FACULDADE DE DIREITO
DA
UNIVERSIDADE DE LISBOA
ALAMEDA DA UNIVERSIDADE
1699
LISBOA CODEX
SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE
O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
SUMÁRIO
DA
INTERVENÇÃO DE JORGE MIRANDA (UNIVERSIDADE
DE LISBOA)
EM
BRASÍLIA, EM 30 DE SETEMBRO DE 1999
I
O CONTEXTO DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL
1.
O DIREITO INTERNACIONAL EM TRANSIÇÃO
A)
As grandes
tendências desde a segunda guerra mundial e acentuadas nos últimos
anos:
1.
Universalização
2.
Regionalização
3.
Institucionalização
4.
Funcionalização
5.
Humanização
6.
Objectivação
7.
Codificação
8.
Jurisdicionalização
Com
particularíssimo relevo para o que aqui interessa, a humanização e a
jurisdicionalização.
B)
Necessidade,
todavia, de não tomar estas tendências como irreversíveis ou
irreversivelmente positivas; e necessidade também de não as tomar
desligadas de factores contraditórios da vida internacional (entre os
quais, os continuados desequilíbrios Norte-Sul, os riscos da
globalização, as deficientes estruturas das Nações Unidas e o peso
das grandes potências).
2.
O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DO HOMEM
A)
A relevância
jurídico-internacional da pessoa humana:
- da
protecção diplomática à protecção humanitária e à protecção
internacional
-
protecção internacional dos direitos do homem e subjectividade
internacional do indivíduo
-
protecção internacional e soberania dos Estados
-
protecção internacional e concepções políticas e civilizacionais; a
necessidade de congregar universalidade e multiculturalismo
-
necessidade de distinguir diferentes estratos de direitos (dos direitos
pessoais aos políticos e aos econômicos e sociais)
B)
As normas do
Direito internacional de direitos do homem:
- A Declaração Universal e o jus co-gens
- Os
tratados de direitos do homem e as suas características (tratados
multilaterais,- com restrições quanto a reservas e só com as
derrogações neles expressamente admitidas)
- As
funções das normas: de garantia e de reforço do Direito interno, por
um lado, e, por outro lado, de impulso e de transformação
- As
formas de protecção: as formas diplomáticas e as institucionais; o
acesso directo do indivíduo a instâncias internacionais; as sanções
C)
Direito
internacional dos direitos do homem e Direito constitucional:
necessária interpenetração.
3.
O DIREITO INTERNACIONAL PENAL DOS DIREITOS DO HOMEM
A)
Direito
internacional penal como estádio mais avançado da protecção
internacional dos direitos do homem:
- Factores de desenvolvimento - desde
Nuremberga e Tóquio aos Tribunais internacionais para a Ex-Jugoslávia
e o Ruanda e ao Tribunal Penal Internacional
- A universalidade dos bens
jurídicos e o princípio de subsidiariedade ou de complementaridade
frente às jurisdições estatais
- Os factores favoráveis (a
criação de uma opinião pública internacional, com o apoio da
globalização televisiva e informática) e os desfavoráveis (para lá
das resistências estatais, as dificuldades de implantação).
B)
O Estatuto do
Tribunal Penal internacional:
- O Estatuto como texto complexo, com
normas simultaneamente penais, processuais penais, judiciárias,
penitenciárias e de cooperação judiciária internacional, além de
constitutivas de um novo sujeito de Direito internacional
- O Tribunal como instituição
permanente vinculadas às Nações Unidas, uma espécie de Organização
de Justiça Penal Internacional (tendo por órgão a Assembléia dos
Estados Partes dos Estatutos)
- Os crimes previstos: de genocídio,
contra a humanidade, de guerra e de agressão
- O Direito aplicável pelo Tribunal:
o Estatuto, os tratados e os princípios gerais de Direito internacional
e os princípios gerais de Direito a extrair do Direito interno segundo
os diferentes sistemas jurídicos
- Os grandes avanços: não imunidade
dos dirigentes políticos e dos chefes militares; irrelevância
(limitada, de certo modo) das ordens hierárquicas; não admissão de
reservas ,
- As garantias em favor dos Estados;
complementaridade de jurisdição, não intervenção em assuntos
internos; aplicação só aos crimes cometidos após a entrada em vigor
dos Estatutos.
II
O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E A
CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA
1.
A
Constituição portuguesa, uma Constituição amiga do Direito
internacional
A)
A concepção
constitucional das relações internacionais (art. 7º):
-
-
A
consagração dos princípios fundamentais do jus cogens, em especial do
princípio do respeito dos direitos do homem
-
-
O princípio
da cooperação internacional
-
-
O objectivo
de criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a
justiça
-
-
A ausência,
porém, de previsão de uma norma favoráveis um tribunal
internacional dos direitos do homem (como no art. 7º das
Disposições Transitórias da Constituição brasileira)
B)
As relações
do Direito internacional e do Direito interno (art. 8º):
-
-
Recepção
geral plena do Direito internacional - do Direito internacional
geral ou comum, do Direito internacional convencional e do Direito
derivado de organizações internacionais
-
-
Primado do
Direito internacional sobre o Direito ordinário interno, mas não
sobre a Constituição (salvo o Jus co-gens)
C)
O sistema
universalista de direitos fundamentais:
-
-
A
Declaração Universal como critério de interpretação e de
integração dos preceitos sobre direitos fundamentais (art. 16º,
nº 2)
-
-
Admissibilidade
de direitos criados por tratado (art. 16º; nº 1)
-
-
Princípio da
equiparação de direitos de portugueses e estrangeiros (art. 15º)
-
-
Proibição
de extradição em caso de pena de morte, de pena de prisão
perpétua e por motivos políticos (art. 33º; nº 4 e 5)
-
-
Garantias
judiciais da expulsão e da extradição (art. 33º; nº 2 e 6)
-
-
Garantia do
direito de asilo (art. 33º; nº 7 e 8)
(Portugal
ratificou todas as grandes convenções internacionais dos direitos do
homem e aceitou a jurisdição do Tribunal Europeu do Direito do Homem,
assim como o acesso dos seus cidadãos ao Comité dos Direitos do Homem,
criado pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos).
D)
Uma abertura
ao Direito internacional penal de direitos do homem: a Constituição
admite a punição, nos limites da lei interna, por acção ou omissão
que, no momento da sua prática, seja considerada criminosa segundo os
princípios gerais do direito internacional comumente reconhecidos (art.
29º; nº 2)
2.
Os passíveis
problemas constitucionais suscitados pelo Estatuto do Tribunal Penal
Internacional
A)
Os problemas
1.
A própria existência de um Tribunal com competência em razão
de
certas categorias de
crimes - quando, pelo contrário, a Constituição proíbe a existência
de tais tribunais (art. 209º; nº 4)
2.
A
dependência da intervenção do Tribunal da verificação da falta de
disposição ou de interesse do Estado para exercer a justiça penal
(art. 17º; 18º e 19º) - donde, uma apreciação violadora do
princípio da soberania (art. 1º da Constituição)
3.
Previsões de
crimes eventualmente não contemplados na lei penal portuguesa - donde,
eventual violação do princípio da legalidade (art. 29; nº 1 da
Constituição)
4.
Definição
dos elementos constitutivos dos crimes previstos nos arts. 6º; 7º e
8º dos Estatutos através da Assembléia dos Estados Partes - donde, ou
violação do princípio da típicidade (ainda art. 29º; nº 1 da
Constituição e princípios do Estado de Direito) ou inadmissibilidade
de tal poder de definição à margem da lei e do tratado
5.
A não exclusão dos titulares de cargos políticos da
jurisdição do Tribunal (art. 27º) - preterindo as imunidades do
Presidente da República, dos Deputados à Assembléia da República e
dos membros do Governo (art. 130; 157 e 196) da Constituição,
respectivamente
6.
A
imprescritibilidade dos crimes da competência do Tribunal (art. 29º)-
não havendo nada de comparável na Constituição e na lei portuguesa,
bem pelo contrário (como consta do art. 118º do Código Penal)
7.
A previsão
de prisão perpétua (art. 77º; nº 1, alínea b) - pena expressamente
vedada pela Constituição portuguesa (art. 30º, nº 1, e 33º; nº 5)
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style="mso-bidi-font-weight:normal">8.
A
possibilidade de entrega de pessoas, incluindo cidadãos, ao Tribunal
(art. 89º e seg) - sendo certo que a Constituição proíbe a
extradição de cidadãos portugueses (art. 33; nº 3)
B)
Posição
perante os problemas
1. Os
problemas ultrapassáveis ou pseudoproblemas:
-
-
O 1º; por a
vedação constitucional dos tribunais de excepção só fazer
sentido quanto a tribunais internos
-
-
O 2º; em
face do art. 7º (respeito dos direitos do homem)
-
-
O 3º; em
face do art. 80 (recepção geral do Direito internacional) e do
art. 29º; nº 2
-
-
O 4º; em
face do art. 8º; nº 3
-
-
O 6º; por a
Constituição não estabelecer qualquer preceito sobre prescrição
-
-
O 8º; por
extradição pressupor relações entre Estado na base de um
princípio de reciprocidade e a entrega de nacionais assentar num
princípio de universalidade.
2.
Os problemas
dificilmente ultrapassáveis, sem revisão constitucional: - O 5º e o
7º (relativos à imunidade de jurisdição dos titulares dos cargos
políticos) e o 70º (relativo à prisão perpétua)
III
UM CASO FLAGRANTE: TIMOR
TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DO
DIREITO INTERNACIONAL
Palavras de saudação inicial
------------------------ (A
gravação não é perceptível em cerca de 45 segundos)----
Em primeiro lugar, universalização
Em segundo lugar, regionalização
Em terceiro lugar,
institucionalização
Em quarto lugar, funcionalização
Em quinto lugar, humanização
Em sexto lugar, objectivação
Em sétimo lugar, codificação e
Em oitavo lugar,
jurisdicionalização
Vejamos rapidamente em que é que
consistem estas oito tendências.
Em 1º lugar a
universalização.
Ela tem-se traduzido,
por um lado, na autodeterminação e no acesso à soberania política
internacional de quase todas as comunidades existentes à face da Terra. A Humanidade, ao contrário do
que acontecia em 1945, encontra-se quase toda dividida em Estados. Os seres humanos encontram-se quase todos agrupados em
Estados. Houve a
desagregação, primeiro, dos impérios marítimos europeus, depois a
desagregação do império continental russo, ainda restam o império
americano e o império chinês, pequenas partículas de pequenos
impérios noutras partes do Mundo, mas no essencial, a Humanidade, hoje,
se olharmos para o mapa está dividida em Estados.
Consequentemente essas comunidades
acederam às diferentes instâncias da vida internacional, em especial,
para salvaguarda dos seus direitos e interesses.
Por outro lado a
universalização, traduziu-se na multiplicação de tratados
multilaterais, para lá das relações de reciprocidade, correspondentes
a tratados bilaterais, surgiram relações de carácter vertical com a
sociedade internacional no seu conjunto representada, se esta expressão
é legitima, pela ONU.
Por outro lado ainda a
universalização manifesta-se ou tem-se manifestado no aparecimento da
idéia de um patrimônio comum da Humanidade quer um patrimônio comum
natural, o alto mar e os recursos marinhos, quer um patrimônio comum
cultural, o patrimônio cultural mundial.
A Segunda tendência
é a regionalização, isto significa que o acesso de quase todas as
comunidades, de quase todos os continentes e grandes regiões do mundo
à vida internacional tem sido acompanhada, quer por razões de
solidariedade particularistas, quer por razões de descentralização,
pela formação de espaços regionais relevantes, por exemplo, no
âmbito das Nações Unidas é de realização de conferências
internacionais e tem-se traduzido na criação de numerosíssimas
organizações regionais que todos conhecem desde a Liga Árabe até à
OUA etc.etc.
Uma terceira
característica da actual fase do Direito Internacional tem sido a
institucionalização, a qual tem envolvido, por um lado, um
desenvolvimento extraordinário das organizações internacionais,
universais e regionais de fins extremamente variados, e não só
organizações de cooperação mas também de integração. Tem-se traduzido na
canalização de grandes áreas integrantes de tarefas da vida colectiva
para essas organizações, tem-se traduzido em especial pela
proeminência da ONU, através de vários dispositivos da Carta que não
é possível neste momento referir.
Também a
institucionalização tem levado ou tem-se traduzido na criação de
direitos institucionais, próprios dessas organizações ou de entidades
resultantes da evolução dessas organizações de que é máximo
exemplo o direito comunitário europeu.
Uma quarta característica é a
funcionalização e esta relacionada com a anterior num duplo sentido. Por um lado, o direito
internacional extravasando cada vez mais o âmbito das meras relações
externas entre os Estados e penetrando cada vez mais em quaisquer
matérias a nível interno, assume tarefas de regulamentação e de
solução de problemas como a saúde, o trabalho, o ambiente, e os
transportes etc. O Direito
Internacional funcionaliza-se em relação a esses problemas
específicos. Por outro
lado e num outro sentido, a funcionalização tem se traduzido na
multiplicação de organizações internacionais de âmbito sectorial,
em particular as da chamada família das Nações Unidas.
Uma quinta característica é a
humanização. Direito
Internacional dos Direitos do Homem, incremento do direito humanitário,
convenções de Genebra, Convenção de 1997, protecção das minorias,
protecção dos refugiados, protecção das populações autóctones,
aparecimento da figura da ingerência humanitária, responsabilidade
criminal internacional por crimes contra a humanidade e outros crimes de
violação dos direitos do Homem. Nesta
tendência ou no desenvolvimento desta tendência de humanização tem
tido um papel predominante ou um papel muito significativo não só as
organizações internacionais, mas também organizações não
governamentais, com relevo particularíssimo para a Amnistia
Internacional.
Uma sexta tendência
é a objectivação ou, se quiser dizer de outra maneira é a
desvoluntarização do Direito Internacional.
Em primeiro lugar o
“jus cogens", em segundo lugar a interpretação de várias
regras da Convenção da Viena de 1969, interpretação de sentido
objectivista, regime das reservas , regime da validade dos Tratados,
regime das modificações dos tratados, o aparecimento mesmo de uma
doutrina de limites materiais de modificação ou revisão de tratados
internacionais, e também por outro- lado, a objectivação está ligada
ao desenvolvimento de uma responsabilidade internacional de pendor
objectivista, particularmente no domínio do Ambiente, do Direito do
Mar, e do Direito do Espaço.
Uma sétima
característica é codificação. A
codificação do Direito Internacional com uma tríplice finalidade, em
primeiro lugar de sistematização e de reforço de segurança
jurídica, depois uma função de integração dos novos Estados
entretanto surgidos na ordem jurídica internacional e, em terceiro
lugar, uma finalidade de racionalização e de desenvolvimento do
Direito Internacional.
Uma última
característica ou uma última tendência do Direito Internacional
Contemporâneo é a
jurisdicionalização. O desenvolvimento de tribunais internacionais,
para lá do TIJ, órgão das Nações Unidas, tribunais de direitos do
homem, tribunais das comunidades européias, tribunais criminais
internacionais.
É óbvio que todos
conhecemos os limites a estas tendências, as falhas a estas tendências
. Podemos dizer que estas tendências são tendenciais, se é possível
empregar esta expressão, nem todas se têm realizado, tem havido falhas
muito significativas tem havido contra tendências mas diria que a
evolução, embora não seja irreversível, o Direito Internacional
faz-se todo nesta linha.
Perspectivas
As
perspectivas de evolução estão muito ligadas àquele fenômeno que o
Presidente da República assinalou, aquele grande evento já assinalado
pelo Presidente da República e que foi a queda do muro de Berlim, o
desaparecimento da União Soviética e a criação de um mundo unipolar. Estão ligados a isso, julgo que
ao lado das oito tendências que referi, há algumas outras tendência
ou algumas perspectivas de evolução que são manifestas e algumas
delas a meu ver, vão contra as tendências apontadas há momentos.
Desde
logo a primeira característica que me parece neste momento verificar-se
é a globalizacão, depois a desestatização ou, como alguns dizem, a
desterritorialização, depois a criação de uma sociedade civil
internacional e finalmente a democratização.
Algumas
destas tendências vão na: linha das tendências acabadas de referir,
outras poderão contrariá-las . É o caso da globalização . Por um
lado um conceito, de certa maneira antagônico. Por outro lado a globalização
seria o culminar da universalização, uma ordem jurídica global, uma
ordem jurídica universal, a integração de todos os povos, em vez de
direitos dos estados, direitos dos povos, culminando numa tendência que
vem dos anos sessenta, a criação de um multiculturalismo, numa
completa circulação de idéias, numa justiça social internacional. Este seria, este deveria ser o
lado positivo da globalização.
A globalização deveria coexistir
nisto. Mas aquilo a que
temos assistido, a meu ver, é exactamente o contrário. A globalização tem sido a
negação da universalização, tem sido a fragilização das economias
e das sociedades locais, tem-se traduzido numa série de crises, os
estados têm perdido crescentemente poder na vida econômica
internacional substituídos pelas grandes empresas multinacionais. Por outro lado têm-se verificado uniformização
comunicacional e cultural em vez do multiculturalismo. Aquilo a que
temos assistido é ao domínio da cultura às vezes da subcultura norte
americana. Eu até diria que estamos ocupados pela cultura e pela
subcultura norte americana. É a rádio, é a televisão, é o cinema ,
são as expressões que muitas vezes usamos sem darmos conta disso. É
outra forma de ocupação. Noutros
tempos era a ocupação militar, agora é esta ocupação comunicacional
que é, a meu ver, contrária ao sentido positivo da globalização. E em conexão com esta
globalização encontramos a desestatização ou desterritorialização. A Humanidade aparece agora dividida em Estados mas estamos
assistindo a uma crise do Estado, a uma decadência do Estado. O estado que tinha sido ou
deveria ser um factor de estabilidade, segurança e de identidade é
ameaçado por essas grandes empresas multinacionais, é ameaçado pelo
aparecimento etnocentrísmo, as exigências étnicas em todos os
continentes, na África mas também na Europa, na América Latina, nos
Estados Unidos América, na Ásia, essas exigências étnicas põem em
causa a sobrevivência do Estado, o Estado perde cada vez mais poderes,
por exemplo o Estado Português na Europa, não vou entrar na questão
da integração européia, mas a verdade é que o Estado Português hoje
aparece na Europa desarmado relativamente a muitos dos seus poderes,
relativamente a muitas das suas tarefas, conflitos como alguns a que
temos assistido, não têm já nada a ver com o Estado Português, têm
a ver com as comunidades da União Européia mas ainda não há
mecanismos de resposta a essas exigências e de resolução desses
conflitos.
Por
outro lado ainda assiste-se ou diz-se que se assiste à crise do Estado
nacional, embora em contrapartida haja alguns Estados nacionais a
começar pelos Estados Unidos da América, em que o culto do
patriotismo, da bandeira e dos símbolos se faz sentir de forma
extremamente forte, aqui um contraste muito significativo entre o que se
passa na Europa e o que se passa nos Estados Unidos da América.
Uma
terceira perspectiva possível de desenvolvimento do Direito
Internacional seria ou poderia ser a criação de uma sociedade civil
internacional. No interior
dos Estados há sociedades civis, na comunidade internacional ou na
sociedade internacional melhor dizendo ainda, isso não se tem
encontrado. A sociedade
internacional tem sido uma sociedade de Estados e agora corre o risco de
ser uma sociedade de multinacionais.
Mas seria possível falar numa sociedade civil internacional se
as organizações não governamentais ocupassem um lugar significativo
na realização do Direito Internacional, na realização de muitas das
tarefas que o Direito Internacional prevê. A sociedade civil internacional
poderia também manifestar-se através da criação de uma opinião
pública internacional sabemos que até agora aquilo a que se chama
opinião pública internacional tem sido sobretudo opinião pública
ocidental e não propriamente uma opinião publica mundial ou universal.
Uma quarta perspectiva
ideal, idealista seria a democratização. Seria de esperar que num momento em que aparentemente a
idéia de democracia de Estado de Direito democrático, a idéia de
liberdade política parece triunfar um pouco por toda parte, pelo menos,
não se vê uma alternativa, nenhum modelo alternativo à democracia
política, seria de esperar que essa democracia se projectasse também,
tivesse a sua projecção na vida internacional. Por outro lado, um pouco na
linha do que já há duzentos anos dizia Kant, uma vez que agora tudo é
democracia seria de esperar que a paz internacional se alcançasse por
os povos sendo eles a governar não quererem enfrentar-se em guerra, em
guerras fratricidas. Mas
estamos muito longe disso, como todos sabem. Em todo o caso seria possível
propor algumas soluções ou algumas linhas de orientação no sentido
de uma democratização a nível mundial.
Uma democratização no âmbito das organizações
internacionais, conseguindo numa verdadeira igualdade entre os Estados,
democratização através de formas de participação democrática dos
cidadãos na tomada de decisões internacionais, eventualmente a longo
prazo mesmo num parlamento universal, eleito por sufrágio universal. Mas isto é naturalmente só uma
utopia.
Não
poderia deixar de terminar, sem fazer uma pequeníssima referência à
nossa Constituição.
Eu
aliás estou aqui nesta iniciativa, nesta magnífica realização, não
como internacionalista, que não sou, mas apenas como um curioso do
Direito Internacional.
Não
gostaria de deixar de fazer uma referência à nossa Constituição que
é uma Constituição poderia dizer amiga do Direito Internacional,
amiga da vida internacional, aberta à vida internacional . E referiria
só a titulo de lembrança, a concepção de relações internacionais
que aparece no artigo 7º, designadamente com a consagração de alguns
grandes princípios de "jus cogens" , a recepção do Direito
Internacional na ordem jurídica em todas as suas vertentes e a
aceitação do seu primado, o sistema dos direitos fundamentais com a
recepção formal da Declaração Universal dos Direitos do Homem, como
parte da Constituição, o princípio da equiparação de portugueses e
estrangeiros, a abertura a regimes de igualdade em relação a cidadãos
de países de língua portuguesa, a consagração constitucional de
cidadania européia, o regime de expulsão e de equiparação de
estrangeiros designadamente com proibição de extradição nos casos de
pena de morte, ou pena que provoque lesão irreparável de integridade
física, também limites à extradição em caso de prisão perpétua e
finalmente a consagração do direito de asilo.
Julgo
que a nossa Constituição, nesse ponto surgiu como extremamente
avançada e pode representar e tem representado um contributo para o
aparecimento noutros países de formas de organização constitucional
também abertas ao Direito Internacional. É óbvio no entanto que temos
de ter consciência dos nossos limites e da nossa pequenez, o nosso
exemplo não será nunca o único que poderá transformar o Direito
Internacional.
Mas
pelo menos é um exemplo de coerência. |