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  O PROJETO DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO EM SÃO PAULO

A implantação do policiamento comunitário requer mudanças na filosofia, na organização e no funcionamento da polícia e a formulação de um projeto definindo as metas, os objetivos e as estratégias adotadas pela polícia e pela comunidade no processo de mudança. No estado de São Paulo, o projeto de implantação do policiamento comunitário está sendo elaborado simultaneamente ao processo de mudanças na polícia. A substituição do comandante-geral da polícia militar em 14 de setembro e a instalação da Comissão de Assessoramento da Implantação do Policiamento Comunitário em 30 de setembro de 1997 deram início ao processo de elaboração deste projeto.  

Até o lançamento oficial do projeto do policiamento comunitário em 10 de dezembro de 1997, o projeto era pouco elaborado e bastante ambíguo e vago. Entretanto, durante o processo de mudanças organizacionais e operacionais na polícia, muitas vêzes não planejadas, o projeto começou a ganhar contornos um pouco mais claros e precisos. Em setembro de 1998, um ano depois da instalação da Comissão do Policiamento Comunitário, a Comissão produziu dois documentos púbicos apresentando o projeto de policiamento comunitário no estado: a) um documento dirigido aos candidatos ao governo do estado de São Paulo; e b) um documento apresentando o programa de implantação do policiamento comunitário no estado de São Paulo.[1]

 

A Comissão do Policiamento Comunitário

 

A Comissão de Assessoramento Implantação do Policiamento Comunitário é o principal local para a análise e discussão do projeto do policiamento comunitário no estado.[2] Segundo o comandante geral da polícia militar, “A Corporação poderia por conta própria implantar sua estratégia de polícia comunitária. Estudos para tanto existem muitos, produzidos na forma de teses pelos oficiais alunos do nosso Centro de Estudos Superiores. Porém, haveria contradição com o princípio básico da filosofia supracitada que não dispensa o trabalho cooperativo entre a população e a polícia. Esse foi o motivo que levou a Polícia Militar a chamar a comunidade para integrar a Comissão que prepara o projeto de polícia comunitária”.[3]

 

Mais precisamente, o comandante sabe que a polícia não pode implantar por conta própria o policiamento comunitário. Desde a década de 1980, oficiais da polícia militar desenvolvem estudos sobre o policiamento comunitário em cursos de formação e aperfeiçoamento profissional.[4] Desde 1993, a polícia militar tem em suas mãos um projeto para implantar o policiamento comunitário, produzido pelo Conselho Geral da Comunidade da Polícia Militar, que nunca foi implementado.[5] Como observou um capitão da polícia militar, responsável pela implantação do policiamento comunitário num bairro de São Paulo, a polícia militar discute a implantação do policiamento comunitário pelo menos desde 1992.[6] A grande diferença entre 1992 e 1998, e a grande razão para otimismo em 1998, segundo o capitão, é que o projeto de policiamento comunitário de 1998, ainda que aproveite idéias das discussões de 1992, está sendo desenvolvido com a participação da comunidade. Ainda segundo o capitão, a participação da comunidade não apenas diferencia as duas situações mas é o grande argumento para convencer os policiais que o projeto de 1998 não terá o mesmo destino do projeto não realizado de 1992.[7]

 

A Comissão do Policiamento Comunitário foi instalada no dia 30 de setembro de 1997, com a presença do secretário estadual da Segurança Pública e do comandante-geral da polícia militar. Presidida pelo comandante do policiamento metropolitano da polícia militar, a Comissão é aberta à participação de representantes de órgão públicos e de entidades da sociedades civil interessadas no policiamento comunitário. A Comissão não tem número fixo de integrantes. Os membros da Comissão não têm mandato fixo e não são remunerados. Em agosto de 1998, as seguintes organizações mantinham representantes na Comissão[8]:

 

 

·        Associação Comercial do Brás

·        Associação dos Policiais Militares Evangélicos

·        Associação Paulista do Ministério Público

·        Associação de Segurança do Cidadão

·        Câmara Municipal de São Paulo

·        Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Campo Limpo

·        Comissão Justiça e Paz-SP

·        Conselho Comunitário do Butantã

·        Conselho Comunitário da Freguesia do Ó

·        Conselho Comunitário da Santa Cecília

·        Conselho Estadual da Condição Feminina

·        Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana

·        Conselho Estadual do Idoso

·        Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra

·        Conselho Geral da Comunidade da Polícia Militar

·        Conselho dos Pastores do Estado de São Paulo

·        Consulado dos Estados Unidos

·        Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

·        Grande Loja Maçônica-SP

·        Grande Oriente Paulista

·        Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente

·        Instituto São Paulo Contra a Violência

·        Instituto Estratégia e Política

·        Universidade de São Paulo, Núcleo de Estudos da Violência

·        Ordem dos Advogados do Brasil-SP, Comissão de Direitos Humanos

·        Prefeitura de São Paulo, Secretaria das Administrações Regionais

·        Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania

·        Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, Centro Integrado de Cidadania

·        Secretaria da Segurança Pública, Coordenadoria dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública

·        Secretaria da Segurança Pública, Polícia Civil

·        Rotary Clube Vila Galvão

·        Sociedade Amigos do Belém

·        Sociedade Amigos da Cidade Ademar

·        Movimento Paz e Justiça

 

No caso das entidades púbicas, é notável a ausência da Ouvidoria de Polícia, da Secretaria da Administração Penitenciária, da Procuradoria Geral do Estado, do Ministério Público, do Poder Judiciário e da Assembléia Legislativa, além das Secretarias da Educação, da Secretaria da Saúde e da Secretaria da Desenvolvimento e Promoção Social.[9] No caso das entidades da sociedade civil, é notável a ausência de organizaçõessindicais (com exceção da FIESP) e de associações profissionais (com exceção da OAB-SP). No caso da polícia, é notável a ausência das associações profissionais dos policiais e particularmente dos praças participando do policiamento comunitário.

 

A ausência destas entidades certamente enfraqueceu a Comissão e dificultou a implantação do policiamento comunitário. Entreatanto, ainda que estas entidades não estivessem presentes, seus pontos de vista não foram necesssariamente ignorados. Em 1997, já havia sido realizada em São Paulo uma ampla discussão sobre os problemas da polícias e sobre a reforma da polícia e mais especificamente sobre o policiamento comunitário. Os resultados dessa discussão anterior haviam sintetizados em uma série de documentos, que serviram de ponto de partida e subsídio para o trabalho da Comissão. O trabalho da Comissão foi transformar os resultados desta discussão num projeto capaz de ser implementado no estado.

 

      Entre os principais documentos à disposição da Comissão, é importante citar[10]:

 

 

·        Constituição Federal de 1988

·        Constituição Estadual de 1989

·        Proposta Polícia Comunitária, tese do capitão PM Otávio Ferreira Pedroso Filho, 1992

·        Projeto de Polícia Comunitária: implantação de modelo e ação educativa, grupo de trabalho “Polícia Comunitária”, do Conselho Geral da Comunidade da Polícia Militar, de 1993

·        Programa Nacional de Direitos Humanos, de 1996

·        Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo, de 1997

·        Conferência Nacional Justiça, Segurança e Cidadania - Relatório, de 1997

·        Medidas Mínimas de Reforma da Segurança Pública, do Grupo de Trabalho para Avaliação do Sistema de Segurança Pública do Ministério da Justiça, de 1997

·        Sugestões para o Aperfeiçoamento do Trabalho Policial, do Grupo de Trabalho para Reforma do Sistema de Segurança Pública, do Governo do Estado de São Paulo, 1997

·        São Paulo Sem Medo - Relatório, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, Rede Globo e Fundação Roberto Marinho, de 1997

·        Projeto de Modernização das Polícias, do Instituto Latinoamericano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD), de 1997

·        Policiamento Comunitário como Fator de Integração Social - Projeto de Segurança Pública para os Bairros de Perus, Taipas, Jaraguá e Região, da 4ª Cia do 4º Batalhão da PMESP e do ILANUD, de 1997.

 

Aproveitando o resultado das discussões anteriores e as discussões da Comissão, o comando geral da polícia militar começou a elaborar um projeto para orientar a implantação do policiamento comunitário. No dia 10 de dezembro de 1997, o comando da polícia militar oficialmente adotou o policiamento comunitário como filosofia e estratégia organizacional e lançou um projeto de implantação do policiamento comunitário no estado de São Paulo. O projeto inicial nunca foi formalizado num único documento. Mas, as suas linhas básicas foram apresentadas em uma série de documentos e em pronunciamentos dos comandantes da polícia militar.

 

O Projeto do Policiamento Comunitário

 

O projeto de policiamento comunitário da polícia militar parte de uma avaliação dos problemas da segurança pública e da polícia, que justifica a reforma da polícia e implantação do policiamento comunitário. Neste projeto, a polícia militar apresenta o policiamento comunitário como parte de uma ampla reforma da polícia com o objetivo de redirecionar a sua atuação e melhorar o seu desempenho na garantia da segurança pública e no respeito ao estado de direito e aos direitos humanos. Através da análise deste projeto, é possível identificar as metas, os objetivos e as estratégias da polícia militar para implementação do policiamento comunitário no estado de São Paulo.

 

O ponto de partida na elaboração do projeto foi o reconhecimento, pelos policiais e pelos representantes da comunidade, de que os problemas na polícia e na segurança pública são muitos e crescentes, de que as exigências da sociedade em relação à polícia e à segurança pública também são muitas e crescentes e de que a responsabilidade pela segurança pública não pode ser atribuída exclusivamente à polícia mas tem que ser dividida entre a polícia e a comunidade. O reconhecimento destes fatos que hoje parecem evidentes não foi fácil de ser alcançado e pode já ser considerado uma conquista na implantação do policiamento comunitário.

 

Tradicionalmente, a atitude dos policiais e da comunidade era atribuir à polícia, não à comunidade, a responsabilidade pela preservação da segurança pública. O policiamento ostensivo, o atendimento imediato às solicitações da população e a investigação dos crimes para identificação do criminosos e seu encaminhamento ao sistema de justiça criminal eram as práticas utilizadas pela polícia para cumprir sua obrigação de preservar a segurança pública.

 

Hoje, ao contrário, há um amplo consenso sobre a responsabilidade conjunta da polícia e da comunidade pela preservação da segurança pública e sobre a necessidade de integração e colaboração entre a polícia e a comunidade para a resolução dos problemas que aumentam o risco de crimes, para a manuteção da ordem pública e para a melhoria da qualidade de vida da população. Este consenso está refletido no capítulo sobre segurança pública da Constituição Federal de 1988, segundo o qual a segurança pública é “dever do estado e direito e responsabilidade de todos” e na política de segurança pública atualmente em curso no estado de São Paulo.

 

Diagnóstico dos Problemas

 

Uma lista dos problemas da polícia e da segurança pública apontados na comissão e nos documentos citados acima seria enorme, mas os principais problemas podem ser categorizados na forma de tópicos ou temas que passaram a ser discutidos pela comissão e a orientar a formulação e implementação do projeto de policiamento comunitário:

 

 

·        Poucos policiais trabalhando nos locais de maior risco de criminalidade, particularmente na periferia das grandes cidades e à noite

 

·        Poucos policiais trabalhando na rua, particularmente perto das escolas

 

·        Muitos policiais trabalhando em “bicos”

 

·        Policiais com baixos salários e com poucos direitos e garantias, com escolaridade, treinamento e supervisão insuficiente ou inadequada, com viaturas e equipamentos insuficientes ou inadequados

 

·        Violência, desrespeito, ineficácia e ineficiência por parte da polícia, principalmente em relação à população pobre e aos grupos minoritários

 

·        Polícia distante da comunidade; falta de comunicação e cooperação entre os policiais e os membros da comunidade

 

·        Policiamento reativo; falta de policiamento preventivo

 

·        Excessiva centralização organizacional e operacional na polícia

 

·        Excessivo número de níveis hierárquicos na polícia

 

·        Falta de comunicação e integração entre diferentes setores e níveis hierárquicos na polícia

 

·        Controle interno da polícia deficiente ou inadequado

 

·        Controle externo da polícia deficiente ou inadequado

 

·        Falta de comunicação e integração entre a polícia militar e a polícia civil

 

·        Falta de coordenação entre a polícia, ministério público, judiciário e sistema peniteciário

 

·        Falta de coordenação entre a polícia e as organizações estatais responsáveis por políticas sociais e urbanas

 

·        Presença excessiva, descontrolada de drogas ilícitas e álcool na sociedade

 

·        Presença excessiva, descontrolada de armas na sociedade

 

·        Desvalorização da vida e valorização da violência nos meios de comunicação social

 

·        Desestruturação de famílias e comunidades

 

·        Escolaridade insuficiente ou inadequada

 

·        Desemprego

 

Diante destes problemas, a polícia, com a colaboração da Comissão de Implantação do Policiamento Comunitário, teve que discutir prioridades, identificar as soluções desejadas e as soluções possíveis de serem encaminhadas imediatamente e em médio e longo prazo e finalmente articular e incorporar estas soluções num projeto de policiamento comunitário.

 

No lançamento do policiamento comunitário no dia 10 de dezembro, não havia, como nunca houve, um documento altamente elaborado apresentando e detalhando o projeto de policiamento comunitário. O desenvolvimento teórico do projeto aconteceu, e continua a acontecer, paralelamente ao seu desenvolvimento prático. Mas já era possível discernir as linhas básicas do projeto, apresentadas em documentos, artigos na imprensa e pronunciamentos emitidos pelo comando da polícia militar, particularmente na Nota de Instrução PM3-004/02/02/97, de 10 de dezembro de 1997.

 

Esta nota de instrução, que regula a implantação do policiamento comunitário, foi discutida na comissão de implantação do policiamento comunitário e posteriormente transmitida a todas as organizações da polícia militar. É um dos mais importantes documentos sobre o projeto do polciamento comunitário em São Paulo. Entretanto, a polícia militar considerou a nota de instrução um documento “reservado” e nunca diviulgou publicamente um documento apresentado de forma clara e suscinta as linhas básicas do projeto de polícia comunitária -o que talvez tenha contribuído para o desconhecimento e para a falta de clareza sobre a natureza do projeto por parte de segmentos da comunidade e mesmo dos policiais militares.

 

A Reforma da Polícia

 

O projeto de implantação do policiamento comunitário, segundo esta nota de instrução, é parte central e prioritária de um processo de reforma da polícia com o objetivo de transformá-la numa “polícia de proteção dos direitos da cidadania e da dignidade humana”.[11] Esta é a visão do futuro da Polícia Militar, apresentada pelo comandante geral da PM no lançamento do projeto de polícia comunitária. A missão ou o papel da polícia militar, segundo esta visão, é “fazer um policiamento personalizado de serviço completo, onde o policial militar, vinculado a uma determinada área, presta serviços em parceria preventiva com a comunidade local, para identificação e busca de solução dos problemas contemporâneos, como crimes, drogas, medos, desordens físicas e morais e até mesmo a decadência dos bairros, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida na área”.[12]

 

Nessa breve declaração da missão ou papel da polícia, são apresentados quatro idéias ou valores que fundamentam projetos de policiamento comunitário em outros países e que, segundo a polícia militar, devem fundamentar o policiamento comunitário em São Paulo: prestação de serviços; parceria com a comunidade; identificação e resolução dos problemas que aumentam o risco de crimes; qualidade de vida. /p>

 

A polícia passou a reconhecer a importância da prestação de serviços -ao consumidor, ao cliente, ao cidadão-, enfatizada pelas teorias da qualidade total. O papel da polícia, deste ponto de vista, não é identificar e apreender criminosos. É prestar serviços às vítimas ou potencias vítimas de criminosos. Essa prestação de serviços pode incluir, mas não se limita a, identificação e prisão de criminosos. A prestação de serviços pode ser, por exemplo, reduzir o número e a gravidade dos crimes, minimizar o dano produzido pelos crimes, minimizar o medo ou o trauma produzido pelos crimes.[13]

 

A importância da parceria com a comunidade, enfatizada pelas teorias da democracia participativa, também foi reconhecida pela polícia. O papel da comunidade, deste ponto de vista, não é simplesmente solicitar os serviços da polícia e eleger os governantes responsáveis pela formulação, implementação e avaliação das políticas de segurança pública e pela nomeação dos dirigentes das polícias. É também e principalmente participar diretamente da formulação, implementação e avaliação das estratégias de policiamento e políticas de segurança pública.[14]

 

 A importância da identificação e resolução dos problemas que aumentam o risco de crimes, enfatizada por teorias epidemiológicas da violência, também foi reconhecida pela polícia. Deste ponto de vista, o papel da polícia e da comunidade não é simplesmente atuar reativamente depois da ocorrência de crimes. É também e principalmente atuar na prevenção de crimes, modificando fatores ambientais ou comportamentais que aumentam o risco de crimes.[15]

 

Finalmente, a importância da preservação da qualidade de vida da comunidade ou mais especificamente a ordem pública, do ponto de vista da prevenção criminal, enfatizada pela teoria da janela quebrada e por teorias baseadas no conceito da dissuasão, também foi reconhecida pela polícia. Neste sentido, o objeto da atenção da polícia deixa de ser apenas o crime, a infração à lei, e passa a ser também as infrações às normas da comunidade, as desordens, que afetam negativamente a segurança pública e a qualidade de vida da comunidade.[16]

 

Metas e Objetivos

 

A integração destas quatro idéias num projeto de reforma de polícia constitui uma mudança radical nos valores que orientavam a organização e operação da polícia até 1997. Obviamente, há uma enorme distância entre a mudança na teoria e na prática. Para realizar as mudanças organizacionais e operacionais necessárias para a sustentação destes valores na prática, a polícia militar estabeleceu uma série de metas gerais e objetivos específicos, que definem de forma mais concreta as diretrizes do projeto de policiamento comunitário.

 

As metas do projeto são basicamente as seguintes:

 

1)      Implantar o policiamento comunitário como filosofia e estratégia organizacional da polícia militar

 

2)      Melhorar a qualidade do sistema de treinamento na polícia militar

 

3)      Melhorar a qualidade do sistema de seleção e promoção na polícia militar

 

4)      Integrar a polícia militar com os outros órgãos públicos

 

5)      Valorizar o policial militar

 

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A meta deste projeto, portanto, não é simplesmente introduzir programas de policiamento comunitário, que já haviam sido introduzidos e estavam se desenvolvendo em algumas cidades e bairros. A meta é implantar o policiamento comunitário como filosofia e estratégia para toda a polícia, a partir do estabelecimento de postos/bases comunitárias de segurança em todo o estado. Além disso, o policiamento comunitário não é uma meta isolada, mas diretamente relacionada a, e sustentada por, outras quatro metas.

 

As cinco metas estão por sua vez relacionada a uma série de objetivos, mais específicos, que detalham cada meta:

 

Implantar o policiamento comunitário como filosofia e estratégia organizacional da polícia militar

 

1)      Aumentar a presença dos policiais nas ruas, particularmente nas áreas e horários de maior risco de crimes, delitos e desordem

 

2)      Valorizar o patrulhamento a pé, que possibilita maior interação com a comunidade, de forma integrada aos outros serviços policiais

 

3)      Fixar policiais em áreas determinadas, nas bases comunitárias de segurança, atribuindo-lhes a responsabilidade pelo policiamento destas áreas, de forma integrada aos outros serviços policiais

 

4)      Promover a interação entre a polícia e a comunidade, em todos os níveis da hierarquia, a partir dos policiais da comunidade

 

5)      Estabelecer canais de comunicação permanentes entre a polícia e a comunidade através dos policiais da comunidade

 

6)      Procurar formas de revitalizar e de melhorar o bem-estar e a qualidade de vida da comunidade

 

7)      Orientar a população sobre a responsabilidade de cada um e sobre as formas de prevenção de crimes e delitos e sibre os direitos e obrigações de cidadania

 

8)      Orientar e facilitar o acesso dos cidadãos e da comunidade a outros órgãos públicos para resolução dos seus problemas 

 

9)      Racionalizar os meios e integrar os esforços da polícia e da comunidade para resolução de problemas

 

10)  Desenvolver o policiamento preventivo, orientado para as necessidades particulares de cada comunidade

 

 

Melhorar a qualidade do sistema de treinamento na polícia militar

 

1)      Capacitar o policial militar a trabalhar com a comunidade na resolução dos problemas da comunidade

 

2)      Oferecer ao policial militar instrução e treinamento incorporando os princípios básicos dos direitos humanos

 

3)      Oferecer a todos os policiais instrução sobre a filosofia e as estratégias do policiamento comunitário p class="MsoNormal" style="margin-left:18.0pt;text-align:justify;text-indent: -18.0pt;mso-list:skip"> 

4)      Formar agentes multiplicadores para oferecer instrução sobre o policiamento comunitário para todos os policiais

 

5)      Oferecer aos comandantes dos postos de policiamento comunitário instrução sobre policiamento comunitário e atribuir a eles a responsabilidade de instruir continuamente os policiais em serviço nos postos

 

6)      Oferecer aos policiais das bases de policiamento comunitário instrução contínua sobre o policiamento comunitário

 

 

Melhorar a qualidade do sistema de seleção e promoção do pessoal na polícia militar

 

1)      Redefinir o perfil do policial e definir o perfil do policial comunitário

 

2)      Alinhar o sistema de seleção, avaliação de desempenho e promoção com as exigências do policiamento comunitário

 

 

Integrar a polícia militar com os outros órgãos públicos

 

1)      Estimular e maximizar a atuação dos Consegs (Conselhos de Segurança Comunitária), Consebs (Conselhos de Segurança de Bairro), e CICs (Centros Integrados de Cidadania) e outras organizações locais onde acontece a interação entre a polícia militar e a polícia civil e destas com os outros orgãos públicos e as lideranças comunitária

 

2)      Desenvolver permanentemente, em todo o estado, operações conjuntas da polícia militar e da polícia civil  

 

3)      Integrar o sistema de informação e comunicação da polícia militar e da polícia civil militar

 

 

Valorizar o policial militar

 

1)      Concientizar o policial da sua importância na sociedade

 

2)      Equipar adequadamente os policiais

 

3)      Valorizar os policiais da comunidade, fixando-os em determinada área e atribuindo-lhes responsabilidade pelo policiamento da área

 

4)      Valorizar a posição e função dos sargentos de polícia, atribuindo-lhes a responsabilidade de comandar os postos de policiamento comunitário

 

5)      Decentralizar o processo decisório até o menor escalão da polícia, como forma de incentivar a participação dos policiais e dos cidadãos na definição das prioridades da polícia, tendo em vista a organziação e gerenciamento da polícia segundo os princípios da qualidade total

 

6)      Priorizar o modelo de liderança baseado no exemplo, na orientação e no incentivo e apoio à iniciativa individual dos policiais, ao invés do modelo de comando e controle baseado na ordem, na imposição e no desincentivo e punição das iniciativas individuais dos policiais, tendo em vista o funcionamento da polícia segundo os princípios da qualidade total

 

Estratégia

 

É importante enfatizar que as metas e os objetivos delineados acima não constam de nenhum documento teórico, formal, mas foram se delineando e se articulando à medida que o projeto de policiamento comunitário foi implementado. A nota de instrução de 10 de dezembro de 1997 foi um ponto de referência importante no projeto de implantação do policiamento comunitário, mas alguns elementos do projeto antecederam a nota  e outros elementos apareceram posteriormente. Desde o lançamento oficial do projeto no dia 10 de dezembro, alguns aspectos do projeto ganharam importância, outros perderam importância ou desapareceram e muitos foram modificados e adaptados.

 

Esta flexibilidade e adaptabilidade do projeto, que permite que as metas e objetivos estabelecidos acima sejam permanente revistos e eventualmente modificados, pela polícia e pela comunidade, não é acidental. Decorre da estratégia adotada na implantação do policiamento comunitário, procurando sempre balancear e um atingir um compromisso entre a teoria e a prática, entre o novo e o antigo e entre os diversos valores, metas e objetivos integrados ao projeto.

 

Segundo esta estratégia, o policiamento comunitário deveria ser implantado a partir do aproveitamento, consolidação e expansão dos programas e atividades já existentes, compatíveis com esta nova filosofia e estratégia de policiamento, e da troca de experiências dentro da polícia e com outras polícias dentro e fora do Brasil.

 

Além disso, o policiamento comunitário deveria ser implantado de forma gradual, incremental, através do estabelecimento de projetos piloto e bases comunitárias de segurança nas unidades que já desenvolvem programas de policiamento comunitário, seguida da expansão dos projetos piloto para outras unidades até a implantação e e institucionalização do policiamento comunitário em todo o estado.

 

Foram definidos inicialmente, em dezembro de 1997, 41 companhias da polícia militar para desenvolvimento de projetos piloto do policiamento comunitário. Entretanto, antes mesmo de avaliar os resultados dos projetos piloto nas 41 companhias de polícia, a polícia militar decidiu aumentar o número de projetos piloto para 110 em maio de 1998 e há previsão da ampliação para 200 projetos pilotos até dezembro de 1998. [17]

 

A parte mais importante do projeto, entretanto, decisiva para o seu sucesso ou fracasso, continuidade ou abandono, nunca foi a elaboração teórica do policiamento comunitário e da reforma da polícia, ainda que esta parte tenha sido e continue a ser fundamental para o desenvolvimento do projeto. A parte mais importante do projeto sempre foi a mobilização de apoio político e o levantamento de recursos na polícia, na comunidade e no governo, o desenvolvimento da capacidade organizacional e operacional para realizar na prática o policiamento comunitário e para transformar a polícia numa polícia de proteção dos direitos de cidadania e da dignidade humana.  



[1] Ver cópia dos dois documentos no anexo 1. En julho de 1998, a Comissão de Implantação do Policiamento Comunitário passou a discutir a edição de um livro para documentar o projeto do policiamento comunitário em São Paulo. 

[2] Ver o cronograma das atividades e uma breve exposição dos trabalhos da Comissão no anexo 3.  

[3] Camargo 1997a. 

[4] Depoimento de Cristina Neme, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, que está pesquisando as monografias produzidas por oficiais da polícia militar em cursos de formação e aperfeiçioamento profissional. 

[5] São Paulo, Secretaria da Segurança Pública, Polícia Militar, Conselho Geral da Comunidade 1993. 

[6] Em 1992, a polícia militar começou a implantar o policiamento comunitário em Ribeirão Preto. 

[7] Depoimento na reunião da Comissão do Policiamento Comunitário de de 9 de março de 1998. 

[8] A lista de integrantes da Comissão sofre modificações constantemente. A Pastoral do Menor tinha representante na Comissão em 1997, mas se retirou em 1998. Diversas entidades começaram a participar da Comissão apenas em 1998. Portaria do comandante geral da polícia militar de 13 de agosto de 1998, publicada no Diário Oficial do Estado, apresenta uma relação de entidades e policiais participando da Comissão do Policiamento Comunitário.  

[9] A Associação Paulista do Ministério Público começou a participar da Comissão no segundo semestre de 1998. Representante do Ministério Público participou de reunião da Comissão para conhecer o projeto de policiamento comunitário em junho de 1998. 

[10] Todos os documentos estão citados na bibliografia ao final do relatório. 

[11] Nota de Instrução, PM3-004/02/02/97, item 3.c. 

[12] Nota de Instrução, PM3-004/02/02/97, item 3.b. 

[13] Bratton 1998. 

[14] Trojonowicz e Bucqueroux 1994; Rosenbaum 1994, Greene e Mastrofksi 1988, Skolnick e Bayley 1988 e 1986. 

[15] Goldstein 1990 e 1979. 

[16] Wilson e Kelling 1982; Kelling e Coles 1996.   

[17] Esta foi uma decisão unilateral do comando da polícia militar, sem consulta à Comissão do Policiamento Comunitário. Ver capítulo 4 do relatório e cronograma de atividades da Comissão no anexo 2. 

 

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