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 Mais
        Pedras no Caminho dos Povos Indígenas para os Outros 500 Rosane F. Lacerda * 
        
         Introdução Recente publicação do
        Conselho Indigenista Missionário – Cimi1 , informa que nos últimos cinco séculos, 1.477 Povos indígenas
        diferentes foram extintos em toda a extensão do que hoje forma o território
        brasileiro, como resultado de uma política genocida, de domínio e
        conquista. Hoje, em pleno ano de
        2001, vive-se um momento que, conforme o imaginário vigente no mundo
        ocidental, deveria marcar o início de um novo século e de um novo milênio,
        não só em termos de calendário, mas, sobretudo, de mudança de
        valores, de perspectivas de um futuro melhor. Para os Povos Indígenas
        no Brasil, o período coincide também com um marco simbólico, imbuído
        de importantes expectativas. O ano de 2001 marca, enfim, o início dos
        “Outros 500”,  nos
        quais, nos dizeres de D. Pedro Casaldáliga, devemos ingressar com uma
        “ atitude sincera de ‘memória, remorso e compromisso’... sem a
        desculpa de dizermos que não podemos refazer o passado, porque, sim,
        podemos desvelá-lo, fazer outro presente, forjar um futuro outro.”2  Tal expectativa,
        contudo, não parece ser compartilhada pelas elites detentoras do poder
        político, e econômico, que demonstram seu empenho na manutenção de
        velhas práticas representativas das mesmas políticas que produziram o
        genocídio indígena no país. Assim, por exemplo, o
        ano de 2001 transcorre novamente sem se solucionar o problema das terras
        indígenas.  Em levantamento
        divulgado pelo Cimi na rede internet3,
        até 31 de julho, tínhamos ainda no país 175 terras a serem incluídas
        no rol de terras “a identificar”; 130 terras aguardando identificação;
        39 terras aguardando definição do Ministro da Justiça mediante
        Portaria Declaratória e 98 terras homologadas mas ainda aguardando
        registro imobiliário. Ou seja, das 756 terras indígenas então
        computadas, 442 continuavam pendentes de providências relativas aos
        mais diversos estágios do procedimento administrativo de demarcação,
        previstos nos termos do Dec. 1.775/96. Outro problema presente
        neste ano é que grande parte das terras, mesmo as demarcadas ou
        situadas nas etapas finais do procedimento, continuaram invadidas, tendo
        havido pouco esforço por parte do governo federal para desintrusá-las
        ou para efetuar indenizações quanto às benfeitorias derivadas de
        ocupação de boa-fé, omissão que só contribui para acirrar os ânimos
        de ocupantes ilegais contra os índios, tornando-os alvos de diversos
        atos de violência. Em 2001 continuaram as
        pressões sobre as riquezas naturais existentes nas terras indígenas, a
        exemplo de empresas madeireiras e garimpeiras. No entanto, percebe-se
        claramente neste ano o crescimento substancial de outras ondas de
        pressão: a) Por parte do setor elétrico, com a aceleração dos
        projetos de construção de pelo menos 16 Usinas Hidrelétricas em
        terras indígenas onde vivem 25 povos distintos, inclusive grupos
        isolados e extremamente vulneráveis; b) Por parte do Projeto Calha
        Norte, com a intensificação da presença militar nas terras indígenas,
        através da construção de novos quartéis junto a aldeias, a exemplo
        do 6º Pelotão Especial de Fronteiras, na maloca Uiramutã
        (Raposa/Serra do Sol – RR), representando para os índios enormes
        riscos, a exemplo da prática de abusos sexuais contra mulheres indígenas,
        como no caso Yanomami, denunciado com destaque durante o ano; e c) Por
        parte do governo federal através da criação de Unidades de Conservação
        Ambiental sobrepostas a terras indígenas. No plano político-institucional,
        percebe-se ao longo do ano a utilização, novamente, da questão indígena
        como moeda de troca entre Executivo e Legislativo federais, através do
        apoio da base parlamentar governista à criação e instalação de
        Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) de propósitos claramente
        antiindígenas: a CPI da demarcação das Terras Indígenas, que tem
        como um dos objetivos centrais o ataque às demarcações das Terras
        Yanomami (AM/RR) e Raposa / Serra do Sol (RR), e a CPI das Ongs, que
        visa sobretudo organizações indígenas e ambientalistas. Neste
        contexto tudo indica que também o Projeto de Lei que dispõe sobre o
        novo Estatuto do Índio, cujo andamento ficou paralisado durante o ano,
        tenha também os seus principais dispositivos leiloados entre os setores
        com fortes interesses econômicos sobre as terras indígenas e seus
        recursos naturais. É de se observar no
        entanto, de parte do Judiciário, duas importantes decisões: a condenação,
        por crime de genocídio, dos autores do massacre dos Tikuna 
        (28.03.1988), em sentença proferida pela 2ª Vara Federal em
        Manaus (AM) e a decisão do Supremo Tribunal Federal - STF, ao anular o
        Júri (MS) no qual havia sido absolvido o principal acusado como
        mandante do assassinato do líder Marçal Guarani (25.11.1983), e
        determinar a competência da justiça federal para o caso. O clima geral
        de  impunidade, contudo, continuou durante o ano, a exemplo de
        casos como a morte do Cacique Chicão Xukuru e a violência policial
        sobre a marcha indígena em Porto Seguro, em 22 de abril de 2000. Registre-se também que
        as violências este ano atingiram profissionais com importante papel na
        defesa dos direitos indígenas, a exemplo da Procuradora da República
        (1ª Região) e membro da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da
        Procuradoria-Geral da República, Débora Duprat. Intervindo em favor
        dos índios na ação judicial contra a instalação do quartel do Exército
        em Uiramutã  (Raposa /
        Serra do Sol – RR), foi ameaçada de “levar
        um tiro na cabeça”????AAE???????l?span style="mso-spacerun: yes">  /span>caso
        não desistisse de defender os índios na justiça. Também a advogada
        Maria José Amaral (OAB/PE), que acompanha o caso da morte do Cacique
        Chicão Xukuru, recebeu durante o ano ameaças de morte e teve 
        barrado, pela Polícia Federal no Recife, o seu acesso às
        investigações sobre a morte da liderança Chico Quelé Xukuru. Não obstante, os povos
        e comunidades indígenas novamente souberam reagir, o que foi
        demonstrado em três momentos significativos. Primeiro, no mês de
        abril em Luziânia-GO, com a retomada dos encaminhamentos havidos na
        Conferência Indígena 2000, através de Assembléia que reuniu 176
        lideranças de 77 povos vindos de 21 Estados do País4 .
        Segundo, em Durban – África do Sul, durante a III Conferência da ONU
        contra o Racismo, quando a delegação indígena presente chegou
        inclusive a denunciar “o boicote
        premeditado, arrogante, racista e irresponsável do Governo Brasileiro
        que não se empenhou em participar na mediação das queixas dos povos
        indígenas” havidos durante a Conferência.5 
        Terceiro, em 19 de agosto, com a inauguração pelos Pataxó, no Monte
        Pascoal (BA),  do Monumento à Resistência Indígena, um ano e quatro meses
        após ter sido destruído pela Polícia Militar da Bahia6 . Conforme o “Manifesto” lançado na ocasião, o
        monumento expressa, para os índios, os “
        sentimentos, desejos e sonhos de Outros 500, diferentes do passado, com
        terra demarcada, direitos garantidos, respeito às diferentes culturas e
        à autonomia.”7   
        
         Principais ocorrências
        em 2001 Com as dificuldades de
        acesso a informações provenientes de grande parte das 
        terras indígenas, sobretudo as mais longínquas e isoladas, bem
        como ao fato de o período relatado estar limitado aos meses de janeiro
        a setembro do ano 2001,  o
        elenco de violações de direitos humanos aqui abordados é, obviamente,
        amostragem ainda parcial. Os tipos de ocorrência são, contudo,
        demonstrativos significativos  da
        situação vivida pelos povos indígenas neste ano, suficientes para
        subsidiar uma análise de suas origens e significados.   Assassinatos: No período o Cimi
        registrou nove casos de assassinatos de indígenas em todo o País, num
        total de 10 vítimas. Em dois casos (Chico Quelé, Xukuru – PE e
        Avappcarendy Guarani-Kaiowá – MS) se tem informações de que as
        mortes estariam diretamente relacionadas a conflitos de terra. 
        No entanto, continua extremamente preocupante o alto índice de
        envolvimento de agentes do poder público na autoria dos crimes. Das 10
        mortes registradas, em pelo menos 03 (Nô e Nilson Félix Truká – PE
        e Vicente Cândido de Lima Guarani – PR) a autoria 
        é atribuída a Policiais militares. Numa terceira morte (Avappcarendy),
        embora se aponte como autores materiais jagunços contratados por
        fazendeiros em Amambai (MS), tem-se também, como um dos mandantes, o 
        vice-prefeito da cidade, o que faz com que em pelo menos 40% das
        mortes tenham tido envolvimento de agentes do poder público: 03
        mortos por policiais militares e 01 tendo como um dos mandantes um
        vice-prefeito. A seguir, um breve
        relato de alguns casos, segundo a ordem cronológica das ocorrências:  
        
         José
        Nô Félix, 39 e Nilson Félix, 16 ( pai e filho ) Truká – PE.
        Ferido à bala numa operação da PM na cidade de Cabrobó (PE), em 04
        de janeiro, o adolescente era levado no carro do vereador Romero Gomes,
        juntamente com seu pai e uma enfermeira, do Hospital local para o da
        cidade de Petrolina (PE), onde receberia atendimento médico mais
        adequado. No trajeto entre as duas cidades, o veículo foi interceptado
        por uma viatura da PMPE. Pai e filho foram levados à força por um
        grupo de Policiais e desapareceram. Três dias depois, os corpos das vítimas
        eram encontrados, próximo à cidade de Santa Maria da Boa Vista (PE),
        degolados e queimados com uso de pneus de carro.  
        
         Avappcarendy
        ou Samuel Martins, 25 a 35
        anos, Guarani-Kaiowá – MS.
        Morto na madrugada de 26 de março quando preparava-se, junto com a
        comunidade indígena (cerca de 150 pessoas, inclusive mulheres e crianças),
        para tentar (pela terceira vez) retomar as terras do Tekohá Ka’ajari,
        ocupado pela Fazenda Santa Clara, no município de Amambai (RS). Ao se
        aproximar do local com os demais, levou um tiro de espingarda calibre 22
        no coração. Segundo a polícia, a arma seria de precisão pois o tiro
        certeiro teria sido disparado a longa distância. Vários outros indígenas
        saíram feridos. A Polícia Federal apontou o Presidente do Sindicado
        Rural de Amambai, Gumercindo Bonamingo, e o Vice-Prefeito do município,
        Wilson Nunes (PPB), como suspeitos de mandantes.  
        
         Cândido
        de Lima, 39,  Guarani – PR.
        Morto em 23 de abril, pelo cabo Nilson dos Santos8 
        ex-comandante da Polícia Militar em Santa Amélia (PR), numa operação
        destinada a fazer a vítima devolver e se afastar do neto de 5 meses de
        idade, a quem estava impedido de ter contato por imposição dos
        familiares. Cercada e desarmada, a vítima pediu aos PMs que abaixassem
        as armas para que pudesse entregar a criança. Segundo os PMs, um dos
        policiais escorregou, assustando o índio que já se preparava para por
        a criança no chão. Um dos PMs também se assustou e sua arma teria
        disparado “acidentalmente”
        matando o índio pelas costas. Segundo o delegado, os PMs estavam
        despreparados para essa ação. O cacique Mário Sampaio disse que os
        PMs entraram na terra indígena sem autorização das lideranças, que
        poderiam ter resolvido o problema sem a intervenção policial.  
        
         Francisco
        de Assis Santana, ou Chico Quelé, 56, Xukuru – PE.
        Importante liderança Xukuru, foi morto em 23 de agosto, com dois tiros
        de espingarda calibre 12, numa tocaia montada no interior da terra indígena,
        em Pesqueira (PE). A vítima participara, dias antes, de mais uma
        retomada de parte do território tradicional do Povo, e fora
        surpreendida quando dirigia-se ao Posto da Funai na Aldeia São José,
        para uma reunião a respeito das indenizações de benfeitorias dos
        ocupantes não-indígenas. Investigações preliminares no local dão
        conta de que a tocaia estava armada há pelo menos dois dias, e que os
        rastros deixados pelo(s) atirador(es), em sua fuga, dirigiam-se à
        Fazenda Carrapato, de José Cordeiro de Santana (Zé de Riva), inimigo
        da luta dos Xukuru pela terra e apontado pelos índios como o principal
        suspeito pela autoria intelectual da morte do Cacique Chicão. 
        Embora os indícios apontem para o envolvimento dos fazendeiros
        na morte de Quelé, a Polícia Federal empenha-se em apurar a existência
        de conflitos internos entre as
        lideranças indígenas como tendo sido a causa do crime.  
        
         Ameaças
        de morte: De janeiro a setembro
        de 2001, o Cimi registrou um total de 09 casos de ameaças de morte, a
        maioria contra comunidades inteiras e não apenas contra indivíduos
        determinados, somando mais de três mil vítimas. Dos 09 casos
        apontados, 05 tiveram o envolvimento direto de agentes do poder público
        em sua autoria, e 04 casos tiveram sua autoria atribuída a
        particulares. Estes últimos (La Klañon – SC, Tekohá Ka’ajari –
        MS, Caramuru-Paraguaçu – BA e Maloca do Lage – RR) envolvem a formação
        de milícias armadas contra os índios, contratação de pistoleiros e
        invasão garimpeira, estando relacionados a conflitos fundiários. Os de
        autoria atribuída a agentes do Poder público envolveram 
        Policiais Militares (Truká – PE e 
        La Klañon – SC), Soldados do Exército (Maloca do Lage, Makuxi
        – RR) e um Prefeito Municipal (Pataxó Hã-Hã-Hãe – BA). Vejamos
        alguns casos:  
        
         Comunidade
        Xokleng de La Klañon – SC.
        Lutando para reaver parte de suas terras ilegalmente vendidas pelo
        Governo do Estado, a comunidade foi alvo da formação de milícias armadas, segundo a imprensa9  criadas por grupos de agricultores em Victor Meirelles
        (SC), através da compra de armas a um atravessador, em Itajaí (SC). O
        objetivo das milícias seria “resistir
        à chegada dos indígenas”, caso as famílias “não
        sejam indenizadas pelas terras que compraram”. Como a União
        Federal só pode promover a indenização por benfeitorias (CF/88, art.
        231, § 6.º), os colonos reagem  ameaçando
        os índios caso se aproximem do local.10 
        Neste clima de tensão,  na
        manhã de 12 de maio, um grupo de indígenas enfermos, que estava sendo
        transportado numa Kombi da Fundação Nacional de Saúde – Funasa,
        para o Hospital de José Boiteux (SC), vendo a PM agredindo outros
        membros da comunidade parou o veículo na intenção de tentar se
        esconder, passando a ser alvo da agressão dos policiais, que ameaçaram
        jogar a Kombi numa ribanceira.
        No episódio, a PMSC agia no cumprimento de um mandado de Manutenção
        de Posse expedido pela Juíza de Direito da Comarca de Ibirama11  (SC), Iraci Satomi Schioquetti, em favor da Empresa
        Manoel Marchetti Indústria e Comércio Ltda com relação às terras da
        Fazenda Ipê, incidente na terra indígena.   
        
         Comunidade
        Guarani-Kaiowá do Tekohá Ka’ajari – MS.
        Expulsa de suas terras e obrigada a viver confinada na Aldeia Limão
        Verde (Amambai – MS), a comunidade vem tentando insistentemente
        retornar para o seu Tekohá12 .
        Na terceira tentativa de retomada do local, a comunidade foi recebida à
        bala por jagunços contratados por fazendeiros, episódio que resultou
        na morte de Avappcarendy, anteriormente mencionada. Na casa do
        presidente do Sindicado Rural de Amambai, Gumercindo Bonamingo “a
        PF encontrou armas, explosivos e uma caminhonete, provavelmente
        utilizados no ataque ...” 13 ,
        o que indica a existência de uma milícia
        armada, destinada a eliminar os índios em seu trajeto de volta ao Tekohá.  
        
         Comunidade
        Pataxó Hã-Hã-Hãe – BA. No mês
        de fevereiro o indígena Agnaldo Francisco dos Santos vereador pelo PT
        em Pau Brasil (BA), passou a sofrer ameaças
        de morte por parte do Prefeito José Augusto dos Santos Filho, ao
        denunciar irregularidades na administração municipal. O Prefeito é um
        dos principais opositores à demarcação da Terra Indígena Caramuru
        – Catarina Paraguaçu, e tem vários parentes com terras no interior
        da área indígena. Em junho de 2001 em novos protestos contra a demora
        no julgamento da Ação Cível Originária de Nulidade de Títulos há
        19 anos em trâmite no STF, os índios ocuparam mais duas fazendas no
        interior da terra indígena. Logo após, vários pistoleiros armados passaram a ser vistos circulando a cidade de Pau
        Brasil à procura de índios.  
        
         Comunidade
        Makuxi da Maloca do Lage, T.I. Raposa / Serra do Sol – RR.
        Na tarde de 09 de maio, a maloca foi invadida por soldados do 7.º
        Batalhão de Infantaria da Selva, embriagados e portando armas de fogo.
        Ameaçaram promover um “banho de
        sangue” na maloca, caso fossem impedidos de transitar na região.
        Assustadas, as crianças, para se proteger, fugiram para a mata e só
        retornaram  na madrugada do
        dia seguinte. O episódio ocorreu em meio à mobilização dos índios
        contra a construção de um quartel do Exército na aldeia Uiramutã,
        interior da terra indígena, e às denúncias de abusos sexuais de
        militares contra índias Yanomami, também em Roraima. Meses depois, em
        1.º de agosto, a Maloca do Lage foi invadida por garimpeiros. Com facas
        e facões em riste, ameaçavam os índios na tentativa de forçar
        passagem por um caminho tradicional dos Macuxi que dá acesso ao território
        da República da Guiana. Em menor número, os garimpeiros recuaram –
        por enquanto.  
        
         Comunidade
        Truká – PE. Em 08 de janeiro,
        os indígenas Aurivan dos Santos Barros (“Neguinho Truká”) e Wilson
        José Ferreira, foram abordados pela PM em Santa Maria da Boa Vista (PE)
        quando viajavam de ônibus para o Recife (PE) para encaminhar denúncias 
        de violências policiais contra os índios. Perguntando onde
        moravam, os policiais os acusaram como assaltantes de ônibus, e os 
        ameaçaram “estourar as cabeças” caso denunciassem as agressões. O ônibus
        ainda foi seguido pelos policiais por cerca de 40 Km, numa clara
        tentativa de intimidação. Ainda em janeiro, os familiares de Nô e
        Nilson Félix passaram a ser alvos de ameaças por parte de Policiais Militares, com o intuito de
        pressionar os índios contra o andamento das investigações em torno
        do caso daquelas duas mortes.  
        
         Abuso
        de autoridade: Também no mesmo período
        o Cimi registrou a ocorrência de cinco casos de abuso de autoridade14 ,
        praticados nas suas mais diversas formas: agressões físicas, violações
        de domicílio, detenções ilegais, etc. Este tipo de ocorrência,
        praticado principalmente por Policiais Militares, afetou comunidades das
        terras indígenas Truká (PE), La Klañon (SC), Xerente (TO) e Raposa /
        Serra do Sol (RR), onde vivem cerca de  15 mil indígenas: 
              
        
         Comunidade
        Indígena Truká – PE. Em 04 de
        janeiro a Terra Indígena foi novamente invadida por Policiais
        Militares, alguns encapuzados, em 12 veículos entre viaturas e carros
        de passeio. Os PMs agiram sem mandado judicial, num ato que caracteriza violação de domicílio. Na mesma ocasião, colocaram o indígena
        conhecido como “Lobinho” no porta-malas de um dos veículos,
        obrigando-o a informar a casa de Nilson Félix (que seria morto
        juntamente com o seu pai), a fim de procurar pelo seu irmão, o também
        menor Nelson Félix, de 14 anos.  
        
         Comunidade
        Xokleng de La Klañon – SC. Em
        12 de maio, a fim de cumprir um mandado possessório contra os índios,
        um grupo de PMs cometeu uma série de abusos, entre os quais destacamos:
        a) retenção do veículo da
        Funasa em que viajavam os indígenas doentes com destino ao hospital
        de José Boiteux; b) invasões das
        residências dos indígenas Miriam Vaicá Priprá (professora) e Olímpio
        Veitschá Priprá, com uso de bombas de efeito moral e balas de
        borracha, a despeito da presença de diversas crianças; c) 
        espancamento de diversos índios, com cassetetes e chutes, além do
        uso de balas de borracha; d) detenção
        ilegal dos indígenas Samuel Cuzung Priprá, Womble Camblem, Ndilli
        Cangui Filho, Nidli Ingaclã e  Adailson
        da Silva. Eis alguns relatos: Antônia
        Priprá – de resguardo e com seu filho de apenas 6 dias e outro de
        2 anos, desmaiou e ficou sozinha na Kombi da Funasa com os bebês, sem
        receber nenhuma assistência. Ao recobrar os sentidos, presenciou sua mãe
        sendo espancada pelos policiais. Ilsa
        Coctá Priprá (mãe de Antônia) – Enferma, foi algemada ao
        tentar sair da Kombi para fugir dos policiais. Foi espancada nas pernas,
        cabeça e abdome, levou 3 tiros com bala de borracha, caiu e foi
        chutada, ficando com hematomas e cortes por todo o corpo. Pediu água
        para ela e sua filha, mas não foi atendida, embora os policiais
        bebessem água na sua frente. Paulo,
        idoso e deficiente físico, foi alvejado no braço com sua própria
        muleta, jogado no chão e pisoteado.  
        
         Terra
        Indígena Raposa / Serra do Sol – RR.
        O fato, já citado, que vitimou a comunidade Makuxi da Maloca do Lage em
        09 de maio, configurou também em violação
        de domicílio, já que os Soldados entraram na área sem nenhum
        convite ou permissão da comunidade, numa prática de evidente
        desrespeito à organização social do grupo, além das outras violações
        anteriormente mencionadas.  
        
         Terra
        Indígena Xerente – TO. Em 17
        de agosto, também a Terra Indígena Xerente sofreu invasão de Policiais, Militares e Civis, numa ação comandada pelo
        delegado Ricardo Moreira de Toledo Salles, titular da delegacia de Pedro
        Afonso (TO). Embora motivados por um mandado de prisão, o fato é que
        os policiais não tinham competência para ingressar na terra indígena,
        dado estar sob jurisdição federal, devendo ter sido requisitados
        policiais federais para o cumprimento da ordem. Revoltada com a
        intromissão indevida dos policiais a comunidade reagiu, tendo havido
        confronto. Só depois a Polícia Federal foi acionada.  
        
         Conclusão
        e recomendações: Em que pese o
        levantamento aqui apontado ser ainda uma amostragem parcial,
        necessitando de maiores complementações, impressiona o alto grau de
        envolvimento de agentes do poder público – 
        sobretudo Policiais Militares, mas também Policiais Civis,
        Soldados do Exército e até mesmo de Prefeitos e Vice-prefeitos
        Municipais – , em termos de autoria dos atos de violência, 
        seguindo uma tendência que já apontávamos na edição 2000 do
        Relatório do Centro de Justiça Global. Tal circunstância
        evidencia acentuadamente a grande responsabilidade do Estado (por ação
        ou por omissão ) nas violações de Direitos Humanos sofridas pelos
        membros das comunidades indígenas e mesmo por estas enquanto
        coletividades especialmente protegidas. Cremos que a superação
        deste tipo de situação exige do Estado Brasileiro, em primeiro lugar,
        reconhecer a situação de terror e insegurança em que vive grande
        parte da população indígena no país, muitas vezes encurralada por
        projetos econômicos de fortes impactos negativos sobre a vida de suas
        comunidades.  Exige também o ataque
        à principal fonte das violências providenciando, conforme manda a
        Constituição Federal: a) a imediata demarcação das terras de ocupação
        tradicional indígena e a proteção da posse permanente e exclusiva dos
        índios sobre as mesmas; b) a alocação do montante necessário de 
        recursos destinados à efetuação de todas as indenizações de
        benfeitorias derivadas de ocupação de boa-fé nas terras indígenas.
        Concomitantemente, no sentido de se combater uma outra fonte das violências
        que é a impunidade, faz-se necessário que o Estado atue firmemente no
        sentido de proceder a investigações verdadeiramente sérias e
        competentes quanto aos casos de violações tantas vezes apontados, e
        que exerça o seu papel de julgar e punir exemplarmente todos os seus
        responsáveis. Brasileiros que vivem
        em regiões de seca fazem milagre para sobreviver. Às vezes não
        conseguem. As crianças convivem com a falta de tudo: moradia, comida e
        água. Muitas nunca tiveram um brinquedo e, muito cedo, aprendem a
        passar o dia na beira da estrada esperando conseguir farinha, feijão ou
        moedas para ajudar a comprar alimento.  
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