HIRAM FERNANDES LIMA
ADVOGADO
TERMO DE DECLARAÇÃO
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signatário da presente, Hiram Fernandes Lima, brasileiro, casado,
advogado, residente e domiciliado na cidade do Recife, Capital do Estado
de Pernambuco, onde tem endereço à Rua Médico Mário Guimarães, n.0
105, no bairro da Casa Forte, inscrito no CPF/MF sob o n.0 004.208.754-68,
declara sob as penas da lei, que tenho conhecimento e sou testemunha do
papel desempenhado pela Dra. Mércia de Albuquerque Ferreira, na condição
de advogada de presos políticos durante os longos anos em que perdurou
o regime ditatorial implantado pelo Golpe de Estado de abril de 1964.
Nos
difíceis momentos da vida brasileira, durante anos, enquanto perdurou a
ditadura militar, a Dra. Mércia de Albuquerque Ferreira, enfrentou a
tudo e a todos na defesa de muitos, desde um militante comunista do
porte, da dignidade e da coerência de Gregório Bezerra a um simples
camponês, todos mereciam sua dedicação como advogada, num trabalho de
inesgotável solidariedade humana, se expôs de tal ordem, que na década
de 70, época de grandes atrocidades aos contestadores do “sistema”,
por sua corajosa ação, chegou a ser vítima de sequestro, numa terrível
tentativa de intimidação pela repressão organizada.
A
Dra. Mércia de Albuquerque Ferreira, tornou-se uma pessoa altamente
visada, unicamente porque era solidaria e fazia a defesa dos presos políticos,
sem visar à obtenção de honorários advocatícios, seguindo fielmente
seu sagrado juramento, inclusive, se desdobrando na assistência aos
familiares daqueles que se encontravam nas masmorras da ditadura.
Precisa
se compreender, na hora presente, que não se pode exigir da ditadura
que esta tenha um comportamento corno se na época vivêssemos num
Estado de Direito.
Se
assim fosse, Dra. Mércia e tantos outros combatentes não teriam
participado da luta clandestina no combate à ditadura.
Os
grandes ideólogos Rousseau, Montesquieu e Locke lançaram a filosofia
do Estado democrático e do regime constitucional: subversivo é só
quem viola à constituição e a lei.
Nos
tempos da ditadura, os seus combatentes quando caíam nas malhas da
repressão eram barbaramente exterminados e enterrados em cova rasa, sem
identificação, em local desconhecido e nunca revelado, logicamente,
sem atestado de óbito, como foi o caso da brava combatente Anatália de
Melo Alves, assassinada pelos sicários da Secretaria da Segurança Pública
do Estado de Pernambuco.
Sepultar,
sem atestado de óbito, nos negros dias da ditadura, sem Estado de
Direito, era prática comum e corriqueira entre os órgãos da repressão
– era o Enterrar, sem Vestígios.
Fernando
Augusto de Santa Cruz Oliveira, Eduardo Collier Filho e tantos outros
patriotas e combatentes, vítimas do quem sabe ou do talvez, mortos sem
sepultura, porém, sem nenhuma sombra de dúvida, combateram à ditadura
com o sacrifício das próprias vidas, portanto, heróis de um pais que
tenta rescrever sua história – todos nós, temos esse inarredável
compromisso.
O
fundamento da democracia é a liberdade; o fundamento da ditadura é
o medo, é a intimidação permanente dos cidadãos.
Somente
hoje, transcorridos tantos anos, é que podemos testemunhar diante da
história contemporânea, graças à abertura e o retorno do pais ao
Estado de Direito, a coragem e o destemor da Dra. Mércia de Albuquerque
Ferreira, ao enfrentar todas as adversidades da ditadura e continuar
firme nas suas convicções de advogada, na acepção plena da palavra,
honrando o Estado que lhe acolheu, terra não somente de altos
coqueiros, mas, sobretudo, de tradições libertárias.
Se
hoje, a Dra. Mércia, encontrasse curvada pelo peso do anos e tem uma saúde
altamente debilitada, vivendo ainda, a angústia e o stress de um dia
ser despejada, por viver em casa de aluguel, esses fatos ocorreram por
seu inesgotável humanismo, por viver e alimentar o sentimento da
esperança, desprezando o relógio do tempo, na vã ilusão de que, por
ser jovem, não pensava que um dia iria envelhecer, como se existisse a
eterna juventude – foi um preço significativo por dar de si sem
pensar em si.
Posso
testemunhar, por minha condição de ex-preso político, enquadrado na
Lei de Segurança Nacional (arts. 12 e 13 da Lei n.0 1.802,
de 05 de janeiro de 1953) e no Ato Institucional, apesar de ser menor de
idade, no dia nove (09) de julho de 1964 (mil novecentos e sessenta e
quatro) foi decretada minha prisão preventiva por decisão do Conselho
Permanente da Justiça do Exército, em reunião realizada na Auditoria
da 7ª Região Militar, acolhendo solicitação do Senhor Antônio
Carlos da Silva Muricy, Gen-Div Crnt da 7ª RM e 7ª DI, datada de
12/06/1964, tudo consoante se comprova nos autos do IPM n.0 43/64,
cujo processo encontra-se sob a guarda do Superior Tribunal Militar -
STM, em Brasília/DF.
Naquela
época, Senhores Julgadores, como já afirmado, o fundamento da ditadura
era o medo, era a intimidação permanente dos cidadãos e os
profissionais liberais, no caso, os advogados que atuavam na defesa de
presos políticos, eram poucos, por ser de alto risco advogar perante as
Auditorias militares, ensejou, como foi o meu caso, um custo elevadíssimo
na contratação do Doutor Dermeval Lelis, advogado com livre trânsito
nos meios militares, cujos valores, na época representavam alguns automóveis
Volkswagem, marca de sucesso na classe média alta.
A
Dra. Mércia de Albuquerque Ferreira, por sua marcante atuação, assim
como Rui Barbosa, em certos momentos da história da Pátria, foi a
consciência jurídica e política do povo, a jovem advogada, a quem
presto minha homenagem, foi a inexcedível tribuna das liberdades
violadas ou ameaçadas, a porta voz das famílias e dos que estavam
presos e ameaçados, a guardiã dos direitos da pessoa humana – em síntese,
a inspirada deusa do Estado Democrático de Direito.
Por ser expressa da verdade, firmo a presente declaração, o que
faço com orgulho e elevada satisfação.
Recife
– (PE), 18 de outubro de 2002.
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