.
No
início do mês voltaremos para São Paulo. Gostaria, se não fosse
muito trabalho para você, que escrevesse ou mandasse dizer através de
minha tia se não teria problema com a minha ida aí no próximo mês.
Pretendo passar uns dez, no máximo, quinze dias. Este tempo dará para
resolver todos os problemas.
Mércia,
sobre a minha reservista eu tenho uma dúvida. Fui preso pelo processo
do POR(T) no fim do ano de 64 e fui expulso do Exército (estava
servindo) em fevereiro de 65. Este foi o processo que você me defendeu
em 68. Pois bem, agora foi arquivado, conforme soube através do
Martinho e do Aiberé no Carandirú. Já que terei de conseguir uma
segunda via da Reservista, é possível tirá-la limpa, já que o
processo foi arquivado? O processo arquivado não me permite ter a
Reservista limpa?
Seja
qual for o caso, Reservista limpa ou não, ela me é necessária. É
para conseguir uma segunda via, terei de ir aí ou Regina, não é
certo? Para isso também é necessário ir até um quartel do exército.
Existe algum problema? Gostaria muito de discutir com você, caso possa
ir agora em novembro.
Mércia,
a resposta deverá ser endereçada a Regina. Com um abraço,
Julio.
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