Exmº. Sr. Ministro da Justiça
Dr.
Armando Falcão
Consinta em
receber os meus cumprimentos respeitosos,, com votos de muita saúde
pessoal e de todos os que são caros a V. Excª.
Como
brasileiro, como jurista e como membro do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, tenho a honra de entregar a V. Excª. as duas petições
de habeas corpus, apresentadas pelo advogado Marcelo de Santa Cruz
Oliveira ao Exmº. Presidente do Supremo Tribunal Militar.
As
cópias das petições que ponho debaixo das vistas de V.Ex.ª. foram-me
entregues, a meu pedido, por duas Senhoras que compareceram, ontem, à
Sessão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, que reiniciava os
trabalhos inerentes às suas atividades legais. Tais Senhoras tinham
comparecido à sede do aludido Conselho, afim de pedir uma providência
deste Órgão, no sentido de que seja cumprida a própria legislação
baixada pelo regime militar, que vigora no País.
Pela
leitura das petições, cujo texto, por cópia, ora apresento a V.Ex.ª.,
não poderá deixar de reconhecer que justa e procedente é a aflição
das famílias de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira e de Eduardo
Colier Filho, presos e desaparecidos.
V.Ex.ª.
é Ministro da Justiça. Atende bem, Excelência, para esta posição:
MINISTRO DA JUSTIÇA. O mais elementar preceito da Justiça serena,
imparcial e corajosa é a obediência integral às determinações da
lei. Aquilo que a lei ordena tem de ser cumprido e seguido. Esta é,
Excelência, a sua mais severa e insofismável obrigação, isto é,
fazer cumprir a lei, tanto pelos civis quanto pelos militares.
Ora,
Sr. Ministro, a Lei de Segurança Nacional, atualmente em vigor,
determina em vários de seus artigos que sejam observadas as disposições
do Código da Justiça Militar, como passarei a indicar a V.Ex.ª. nos
termos que se seguem:
1º.
– Art. 58. Aplica-se, quanto ao processo e julgamento do Código da
Justiça Militar, no que não colidir com as disposições da Constituição
e deste Decreto-Lei.
2º. – Art.
59, § 2º. Se entender necessário, o Encarregado solicitara dentro do
mesmo prazo ou de sua prorrogação a prisão preventiva do indicado,
observadas as disposições do art. 149 do Código da Justiça Militar.
3º. – At.
60. Em qualquer fase do processo aplicam-se disposições relativas à
prisão preventiva previstas no Código da Justiça Militar.
A Lei de
Segurança Nacional está, portanto, subordinada, de maneira direta e
insofismável, aos preceitos do Código da Justiça Militar, que foi
promulgado pelo DECRETO LEI N.º 1.002 – DE 21 DE OUTUBRO DE 1969,
pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica
Militar. Trata-se, portanto, de uma lei promulgada pelos mais genuínos
representantes daquilo que se convencionou chamar Revolução
Brasileira.
Pois bem, Sr.
Ministro: o Art. 222 do Código de Processo Penal Militar, de 21 de
outubro de 1969, que substitui o antigo Código de Justiça Militar,
preceitua no seu Art. 222: A prisão ou determinação de qualquer
pessoa será imediatamente levada ao conhecimento da autoridade
competente, com a declaração do local onde a mesma se acha sob custódia
e se está, ou não incomunicável.
De tal modo se
instaurou no País o regime da irresponsabilidade, sobretudo no que se
refere aos direitos fundamentais do homem, que são desrespeitadas e
feridas por autoridades civis e militares. As prisões se sucedem nas
condições descritas nas petições que, por cópia, tenho a honra de
comunicar a V.Ex.ª., sem que os autores da ilegalidade sejam afastados
de seus cargos e apresentados à Justiça competente, para processá-los
e julgá-los.
Cabe, ainda,
esclarecer a V.Ex.ª. que a própria Lei de Segurança Nacional, baixada
pelo Decreto-Lei n.º 898, de 20 de setembro de 1969, pelos mesmos
representantes da chamada Revolução Brasileira, prescreve no Art. 59 o
que se segue: Durante as investigações policiais o indiciado poderá
ser preso pelo Carregado do Inquérito até trinta dias, comunicando-se
com a prisão à autoridade judiciária competente. Este prazo poderá
ser prorrogado uma vez, mediante solicitação fundamentada do
Encarregado do Inquérito à autoridade que o nomeou.
§ 1º. O
Encarregado do Inquérito poderá manter incomunicável o indiciado até
dez dias desde que a medida se torne necessária às investigações
policiais militares.
Os textos supra
transcritos são categóricos: comunicação de prisão à autoridade
judiciária competente e conservação de incomunicabilidade apenas por
dez dias.
Assim, Sr.
Ministro, quer se encare o caso dos dois detentos citados nesta carta,
quer à luz do Código de Processo Penal Militar, quer à luz da própria
Lei de Segurança Nacional, é impossível negar o arbítrio, a
ilegalidade e o abuso de poder das autoridades tanto policiais quanto
militares. Cabe, então, a V.Ex.ª. como Ministro da Justiça fazer
cessar todos esses atentados, que desprestigiam o poder público quer na
sua área civil, quer na sua área militar.
Note, Excelência,
que os textos legais por mim invocados são da autoria do Governo
Militar, que dirige o País em nome da assim denominada Revolução
Brasileira. Não são textos decretados pelo liberalismo político, hoje
tão menosprezado e ridicularizado, como se fosse uma ideologia decrépita
e criminosa. Foram decretados por aqueles que se apresentam ao nosso
povo como os salvadores de sua civilização.
Reflita, Sr.
Ministro, nesta realidade dolorosa: o criminoso é apontado,
acertadamente, como uma ideologia que suprimiu as garantias dos direitos
fundamentais da pessoa humana. Nos países em que ele os dirige,
qualquer pessoa pode ser presa pelas autoridades governamentais, sem que
ela disponha, na legislação destes Países de nenhum meio para restituí-la
à liberdade. Entre nós, Excelência, é precisamente isso o que está
acontecendo. Sob este ângulo o governo comunista e o governo brasileiro
se equivalem. O que os distinguem é a conservação, no nosso País, de
legislação que reconhece a propriedade privada e mantém um aparelho
judiciário que tem autonomia para resolver os conflitos que surgem
entre os cidadãos, na área do direito privado.
Ponha, Sr.
Ministro, a autoridade de seu alto cargo ao serviço da manutenção
eficiente e intacta da própria legislação da assim chamada Revolução
Brasileira.
Pedindo que
aceite, com simpatia e de coração largo, o meu forte aperto de mão,
comunico a V.Ex.ª. que, pelo assunto nela ventilado, a presente carta não
é um documento de natureza privada.
Do concidadão
às ordens,
H. Sobral Pinto
Rio, 3 de abril
de 1974
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