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5. A MUDANÇA NA POLÍCIA E O IMPACTO DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO EM SÃO PAULO

A avaliação sistemática e rigorosa do processo de implantação e dos resultados do policiamento comunitário é uma das condições essenciais para a implantação e institucionalização deste tipo de policiamento. Entretanto, é preciso definir critérios claros e precisos para a avaliação do processo de implantação do policiamento comunitário, que reflitam as novas prioridades da polícia e da comunidade.

Tradicionalmente, o trabalho da polícia é avaliado através de: a) taxas de criminalidade, particularmente da criminalidade violenta, medidos através de registros oficiais e/ou pesquisas de vitimização; e b) taxas de atendimento de solicitações do público e de identificação e prisão de criminosos, medidos através de registros oficiais.

Com a implantação do policiamento comunitário, outras formas de avaliação do trabalho da polícia ganham importância, além das formas tradicionais: a) satisfação da comunidade com a qualidade do trabalho da polícia, medida através de pesquisas de opinião pública, de registros de queixas públicas contra a polícia, de registro de investigações, processos administrativos ou judiciais e punições contra policiais; b) satisfação da comunidade com a qualidade da segurança pública, medida através de pesquisas de opinião pública; c) taxas de criminalidade dos crimes cuja prevenção é considerada prioritária pela comunidade, medidos através de registros oficiais e/ou pesquisas de vitimização; d) pesquisas científicas para verificar o efeito de estratégias de policiamento na prevenção do crime e na manutenção da ordem pública.

Além da redefinição dos critérios de avaliação da polícia, o policiamento comunitário exige uma mudança na forma de monitoramento e de avaliação da polícia. Tradicionalmente, o monitoramento e a avaliação da polícia são feitos de forma pouco transparente para o público pela própria polícia e pelas autoridades governamentais.

Com a implantação do policiamento comunitário, o monitoramento e a avaliação da polícia são feitos de maneira mais transparente para o público, com a participação de especialistas independentes das organizações policiais e governamentais, pela imprensa e principalmente pelas organizações da sociedade civil. A polícia e as autoridades governamentais publicam regularmente relatórios com informações e dados estatísticos sobre as atividades da polícia e a segurança pública no estado.

A participação da comunidade no processo de monitoramento e de avaliação da polícia é, portanto, não apenas uma condição importante para a realização do policiamento comunitário mas também um critério fundamental para avaliar o desenvolvimento do projeto de implantação deste tipo de policiamento. A ausência de mecanismos capazes de garantir a participação efetiva da comunidade no monitoramento e avaliação do projeto de policiamento comunitário é uma das principais limitações do atual projeto e um dos principais obstáculos para o desenvolvimento do policiamento comunitário no estado.

A Mudança

Para avaliar o processo de implantação do policiamento comunitário, é importante analisar mudanças na polícia e nas relações entre a polícia, as organizações da sociedade civil e as outras organizações públicas. Além disso, é importante analisar mudanças não apenas nas regras e diretrizes formais mas também e principalmente nas atitudes e nos comportamentos dos policiais nas suas relações com outros policiais e com membros da comunidade e das outras organizações públicas.

O processo de implantação do policiamento comunitário em São Paulo pode ser esquematicamente dividido em cinco fases: planejamento; implantação de projetos piloto; expansão do número e da abrangência dos projetos piloto; implantação do policiamento comunitário em toda a polícia e toda a área servida pela polícia; institucionalização.

Este é normalmente um processo longo e demorado. Nos Estados Unidos e no Canadá, onde o processo de implantação do policiamento comunitário está mais avançado, as primeiras experiências de policiamento comunitário aconteceram na década de 1970. Nos Estados Unidos, o governo federal começou a apoiar com recursos financeiros a contratação e treinamento de policiais para projetos de policiamento comunitário somente em 1994. Hoje, aproximadamente 70% dos departamentos de polícia em cidades com mais de 50.000 habitantes já introduziram algum tipo de policiamento comunitário. Na maioria das cidades, entretanto, o policiamento comunitário ainda está em fase de implantação.

Em São Paulo, o processo de implantação do policiamento comunitário tem apenas nove meses, a contar da adoção do policiamento comunitário como filosofia e estratégia organizacional da polícia militar em dezembro, e ainda está na fase de implantação de projetos-piloto. Ainda que a polícia militar tenha se comprometido a estender o policiamento comunitário a todo estado, e anunciado a implantação de 200 projetos piloto até o final de 1998, apenas as 41 companhias do grupo de projetos piloto estão efetivamente realizando o policiamento comunitário.

Não faz sentido, portanto, avaliar as mudanças na polícia, na comunidade e nas outras organizações públicas comparando o policiamento comunitário em São Paulo e o policiamento comunitário nos Estados Unidos e no Canadá. Por outro lado, não faz sentido avaliar as mudanças na polícia sem levar em consideração as experiências, sucessos e limitações do policiamento comunitário nestes países.

O policiamento comunitário é um tipo de policiamento apoiado em parcerias entre a polícia e a comunidade, orientado para a identificação e resolução dos problemas da comunidade que afetam a segurança pública e, no qual a comunidade participa da formulação, implementação e avaliação das políticas de segurança pública e das estratégias de policiamento e a polícia presta contas à comunidades das suas atividades. Quanto mais avançado o processo de implantação do policiamento comunitário, mais a atuação da polícia e da comunidade deve se aproximar deste ideal e mais a estrutura organizacional e o estilo de gerenciamento da polícia devem oferecer condições para que a atuação da polícia e da comunidade se aproximem deste ideal.

Mais especificamente, a organização da polícia precisa ser descentralizada e aberta para facilitar a comunicação e cooperação entre os policiais e os membros de outras organizações governamentais e da sociedade civil. O gerenciamento da polícia precisa ser participativo, flexível e ágil para facilitar a comunicação e cooperação entre diversas unidades dentro da polícia e entre os policiais, os supervisores e os comandantes ou chefes. O sistema de produção e distribuição de dados estatísticos, informações e relatórios sobre o trabalho da polícia e a segurança pública precisa ser estruturado para melhorar a organização, o gerenciamento e principalmente o desempenho da polícia e para facilitar o monitoramento, a avaliação e o planejamento do policiamento pelos próprios policiais, pelas autoridades civis e pela comunidade.

Na polícia militar, foi realizado um grande esforço para aumentar a comunicação e a cooperação dentro da polícia e entre a polícia e a comunidade e para mudar a cultura profissional da polícia. Entretanto, este este foi em grande parte um esforço individual de policiais e membros da comunidade que não foi sustentado por mudanças na organização, gerenciamento e sistema de produção e difusão de dados na polícia. Ao contrário, o comandante-geral da polícia militar insistiu em diversos pronunciamentos que o policiamento comunitário requer mudanças comportamentais dos policiais e não requer estruturais na polícia.

O impacto destes fatores é claro na implementação do projeto de policiamento comunitário. Desde o início, a polícia militar e a Comissão do Policiamento Comunitário, enfrentam dificuldades sérias para planejar, monitorar e avaliar a implantação do policiamento comunitário. Apesar dos esforços inidividuais e coletivos de policiais e representantes da comunidade, um ano depois da instalação da Comissão, ainda não existe um plano ou programa bem definido de implantação do policiamento comunitário no estado. Apesar de o policiamento comunitário estar sendo desenvolvido em 41 projetos pilotos, ainda não existe um sistema estruturado de monitoramento e avaliação do desenvolvimento destes projetos piloto e do impacto do policiamento comunitário na segurança pública nas áreas dos projetos piloto. Muitas das limitações do projeto podem ser atribuídas a estas limitações no planejamento, monitoramento e avaliação do processo de implantação do policiamento comunitário.

Dependendo da forma como o policiamento comunitário é projetado e implementado, a comunidade pode ter três tipos diferentes de relação de parceria com a polícia: 1) a comunidade pode participar da definição das prioridades da polícia e das estratégias de policiamento; 2) a comunidade pode ser consultada sobre as prioridades da polícia e as estratégias de policiamento; 3) a comunidade pode ser informada sobre as prioridades da polícia e as estratégias de policiamento. Além disso, esta relação entre a comunidade e a polícia pode envolver a maioria da comunidade e da polícia ou pode ser restrita a uma minoria da comunidade e da polícia.

No caso de São Paulo, a parceria entre a polícia e a comunidade certamente não envolve a maioria da comunidade e da polícia e não está baseada na participação da comunidade na definição das prioridades da polícia e das estratégias de policiamento. Ao contrário, esta parceria ainda está restrita a uma minoria da comunidade e da polícia e está baseada principalmente na informação e ocasionalmente na consulta à comunidade sobre as prioridades da polícia e as estratégias de policiamento.

Este tipo de parceria, se não for ampliada e reforçada, é difícil de sustentar no longo prazo e pouco promissora do ponto de vista da institucionalização do policiamento comunitário e da melhoria da segurança pública. Entretanto, tendo em vista que a polícia e a comunidade tinham uma relação de antagonismo ou conflito crescente e qualquer parceria e cooperação para implantar o policiamneto comunitário parecia ser impossível até setembro de 1997, a relação de parceria e colaboração hoje existente pode ser considerada um grande avanço em relação ao passado.

No que se refere aos problemas que afetam a segurança pública, a polícia e a comunidade podem atuar em parceria simplesmente na identificação destes problemas -transferindo um para o outro ou para outras organizações governamentais e do sistema de justiça criminal a responsabilidade pela sua resolução. Alternativamente, a polícia e a comunidade podem atuar em parceria na identificação e na resolução destes problemas e na mobilização de outras organizações públicas para identificar e resolver os problemas.

Em São Paulo, a polícia e a comunidade ainda colaboram principalmente na identificação de problemas. A tendência ainda é deixar a resolução do problema a cargo da polícia ou transferir o problema para outras organizações públicas. Esta tendência, refletida na nota de instrução que regulamenta o policiamento comunitário, pode ser observada no funcionamento dos conselhos comunitários de segurança e mesmo da Comissão de Implantação do Policiamento comunitário.

Além disso, em muitos locais, particularmente quando a relação de parceria entre a polícia e a comunidade é dominada pela polícia, os problemas identificados pela polícia e pela comunidade são principalmente os problemas da polícia -que apenas indiretamente são problemas da comunidade- e não os problemas da comunidade. Os problemas de falta de equipamentos, viaturas e manutenção para equipamentos e viaturas, no interior e na capital, são sempre ou quase sempre os primeiros problemas a receber atenção da polícia e da comunidade.

A Comissão do Policiamento Comunitário é um lugar privilegiado de participação da comunidade na identificação e resolução dos problemas de segurança pública. Entretanto, mesmo a comissão concentrou mais atenção na identificação dos problemas da polícia do que na resolução dos problemas de segurança pública.

O Impacto

Ainda é muito cedo para avaliar o impacto da implantação do policiamento comunitário em São Paulo, mesmo porque o policiamento comunitário, adotado como filosofia e estratégia organizacional da polícia militar em dezembro de 1997, ainda não pode ser considerado implantado em nenhum lugar do estado de São Paulo. O que existe no estado é ainda um projeto de policiamento comunitário e um processo de implantação do policiamento comunitário em 41 projetos piloto.

Há informações publicadas na imprensa e depoimentos de policiais e membros da comunidade sugerindo que o processo de implantação do policiamento comunitário já teria produzido resultados positivos nas taxas de criminalidade em algumas regiões como a região da praça da Sé, no centro a cidade de São Paulo. Entretanto, estas reportagens e depoimentos são baseados quase sempre em impressões pessoais e em dados coletados aleatoriamente e não têm nenhum fundamento científico.

Não existe nenhum estudo para verificar o impacto do processo de implantação do policiamento comunitário nos 41 projetos piloto no estado de São Paulo. Mas, analisando os dados disponíveis sobre a criminalidade, a violência policial e as reclamações dos cidadãos contra a polícia, é possível levantar algumas hipóteses que poderão ser verificadas através de pesquisa posterior.

No estado de São Paulo, o número de ocorrências criminais aumentou significativamente do primeiro e no segundo trimestres de 1997 (antes do projeto de policiamento comunitário) para o primeiro e segundo trimestres de 1998 (depois do lançamento do projeto de policiamento comunitário).

No primeiro trimestre de 1997, a polícia registrou 2.564 homicídios dolosos, 102 latrocínios, 1.017 estupros, 2.273 flagrantes de tráfico de drogas, 32.773 roubos, 73.300 furtos e 30.389 roubos e furtos de veículos. No primeiro trimestre de 1998, a polícia registrou 3.062 homicídios dolosos, 117 latrocínios, 1.091 estupros e 2.453 flagrantes de tráfico de drogas, 43.490 roubos, 89.664 furtos e 38.680 roubos e furtos de veículos. Ver quadro 5.1 (anexo 5).

No segundo trimestre de 1997, a polícia registrou 2.522 homicídios dolosos, 113 latrocínios, 956 estupros, 1.908 flagrantes de tráfico de drogas, 38.679 roubos, 77.186 furtos e 34.820 roubos e furtos de veículos. No segundo trimestre de 1998, a polícia registrou 2.949 homicídios dolosos, 125 latrocínios, 944 estupros e 2.312 flagrantes de tráfico de drogas, 45.667 roubos, 88.086 furtos e 42.209 roubos e furtos de veículos. Ver quadro 5.2 (anexo 5).

No caso dos roubos e furtos, é possível que mudanças no policiamento tenham resultado em aumento do número de ocorrências registradas pela polícia. No caso dos homicídios e dos roubos e furtos de veículos, entretanto, onde há menor discrepância entre o número de ocorrências e o número de ocorrências registradas pela polícia, é pouco provável que mudanças no policiamento tenham resultado em aumento do número de ocorrências registradas pela polícia. O mais provável é que mudanças no policiamento não tenham sido suficientes para, ou capazes de, diminuir ou mesmo conter o aumento do número de homicídios e dos roubos e furtos de veículos.

Comparando o primeiro semestre de 1997 e de 1998, os mostram o aumento do número de crimes em todas as modalidades mencionadas acima. Os homicídios aumentaram de 5.086 para 6.011 (+ 18,2%). Os latrocínios aumentaram de 215 para 242 (+ 12,6%). Os estupros aumentaram de 1.973 para 2.035 (+ 3,1%). Osflagrantes de tráfico de drogas aumentaram de 4.181 para 4.765 (+ 14,0%). Os roubos aumentram de 71.452 para 89.157 (+ 24,8%). Os furtos aumentram de 150.486 para 177.750 (+ 18,1%). Os roubos e furtos de veículos aumentaram de 65.209 para 80.889 (+ 24,0%). Ver quadro 5.3 (anexo 5).

Entretanto, é importante observar que, com exceção das ocorrências de latrocínio e tráfico de drogas, o aumento das ocorrências criminais foi menor no segundo trimestre do que no primeiro trimestre de 1998. Além disso, o aumento dos homicídios e de roubos e furtos de veículos foi maior no interior do Estado do que na cidade de São Paulo e na Grande São Paulo e o aumento de roubos e furtos foi maior na capital do que na região metropolitana e no interior do Estado. Isso pode significar que a tendência de aumento da criminalidade no Estado foi contida no segundo trimestre de 1998. O aumento dos homicídios foi contido principalmente na capital e na região metropolitana. Ver quadros 5.4 a 5.6 (anexo 5).

Particularmente preocupante é o fato de que, no primeiro semestre de 1998, até 23 de junho, aconteceram 47 chacinas que vitimaram 165 pessoas no estado de São Paulo, número equivalente ao número total de chacinas e de pessoas mortas em chacinas no ano de 1997. Em todo o ano de 1997, aconteceram 47 chacinas e morreram 163 pessoas.

Mais preocupante ainda do ponto de vista do policiamento comunitário é o número de civis mortos por policiais, que teve um aumento significativo no primeiro trimestre de 1998, em relação ao mesmo período em 1997.

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, 204 cidadãos foram mortos por policiais militares no estado de São Paulo de janeiro a maio de 1998 (154 por policais em serviço e 39 por policiais em folga). Destes, 197 cidadãos foram mortos em confronto com policiais e 7 foram mortos em acidentes de trânsito e atropelamentos envolvendo policiais. Além destes, 309 cidadãos foram feridos por policiais militares (166 por policiais em serviço e 143 por policiais em folga). Destes, 172 cidadãos foram feridos em confronto com policiais e 137 foram feridos em acidentes de trânsito e atropelamentos envolvendo policiais. Ver quadros 5.7-5.10 (anexo 5).

De janeiro a maio de 1997, para efeito de comparação, 175 cidadãos foram mortos por policiais militares no estado de São Paulo (120 por policais em serviço e 55 por policiais em folga). Destes, 165 cidadãos foram mortos em confronto com policiais e 10 foram mortos em acidentes de trânsito e atropelamentos envolvendo policiais. Além destes, 323 cidadãos foram feridos por policiais militares (190 por policais em serviço e 133 por policiais em folga). Destes, 148 cidadãos foram feridos em confronto com policiais e 175 foram feridos em acidentes de trânsito e atropelamentos envolvendo policiais. Ver quadros 5.7-5.10 (anexo 5).

Houve, portanto, um aumento do número de civis mortos por policiais militares de 175 em janeiro-maio 1997 para 204 em janeiro-maio 1998 (+ 16,5%). No mesmo período, houve uma diminuição do número de civis feridos por policiais militares, de 323 em janeiro-maio de 1997 para 309 de janeiro a maio de 1998 (- 4,3%). Esta diminuição teria sido ainda maior caso o número de civis feridos em abril de 1998 não tivesse sido excepcionalmente alto (108, contra uma média mensal de 61,8 de janeiro a maio de 1998 e uma média mensal de 50,25 para os meses de janeiro, fevereiro, março e maio.

No caso da polícia civil, os dados sobre violência policial não são tão detalhados quanto na polícia militar. Entretanto, os dados disponíveis sugerem que o número de civis mortos e feridos por policiais não mudou muito de 1997 para 1998. Ver quadro 5.11 (anexo 5).

O número de pessoas mortas pela polícia é muito inferior ao número de mortos em 1991 e 1992, quando morerram respectivamente 1.076 e 1.450 pessoas. Entretanto, o aumento do número de civis mortos e a diminuição do número de civis feridos pela polícia militar é um dado preocupante, particularmente durante o processo de implantação do policiamento comuitário no estado. Por um lado, estes dados sugerem que o comando da polícia militar tem incentivado uma postura mais agressiva da polícia no patrulhamento ostensivo, aumentando a presença dos policiais nas ruas e desencadeando operações especiais para controle da criminalidade -o que inevitavelmente aumenta o risco de abusos por parte dos policiais contra os cidadãos, mas não tem adotado uma postura agressiva no controle da violência policial -nem mesmo para compensar o aumento do risco de abusos por parte dos policiais decorrente da postura mais agressiva da polícia no controle da criminalidade.

Por outro lado, estes dados dificultam o relacionamento e a cooperação entre a polícia militar e as organizações da sociedade civil, particularmente as organizações comprometidas com a defesa dos direitos humanos, que é essencial para a continuidade do projeto de implantação do policiamento comunitário.

O 1° e 2º relatórios trimestrais de 1998 da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo parecem confirmar os dados sobre o aumento dos abusos por parte dos policiais militares. Os relatórios mostram que houve um aumento do número de reclamações contra policiais militares no período de janeiro a junho de 1998 em comparação com o período de janeiro a junho de 1997 (780 reclamações em 1997 para 874 em 1998). Ver quadros 5.12 a 5.14 (anexo 5).

Os relatórios mostram que aumentaram particularmente as reclamações por homicídio (46 em 1997 para 140 em 1998), qualidade de atendimento (28 para 44) e tráfico de drogas com participação de policial (9 para 31). Por outro laso, diminuíram, entretanto, as reclamações por espancamento e tortura (81 em 1997 para 22 em 1998) e por corrupção (14 em 1997 para 2 em 1998).

Entretanto, é preciso cautela ao examinar os dados, principalmente porque o aumento do número de reclamações pode refletir um fortalecimento da Ouvidoria e um aumento da confiança da população na Ouvidoria, mais do que uma mudança no tipo de policiamento desenvolvido pela polícia militar.

Os dois relatórios trimestrais de 1998 da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo mostram que também houve uma pequena diminuição das reclamações contra a polícia civil (1.154 em 1997 para 1.006 em 1998). Entretanto, aumentaram as reclamações sobre homicídio (7 em 1997 para 32 em 1998), qualidade de atendimento (79 em 1997 para 114 em 1998), extorsão e concussão (57 em 1997 para 76 em 1998) e tráfico de drogas com participação de policiais (12 em 1997 para 56 em 1998). Como no caso da polícia militar, o relatório mostra uma diminuição do número total de reclamações por espancamento e tortura (74 em 1997 para 40 em 1998) e por corrução (de 60 em 1997 para 5 em 1998). Ver os quadro 5.12 a 5.14 (anexo 5)./p>

Diante destes números, é evidente que os problemas de desempenho da polícia e os problemas de segurança pública aumentaram desde o lançamento do projeto de policiamento comunitário. Mas as pressões da sociedade civil, do governo e da imprensa para que a polícia encontre soluções imediatas para os problemas crescentes da violência social e da violência policial se intensificaram no mesmo período, não apenas por causa do agravamento dos problemas mas também por causa das eleições em 1998.

Ainda que este aumento da violência social e este aumento da violência policial não possam ser atribuídos ao policiamento comunitário, tanto um como o outro podem dificultar a implantação do policiamento comunitário e podem diminuir de maneira significativa a base de sustentação política, na polícia, na comunidade e no governo estadual, que é fundamental para continuidade do projeto de implantação do policiamento comunitário. Afinal, este é um projeto de longo prazo, difícil de ser sustentado diante de pressões crescentes por soluções imediatas para graves e crescentes problemas de violência social e de violência policial.

Por outro lado, entretanto, o agravamento destes problemas pode reforçar a disposição da polícia, da comunidade e do governo de procurar soluções novas para os problemas da polícia e da segurança pública. Desde o início do projeto de policiamento comunitário, principalmente da parte da polícia mas também da parte da comunidade, há sinais do fortalecimento do interesse e da participação dos policiais e dos representantes da comunidade no processo de resolução dos problemas de segurança pública, particularmente através da comissão de implantação do policiamento comunitário e dos projetos pilotos de policiamento comunitário.

Talvez o maior impacto do projeto de policiamento comunitário até agora tenha sido abrir o debate sobre o papel da polícia e da comunidade na segurança pública e sobre as possíveis soluções para os problemas da violência social e da violência policial. Desta forma, o projeto do policiamento comunitário pode ter contribuído para conter, no estado de São Paulo, a pressão por soluções imediatas para estes problemas, que quase inevitavelmente aumentam o risco do emprego das forças armadas na preservação da segurança pública e do uso a violência policial como instrumento de controle da criminalidade.

A questão agora é saber se este projeto de policiamento comunitário lançado em dezembro de 1997 é um projeto duradouro ou passageiro. Se o projeto de policiamento comunitário terá continuidade e sobreviverá às eleições para o governo do estado em outubro de 1998. Se os problemas do projeto de policiamento comunitário serão resolvidos e o projeto será fortalecido. Apesar das reiteradas afirmações do comando da polícia militar de que o projeto é irreversível, este relatório mostra que existem muitos obstáculos, desafios, dúvidas e problemas no processo de implantação do policiamento comunitário no estado.

Mesmo como estratégia de ação, parece mais prudente reconhecer a existência de problemas para implantação do policiamento comunitário e enfatizar a importância da participação dos policiais e da comunidade na resolução destes problemas do que ignorar os problemas ou minimizar sua importância. O policiamento comunitário é um tipo de policiamento que, mais do que o policiamento tradicional, depende do apoio dos policiais e da comunidade para ser bem sucedido. O policiais e a comunidade podem até tirar proveito mas dificilmente terão interesse em apoiar e sustentar um projeto de policiamento comunitário imposto de cima para baixo sobre o qual exercem pouca influência.

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