5. A MUDANÇA NA
POLÍCIA E O IMPACTO DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO EM SÃO PAULO
A avaliação sistemática e
rigorosa do processo de implantação e dos resultados do
policiamento comunitário é uma das condições essenciais para a
implantação e institucionalização deste tipo de policiamento.
Entretanto, é preciso definir critérios claros e precisos para a
avaliação do processo de implantação do policiamento
comunitário, que reflitam as novas prioridades da polícia e da
comunidade.
Tradicionalmente, o trabalho da
polícia é avaliado através de: a) taxas de criminalidade,
particularmente da criminalidade violenta, medidos através de
registros oficiais e/ou pesquisas de vitimização; e b) taxas de
atendimento de solicitações do público e de identificação e
prisão de criminosos, medidos através de registros oficiais.
Com a implantação do policiamento
comunitário, outras formas de avaliação do trabalho da polícia
ganham importância, além das formas tradicionais: a)
satisfação da comunidade com a qualidade do trabalho da
polícia, medida através de pesquisas de opinião pública, de
registros de queixas públicas contra a polícia, de registro de
investigações, processos administrativos ou judiciais e
punições contra policiais; b) satisfação da comunidade com a
qualidade da segurança pública, medida através de pesquisas de
opinião pública; c) taxas de criminalidade dos crimes cuja
prevenção é considerada prioritária pela comunidade, medidos
através de registros oficiais e/ou pesquisas de vitimização; d)
pesquisas científicas para verificar o efeito de estratégias de
policiamento na prevenção do crime e na manutenção da ordem
pública.
Além da redefinição dos
critérios de avaliação da polícia, o policiamento comunitário
exige uma mudança na forma de monitoramento e de avaliação da
polícia. Tradicionalmente, o monitoramento e a avaliação da
polícia são feitos de forma pouco transparente para o público
pela própria polícia e pelas autoridades governamentais.
Com a implantação do policiamento
comunitário, o monitoramento e a avaliação da polícia são
feitos de maneira mais transparente para o público, com a
participação de especialistas independentes das organizações
policiais e governamentais, pela imprensa e principalmente pelas
organizações da sociedade civil. A polícia e as autoridades
governamentais publicam regularmente relatórios com informações
e dados estatísticos sobre as atividades da polícia e a
segurança pública no estado.
A participação da comunidade no
processo de monitoramento e de avaliação da polícia é,
portanto, não apenas uma condição importante para a
realização do policiamento comunitário mas também um critério
fundamental para avaliar o desenvolvimento do projeto de
implantação deste tipo de policiamento. A ausência de
mecanismos capazes de garantir a participação efetiva da
comunidade no monitoramento e avaliação do projeto de
policiamento comunitário é uma das principais limitações do
atual projeto e um dos principais obstáculos para o
desenvolvimento do policiamento comunitário no estado.
A Mudança
Para avaliar o processo de
implantação do policiamento comunitário, é importante analisar
mudanças na polícia e nas relações entre a polícia, as
organizações da sociedade civil e as outras organizações
públicas. Além disso, é importante analisar mudanças não
apenas nas regras e diretrizes formais mas também e
principalmente nas atitudes e nos comportamentos dos policiais nas
suas relações com outros policiais e com membros da comunidade e
das outras organizações públicas.
O processo de implantação do
policiamento comunitário em São Paulo pode ser esquematicamente
dividido em cinco fases: planejamento; implantação de projetos
piloto; expansão do número e da abrangência dos projetos
piloto; implantação do policiamento comunitário em toda a
polícia e toda a área servida pela polícia;
institucionalização.
Este é normalmente um processo
longo e demorado. Nos Estados Unidos e no Canadá, onde o processo
de implantação do policiamento comunitário está mais
avançado, as primeiras experiências de policiamento comunitário
aconteceram na década de 1970. Nos Estados Unidos, o governo
federal começou a apoiar com recursos financeiros a contratação
e treinamento de policiais para projetos de policiamento
comunitário somente em 1994. Hoje, aproximadamente 70% dos
departamentos de polícia em cidades com mais de 50.000 habitantes
já introduziram algum tipo de policiamento comunitário. Na
maioria das cidades, entretanto, o policiamento comunitário ainda
está em fase de implantação.
Em São Paulo, o processo de
implantação do policiamento comunitário tem apenas nove meses,
a contar da adoção do policiamento comunitário como filosofia e
estratégia organizacional da polícia militar em dezembro, e
ainda está na fase de implantação de projetos-piloto. Ainda que
a polícia militar tenha se comprometido a estender o policiamento
comunitário a todo estado, e anunciado a implantação de 200
projetos piloto até o final de 1998, apenas as 41 companhias do
grupo de projetos piloto estão efetivamente realizando o
policiamento comunitário.
Não faz sentido, portanto, avaliar
as mudanças na polícia, na comunidade e nas outras
organizações públicas comparando o policiamento comunitário em
São Paulo e o policiamento comunitário nos Estados Unidos e no
Canadá. Por outro lado, não faz sentido avaliar as mudanças na
polícia sem levar em consideração as experiências, sucessos e
limitações do policiamento comunitário nestes países.
O policiamento comunitário é um
tipo de policiamento apoiado em parcerias entre a polícia e a
comunidade, orientado para a identificação e resolução dos
problemas da comunidade que afetam a segurança pública e, no
qual a comunidade participa da formulação, implementação e
avaliação das políticas de segurança pública e das
estratégias de policiamento e a polícia presta contas à
comunidades das suas atividades. Quanto mais avançado o processo
de implantação do policiamento comunitário, mais a atuação da
polícia e da comunidade deve se aproximar deste ideal e mais a
estrutura organizacional e o estilo de gerenciamento da polícia
devem oferecer condições para que a atuação da polícia e da
comunidade se aproximem deste ideal.
Mais especificamente, a
organização da polícia precisa ser descentralizada e aberta
para facilitar a comunicação e cooperação entre os policiais e
os membros de outras organizações governamentais e da sociedade
civil. O gerenciamento da polícia precisa ser participativo,
flexível e ágil para facilitar a comunicação e cooperação
entre diversas unidades dentro da polícia e entre os policiais,
os supervisores e os comandantes ou chefes. O sistema de
produção e distribuição de dados estatísticos, informações
e relatórios sobre o trabalho da polícia e a segurança pública
precisa ser estruturado para melhorar a organização, o
gerenciamento e principalmente o desempenho da polícia e para
facilitar o monitoramento, a avaliação e o planejamento do
policiamento pelos próprios policiais, pelas autoridades civis e
pela comunidade.
Na polícia militar, foi realizado
um grande esforço para aumentar a comunicação e a cooperação
dentro da polícia e entre a polícia e a comunidade e para mudar
a cultura profissional da polícia. Entretanto, este este foi em
grande parte um esforço individual de policiais e membros da
comunidade que não foi sustentado por mudanças na organização,
gerenciamento e sistema de produção e difusão de dados na
polícia. Ao contrário, o comandante-geral da polícia militar
insistiu em diversos pronunciamentos que o policiamento
comunitário requer mudanças comportamentais dos policiais e não
requer estruturais na polícia.
O impacto destes fatores é claro
na implementação do projeto de policiamento comunitário. Desde
o início, a polícia militar e a Comissão do Policiamento
Comunitário, enfrentam dificuldades sérias para planejar,
monitorar e avaliar a implantação do policiamento comunitário.
Apesar dos esforços inidividuais e coletivos de policiais e
representantes da comunidade, um ano depois da instalação da
Comissão, ainda não existe um plano ou programa bem definido de
implantação do policiamento comunitário no estado. Apesar de o
policiamento comunitário estar sendo desenvolvido em 41 projetos
pilotos, ainda não existe um sistema estruturado de monitoramento
e avaliação do desenvolvimento destes projetos piloto e do
impacto do policiamento comunitário na segurança pública nas
áreas dos projetos piloto. Muitas das limitações do projeto
podem ser atribuídas a estas limitações no planejamento,
monitoramento e avaliação do processo de implantação do
policiamento comunitário.
Dependendo da forma como o
policiamento comunitário é projetado e implementado, a
comunidade pode ter três tipos diferentes de relação de
parceria com a polícia: 1) a comunidade pode participar da
definição das prioridades da polícia e das estratégias de
policiamento; 2) a comunidade pode ser consultada sobre as
prioridades da polícia e as estratégias de policiamento; 3) a
comunidade pode ser informada sobre as prioridades da polícia e
as estratégias de policiamento. Além disso, esta relação entre
a comunidade e a polícia pode envolver a maioria da comunidade e
da polícia ou pode ser restrita a uma minoria da comunidade e da
polícia.
No caso de São Paulo, a parceria
entre a polícia e a comunidade certamente não envolve a maioria
da comunidade e da polícia e não está baseada na participação
da comunidade na definição das prioridades da polícia e das
estratégias de policiamento. Ao contrário, esta parceria ainda
está restrita a uma minoria da comunidade e da polícia e está
baseada principalmente na informação e ocasionalmente na
consulta à comunidade sobre as prioridades da polícia e as
estratégias de policiamento.
Este tipo de parceria, se não for
ampliada e reforçada, é difícil de sustentar no longo prazo e
pouco promissora do ponto de vista da institucionalização do
policiamento comunitário e da melhoria da segurança pública.
Entretanto, tendo em vista que a polícia e a comunidade tinham
uma relação de antagonismo ou conflito crescente e qualquer
parceria e cooperação para implantar o policiamneto comunitário
parecia ser impossível até setembro de 1997, a relação de
parceria e colaboração hoje existente pode ser considerada um
grande avanço em relação ao passado.
No que se refere aos problemas que
afetam a segurança pública, a polícia e a comunidade podem
atuar em parceria simplesmente na identificação destes problemas
-transferindo um para o outro ou para outras organizações
governamentais e do sistema de justiça criminal a
responsabilidade pela sua resolução. Alternativamente, a
polícia e a comunidade podem atuar em parceria na identificação
e na resolução destes problemas e na mobilização de outras
organizações públicas para identificar e resolver os problemas.
Em São Paulo, a polícia e a
comunidade ainda colaboram principalmente na identificação de
problemas. A tendência ainda é deixar a resolução do problema
a cargo da polícia ou transferir o problema para outras
organizações públicas. Esta tendência, refletida na nota de
instrução que regulamenta o policiamento comunitário, pode ser
observada no funcionamento dos conselhos comunitários de
segurança e mesmo da Comissão de Implantação do Policiamento
comunitário.
Além disso, em muitos locais,
particularmente quando a relação de parceria entre a polícia e
a comunidade é dominada pela polícia, os problemas identificados
pela polícia e pela comunidade são principalmente os problemas
da polícia -que apenas indiretamente são problemas da
comunidade- e não os problemas da comunidade. Os problemas de
falta de equipamentos, viaturas e manutenção para equipamentos e
viaturas, no interior e na capital, são sempre ou quase sempre os
primeiros problemas a receber atenção da polícia e da
comunidade.
A Comissão do Policiamento
Comunitário é um lugar privilegiado de participação da
comunidade na identificação e resolução dos problemas de
segurança pública. Entretanto, mesmo a comissão concentrou mais
atenção na identificação dos problemas da polícia do que na
resolução dos problemas de segurança pública.
O Impacto
Ainda é muito cedo para avaliar o
impacto da implantação do policiamento comunitário em São
Paulo, mesmo porque o policiamento comunitário, adotado como
filosofia e estratégia organizacional da polícia militar em
dezembro de 1997, ainda não pode ser considerado implantado em
nenhum lugar do estado de São Paulo. O que existe no estado é
ainda um projeto de policiamento comunitário e um processo de
implantação do policiamento comunitário em 41 projetos piloto.
Há informações publicadas na
imprensa e depoimentos de policiais e membros da comunidade
sugerindo que o processo de implantação do policiamento
comunitário já teria produzido resultados positivos nas taxas de
criminalidade em algumas regiões como a região da praça da Sé,
no centro a cidade de São Paulo. Entretanto, estas reportagens e
depoimentos são baseados quase sempre em impressões pessoais e
em dados coletados aleatoriamente e não têm nenhum fundamento
científico.
Não existe nenhum estudo para
verificar o impacto do processo de implantação do policiamento
comunitário nos 41 projetos piloto no estado de São Paulo. Mas,
analisando os dados disponíveis sobre a criminalidade, a
violência policial e as reclamações dos cidadãos contra a
polícia, é possível levantar algumas hipóteses que poderão
ser verificadas através de pesquisa posterior.
No estado de São Paulo, o número
de ocorrências criminais aumentou significativamente do primeiro
e no segundo trimestres de 1997 (antes do projeto de policiamento
comunitário) para o primeiro e segundo trimestres de 1998 (depois
do lançamento do projeto de policiamento comunitário).
No primeiro trimestre de 1997, a
polícia registrou 2.564 homicídios dolosos, 102 latrocínios,
1.017 estupros, 2.273 flagrantes de tráfico de drogas, 32.773
roubos, 73.300 furtos e 30.389 roubos e furtos de veículos. No
primeiro trimestre de 1998, a polícia registrou 3.062 homicídios
dolosos, 117 latrocínios, 1.091 estupros e 2.453 flagrantes de
tráfico de drogas, 43.490 roubos, 89.664 furtos e 38.680 roubos e
furtos de veículos. Ver quadro 5.1 (anexo 5).
No segundo trimestre de 1997, a
polícia registrou 2.522 homicídios dolosos, 113 latrocínios,
956 estupros, 1.908 flagrantes de tráfico de drogas, 38.679
roubos, 77.186 furtos e 34.820 roubos e furtos de veículos. No
segundo trimestre de 1998, a polícia registrou 2.949 homicídios
dolosos, 125 latrocínios, 944 estupros e 2.312 flagrantes de
tráfico de drogas, 45.667 roubos, 88.086 furtos e 42.209 roubos e
furtos de veículos. Ver quadro 5.2 (anexo 5).
No caso dos roubos e furtos, é
possível que mudanças no policiamento tenham resultado em
aumento do número de ocorrências registradas pela polícia. No
caso dos homicídios e dos roubos e furtos de veículos,
entretanto, onde há menor discrepância entre o número de
ocorrências e o número de ocorrências registradas pela
polícia, é pouco provável que mudanças no policiamento tenham
resultado em aumento do número de ocorrências registradas pela
polícia. O mais provável é que mudanças no policiamento não
tenham sido suficientes para, ou capazes de, diminuir ou mesmo
conter o aumento do número de homicídios e dos roubos e furtos
de veículos.
Comparando o primeiro semestre de
1997 e de 1998, os mostram o aumento do número de crimes em todas
as modalidades mencionadas acima. Os homicídios aumentaram de
5.086 para 6.011 (+ 18,2%). Os latrocínios aumentaram de 215 para
242 (+ 12,6%). Os estupros aumentaram de 1.973 para 2.035 (+
3,1%). Osflagrantes de tráfico de drogas aumentaram de 4.181 para
4.765 (+ 14,0%). Os roubos aumentram de 71.452 para 89.157 (+
24,8%). Os furtos aumentram de 150.486 para 177.750 (+ 18,1%). Os
roubos e furtos de veículos aumentaram de 65.209 para 80.889 (+
24,0%). Ver quadro 5.3 (anexo 5).
Entretanto, é importante observar
que, com exceção das ocorrências de latrocínio e tráfico de
drogas, o aumento das ocorrências criminais foi menor no segundo
trimestre do que no primeiro trimestre de 1998. Além disso, o
aumento dos homicídios e de roubos e furtos de veículos foi
maior no interior do Estado do que na cidade de São Paulo e na
Grande São Paulo e o aumento de roubos e furtos foi maior na
capital do que na região metropolitana e no interior do Estado.
Isso pode significar que a tendência de aumento da criminalidade
no Estado foi contida no segundo trimestre de 1998. O aumento dos
homicídios foi contido principalmente na capital e na região
metropolitana. Ver quadros 5.4 a 5.6 (anexo 5).
Particularmente preocupante é o
fato de que, no primeiro semestre de 1998, até 23 de junho,
aconteceram 47 chacinas que vitimaram 165 pessoas no estado de
São Paulo, número equivalente ao número total de chacinas e de
pessoas mortas em chacinas no ano de 1997. Em todo o ano de 1997,
aconteceram 47 chacinas e morreram 163 pessoas.
Mais preocupante ainda do ponto de
vista do policiamento comunitário é o número de civis mortos
por policiais, que teve um aumento significativo no primeiro
trimestre de 1998, em relação ao mesmo período em 1997.
De acordo com a Secretaria da
Segurança Pública, 204 cidadãos foram mortos por policiais
militares no estado de São Paulo de janeiro a maio de 1998 (154
por policais em serviço e 39 por policiais em folga). Destes, 197
cidadãos foram mortos em confronto com policiais e 7 foram mortos
em acidentes de trânsito e atropelamentos envolvendo policiais.
Além destes, 309 cidadãos foram feridos por policiais militares
(166 por policiais em serviço e 143 por policiais em folga).
Destes, 172 cidadãos foram feridos em confronto com policiais e
137 foram feridos em acidentes de trânsito e atropelamentos
envolvendo policiais. Ver quadros 5.7-5.10 (anexo 5).
De janeiro a maio de 1997, para
efeito de comparação, 175 cidadãos foram mortos por policiais
militares no estado de São Paulo (120 por policais em serviço e
55 por policiais em folga). Destes, 165 cidadãos foram mortos em
confronto com policiais e 10 foram mortos em acidentes de
trânsito e atropelamentos envolvendo policiais. Além destes, 323
cidadãos foram feridos por policiais militares (190 por policais
em serviço e 133 por policiais em folga). Destes, 148 cidadãos
foram feridos em confronto com policiais e 175 foram feridos em
acidentes de trânsito e atropelamentos envolvendo policiais. Ver
quadros 5.7-5.10 (anexo 5).
Houve, portanto, um aumento do
número de civis mortos por policiais militares de 175 em
janeiro-maio 1997 para 204 em janeiro-maio 1998 (+ 16,5%). No
mesmo período, houve uma diminuição do número de civis feridos
por policiais militares, de 323 em janeiro-maio de 1997 para 309
de janeiro a maio de 1998 (- 4,3%). Esta diminuição teria sido
ainda maior caso o número de civis feridos em abril de 1998 não
tivesse sido excepcionalmente alto (108, contra uma média mensal
de 61,8 de janeiro a maio de 1998 e uma média mensal de 50,25
para os meses de janeiro, fevereiro, março e maio.
No caso da polícia civil, os dados
sobre violência policial não são tão detalhados quanto na
polícia militar. Entretanto, os dados disponíveis sugerem que o
número de civis mortos e feridos por policiais não mudou muito
de 1997 para 1998. Ver quadro 5.11 (anexo 5).
O número de pessoas mortas pela
polícia é muito inferior ao número de mortos em 1991 e 1992,
quando morerram respectivamente 1.076 e 1.450 pessoas. Entretanto,
o aumento do número de civis mortos e a diminuição do número
de civis feridos pela polícia militar é um dado preocupante,
particularmente durante o processo de implantação do
policiamento comuitário no estado. Por um lado, estes dados
sugerem que o comando da polícia militar tem incentivado uma
postura mais agressiva da polícia no patrulhamento ostensivo,
aumentando a presença dos policiais nas ruas e desencadeando
operações especiais para controle da criminalidade -o que
inevitavelmente aumenta o risco de abusos por parte dos policiais
contra os cidadãos, mas não tem adotado uma postura agressiva no
controle da violência policial -nem mesmo para compensar o
aumento do risco de abusos por parte dos policiais decorrente da
postura mais agressiva da polícia no controle da criminalidade.
Por outro lado, estes dados
dificultam o relacionamento e a cooperação entre a polícia
militar e as organizações da sociedade civil, particularmente as
organizações comprometidas com a defesa dos direitos humanos,
que é essencial para a continuidade do projeto de implantação
do policiamento comunitário.
O 1° e 2º relatórios trimestrais
de 1998 da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo parecem
confirmar os dados sobre o aumento dos abusos por parte dos
policiais militares. Os relatórios mostram que houve um aumento
do número de reclamações contra policiais militares no período
de janeiro a junho de 1998 em comparação com o período de
janeiro a junho de 1997 (780 reclamações em 1997 para 874 em
1998). Ver quadros 5.12 a 5.14 (anexo 5).
Os relatórios mostram que
aumentaram particularmente as reclamações por homicídio (46 em
1997 para 140 em 1998), qualidade de atendimento (28 para 44) e
tráfico de drogas com participação de policial (9 para 31). Por
outro laso, diminuíram, entretanto, as reclamações por
espancamento e tortura (81 em 1997 para 22 em 1998) e por
corrupção (14 em 1997 para 2 em 1998).
Entretanto, é preciso cautela ao
examinar os dados, principalmente porque o aumento do número de
reclamações pode refletir um fortalecimento da Ouvidoria e um
aumento da confiança da população na Ouvidoria, mais do que uma
mudança no tipo de policiamento desenvolvido pela polícia
militar.
Os dois relatórios trimestrais de
1998 da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo mostram que
também houve uma pequena diminuição das reclamações contra a
polícia civil (1.154 em 1997 para 1.006 em 1998). Entretanto,
aumentaram as reclamações sobre homicídio (7 em 1997 para 32 em
1998), qualidade de atendimento (79 em 1997 para 114 em 1998),
extorsão e concussão (57 em 1997 para 76 em 1998) e tráfico de
drogas com participação de policiais (12 em 1997 para 56 em
1998). Como no caso da polícia militar, o relatório mostra uma
diminuição do número total de reclamações por espancamento e
tortura (74 em 1997 para 40 em 1998) e por corrução (de 60 em
1997 para 5 em 1998). Ver os quadro 5.12 a 5.14 (anexo 5).????t????G?????/font>/p>
Diante destes números, é evidente
que os problemas de desempenho da polícia e os problemas de
segurança pública aumentaram desde o lançamento do projeto de
policiamento comunitário. Mas as pressões da sociedade civil, do
governo e da imprensa para que a polícia encontre soluções
imediatas para os problemas crescentes da violência social e da
violência policial se intensificaram no mesmo período, não
apenas por causa do agravamento dos problemas mas também por
causa das eleições em 1998.
Ainda que este aumento da
violência social e este aumento da violência policial não
possam ser atribuídos ao policiamento comunitário, tanto um como
o outro podem dificultar a implantação do policiamento
comunitário e podem diminuir de maneira significativa a base de
sustentação política, na polícia, na comunidade e no governo
estadual, que é fundamental para continuidade do projeto de
implantação do policiamento comunitário. Afinal, este é um
projeto de longo prazo, difícil de ser sustentado diante de
pressões crescentes por soluções imediatas para graves e
crescentes problemas de violência social e de violência
policial.
Por outro lado, entretanto, o
agravamento destes problemas pode reforçar a disposição da
polícia, da comunidade e do governo de procurar soluções novas
para os problemas da polícia e da segurança pública. Desde o
início do projeto de policiamento comunitário, principalmente da
parte da polícia mas também da parte da comunidade, há sinais
do fortalecimento do interesse e da participação dos policiais e
dos representantes da comunidade no processo de resolução dos
problemas de segurança pública, particularmente através da
comissão de implantação do policiamento comunitário e dos
projetos pilotos de policiamento comunitário.
Talvez o maior impacto do projeto
de policiamento comunitário até agora tenha sido abrir o debate
sobre o papel da polícia e da comunidade na segurança pública e
sobre as possíveis soluções para os problemas da violência
social e da violência policial. Desta forma, o projeto do
policiamento comunitário pode ter contribuído para conter, no
estado de São Paulo, a pressão por soluções imediatas para
estes problemas, que quase inevitavelmente aumentam o risco do
emprego das forças armadas na preservação da segurança
pública e do uso a violência policial como instrumento de
controle da criminalidade.
A questão agora é saber se este
projeto de policiamento comunitário lançado em dezembro de 1997
é um projeto duradouro ou passageiro. Se o projeto de
policiamento comunitário terá continuidade e sobreviverá às
eleições para o governo do estado em outubro de 1998. Se os
problemas do projeto de policiamento comunitário serão
resolvidos e o projeto será fortalecido. Apesar das reiteradas
afirmações do comando da polícia militar de que o projeto é
irreversível, este relatório mostra que existem muitos
obstáculos, desafios, dúvidas e problemas no processo de
implantação do policiamento comunitário no estado.
Mesmo como estratégia de ação,
parece mais prudente reconhecer a existência de problemas para
implantação do policiamento comunitário e enfatizar a
importância da participação dos policiais e da comunidade na
resolução destes problemas do que ignorar os problemas ou
minimizar sua importância. O policiamento comunitário é um tipo
de policiamento que, mais do que o policiamento tradicional,
depende do apoio dos policiais e da comunidade para ser bem
sucedido. O policiais e a comunidade podem até tirar proveito mas
dificilmente terão interesse em apoiar e sustentar um projeto de
policiamento comunitário imposto de cima para baixo sobre o qual
exercem pouca influência.
|