Salvador, 06 de março de 1978
Prezada
Dra. Mércia,
Espero
que a senhora já tenha recebido o atestado de reclusão fornecido pelo
diretor deste presídio. Meu pai ficou de colocar no correio hoje, para
a senhora, o atestado da Empresa na qual trabalhava quando fui condenado
em 19.01.77. Também meu pai já lhe enviou outros documentos. Neste
mês de março requererei das varas crimes as certidões negativas assim
como uma certidão negativa da Justiça Federal na Bahia. Não terei
nenhuma dificuldade em obter essas certidões, pois quando comprei o
apartamento, tive requerer todas elas para anexar ao contrato de
financiamento. Só que para lhe remeter logo após o dia 20 de abril ou
um pouco antes, terei que requere-las ainda este mês, pois os
cartórios aqui são de péssimo expediente.
Quando
a senhora puder, mande cópia do seu arrazoado solicitando ao Juiz
Auditor os benefícios que a senhora requereu para mim, assim como
quando fizer o da liberdade condicional.
Um
cunhado meu que é advogado, foi à Brasília para resolver um problema
e estava com Moura. A apelação ainda não tem data para ser julgada.
Parece que lá pelo STM “mar não está para peixe”, pelo menos foi
o que disse dona Gelda. Moura será candidato ao Senado por Alagoas.
Tomara que ele consiga e ganhe.
As
coisas aqui não estão tão boas quanto antigamente. Já não temos
aquela tranquilidade de outrora que sempre destaquei em minhas cartas. O
fato de sermos (eu, em particular) presos de muito bom comportamento,
não nos dá nenhuma vantagem, tem até quem afirme sermos
“imprevisíveis”, ou “fanáticos”, ou coisa parecida. Afinal
nós somos presos políticos, pessoas estudiosas, temos cultura, não
somos marginais, nem criminosos comuns, e temos que nos interessar por
coisas que nos dizem respeito, como o “debate político” que o
próprio Presidente da República desencadeou, reforma da Lei de
Segurança Nacional, Anistia etc. Além, naturalmente, dos termos
políticos sociais que são analisados e debatidos através de jornais,
revista e livros que são publicados legalmente, com revisão e censura
feitas pela Polícia Federal sob o comando do Ministério da Justiça.
Infelizmente, o que existe é muito preconceito contra os presos
políticos, e as pessoas preconceituosas não se preocupam nem em
procurar nos auscultar, ouvir, nem nos conhecem para ter opinião
formada e puder analisar cada um separadamente e ao conjunto em um todo.
Quero
ter notícias do andamento de sua petição em meu favor. Seja qualquer
for a decisão do Auditor.
Fonseca
me escreveu todo animado, dizendo que neste mês a senhora o libertará
de qualquer maneira, pois independente dos 6 meses cumpridos em 74, ele
completa a metade dos 27 meses a que foi condenado em 77. Raimundo nunca
mais deu notícias. Continuarei aqui calmo, tranquilo, bem comportado,
esperando a minha vez de deixar este presídio para trás, e poder me
dedicar à minha filha que está linda, mais sabida, inteligente e
precisando muito de mim. Já tenho alguns empregos em vista, faltando
apenas ser solto, para poder organizar definitivamente a minha vida ao lado da minha mulher, da
minha filha e dos meus familiares. Me escreva.
Abraço
ao Dr. Otávio e Aradim. Um abração para a senhora,
Arthur.
|