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Expositores Convidados

                         Convido a tomar assento à mesa o Dr. Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, expositor desta II Conferência Nacional de Direitos Humanos; o Sr. deputado Nilmário Miranda, ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, também expositor; o Dr. Jaime Benvenuto, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, o terceiro expositor deste evento; o Sr. secretário de Segurança Pública do Estado do Amapá, Dr. Adamor Oliveira; o cacique xavante Celestino, representante das nações indígenas. E, numa homenagem, solicito uma salva de palmas às nações indígenas aqui presentes. Convido também a tomar assento à mesa o Sr. Edson Cardoso, representante do Movimento Negro Unificado; o Dr. Antônio Carlos Bigonha, representando a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, representando o Dr. Wagner Gonçalves; o Dr. Wanderley Leal, representante da Associação Brasileira de Criminalistas; o Padre Francisco Reardon, coordenador da Pastoral Carcerária da CNBB; o Dr. Manoel Santino, procurador-geral de Justiça do Estado do Pará; o Dr. José Carlos Anete, representante da Coordenadoria Econômica de Serviço, SESI, da Bahia; o Dr. Ivair dos Santos, coordenador do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.

                        Quero ainda registrar a presença dos deputados Alcides Modesto, Luiz Eduardo Greenhalgh, Agnelo Queiróz e Paulo Rocha. Saúdo os Srs. deputados e vereadores representantes de Comissões de Direitos Humanos em todo o Brasil, os representantes dos Conselhos Estaduais da Defesa da Pessoa Humana e também os Srs. deputados Luiz Alberto e Gilney Vianna, que já faziam parte da Mesa.

                        Passo a palavra ao Dr. Paulo Sérgio Pinheiro, que terá o tempo de 15 minutos para sua exposição inicial.

 

                        O SR. PAULO SÉRGIO PINHEIRO - Sr. Presidente, autoridades presentes à mesa, companheiros da sociedade civil, antes de começar minha exposição, quero pedir licença para anexar um homenageado à justíssima lista mencionada pelo presidente, quero lembrar o senador Severo Gomes. Como o Sr. ministro Nelson Jobim lembrava, no lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, S.Exa. foi um dos principais relatores do art. 5º, com as suas 77 provisões à nossa Carta de Direitos. Além disso, o senador Severo Gomes foi o responsável pela implementação da lei que cria o Parque Ianomami; S.Exa. foi decidido combatente em prol da causa indígena. Então, permito-me anexar o seu nome.

                        Fazer um balanço de um ano em 15 minutos é uma proeza formidável. Vou tentar ficar rigorosamente dentro desse prazo e espero que os outros oradores também o façam. Esse é o problema de ser o primeiro orador.

                        Em primeiro lugar, tentarei dividir a exposição em quatro partes. Primeiro, o que é a gramática dos direitos humanos; segundo, qual é o principal problema, a meu ver, da implementação do Programa; terceiro, a questão da violência policial; e, quarto, a dimensão internacional do Programa.

                        Fiquei muito contente em ouvir o deputado Pedro Wilson citar tantas manifestações de solidariedade no mundo, porque, no Brasil, só gostamos de solidariedade quando estamos na ditadura. Depois que vem a democracia esquecemos a solidariedade internacional. Foi muito importante ter essa dimensão não-provinciana, extremamente solidária no planeta.

                        O primeiro ponto que gostaria de lembrar é o que significa, num país autoritário, racista, hierarquizado e com a pior distribuição de renda do mundo, o Estado começar a falar a linguagem dos direitos humanos. Não é uma pequena mudança. Quando ouço companheiros do maior respeito responderem que houve apenas uma mudança na retórica, discordo. A retórica é implementação. A retórica é que sempre foi cultivada por todos os políticos como uma arte importantíssima, e é decisivo que o Estado, este Estado que foi sempre autoritário, que jamais conjugou a expressão direitos humanos, fale em direitos humanos. Acho que esta é a principal mudança: ter um programa. Quando, há um ano, todos os correspondentes estrangeiros disseram que isso seria apenas mais uma coisa escrita, que eram só palavras, também discordei. As palavras iluminam a ação. E o que é mais importante — o presidente também o disse aqui — é o fato de que é um programa do Brasil. Não, o programa não tem carteirinha. Há um ano, eu dizia aqui mesmo que esse não é um pacto de confiança com o Governo, mas um pacto de desconfiança da sociedade civil com o Estado brasileiro, porque não é algo em que a sociedade agora vai confiar, entregando-se  simplesmente à implementação desse Programa. O Programa é do Brasil, e tem de ser uma coisa viva.

                        Por mais limitações que tenham ocorrido na implementação do Programa neste ano, para que caminhemos é melhor não subestimarmos a verbalização desse compromisso. O problema, o desafio que temos, é saber como essa nova concepção de direitos humanos afetou ou vai afetar o sistema e o processo políticos no Brasil, é saber como, não só o Executivo, mas também os outros Poderes, vão poder traduzir isso em ações concretas.

                        O segundo ponto, o maior dos obstáculos que vejo é — como dizia muito corretamente o relatório mundial da Human Rights Watch Americas, na parte sobre a questão brasileira — a tensão entre o Governo Federal e os  governos dos estados. Este é o principal obstáculo, porque boa parte dos governadores, boa parte dos responsáveis políticos ou dos Poderes em várias Unidades da Federação historicamente se omitiram e continuam se omitindo, quando não se associam à prática das graves violações aos direitos humanos. Evidentemente, há estados que assumem esse compromisso, talvez seja um pouco suspeito, mas como não sou paulista posso dizer que São Paulo deu um passo adiante propondo o Programa Estadual de Direitos Humanos. Foi o único estado até agora. Fiquei seis meses fora do Brasil, pode ser que outro estado tenha seguido o exemplo do Estado de São Paulo, mas, ao que eu saiba, nenhum outro tomou essa decisão. Alguns estados estão organizando conferências regionais, por exemplo, recebi recentemente convite do Pará, que vai realizar conferência com o patrocínio da sociedade civil. Isso é uma coisa bastante estimulante. Mas é importante termos claro que o Governo Federal assumiu essa posição, e o Governo Federal, além das convicções dos atuais governantes, o fez porque ele responde perante a comunidade internacional sobre todos esses horrores. Quando há um massacre em Eldorado de Carajás, ou quando policiais funcionam como bandos de criminosos, como no caso de Diadema e da Cidade de Deus, quem vai responder, quem vai receber cara a cara essa situação é o presidente da República e o Poder Executivo. Mas os responsáveis por esses acontecimentos são as instituições, são os agentes do Estado, até o rodapé das instituições. Quando um bando de jovens meliantes assassina um índio Pataxó, lá fora ninguém entende muito bem, é como se o esporte nacional fosse queimar pessoas nas ruas. Então, o Governo, o Executivo tem uma responsabilidade imensa. Mas nós precisamos, nos nossos estados, fazer com que essa responsabilidade se espalhe do Executivo para o Legislativo e para o Judiciário, que muitas vezes é o grande protegido de todo esse debate.          

                        Agora há os movimentos dos juízes democráticos. Juízes jovens e mesmo  mais idosos têm criticado em todo o Brasil o próprio Poder Judiciário. O presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo ainda outro dia dizia que, se a sociedade civil não está contente com a prestação de serviços do Judiciário, os juízes também não estão nada contentes com o funcionamento daquele Poder.

                        É preciso levarmos a responsabilização, uma microrresponsabilização, a cada um dos Poderes. Não adianta discursar apenas contra a falta de vontade política. Eu concordo totalmente com o deputado Pedro Wilson: é preciso haver vontade política. Mas é preciso ser uma vontade política cobrada e traduzida em todos os níveis de funcionamento do Estado. Não dá só para dizer: "O governador não tem vontade política. O Executivo não tem vontade política para aprovar as 22 propostas de lei do Programa". Olhem para o Congresso e vejam como  ele se comporta em relação a qualquer proposta de reforma. Se levarmos em conta a performance do Congresso neste ano, veremos que foi ótima no que diz respeito ao que conseguimos com a criminalização da tortura e o andamento da lei que prevê o fim da competência da Justiça Militar para os crimes comuns cometidos pelos policiais militares.

                        Hoje é um ponto na agenda. Está nas mãos do Senado Federal se essa excrescência do regime autoritário vai continuar ou não, e vimos mágicas na votação do primeiro projeto do deputado Hélio Bicudo, que o ministro Nelson Jobim também assumiu. É preciso que acreditemos que essas bandeiras são efetivamente suprapartidárias. Eu estava fora, e foi para mim uma surpresa extraordinária ver essa massa de votos. O PMDB e o PSDB também compareceram, mas os que deram sustentação efetiva ao projeto  foram o PFL e o Partido dos Trabalhadores.

                        É evidente que fomos muito incompetentes no passado em relação a essas fontes institucionais da impunidade e das violações. Hoje caminhamos um pouco. Somos um pouquinho mais sofisticados e vemos a responsabilidade de cada uma das instituições. Mas acho que precisamos nos aperfeiçoar.

                        Com relação  à pressão sobre o Congresso, só posso falar sobre os seis primeiros meses, entre maio e dezembro. Entre janeiro e esta data, não posso falar nada, porque eu não sei. Mas, entre maio e dezembro, a pressão sobre os parlamentares foi desarticulada, incompetente e fraca. No dia da votação decisiva do Projeto Hélio Bicudo/ministro Nelson Jobim, algumas ONGs aqui em Brasília estavam alertas e se mobilizando, mas não me consta que tenhamos feito pressão organizada sobre o Congresso Nacional. Pressão organizada não significa só fazer passeata, distribuir panfletos e protestar. É preciso um convencimento dos parlamentares. A maioria dos parlamentares não tem a  mais pálida idéia do que significa o Programa, do que significam direitos humanos, do que é a Comissão de Direitos Humanos da ONU, do que são os tratados. É preciso, portanto, que tenhamos paciência e humildade para convencê-los e transformá-los em aliados, porque o problema é de todos nós.

                        Só para terminar esse segundo ponto, quero enfatizar que precisamos aprender a desagregar. Da mesma forma que temos de fazer uma microcobrança em cada nível da institucionalização do programa, temos de ter uma desagregação precisa dos seus objetivos. Cito aqui apenas um, algo sobre o que muitas vezes ficamos em silêncio, as violações contra os cidadãos brasileiros de orientação sexual diferenciada, a luta dos homossexuais e dos gays. O meu colega Eduardo Muylaert, secretário de Segurança Pública, em 1986, disse a frase que aqui quero repetir: "Assassinato de homossexual é contagioso. Se esses crimes não são reprimidos imediatamente podem se transformar em epidemia". É preciso que não toleremos nichos de silêncio em relação a qualquer violação. Para isso, precisamos ser cada vez mais sofisticados e ter dados cada vez mais precisos.

                        Passo para o terceiro ponto — e acho que devo ter ainda alguns minutos —, a violência policial, já incluída no temário do presidente.

                        Acabamos de realizar em São Paulo o seminário: "A Violência Sem Medo", promovido pela Universidade de São Paulo com o apoio da Rede Globo, em que duas medidas carros-chefes foram propostas. Primeira, a necessidade de termos em todos os estados um sistema de controle epidemiológico da violência. O que é este termo pedante? É preciso termos cada vez mais medidas sofisticadas para detectar a violência. Não adianta dizer que em São Paulo a média dos homicídios é cinqüenta por cem mil, quando no meu bairro é três por cem mil e nas comunidades da Zona Sul ou da Zona Leste, na faixa entre quinze e 24 anos, é de duzentos homicídios por cem mil pessoas. Esse esforço, no sentido de fazermos uma cobrança localizada às instituições e de termos uma defesa precisa de todos os grupos que sofrem as violações, não é nosso. O Estado é que tem de fazer isso. Não temos de nos submeter ao Estado. Temos de cobrar do Estado Federal e dos estados da Federação que sejam cada vez mais sofisticados no levantamento dos dados sobre a violência criminal.

                        Em segundo lugar, a conferência achou ótima a apresentação do governador Mário Covas, que teve a coragem de propor a revisão do pior capítulo da nossa Constituição - o da Segurança Nacional - que tem duas páginas. É preciso coragem política para enfrentar a reforma da estrutura que a ditadura nos legou e que a Constituinte foi incapaz de rever.

                        Temos a proposta do governador Mário Covas; temos a proposta do ex-deputado Régis de Oliveira, hoje vice-prefeito de São Paulo; temos a proposta do deputado Hélio Bicudo e temos a proposta da OAB-São Paulo, coordenada pela advogada Maria Eugênia da Silva Teles. São magníficos projetos, mas, — os Srs. parlamentares talvez possam me desmentir —, nenhuma reforma da estrutura policial será votada este ano. No ano que vem, teremos eleições. Nesta legislatura, portanto, não haverá — pode ser que a minha bola de cristal esteja embaçada — votação da reforma do capítulo da segurança pública no Brasil.

                        O que fazer até lá, diante da epidemia? E quando falo epidemia, significa que em várias capitais brasileiras a taxa de violência fatal, de homicídios, passou de uma endemia, quer dizer, uma curva que conseguimos prever e projetar, para uma epidemia, ou seja, deu saltos que não temos condições de prever.

                        Diante disso, é preciso tomarmos uma atitude, como propusemos em São Paulo. Vamos entregar a proposta ao governador Mário Covas e ao Dr. José Gregori, para que a comissão destinada a reexaminar o papel da polícia a estude. É preciso um plano de gerenciamento imediato da polícia em todo o Brasil. Não podemos continuar a fazer de conta que as polícias militares e as polícias civis agem em conjunto. Não. Elas não se falam, quando não se dão tiros. E eu falo só de São Paulo. Não há colaboração, não há investigação sofisticada. Os institutos médicos legais estão sob a dependência das Secretarias de Segurança. É preciso que eles tenham idoneidade científica e independência. É preciso que não se dupliquem os serviços nas duas polícias. Só falo de São Paulo, repito. A Polícia Civil tem um centro de informações, a Polícia Militar tem outro. Temos de acabar com os serviços reservados de todas as polícias militares no Brasil.  Não é competência das polícias militares terem P-2 ou serviços reservados.

                        Vou contar uma anedota. No governo Montoro, pedimos que as polícias encaminhassem ao gabinete do governador a informação sobre todos os homicídios praticados pelas polícias. Cada dia recebíamos uma informação datada. Um dia, trocaram os envelopes. O envelope que era para Roberto Gusmão, que era o secretário do Governo, veio para mim, e eu abri. Qual a minha surpresa, quando eu vi que ainda no governo Montoro, sem nenhuma ciência do governador, a Polícia Militar ainda investigava reunião de sindicatos trabalhistas. Eu achei que estava lendo documentos de 1920, do governo Arthur Bernardes. Estava lá: "O sindicalista tal levantou a palavra...". Que dizer, algo que se via na República Democrática Alemã antes da transição, boletins detalhados que as pessoas faziam naquela época.

                        As polícias militares não têm o dever de fazer isso. É preciso que o movimento da sociedade civil exija isso dos governos constituídos. Se o Governo Federal quiser, que crie uma agência federal de informação. Mas isso não é para estar nas mãos das polícias militares dos estados, como continua a ocorrer.

                        Há várias medidas imediatas, além do fim da competência da Justiça Militar para as polícias militares. É preciso estabelecer, na direção do controle externo, não só o debate do controle externo do Judiciário, mas o controle externo civil das polícias. Não é possível que essas corporações, que têm o imenso poder da violência física do Estado, não estejam submetidas a um controle civil externo, como acontece na maior parte das democracias desenvolvidas. Em São Paulo há um embrião interessante, que são os conselhos de segurança, que poderão vir a germinar uma possibilidade nessa direção.

                        O último ponto sobre o qual eu quero falar é a dimensão internacional. Não o subestimemos, como o presidente da Comissão muito claramente expôs na sua abertura.

                        A comunidade de direitos humanos tem dimensão internacional, não só nas organizações não-governamentais, como a Anistia Internacional, que estava aqui, e a Human Rights Watch, além de outras, mas ela tem a dimensão dos Estados.

                        É preciso que o Brasil, como tem feito desde 1994, preste as informações, esteja elaborando os relatórios, as convenções, os tratados. Lutamos muito para ratificar esses tratados e convenções. É preciso que a sociedade civil, junto com o Estado, esteja prestando essa contribuição ao debate internacional. Não adianta só ficar dizendo: "O Programa não funcionou, porque nós não reconhecemos a jurisdição da Corte Interamericana". Se a sociedade quer efetivamente isso, é preciso pressionarmos, dialogarmos competentemente com o Ministério das Relações Exteriores. Não adianta ficar chorando pitanga. É preciso nos organizarmos. Queremos que o Protocolo Adicional da Convenção da Tortura, de 1984, seja aprovado? Não adianta chorar. É preciso nos organizarmos competentemente para que o Protocolo Adicional da Convenção da Tortura seja aprovado. Queremos uma solidariedade mais ativa com o Timor Leste ? É preciso que pressionemos, é preciso que estejamos presentes em todas as oportunidades em que o Governo  toma decisões de política internacional.

                        A vertente internacional não é só a da solidariedade. Vários setores do governo brasileiro ficaram nervosos, quando o embaixador Celso Lafer disse que receber os refugiados da antiga Iugoslávia era um dever de solidariedade da Nação brasileira. Todo o mundo foi solidário conosco na ditadura. É preciso que pensemos na situação do refugiado. Está nas mãos do Senado brasileiro a aprovação da Lei dos Refugiados. Temos, para dar tradução ao que o deputado Pedro Wilson aqui falava, de acompanhar de forma competente a maneira como as decisões são tomadas em relação à nossa postura internacional, no Parlamento brasileiro e no Executivo.

                        Vou terminar, porque o presidente já foi muito tolerante. Eu acho que esgotei o tempo, mas é uma alegria enorme termos este auditório tão cheio. Mais cheio, acho, que na abertura da última Conferência. Isso é um sinal de competência.

                        No que me toca, achei extremamente clara a maneira como tudo aqui foi referido, apesar de que esta não é uma reunião deliberativa, mas uma reunião onde a expressão da vontade é essencial para que o Programa Nacional de Direitos Humanos no próximo ano avance ainda mais.

                        Muito obrigado. 

 

 

               O PRESIDENTE (deputado Pedro  Wilson)  - Pediríamos a todas as entidades e autoridades que pudessem indicar suas representações nesta Conferência.

                        Acatando a oportuna sugestão do professor Paulo Sérgio Pinheiro, gostaríamos de incluir, entre as personalidades homenageadas nesta Conferência, in memoriam, o senador Severo Gomes, pela relevante contribuição que prestou à cidadania, aos direitos humanos e à nacionalidade durante sua profícua carreira política.

                        Convidamos a tomar assento à Mesa, representando as comissões estaduais de direitos humanos, o deputado Renato Simões, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Também convidamos a Dra. Maria Inês Bierrembach, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo, representando os Conselhos Estaduais; e o vereador Daniel Antônio, presidente da Comissão de Direitos Humanos de Goiânia, representando as Comissões Municipais.

                         Queremos registrar a presença do presidente do Grupo Gay da Bahia, professor Luís Mott. Registramos a presença de Luiz Renato, do Ministério Público do Espírito Santo; Gilson Roberto, do Ministério Público de Pernambuco; Sales Freitas, procurador de Justiça do Estado de Roraima; Lúcia Barros, da Procuradoria Geral do Estado do Mato Grosso; Manoel Santillo, procurador-geral de Justiça do Pará; Sávio Rui Brabo de Araújo, do Ministério Público do Pará; Bosco Sá Vicente, do Ministério Público do Amazonas; Francisco Raulino, do Piauí; Ariovaldo Perrone, do Ministério Público do Rio Grande do Sul; Marco Aurélio, do Ministério Público do Pará; César Augusto e Anselmo Agostinho, do Ministério Público de Santa Catarina; Pedroso Teixeira Prado Vieira, procurador de Justiça; Dr. Luiz Antônio Guimarães, representando o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Luiz Antônio Marrey; Márcia Domitila de Carvalho, da Procuradoria Geral da República. Ainda mais, Marta Marília Tonin, da OAB do Paraná; Herilda Balduíno de Sousa, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB; Luiz Francisco Caetano, da OAB de Goiás; Manoel Menezes Cruz, da OAB de Sergipe; Lenise, da OAB de Goiás; Sara Mendes, da OAB de Goiás; Maria Abadia, da Comissão de Direitos Humanos da OAB; Dayse Benedito, da Subseção da OAB de São Paulo; Almeida Castro, da OAB do Espírito Santo; Ayda Mascarenhas e Edson Ulisses, da OAB de Sergipe; Eduardo Duarte, da OAB Ceará; Valério Djalma Cavalcante Sobrinho, da OAB Rio Grande do Norte; Sérgio Vítor Tamer, da OAB do Amazonas.

                        Concedo a palavra ao deputado Nilmário Miranda, o segundo expositor nesta II Conferência Nacional de Direitos Humanos.

 

 

                        O SR. DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA - Bom dia a todos os participantes e aos colegas da Mesa.

                        Há um ano, saudamos aqui o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos. Afinal, tinha sido o primeiro programa de direitos humanos da América Latina e o terceiro do mundo. Havia planos semelhantes na Austrália e nas Filipinas. E o fizemos sobretudo pelo fato de o presidente Fernando Henrique Cardoso ter convidado o nosso companheiro Paulo Sérgio Pinheiro para fazer a coordenação da sua proposta. Ele fez seminários em seis capitais e consultou mais de duzentas entidades na minuta. Mas, não satisfeitos com isso, nós convocamos a Conferência Nacional de Direitos Humanos, a primeira, que também fez várias propostas, muitas das quais foram acatadas a partir da minuta do nosso companheiro Paulo Sérgio Pinheiro.

                        Esta segunda Conferência é um momento muito importante para a luta pelos direitos humanos no Brasil. Trata-se de uma conferência autoconvocada, ela não tem nenhum caráter oficial, mas dessa vez houve reuniões preparatórias em muitos Estados do País, onde, inclusive, se discute a proposta para a criação de planos estaduais de direitos humanos.

                        Não quero deixar também de, antes de avaliar o plano, lembrar que a luta por direitos humanos é muito antiga. Nessa fase da História do Brasil, há pelo menos três grandes momentos que não gostaria de deixar de citar. Lembro que o plano nasceu na luta contra a ditadura, nos movimentos femininos pela anistia, na luta pela anistia promovida pelos familiares dos presos, dos mortos, dos desaparecidos, dos exilados, dos banidos e dos torturados, junto com as  igrejas e entidades da sociedade civil. E, após a anistia, esse movimento se organizou nacionalmente na defesa dos excluídos e contra a violação de direitos humanos, de que era vítima a maioria da população.

                        O segundo grande momento dos direitos humanos deste século, creio, foi durante a Assembléia Nacional Constituinte. O movimento demonstrou grande capacidade, seja com emendas populares, seja usando todos os meios possíveis e imagináveis  para que nós tivéssemos assegurados os direitos humanos na Constituição.

                        O terceiro momento ocorreu em Viena, com a internacionalização, a universalização dos direitos humanos, quando o grupo que foi a Viena, aqui organizado com o apoio do então ministro da Justiça, Maurício Correia, começou a fazer uma agenda por direitos humanos no Brasil. Foi quando começou a se falar em Plano Nacional de Direitos Humanos. Quase todas as ações legislativas e programas públicos depois delineados começaram a nascer ali. Isso, infelizmente, foi interrompido com a saída do ministro Maurício Correia e só foi retomado  em 1995.

                        Aqui no Congresso, na legislatura passada,  importantes CPIs prepararam o avanço posterior. Foi o período das CPIs da Prostituição Infantil, do Extermínio de Crianças, da Pistolagem, da Violência no Campo, da Violência contra a Mulher, do Sistema Carcerário. Toda essa podridão que hoje está vindo à tona já estava detectada ali. Foi o período da Comissão Externa para colaborar com as famílias dos mortos e desaparecidos políticos, logo depois da abertura da vala de Perus.

                        Depois dessas sucessivas grandes CPIs que despertaram a consciência do Congresso e de uma parte da sociedade política, é que foi criada aqui, pela primeira vez, uma Comissão de Direitos Humanos na Câmara dos Deputados, em 1995, o mesmo ano em que se conquistou a Lei dos Mortos e Desaparecidos Políticos, a Lei n° 9140/95.

                        Também não posso deixar de me referir ao Foro Nacional contra a Violência no Campo, que vem persistentemente levantando esse debate, articulando instituições da esfera pública e da sociedade civil. E quero referir-me também ao clamor que se criou contra a Justiça Militar após o episódio do Carandiru.  Acho que a partir desses episódios históricos nasceu o Programa Nacional de Direitos Humanos. Como eu disse da outra vez, pode não ser tudo o que queremos, mas tudo o que está ali é nosso. Tudo ali vem de uma luta histórica. Com esse plano nós podemos cobrar do presidente Fernando Henrique Cardoso, que pode cobrar dos estados, todos podemos cobrar do Congresso, do Judiciário e do Ministério Público, e a comunidade internacional e as associações internacionais podem cobrar do Brasil uma atitude a partir dos compromissos assumidos pelo Governo Federal.

                        Também concordo com o  nosso amigo Paulo Sérgio Pinheiro no sentido de que conquistamos um conceito, uma concepção de direitos humanos, da indissociabilidade dos direitos civis e políticos dos direitos sociais, econômicos e culturais (apesar de que, isto tem poucos reflexos na prática),  e da universalidade dos direitos humanos. Pela primeira vez na história do Brasil, o Estado assume que é responsável pela proteção e garantia dos direitos humanos. Isso não é pouca coisa. Os direitos estão definidos na nossa Constituição, nas leis, nos tratados e pactos internacionais.

                        Até recentemente, aliás, até hoje, nós estamos vendo o Estado na outra esfera. Governos estaduais têm assumido de forma desavergonhada a defesa dos maiores violadores dos direitos humanos. Basta lembrar aqui o caso Carandiru, quando o governo de então assumiu plenamente todas as mentiras forjadas em torno do episódio. Sentimos muita vergonha quando vemos uma pessoa com a trajetória do Almir Gabriel acobertar os responsáveis pelo ocorrido em Eldorado do Carajás e ainda patrocinar proposta de emenda à Constituição Estadual para proteger os responsáveis por aquele massacre.

                        Lembramos também do governador Garibaldi Alves, que teve uma trajetória tão bonita no Senado e nomeou alguém como Maurílio Ferreira Pinto subsecretário de Segurança Pública, e depois de ter sido forçado a afastá-lo, readmitiu-o como diretor da INTERPOL. Uma pessoa sobre a qual pesam veementes indícios de que seja chefe de um grupo de extermínio, que está à frente da polícia há vinte anos no Rio Grande do Norte. O Marcelo Alencar, que foi advogado de presos políticos, e hoje respalda a política do general Nilton Cerqueira, de gratificar policiais pela quantidade de mortos que fazem entre os civis, instituindo na prática a pena de morte. Lembramos ainda o governador de Sergipe, que agora começa a ceder a pressões e ameaça demitir o melhor Secretário de Segurança que já houve no estado, que é o Wellington Dantas, que fez a reforma mais profunda que talvez já tenha sido feita em um aparato policial no Brasil nos tempos modernos.

                        A partir do Programa Nacional de Direitos Humanos, o Governo Federal pode se omitir, mas não pode mais defender a impunidade e a violência praticada pelo Estado.

                        Em que se avançou neste ano? Acho que o avanço ocorreu no campo dos direitos civis, tanto individuais quanto coletivos. Esse avanço ocorreu mesmo com aquela forma depauperada, digamos assim, da aprovação da transferência para a Justiça Comum dos homicídios dolosos cometidos por militares, quando nós saudávamos a edição do Programa. O líder do governo no Senado, senador Élcio Álvares, foi o responsável pela redução do alcance do projeto para apenas os homicídios dolosos. Mas depois ocorreram outras tragédias, como na Cidade de Deus, Diadema e a podridão toda que veio à tona com as CPIs e com as denúncias vindas de todo o País, quando aprovamos de novo aqui na Câmara projeto estendendo a jurisdição para a Justiça Comum do julgamento de crimes de lesão corporal e tortura. Infelizmente, a pressão de coronéis PM conseguiu manter a extorsão e o achaque no âmbito da Justiça Militar - talvez para que ela não acabe de vez.

                        Após a tragédia de Eldorado do Carajás e de Corumbiara, aprovamos aqui o rito sumário para a reforma agrária, a inclusão do Ministério Público nas ações de despejo no campo, a cautela nas liminares para ação de despejo. Após o episódio de Diadema, nós conseguimos aprovar a admissibilidade da  proposta de emenda à Constituição referente à federalização dos crimes contra direitos humanos, que vai propiciar uma discussão muito rica. O que são crimes contra direitos humanos? Para que esta proposta  seja aprovada aqui no Congresso vamos ter de definir esses crimes, e contamos com a participação e o apoio de toda a sociedade para isso.      

                        Foi aprovada a tipificação dos crimes de tortura; a criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos; foi tornado crime o porte ilegal de armas; há um projeto de lei sobre lavagem de dinheiro; foi aprovada a indenização a José Ivanildo, morto no xadrez da Polícia Federal do Ceará, instituindo importante jurisprudência; houve o convênio com o SEDEC para avaliar o risco da violência em quatro capitais; há  o GAJOP, um convênio tímido, mas importante para proteger vítimas e testemunhas;  temos os convênios da Anistia Internacional,  que permitiram a oferta de cursos para as polícias de diversos estados. Tivemos um tímido programa de bolsa-escola para crianças em situação de escravidão no Mato Grosso do Sul, e um programa em Pernambuco, que parece estar sendo desviado. Há ainda um compromisso anunciado pelo Governo Federal, no valor de 400 milhões de reais, para serem aplicados em prevenção e tratamento do vírus da AIDS e há o projeto ampliando as penas alternativas, que ainda está engatinhando na sua tramitação.

                        Queria lembrar também que, se mais não tivemos — e aí concordo com o presidente Pedro Wilson —, foi por falta de vontade política, porque o Governo tem quase quatrocentos votos no Congresso Nacional para garantir sua reeleição e  para aprovar certas reformas,  até mesmo  contra a sociedade,  e parece não demonstrar  o mesmo empenho quando se trata de aprovar projetos duros, relativos aos direitos humanos.

                         Nunca se falou tanto sobre direitos humanos no País. Podemos dizer que saímos de um gueto. Entretanto, os índices de violência estão crescendo em todos os lugares,  assim como as taxas de homicídio e  a prática de tortura. O sistema prisional chegou a um ponto de tamanha desumanidade, que dispensa qualquer comentário. Continuam a atuar os grupos de extermínio, muitos deles incrustados no aparelho do Estado.

                        Acho que é impossível dissociar isso da questão do desemprego; da lentidão na reforma agrária e no apoio à agricultura familiar; da não aprovação do projeto de renda mínima, que depende do líder do governo aqui no Congresso (o deputado Germano Rigotto, há quatro anos está sentado em cima deste projeto); da ausência de políticas compensatórias que mereçam esse nome. Igualmente, ouvimos o Ministro da Saúde dizer que há 10 milhões de excluídos do sistema público de saúde no Brasil. O Congresso tem estatísticas que mostram que os gastos com saúde e educação reduziram-se no País. Então, é impossível  dissociar o crescimento da violência, por mais que tentemos, da situação social e política. Por isso é  que podemos dizer que muitas vezes a nossa União Federal viola os direitos no atacado e, depois, tenta protegê-los  no varejo.

                        Outro ponto que queria destacar é que a reforma administrativa não modifica, tampouco melhora, as agências governamentais que têm um papel importante na implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos. Por exemplo, o INCRA é um verdadeiro entrave à reforma agrária no País.  E qual a reforma  prevista para o INCRA?  O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que seria o principal órgão da esfera pública federal para os direitos humanos, não se reúne há seis meses, mesmo com toda a explosão de violência no País. Não há um ministro que convoque este Conselho que, se tivesse sido convocado, também seria uma instituição inócua, sem poder, de pessoas de bem que detectam os problemas, fazem belos, excelentes e precisos relatórios, mas nada acontece a partir daí. E esta é a principal instância federal da esfera pública em direitos humanos.

                        A FUNAI deveria implementar a política de promoção dos índios. Venceu em 1993 o prazo para a demarcação das terras indígenas sem que ela tenha sido feita, e  118  indígenas foram assassinados  em três anos.

                        Qual é a reforma da FUNAI, prevista na reforma administrativa que está em votação esta semana no Congresso Nacional ? Nenhuma.

                        Onde está a Fundação Cultural Palmares, que deveria identificar os remanescentes de quilombos e fazer a promoção social dos negros?

                         Todos nós esperamos muito da Polícia Federal, em que, segundo dados da própria instituição,  faltam mais de duzentos delegados e sete mil agentes. Mas continuam lhe transferindo novas atribuições, embora ela continue desaparelhada. Sem falar do Ministério Público Federal e da Justiça Federal, onde todas as propostas de federalização vão esbarrar em limitações materiais muito sérias.

                        Também o Orçamento Geral da União depende do Governo Federal, mas não prevê recursos mínimos para implementar o Programa Nacional de Direitos Humanos, não prevê recursos para o banco de dados, não prevê recursos para vítimas e testemunhas, a não ser aqueles recursos escassos alocados no GAJOP. Mesmo o Fundo Penitenciário Nacional, que depende também da esfera federal, apesar da receita de 100 milhões de reais por ano - recursos estes de aplicação obrigatória na reforma do sistema penitenciário - deixou de aplicar na sua destinação 78% dos recursos, no ano passado. O dinheiro foi desviado para outra coisa, enquanto assistimos à podridão no sistema penitenciário do Brasil.

                        Das sete medidas de implementação previstas no Programa, só uma foi cumprida, e apenas pela metade. Foi a criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Mesmo estando entregue em boas mãos, nas melhores mãos, do ponto de vista do poder, a criação da Secretaria não alterou nada,  uma vez que ela continua subordinada à estrutura do Ministério da Justiça. Poderia ter sido ligada diretamente à Presidência da República, mas como está, não tem orçamento próprio, não tem recursos próprios, não tem recursos humanos próprios.

                        Onde estão as campanhas publicitárias que estavam previstas na implementação do Programa? Não dependem nem de recursos do Governo. Bastava vontade política para fazer campanhas,  para trabalhar isso numa cultura política. Sequer a edição do Programa Nacional de Direitos Humanos foi publicada em escala suficiente. Vamos aos estados, ninguém tem, ninguém conhece o Programa. Simplesmente porque não foi produzido, não foi distribuído sequer para os agentes públicos no nível do município e do estado. E o Governo poderia ter feito campanhas publicitárias e não fez.

                        Ao mesmo tempo, estamos vendo o crescimento do 190 Urgente - aquele programa vergonhoso da Manchete, que vive de violar o direito à imagem das  pessoas pobres. Estamos vendo o crescimento do lixo americano e japonês inundando a nossa televisão. E até a nossa maior emissora de televisão está apresentando  um seriado  chamado  A Justiceira.

                         Que estado recebeu o incentivo que estava previsto  por ter implantado medidas favoráveis ao Programa Nacional de Direitos Humanos? Quando o Ministério da Justiça cumpriu o compromisso de fazer sequer um dos relatórios? Deveria, em um ano, fazer três relatórios — não fez nenhum — sobre a situação e a evolução dos direitos humanos. E os relatórios dos estados para o Ministério da Justiça,  outra medida de implementação? Não foram feitos também. E o banco de dados para monitorar a violência? Como é que se sabe se cresceu, se diminuiu, se melhorou, se piorou, se não há banco de dados, se não há monitoramento?

                        Com relação ao reconhecimento da Corte Interamericana  — é bom que todos saibam — depende apenas da assinatura do presidente da República, de mais ninguém. Não há nada a ser feito a não ser a assinatura dele. E isto permanece. Dezessete Estados latino-americanos já reconheceram a Corte. E o nosso presidente não se decidiu ainda. Seria uma medida boa para diminuir a impunidade, pois permitiria levarmos até à Corte as flagrantes e massivas violações dos direitos humanos que ficaram na impunidade.

                          Teremos grandes desafios ao sairmos daqui. E o primeiro deles, já estou vendo aflorar nos estados. É o Plano Estadual dos Direitos Humanos. É o nosso maior desafio. Ali é que é feita a segurança pública, é nesta esfera  que se pode fazer a reforma das polícias, a modificação do art. 152.  Ali está a ferida feia do sistema prisional.  Quer dizer, isso depende muito de nós que estamos aqui. São Paulo e Minas Gerais terão os seus planos. Parece que outros estados também já estão pensando nisso. E a propósito da questão do sistema prisional, quero dar um viva à Campanha da Fraternidade de 1997, pela coragem demonstrada pela Igreja Católica, ao colocar esta chaga para fora.

                       Na implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos, em seu segundo ano, não podemos aceitar o fato de  que a Comissão de Implementação nunca  tenha se reunido, porque não houve convocação do Ministro. Esta Comissão, formada pelas  melhores pessoas,  se reunirá, pela primeira vez, um ano depois de anunciado o Programa, amanhã à tarde, às 15h30min. E neste segundo ano não podemos admitir que dela  não façam parte  pessoas do Movimento Nacional de Direitos Humanos e de outras entidades nacionais, porque, mesmo que na Secretaria Nacional de Direitos Humanos haja companheiros nossos, ela deve lealdade ao Governo. E o Governo continua sendo, pela ação ou pela omissão, um dos maiores violadores de direitos humanos deste País. Então, acho que qualquer implementação séria tem que contar com a participação de pessoas independentes do Governo, que não devem lealdade a governo algum.

                        Acho que o terceiro desafio, concordando com o nosso presidente no encerramento da sua belíssima fala, é a questão da educação. Não basta a matéria de direitos humanos entrar na Academia da Polícia Federal, nas academias de polícias militares e civis, é preciso entrar em toda a escola brasileira, do ensino fundamental até à universidade. Da maneira correta, acho que esta Conferência discutirá isto aqui também.

                        Não acredito também que possamos avançar sem vincular - o que é um velho sonho dos ativistas de direitos humanos -  nossa luta com alguns direitos sociais, pelo menos na questão do desemprego. Enquanto permanecer esta perspectiva sombria de desemprego no País, de lentidão da reforma agrária, de não implantação da Lei Orgânica da Assistência Social e enquanto perdurar a crise da saúde, é muito difícil. Vai ser uma causa perdida lutar pelo avanço dos direitos humanos. É preciso enfrentar de forma conjugada também alguns direitos sociais.

                         O presidente Pedro Wilson já deu sinais de alguns pontos para uma agenda. No passado, toda vez que conseguimos trabalhar com dois, três ou quatro pontos prioritários conseguimos avançar nesses três ou quatro pontos. Talvez esta Conferência também consiga traçar esses pontos para agendar o Congresso, o Governo Federal, os governos estaduais e a nós todos para esses novos avanços.

                         Talvez possamos dar um passo aqui — isto dependerá, evidentemente, de não se forçar a situação — no sentido de sair alguma comissão, ainda que modesta, para discutir pontos que serão levantados por esta Conferência.

                         Também no momento oportuno voltarei com esta proposta. Refiro-me à omissão do Senado Federal, que não homologa o Conselho Nacional de Comunicação Social, que teria a capacidade, digamos, moral,  de monitorar os programas de televisão e de rádio no Brasil e de estabelecer sanções morais.  Poderíamos decidir, nesta Conferência, formar um grupo de pessoas para escolher os dez piores programas de rádio e televisão do Brasil, os que mais violam a dignidade dos seres humanos através da mídia eletrônica. E no dia 10 de dezembro,  Dia Internacional de Direitos Humanos, quando se atribui o prêmio nacional, daríamos um prêmio às avessas, com base nessa lista suja dos violadores de direitos humanos no Brasil.  Aproveitaríamos também para chamar a atenção do nosso Senado para a sua omissão imperdoável em não homologar o Conselho Nacional de Comunicação Social.

                        Obrigado.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Registramos a presença do vereador Ítalo Cardoso, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo, bem como da direção da ABONG - Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais. Gostaria de ressaltar também a participação do INESC nesta Conferência, não só por sua presença, mas pela inestimável colaboração na realização na sua realização.

                        Ouviremos agora o terceiro expositor, Dr. Jayme Benvenuto. Em seguida, por uma concessão especial desta Mesa, uma vez que não constava da programação, ouviremos o pronunciamento do cacique Celestino Xavante. Depois, teremos um rápido informe das onze conferências estaduais de direitos humanos, aqui representadas por Aloísio Matias, da conferência do Rio Grande do Norte; Pedro Montenegro, de Alagoas; Valéria Getúlio Brito, do Distrito Federal; Oscar Gatica, da Paraíba; Roseana Pereira, do Ceará; deputado João Leite, de Minas Gerais; Irene Maria dos Santos, de Goiás; deputado Nelson Pelegrino, da Bahia e Jayme Benvenuto, de Pernambuco. Estes estados realizaram conferências estaduais preparatórias à presente Conferência, produziram contribuições no sentido do Plano Estadual de Direitos Humanos ou da luta dos direitos humanos em cada unidade.

                         Encerraremos assim a parte da manhã. Certamente essas indicações serão muito importantes para os trabalhos de grupo com que vamos retomar às 14h30min.

                       

                        Com a palavra o Dr. Jayme.

                        O SR. JAYME BENVENUTO - Bom-dia a todos. Sr. Presidente da Mesa, a quem saúdo, bem como a todos os demais integrantes da Mesa. Senhoras e senhores, o Movimento Nacional de Direitos Humanos tem procurado priorizar, ou melhor, monitorar o Programa Nacional dos Direitos Humanos, justamente por acreditar que se trata de  uma medida extremamente positiva que foi tomada pelo Governo Federal, obviamente com a participação da sociedade civil. Consideramos que o Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado exatamente há um ano pelo presidente da República, representa, sem nenhuma sombra de dúvidas, um grande avanço para o Brasil, seja por conter uma série de propostas há muito reclamadas por centenas de organismos nacionais e internacionais de proteção aos direitos humanos, seja em função do processo amplamente participativo de sua elaboração. O Programa Nacional de Direitos Humanos é uma conquista, antes de tudo, da sociedade brasileira. É dela, mais do que de qualquer outro ente social,  a titularidade do direito de fazer valer o programa na prática.

                        Com base nesta titularidade, o Movimento Nacional de Direitos Humanos, na qualidade de representante de parcela significativa da sociedade brasileira - são  ao todo cerca de 350 Centros de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos articulados ou filiados ao movimento -  reputa importante fazer algumas considerações em torno do Programa.

                        As considerações, obviamente, têm o objetivo de contribuir para a concretização do Programa no mais rápido espaço de tempo. O principal aspecto positivo do Programa é precisamente a sua existência, a qual vem  proporcionando, em todo o País, a discussão em torno de uma série de problemas e alternativas relacionadas aos direitos humanos. Efetivamente, nunca se viu na história do País uma discussão tão ampla e séria sobre os direitos humanos com vistas à busca de soluções.

                        Ainda que fiquemos na qualidade de representantes de direitos humanos, esperando melhores respostas em torno desse tema, não podemos deixar de reconhecer que várias  propostas  já foram ou estão sendo implementadas. É o que acontece em termos, apenas exemplificativos, em relação às seguintes propostas:  atribuição por lei  à Justiça Federal de competência para julgar os crimes contra os direitos humanos, muito embora falte regulamentar o que são crimes contra os direitos humanos; atribuição por lei à Justiça Comum da competência para processar e julgar determinados crimes cometidos por policiais militares no exercício da função; a estruturação da Divisão de Direitos Humanos na Polícia Federal, a qual já conta com uma delegacia especializada para apuração dos crimes contra os direitos humanos; a multiplicação e manutenção dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais em diversos estados; o apoio à criação,  nos estados,  de programas de proteção a vítimas e testemunhas de crimes, através de ações desenvolvidas mediante convênio estabelecido entre o Ministério da Justiça e o GAJOP, filiado ao Movimento Nacional de Direitos Humanos que, numa primeira fase, alcança cinco Estados: Ceará, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia. Citamos também a aprovação do projeto de lei que tipifica o crime de tortura, assim como  o incentivo ao funcionamento nos estados e municípios de vários serviços destinados a dotar os cidadãos dos documentos fundamentais da cidadania; entre outras propostas que, para não me alongar, não vou mencionar.

                        Ao lado dos avanços colocados, alguns limites de conteúdo podem ser atribuídos ao Programa. O primeiro refere-se à quase absoluta desconsideração dos direitos econômicos, sociais e culturais, os chamados direitos de segunda geração (de acordo com a classificação de direitos humanos em três gerações relacionadas às etapas de reconhecimento ao longo da história).

                        O Programa Nacional de Direitos Humanos, ao sistematizar as propostas elaboradas pela sociedade, priorizou apenas os direitos civis e políticos, ou os chamados direitos de primeira geração, uma vez que foram reconhecidos primeiramente na história da humanidade. Tal priorização fere inteiramente o princípio da indivisibilidade dos direitos humanos, aprovado com a participação ativa do Governo brasileiro na Segunda Conferência Mundial dos Direitos Humanos, ocorrida em Viena, em 1993.

                        O princípio da indivisibilidade dos direitos humanos quer significar que os direitos humanos não são passíveis de hierarquização e de divisão.

                        A classificação dos direitos humanos em três gerações tem importância, portanto, meramente metodológica, na medida em que resgata o seu processo de construção histórica, não implicando em se atribuir maior ou menor importância a quaisquer das gerações desses direitos.

                        Por trás de tal princípio, está a concepção de que inexiste a possibilidade de vigência real de direitos civis e políticos sem que vigorem também os direitos econômicos, sociais e culturais e vice-versa.

                        Em outros termos, o direito ao desenvolvimento, tão buscado pela sociedade brasileira, impõe a vigência, igualmente, de direitos de primeira e de segunda geração. Do ponto de vista social, é injustificável que os direitos econômicos e sociais estejam de fora de um  programa que busca responder às principais violações dos direitos humanos no Brasil.

                        A situação da educação, da saúde, do trabalho e da terra, urbana e rural, entre outras questões, tem no Brasil contemporâneo a mesma carga dramática das violências físicas cometidas pelas polícias brasileiras, para citar um dos graves problemas relacionados ao exercício dos direitos civis e políticos. Exemplo gritante é o dos trabalhadores sem terra, alijados do processo de desenvolvimento, em função de uma estrutura de poder excludente, que vemos se perpetuar às vésperas do século XXI. Para esse grande contingente de populações vulneráveis a violências centenárias, o PNDH não conseguiu ainda dar respostas ainda que apenas  programáticas.

                        Do ponto de vista jurídico-positivo, o Programa Nacional de Direitos Humanos desconsiderou uma série de dispositivos constitucionais que especificam a importância dos direitos econômicos, sociais e culturais, a começar pelo preâmbulo da Constituição Federal, que estabelece a instituição de um Estado democrático,  destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais à liberdade, à segurança, ao bem-estar, ao desenvolvimento, à igualdade e à justiça como valores supremos. Numa clara referência consideramos a indivisibilidade dos direitos humanos. O art. 3º, inciso III, da Constituição Federal, por sua vez, estabelece a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Como fazê-lo, perguntamos, a não ser dando atenção especial para os direitos econômicos, sociais e culturais?

                        Um outro limite do Programa Nacional de Direitos Humanos está relacionado aos mecanismos para o seu monitoramento. Embora o Programa tenha previsto duas formas de monitoração, de competência respectivamente dos estados-membros e do Ministério da Justiça, tais mecanismos ainda não conseguiram se converter em instrumentos eficazes para a exigibilidade das propostas. Em função da precariedade de funcionamento desses mecanismos, muitas das propostas de curto prazo do Programa ainda não se converteram em realidade.

                        Entre as 62 propostas de competência federal, destacamos as seguintes, que ainda carecem de existência prática:  a criação do cadastro federal de inadimplentes sociais, visando ao incentivo do respeito aos direitos humanos por parte dos estados e municípios; a criação dos sistemas integrados de controle de armamentos e munições, em parceria com os governos estaduais; o apoio, no contexto da reforma do Estado,  à proposta de modernização do Poder Judiciário; o repasse de recursos do Fundo Penitenciário Nacional aos estados, destinado a proporcionar melhorias no sistema penitenciário dos estados, entre outras propostas. Maior, no entanto, é a quantidade de propostas que dependem de propositura ou de aprovação por parte do Poder Legislativo Federal para serem concretizadas. Esse fato demonstra que o Congresso Nacional ainda não conseguiu incorporar na sua prática a necessidade de viabilizar as propostas do Programa Nacional de Direitos Humanos. p class="BodyText" style="text-align:justify;tab-stops:120.65pt 156.65pt 192.65pt 228.65pt 264.65pt 300.65pt 336.65pt 372.65pt 408.65pt 444.65pt">                        Destacamos a seguir algumas dessas propostas:  revisão da legislação regulamentadora dos serviços privados de segurança; criação do Conselho Nacional de Justiça,  com a função de fiscalizar as atividades do Poder Judiciário;   reforma do Poder Judiciário;  incentivos fiscais, creditícios e outros às empresas que empreguem egressos dos sistemas penitenciários; proibição de  todo tipo de discriminação com base em origem, raça, etnia, sexo, idade, credo religioso, convicção política, ou orientação sexual; alteração  da legislação penal para incentivar ações com o objetivo de eliminar o trabalho infantil e punir a sua exploração; tipificar o crime de exploração sexual infanto-juvenil; regulamentar o art. 7º, inciso XX, da Constituição Federal, que prevê a proteção do mercado de trabalho da mulher através de incentivos específicos; revogar as normas discriminatórias ainda existentes contra a mulher, o índio e o negro; rever o Estatuto do Índio; propor e aprovar o Estatuto do Refugiado; reformular a Lei dos Estrangeiros e  ratificar os atos internacionais, assinados pelo Brasil, identificados no Programa Nacional de Direitos Humanos.

                        Entre as 47 propostas de competência exclusiva dos estados, destacamos a seguir as que são mais importantes e que ainda não foram concretizadas, com raras exceções:  a elaboração dos mapas da violência rural e urbana, essenciais para a definição das políticas estaduais de segurança pública e controle da criminalidade; a elaboração de planos estaduais de direitos humanos, estabelecendo prioridades a serem enfrentadas; o estabelecimento de critérios para seleção,  admissão, capacitação,  treinamento e reciclagem de policiais;  o afastamento do serviço  dos policiais acusados de violência contra os cidadãos; a criação de ouvidorias de polícia, com representantes da sociedade civil, à exceção dos Estados de São Paulo, Ceará e Pará,  que já o fizeram;  implementação de seguros de vida e de saúde para policiais; criação de sistemas de proteção especial às famílias dos policiais ameaçados em razão de suas atividades; estabelecimento de programas de cooperação e entrosamento entre as polícias civil e militar e o Ministério Público.  Isso também para ficar apenas nas principais propostas que não foram implementadas pelos Estados.

                        Entre as poucas propostas de competência dos Estados que foram cumpridas, a maioria já havia sido cumprida, antes mesmo do Programa Nacional de Direitos Humanos ter sido lançado pelo Presidente da República. É o caso, por exemplo, da criação de Conselhos de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente, da criação de Comissões de Direitos Humanos nas Câmaras Municipais e nas Assembléias Legislativas, entre outras.

                        A propósito da dificuldade de estabelecer o monitoramento do Programa, em termos gerais, a responsabilidade pela presente situação deve ser compartilhada entre todos os poderes públicos,  nos níveis federal, estadual e municipal, que demonstraram pouca sintonia para fazer valer as propostas, articuladamente; destacando-se aí o Poder Legislativo, responsável pelas propostas de alteração legislativa, e as representações da sociedade, que não vêm se mostrando capazes de exercer influência decisiva para a adoção das propostas por parte dos  poderes públicos, especialmente das que requerem mudanças legislativas.

                        A este respeito, o Movimento Nacional de Direitos Humanos incluiu o acompanhamento dos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional entre suas ações prioritárias para os próximos anos. Em torno do Poder Legislativo, deverá ser exercida doravante, sistemática e forte pressão com vista à adoção, no prazo mais curto possível,  dos mecanismos democratizantes que constam  do Programa Nacional de Direitos Humanos.

                        Com vista a auxiliar no monitoramento do Programa e, conseqüentemente, aumentar as possibilidades de convertê-lo em realidade no prazo mais curto possível, o Movimento Nacional de Direitos Humanos propõe o que se segue:  primeiro, a constituição de um grupo ou comissão formado por entidades governamentais e não-governamentais, vinculado ao Ministério da Justiça, destinado a monitorar permanentemente o Programa Nacional de Direitos Humanos. O referido grupo teria a competência de detalhar as propostas previstas no Programa, inclusive através da elaboração de projetos de lei a serem encaminhados ao Congresso Nacional. Além disso, seria responsável pela elaboração de  relatórios semestrais em torno da situação dos direitos humanos no País e dos esforços desenvolvidos para a implementação do Programa. Por fim, realizaria  audiências públicas periódicas com a convocação de autoridades federais e estaduais e a presença  de representantes da sociedade civil, sempre que for necessário o esclarecimento de situações relacionadas a violações dos direitos humanos e a  medidas de cumprimento do Programa Nacional de Direitos Humanos.

                         A segunda proposta é a de se constituir  um  organismo estatal, na estrutura do Poder Legislativo, destinado a implementar as deliberações do Brasil a nível internacional (de modo a evitar o descumprimento dos pactos, tratados e convenções, nos termos até então vistos) e acompanhar a execução do Programa Nacional dos Direitos Humanos no que se refere às propostas que exigem alteração legislativa. Esta instância deve cuidar ainda de compatibilizar as mudanças legislativas com o Orçamento da União, de modo a possibilitar a concretização das propostas aprovadas.

                         Terceira proposta: convocação, pelo Governo Federal, dos governos estaduais e municipais, pelo menos os mais importantes, com a finalidade de tratar da situação dos direitos humanos no País e incentivá-los a adotar as propostas constantes do Programa Nacional de Direitos Humanos. Como resultado dessa convocação, deve ser firmado um grande compromisso nacional para a superação dos impasses vistos na área dos direitos humanos.

                        Quarta: realização de conferências temáticas de direitos humanos nacionais e estaduais, tendo em vista a necessidade de impulsionar a implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos, mediante a especialização das discussões e de suas conseqüentes soluções.

                        Quinta: em nível internacional, consoante a Constituição Brasileira, que manda que as relações com os outros países se estabeleçam com a prevalência dos direitos humanos, sugerimos que o Brasil preste solidariedade a países que se encontram em sérias dificuldades, a exemplo de Ruanda, Timor-Leste e  Bósnia.

                        A  sexta e última proposta  seria a adoção imediata pelo Brasil da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos -  destinada a julgar violações aos direitos humanos pelos países signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos -  como forma de incrementar a observância de direitos humanos internamente.

Diante da clareza que temos, na qualidade de representantes de parcelas da sociedade civil organizada, de que também é  nosso papel impulsionar o cumprimento das propostas constantes do Programa Nacional de Direitos Humanos, com o que nos somamos aos esforços desenvolvidos pelo Governo Federal, colocamo-nos à disposição, para contribuir no que estiver ao alcance do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, especialmente na elaboração de ajustes ao Programa e na implementação das propostas no sentido da democratização do nosso País.

                        Muito obrigado.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Com a palavra o Dr. Paulo Sérgio Pinheiro para  complementar a sua exposição.

 

                        O SR. PAULO SÉRGIO PINHEIRO - Sr. Presidente, esqueci-me de dizer que o que falei de uma forma mais completa está num  texto que eu e o professor Paulo Mesquita Neto estamos apresentando aqui na reunião sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos:  avaliação do primeiro ano e perspectivas. Este texto está sendo copiado pela secretaria do encontro, e espero que V.Exªs. tenham acesso a ele. Com relação à questão da implementação, V.Exªs. verão nesse texto que há uma grande confluência com o que foi comentado pelos meus dois amigos. Queria apenas dizer ao presidente que vou comunicar ao Dr. José  Gregori que o núcleo só poderá funcionar de maneira adequada se o Movimento Nacional de Direitos Humanos estiver presente.

                        Muito obrigado.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Passamos a palavra ao cacique Celestino Xavante, que fará a sua exposição.

                        Logo depois, vamos desfazer esta Mesa e convidar os relatores das conferências estaduais para fazer a última comunicação na parte da manhã, o que é muito importante para os trabalhos em grupo. Peço, desde agora, ao Dr. Paulo Sérgio Pinheiro, ao deputado Nilmário Miranda e ao Dr. Jaime Benvenuto que acompanhem, se possível, na parte da tarde, os diferentes grupos, no sentido da avaliação,  porque queremos dar a ela a maior objetividade possível.

                        Com a palavra o cacique Celestino Xavante.

 

                        O SR. CELESTINO XAVANTE -  (Pronunciado em língua Xavante e traduzido, simultaneamente, por Jeremias Xavante) Sr. Presidente, Srs. deputados, V.Exªs. sabem que não é desde hoje que estamos presenciando o problema do índio.  Há 500 anos que o homem branco chegou nestas tão amadas terras brasileiras, tão respeitadas pelos nossos pais, pelos nossos antepassados. Atualmente essas terras estão sendo devastadas, o meio ambiente está sendo destruído, e com ele as nações indígenas, verdadeiros guardiões da natureza. Então, gostaria de conscientizar não só as autoridades que estão aqui presentes, mas também toda a sociedade para o fato de que muitas vezes escutamos que muitas pessoas estão preocupadas com os direitos humanos. É verdade, mas os índios são os maiores prejudicados nessa história. Será que as mortes anteriores, não só a do índio Galdino Jesus dos Santos, foram punidas? Será que se fez justiça? Estamos muito céticos com relação a isso. Sabemos que os assassinos do Galdino, através de informações que temos, vão ser soltos, vão responder ao processo em liberdade. O que é isso, autoridades? O que é isso senhores presentes ? Será que a impunidade mais uma vez vai reinar? Vamos pensar seriamente a respeito disso. Estamos realmente céticos e, por isso, apresento os líderes que estão presentes aqui. Quero dizer para V.Exªs. que eles são verdadeiros líderes. Quando eles vêm aqui, quem os desrespeita primeiramente é o nosso órgão tutor, a FUNAI. Aquela Fundação nunca recebeu os nossos líderes que vêm aqui em busca de soluções e para expor os seus problemas perante as autoridades. Eles são ignorados, são jogados à própria sorte nas pensões, onde há muita sujeira. Será que isso são direitos humanos? Será que isso é respeitar um ao outro? Acho que não. Então, gostaria de apresentar os nossos líderes que estão aqui presentes: (apresentação de lideranças indígenas).

                         Baseados na nossa concepção, queremos, primeiramente, que a sociedade, de um modo geral, comece a respeitar-nos. Queremos mudanças na FUNAI, queremos tirar o presidente atual, que está desrespeitando o índio, efetuando prisões e batendo no índio. Em pleno dia 19 de abril, na capital do Brasil, fomos agredidos física, moral e culturalmente. Os nossos guerreiros foram desrespeitados, humilhados na Polícia Federal. Estamos aproveitando essa oportunidade para dizer a V.Exªs. que o Presidente da FUNAI está desrespeitando as nossas autoridades. Respeitamos as autoridades de V.Exªs., deputados, senadores, e o próprio FHC respeitamos até o momento. O presidente Fernando Henrique Cardoso ainda não demonstrou interesse em discutir diretamente com as sociedades indígenas o Estatuto do Índio, o problema dos índios. Então, gostaríamos de conversar diretamente com S.Exª. Assim como S.Exª. está recebendo várias camadas da sociedade, —  já recebeu o MST, meninos de rua e as ONGs — por que não receber o índio? Por que S.Exª. está evitando o índio? Somos seres humanos, pensamos, estamos preocupados com o nosso meio ambiente, com o Planeta Terra, e queremos demonstrar isso. Queremos o apoio de V.Exªs. nesse sentido. Sr. Presidente, queremos conversar com FHC, porque o ministro que está aí interinamente não quer conversar conosco, ele não quer receber os índios. Então, peço a S.Exª., o presidente da República, que nos receba imediatamente para sentarmos e discutirmos os nossos problemas democraticamente, porque atualmente a FUNAI é antidemocrática. As portas estão fechadas.

                        Aproveito a oportunidade para dizer a V.Exªs. que a situação está insuportável. Estão dizendo que um grupo está pedindo a saída do atual presidente. Não só um grupo, mas todas as nações indígenas enviaram um fax para falarmos, em nome delas também, sobre essa questão. Então, a informação de que só um grupo está querendo mudanças na FUNAI não é verdadeira. Todas as nações indígenas estão querendo mudanças imediatas, como a reestruturação da FUNAI, conforme pensam as nossas lideranças e as nações indígenas, porque todos nós estamos preocupados com o nosso órgão tutor. Queremos resgatar a sua credibilidade, porque ele atualmente está muito desacreditado, não só perante a opinião pública nacional, mas perante a opinião internacional também. E nós queremos as mudanças dessa forma.

                        O cacique está falando isso porque estão faltando projetos, estão faltando remédios para nós, porque não fomos nós que levamos as doenças para as nossas comunidades; as doenças foram introduzidas lá. Os nossos curandeiros não estão conseguindo curar, porque são doenças trazidas de longe, e isso está nos prejudicando. É isso que ele está dizendo para todos vocês, para que, neste momento, nós, conjuntamente, conversemos com FHC para as mudanças imediatas na FUNAI.

                        É isso.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Agradecemos as palavras do cacique Celestino Xavante, traduzidas pelo Jeremias.  Gostaríamos de registrar a presença do vereador Luiz Carlos Bassuna, do PT, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Salvador, Bahia; também da vereadora Nilza, da Comissão de Direitos Humanos de Barreiras; da Ângela, do Serviço Paz e Justiça, o SERPAJ.

                        Neste instante, desfazemos esta Mesa e convidamos para tomar assento à Mesa os representantes das Conferências Estaduais de Direitos Humanos. Começando por Aluízio Matias, representante da Conferência Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte; Pedro Montenegro, de Alagoas; Valéria Getúlio Britto e Silva, do Distrito Federal; Oscar Gatica, da Paraíba; Roseana Pereira, do Ceará; deputado João Leite, de Minas Gerais; Sra. Maria Irene Pereira, de Goiás; deputado Nelson Pelegrino, da Bahia, Salvador; Jayme Benvenuto, de Pernambuco, e o jornalista Dermi Azevedo, da Conferência do Estado de São Paulo.

Na área habitacional, em que pesem também as iniciativas já em curso no Distrito Federal, percebe-se necessário enfrentar adequadamente a situação, desenvolvendo políticas públicas que considerem sobretudo as circunstâncias que levaram segmentos desfavorecidos da população a ocupar áreas públicas. A abordagem do problema, em hipótese alguma, deve contemplar a utilização da força e da ação violenta.

                        Na área de educação para os direitos humanos e cidadania, torna-se necessária a viabilização de uma política educacional voltada para a formação humana.

                        E assim por diante, nosso relatório avalia cada área.

                        Vamos distribuir esse documento a todos. As entidades e organizações que coordenaram a I Conferência do Distrito Federal foram o Conselho Distrital de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Distrito Federal, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, o INESC, o Sindicato dos Jornalistas, o Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, o Centro Cultural, e outros.

                        Muito obrigada.

 

                         O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) -  Agradecemos à Valéria, e antes de passar a palavra para o Oscar Gatica, da Paraíba, anunciamos mais algumas presenças.

                        Registro a presença de Maria Nazaré Pereira, da STAS de Pernambuco; Lígia Guimarães Mesquita, da Secretaria do Trabalho e Ação Social do Estado de Pernambuco; Margareth Nicolau, da Secretaria da Criança e do Adolescente do Distrito Federal; Maria de Lourdes Brito, da Secretaria da Criança e Assistência Social do Distrito Federal; Djalma Lopes de Souza, da Secretaria de Justiça e Segurança do Maranhão; Alberto Petrônio Carvalho, da Secretaria de Segurança do Amazonas; Roseli de Souza Correa, da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas; Alexandre Tavares, da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco; Flávio Henriques, da  Secretaria do Interior, Justiça e Cidadania do  Rio Grande do Norte; Achiles Gonçalves Ferraz, da Secretaria de Justiça e Segurança Pública; Ício Brasil, da Secretaria de Justiça e Segurança Pública  do Rio Grande do Sul; Francisco Dagmar, da Secretaria de Justiça do Rio Grande do Norte; delegado Hélio Luz, chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, aqui representando o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro; Ademar Oliveira, da Secretaria de Segurança Pública do Amapá; Perly Cipriano, que está aqui na mesa, secretário de Justiça do Espírito Santo; Erli dos Anjos, também da Secretaria de Justiça do Espírito Santo; Mário Pedro, da Secretaria de Fiscalização do Trabalho; Carlos Eduardo, da Secretaria de Segurança e Cidadania; Ana Maria Macedo, da Secretaria de Justiça e Cidadania do Paraná; e Adão Rosa, secretário de Segurança Pública do Espírito Santo.

                        Passamos a palavra ao Oscar Gatica, aqui representando a Conferência de Direitos Humanos do Estado da Paraíba.

 

                        O SR. OSCAR GATICA - Sr. Presidente da Mesa, demais membros, Sras. e Srs., a Conferência Estadual do Estado da Paraíba,  realizada dia 9 de maio do corrente ano, no Centro de Ensino da Escola da Polícia Militar da Paraíba, com a participação de onze órgãos públicos e vinte e três entidades da sociedade civil,  foi promovida pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão e pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba.

                        Em primeiro lugar, considero o Programa Nacional de Direitos Humanos, a principal iniciativa do Governo Federal com relação à temática — em todos os tempos não se tem conhecimento de uma iniciativa igual na história brasileira — e o compromisso desta Conferência é com a implantação, o monitoramento e  tudo o mais  que for necessário para que este Programa Nacional de Direitos Humanos se transforme em  realidade  no  Brasil.

                        Observem que, como foi manifestado nas  conferências estaduais, há um desconhecimento geral por parte dos órgãos públicos e também das entidades da sociedade civil com relação ao Programa. Há necessidade de divulgá-lo mais, bem como os seus  compromissos; e a responsabilidade monitorá-lo é da sociedade civil.

                        Também entende a Conferência da Paraíba que o Programa só se transformará numa realidade se a sociedade civil  participar da sua implantação e de todos os órgãos de execução, sobretudo no âmbito estadual e municipal.

                        Não vamos aqui abordar todas as avaliações, porque o tempo não permitiria, mas afirmamos que o mais importante, em nosso ponto de vista,  é a ausência de mecanismos de monitoramento e de implantação do Programa, assim como a questão do compromisso dos estados e  municípios para com ele.

                        Nesse sentido, gostaríamos de apresentar uma proposta no sentido de  que o Governo Federal, o próprio presidente da República, convoque os governadores dos estados a um compromisso de adesão ao Programa, de forma a facilitar o diálogo com as entidades da sociedade civil.

                        Vamos apresentar e discutir as demais propostas no grupo.

                        Obrigado.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) -  Obrigado, Oscar. Passaremos a palavra, então, para Roseana Pereira, do Ceará.

 

                         A SRA. ROSEANA PEREIRA - Boa tarde. Já é uma da tarde e eu só tenho vontade de dizer que foi ótimo, porque temos  tão pouco tempo e já estamos atrasados na programação.

                         No Estado do Ceará realizamos a I Conferência Estadual no dia 8 de maio, no Seminário da Prainha, e como disse na ocasião o  nosso deputado, presidente da Comissão de Direitos Humanos, Mário Mamede, foi um momento ímpar para o estado. Foi um dos maiores acontecimentos de direitos humanos que já ocorreu no Ceará. Estavam presentes todos os segmentos da sociedade civil que dizem respeito à questão dos direitos humanos. Quero apenas lamentar a ausência do MST e da CPT. Na parte dos órgãos públicos também todos estiveram presentes. Quem não esteve presente mandou representação. Foi um momento muito produtivo com os grupos específicos de trabalho — crianças, mulheres, negros, índios, homossexuais, sistema penitenciário, questão da terra, justiça e segurança, portadores de deficiência —, todos eles muito ricos em propostas muito voltadas para o estado, para o município, o que nos levou a pensar em dar continuidade a essa Conferência para a confecção do Programa Estadual de Direitos Humanos. Saiu essa proposta e nós vamos caminhar para isso.

                        Em segundo lugar, queria também dizer que tendo em vista o desconhecimento do Programa Nacional dos Direitos Humanos, identificado na Conferência (um problema que já vínhamos sentindo), a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa do Ceará fez imprimir uma edição de bolso do Programa, para que todo cidadão tenha acesso a ele no seu bolso, na sua camisa. E ele vai ser distribuído agora em todas as comunidades, grupos organizados, setores públicos do estado, para democratizar essas informações e as propostas que ali estão.

                        Não constatamos também qualquer forma de implementação do Programa e de monitoramento, nem no estado, nem em âmbito nacional. Nós também sentimos esta falta e é muito complicado fazer uma avaliação do Programa quando não há, não foi estabelecido e não funcionam as formas de implementação e monitoramento. Outra coisa que gostaríamos de abordar:  é preciso, nas propostas, reforçar os capítulos referentes à conscientização e mobilização pelos direitos humanos que estão no Programa Nacional, o que seria uma forma, não só de divulgá-lo como também  de enfrentar  a visão preconceituosa que a maioria do pessoal das periferias, das favelas e  do interior tem em relação aos direitos.

                        Por fim, a Conferência aconteceu  num momento extremamente complicado, num momento conjuntural específico do Estado do Ceará, configurado pelas denúncias sobre violência policial e corrupção, e nós nos deparamos com o encerramento das investigações da Comissão Especial que tinha sido constituída no Estado do Ceará para apurar tais denúncias.

                        No dia da Conferência, o governador dava os trabalhos da Comissão por encerrados, satisfeito com as investigações. Mas nós não, porque mais denúncias estão chegando, denúncias feitas inclusive durante a Conferência, que manifestou em moção o nosso repúdio pelo encerramento da Comissão, uma vez que os fatos não foram devidamente investigados. Outra questão   é que no Estado do Ceará começa a ser implementado o Programa Nacional dos Direitos Humanos, em vista de uma forte pressão  das entidades da sociedade civil.

                        Tendo em vista o grande número  denúncias de violência e corrupção, o governador enviou uma mensagem à Assembléia Legislativa instituindo cinco pontos do Programa Nacional do Direitos Humanos, entre eles o Conselho Estadual de Direitos Humanos. Isso para nós foi um avanço. Mas, ao mesmo tempo, temos uma crítica: esta  providência aconteceu em face de  um problema sério de violação de direitos humanos. As denúncias ocorreram agora, quer dizer, o Governador não tinha tomado pé dessas coisas, não tinha ainda se dado conta de que existia um Programa Nacional de Direitos Humanos. Só diante das denúncias e pressionado pela sociedade, ele fez isso. Pela apresentação do deputado Nilmário Miranda, notamos que todas as medidas que foram implementadas, as poucas, sempre aconteceram após  um massacre. É preciso que morra gente, é preciso que aconteçam graves violações para que  o Programa  seja implementado.

                        Isto é um absurdo. E lá no Estado do Ceará foi preciso haver denúncia, aquele negócio todinho estampado, para que o governador tomasse providências.

                        Por último, queríamos expressar nossa indignação. Foi criada a Ouvidoria-Geral do Estado do Ceará, contudo, o Ouvidor é uma escolha direta do governador e, ao mesmo tempo, a Presidência do Conselho Estadual dos Direitos Humanos está vinculada a ele. Para nós, isso é um retrocesso na luta pelos direitos humanos.

                        As propostas detalhadas da Conferência já estão aqui; o relatório nós vamos reproduzir para servir de subsídio aos grupos.

                        Muito obrigada. /span>

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Muito obrigado, Roseana. Antes de passar a palavra ao deputado João Leite, de Minas Gerais, quero registrar as presenças da deputada estadual Fátima Bezerra, do PT do Rio Grande do Norte, e da Sra. Helena Greco, do Movimento Tortura Nunca Mais, de Minas Gerais, que parabeniza a todos os participantes da 2ª Conferência.

                        Deputado João Leite, de Minas Gerais.

 

                        O SR DEPUTADO JOÃO LEITE - Boa tarde,  trouxemos a esta Conferência o relatório (que está à disposição em uma das mesas aí fora) do Ciclo de Debates que fizemos  para avaliação do Programa Nacional de Direitos Humanos.

                        Para nós foi uma alegria ter um programa para ser avaliado, mas todos que participaram puderam localizar como grande problema a desarticulação do Governo Federal em relação aos governos estaduais, que desconhecem totalmente o Programa, como é o caso de Minas Gerais; o que é um sério problema, já que várias ações previstas no Programa, e a sua implementação, dependem de cada estado.

                        Mas eu queria abordar três pontos que foram muito importantes para os participantes (o restante está no relatório). A autonomia da perícia oficial e das corregedorias de polícia foi um ponto colocado como fundamental. Fortalecimento, reconhecimento e descentralização dos conselhos de direitos de todas as áreas — mulher, criança, adolescente — com autonomia financeira, administrativa, bem como incentivo para a sua criação nos locais onde inexistem.

                        Aprovação urgente de um novo estatuto para os povos indígenas. Temos oito mil indígenas em Minas Gerais, muitas nações, e por meio da revisão e atualização da Lei n.º 6.001, de 1973,  poderiam ser retirados  do seu texto os vícios do período ditatorial, durante o qual se originou.

                        Contamos especialmente com a participação efetiva e atuante das entidades. Em setembro nós teremos em Minas Gerais o Seminário Estadual de Direitos Humanos, no qual queremos tirar bases para o Programa Estadual de Direitos Humanos, e o que nos traz grande esperança é a participação intensa das entidades de Minas Gerais.

                        Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Obrigado, deputado João Leite, passaremos imediatamente para Irene Maria dos Santos,  representando a Conferência de Goiás.

 

                        A SRA. IRENE MARIA DOS SANTOS - Eu não vou dizer boa tarde, porque eu ainda não almocei. É bom dia a todos os presentes e aos companheiros da Mesa.

                        Realizamos a nossa primeira Conferência Estadual dos Direitos Humanos no Estado de Goiás nos dias 19 e 20 de dezembro de 1996. Em relação à avaliação do Programa Nacional dos Direitos Humanos não vou falar, porque é o mesmo de todos os estados. E eu gostaria de deixar registrada a dificuldade que tivemos em realizar a 1ª Conferência no Estado de Goiás.

                        Primeiro, por um grande desconhecimento do conteúdo do Programa, não só por parte dos órgãos públicos, mas também dos movimentos e entidades.  Então passamos por todas as dificuldades que já foram referidas pelos representantes de outros estados, mas conseguimos fazer a Conferência, cujo saldo foi muito positivo.

                        Avaliamos, após a Conferência, que ela foi um marco fundamental na promoção dos direitos humanos no Estado de Goiás. Sentimos, durante a sua  realização, que, quase completando cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos -  mesmo com esse Programa de Direitos Humanos tão falado mas tão desconhecido, criado pelo FHC -  o anseio e a angústia do povo brasileiro, do povo da América Latina apontam ainda para a busca de soluções das questões sociais econômicas e políticas. E, quando terminamos a nossa Conferência, tiramos uma plenária permanente composta por três entidades, com a responsabilidade de encaminhar a discussão de direitos humanos no estado e na região. Estamos tentando, mas não está sendo fácil encaminhar isso. Já marcamos para conversar com o governo, porque o objetivo principal da nossa Conferência é pressionar o governo de Goiás para que efetive o Programa Nacional no âmbito do estado. Fizemos não um relatório, mas um documento que está aqui no stand do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, e que  será distribuído entre os participantes. Temos a esperança de que esse documento seja um instrumento capaz de dar os primeiros passos significativos na promoção dos direitos humanos.

                        E neste momento eu gostaria de ressaltar a participação e contribuição   do Ministério Público e da Polícia Militar de Goiás.

                        Obrigada.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Passamos o microfone ao deputado Nelson Pelegrino, que representa a Conferência da Bahia. Antes, registro a presença de Romeu Fortes, deputado estadual e membro da Comissão de Defesa e Cidadania, da Assembléia Legislativa de Pernambuco; vereador Nílson Peixoto, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Recife; vereador Valdemar Borges, da Câmara Municipal de Recife, também presidente da Comissão de Direitos Humanos; deputado Cláudio Vereza, da Assembléia Legislativa do Espírito Santo; Fragato, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Espírito Santo;  deputada Maria Cecília Tafareli, da Assembléia Legislativa de São Paulo, aqui representando o presidente daquela Assembléia; deputado João Henrique Blass, da Assembléia Legislativa de Santa Catarina; deputado Carlito Mers, da Assembléia Legislativa de Santa Catarina; Fátima Carvalho, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Ceará; deputado Renato Simões, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, e  deputada Maria Carmem Fidalgo, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia; deputado Nílton Lopes Nascimento, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Maranhão. Também gostaria de registrar a presença de Erenilton Brito Silva, da Força Sindical, de João Carlos, advogado do Espírito Santo; e de Maria Emília Ferreira, do Departamento de Saúde do Estado de São Paulo.

                        Passamos então a palavra para Nelson Pelegrino.

 

                        O SR. DEPUTADO NELSON PELEGRINO- A Conferência Estadual de Direitos Humanos da Bahia foi organizada pelo Fórum Estadual de Direitos Humanos e teve como temário a questão da violência racial. A Conferência produziu a Carta da Bahia, resolução que eu passo a ler:

                        Com a participação de 65 entidades da sociedade civil, a 1ª Conferência Estadual de Direitos Humanos da Bahia analisou o processo de implantação na Bahia do Programa Nacional de Direitos Humanos. Verificamos que não houve avanços significativos a esse respeito e denunciamos a falta de empenho dos Governo Federal e Estadual para a implementação do referido Programa, tendo se agravado a situação da violência oficial contra a maioria da população baiana.

                        Seguem-se os considerandos da Carta:

                        Considerando que a violência racial no Brasil, e em especial na Bahia, tem exterminado negros e índios com o apoio do Estado; considerando a importância de políticas públicas para a efetivação dos direitos humanos como prioridade nacional; considerando que o Programa Nacional de Direitos Humanos excluiu uma série de reivindicações apresentadas por entidades não-governamentais e da sociedade civil; considerando o princípio fundamental da indivisibilidade e universalidade histórica dos direitos humanos e que o Programa excluiu de suas metas os objetivos sócio-econômicos, avaliamos que o Programa ficou parcial neste sentido.

                        A Conferência Estadual de Direitos Humanos reafirma todos os pontos que achamos importantes no Programa, os gerais e os específicos. Pinçamos alguns que  consideramos centrais, abrangentes e gerais, e que por esses motivos devam ser objeto inclusive de uma centralidade da luta para a efetivação de medidas que estão no Programa Nacional de Direitos Humanos. Essa  é uma meta específica. No caso da Bahia, há uma Comissão Parlamentar de Inquérito que tramita na Assembléia para apurar a ação de grupos de extermínio. Já foi criada, mas até hoje não foi instalada, pois a maioria parlamentar não nomeia os seus membros, impedindo dessa forma que a Comissão se instale. O problema de grupos de extermínio na Bahia é muito sério.

                        Apontamos como necessidade:

                        Que seja criado em cada estado um programa de defesa dos direitos humanos adequado à realidade local, e que seja realizada uma conferência para elaborar um programa estadual de direitos humanos na Bahia, assim como em outros estados. Achamos que isso é importante também.

                        Que seja estimulada a organização dos diversos segmentos da sociedade civil para fiscalizar, monitorar e cobrar a implementação do Programa Nacional dos Direitos Humanos. É importante também  identificar essa Comissão que amanhã se reúne, um ano depois que o Programa foi instituído, inclusive com a participação da sociedade civil, para monitorar o acompanhamento do programa.

                        Que o Brasil seja integrado à Corte Interamericana dos Direitos Humanos, que seja estabelecido o cadastro federal de inadimplentes, proposta que está no Programa Nacional dos Diretos Humanos, organizando a relação de estados e municípios que não cumprem obrigações mínimas de proteção e promoção dos direitos humanos. Achamos que essa importante medida deve ser viabilizada a curto prazo.

                        Que seja atribuída à Justiça Federal competência para julgar os crimes praticados em detrimento ou de interesse dos direitos humanos, colocar sob a responsabilidade  dos órgãos federais de proteção dos direitos humanos, as causas civis ou criminais que sejam de competência do referido órgão ou da Procuradoria Geral da República. Trata-se da  questão da federalização dos crimes contra os direitos humanos, que, sem dúvida,  é uma medida fundamental.

                        Que as polícias sejam unificadas e desmilitarizadas, com a revisão profunda de toda a cultura organizacional das instituições policiais e a extinção dos tribunais militares. Achamos que esta  foi uma omissão do Programa Nacional de Direitos Humanos, e que deve ser uma sugestão dessa Conferência, a sua  incorporação ao Programa Nacional de Direitos Humanos: a desmilitarização, unificação e reestruturação de todas as polícias do Brasil.

                        Que seja proposto o afastamento de suas atividades dos policiais acusados de violência contra  cidadãos, com imediata instauração de inquérito para a execução de processo criminal. Esta é uma providência que está proposta no Programa Nacional de Direitos Humanos, que consideramos relevante e que tem sido sugerida por nós de forma reiterada ao Comando da Polícia Militar da Bahia.

                        Que seja regulamentado, para  aplicação de fato, o art.129, inciso VII, da Constituição Federal, que trata do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público; outra providência que nós achamos muito importante. Em alguns Estados, o Ministério Público tem declarado que ainda não há regulamentação. Nós sabemos que em Minas e São Paulo já há regulamentação e estamos até trabalhando nesse sentido também na Bahia. Nós achamos que é fundamental sua aplicação a curto prazo.

                        Que seja apoiada a instalação de programas estaduais de proteção às vítimas e testemunhas, dando segurança à vida. Outra coisa importante também é o Pró-Vida, que tem que ser ampliado e implantado nos estados.

                        Reformulação do Conselho de Defesa da Pessoa Humana, ampliando a participação de representantes da sociedade civil; essa é outra providência que está no Programa e até hoje não foi efetivada.

                        Achamos também importantes a revisão da legislação sobre desacato à autoridade; o controle externo do Judiciário; a definição de medidas que venham combater a discriminação racial e  a desvinculação dos institutos médicos legais das secretarias de segurança pública;  bem como a realização de  uma conferência nacional de direitos humanos para estudar, reexaminar e reelaborar o Programa Nacional de Direitos Humanos.

                        Por fim, a Carta diz que a Conferência objetivou avaliar e apresentar sugestões ao Fórum Estadual de Direitos Humanos da Bahia e ao Programa Nacional de Direitos Humanos, e que se fazem necessárias a discussão e a implementação de medidas em defesa desses direitos, através da elaboração de um amplo plano de metas específicas para a Bahia. Ou seja, a Carta da Bahia apontou para a perspectiva de realizarmos, no segundo semestre, uma conferência estadual de direitos humanos para começarmos a reelaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos.

                        Além disso, dedicamos a Conferência ao índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, reivindicando que fosse instituída uma pensão para sua família durante cem anos; recriminamos a violência policial que tem havido na Bahia  e a repressão contra os demitidos da Prefeitura e a agressão sofrida por um dos integrantes do Fórum dos Direitos Humanos, Leo Ornelas. Foi também apresentada uma moção em repúdio à desativação da Residência Feminina.

                        A Carta da Bahia, resultado da nossa Conferência, será entregue à Coordenação dessa 2ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. Muito obrigado.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Obrigado, deputado Nelson Pelegrino.

                        Com a palavra o Sr. Jayme Benvenuto, que representa a Conferência Estadual de Pernambuco.

                        O SR. JAYME BENVENUTO - Boa tarde. Eu falarei muito brevemente sobre os resultados da Conferência Estadual, porque muitos pontos estão em comum com o que já foi apresentado.

                        A Conferência de Pernambuco ocorreu nos dias 29 e 30 de abril, no auditório da Assembléia Legislativa do Estado, e contou com cerca de cem participantes. Foi uma promoção conjunta do Movimento Nacional de Direitos Humanos, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, da Rede Estadual de Direitos Humanos e do Conselho Municipal de Direitos Humanos do Recife.

                        A Conferência procurou priorizar três temas, de modo a não se perder na discussão de todo o Programa Nacional de Direitos Humanos. Esses três temas priorizados foram considerados os mais importantes para a realidade do Estado de Pernambuco: a questão dos direitos econômicos, sociais e culturais, com especialização na área da reforma agrária;  o direito  à justiça e à segurança; e o direito da criança e do adolescente.

                        Não entrarei propriamente nas propostas relativas a estas questões porque elas constam de um relatório cuja cópia vai ser distribuída e porque, por ocasião do debate dos temas específicos, os nossos representantes irão apresentá-las nos grupos de trabalho.

                        Abordarei então algumas questões bem gerais, relacionadas à aplicação e à implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos no Estado de Pernambuco. Em primeiro lugar, há a constatação — comum a quase todos os estados — de que nós não realizamos e elaboramos o Programa Estadual de Direitos Humanos,  no sentido de priorizar algumas questões para o estado, relacionadas à questão geral do Programa Nacional.  Temos  também a proposta da  elaboração de um mapa da violência rural e urbana, até como elemento para a construção do Programa Estadual de Direitos Humanos. Essas duas conclusões constituem perspectivas de trabalho de uma comissão que foi criada.

                        Talvez o principal resultado da Conferência seja a criação, no estado, de uma instância de monitoramento do Programa. Essa instância ainda não tem nome mas provavelmente se chamará Fórum Estadual de  Direitos Humanos e será composta de representantes de órgãos estaduais —  de  todas as Secretarias (em especial Justiça e Segurança), da Polícia Militar, de todos os Poderes — e de representantes da sociedade civil, de entidades da sociedade civil, como o MST, o Movimento Nacional de Direitos Humanos, a CUT, a Rede Estadual de Direitos Humanos, a OAB, entre outras. Essa instância terá justamente o objetivo de fazer com que o Programa tenha existência prática no estado, no prazo mais curto possível.

                        Como resultado geral, foi proposta a instalação do Conselho Estadual de Defesa Social, que tem a competência de tratar das questões relacionadas aos direitos humanos no estado. Embora tal Conselho esteja na Constituição desde 1989, não existe na prática. Para avançar na sua implementação, sabemos que o Governo do Estado tem realizado reuniões.

                        Em termos gerais, é isso o que tenho a destacar.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Obrigado, Jayme.

                        Faltam apenas dois Estados e, antes de passar a palavra ao Sr. Dermi Azevedo, de São Paulo, anuncio a presença de Antônio Maria Rocha, da Fundação Educacional do Distrito Federal; de João Bosco de Oliveira, da Associação Brasiliense de Peritos Criminais;  Ervino Schimidt, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil; Francisco Badenes, delegado de Polícia Civil do Espírito Santo; Francisco José Fitipaldi, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo; Sandro Torres Avelar, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal; Dyrceu Aguiar Dias Cintra, da Associação Brasileira  Juízes para a Democracia; Vanderlei Leal Chagas, da Associação Brasileira de Criminalística; e Maria Ivete Silva de Oliveira, da Consultoria Jurídica do Governo do Distrito Federal.

                        Com a palavra o penúltimo orador, Dermi Azevedo, que representa o Estado de São Paulo.

 

                        O SR. DERMI AZEVEDO - Companheiras e Companheiros, o nosso processo de avaliação do Programa Nacional de Direitos Humanos tem como base a elaboração do Programa Estadual de Direitos Humanos. Desde o ano passado estamos referenciando a elaboração do Programa Estadual com o Programa Nacional.

                        Esse Programa Estadual está sendo elaborado em regime de parceria. Há um comitê de acompanhamento formado pela Secretaria da Justiça, pelo Núcleo de Estudos de Violência da USP, pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Além disso, têm sido realizadas audiências públicas no interior, sendo que a última será realizada agora, na capital. Posteriormente essas audiências serão complementadas pela Conferência Estadual dos Direitos Humanos, concluindo com a elaboração do Programa Estadual de Direitos Humanos, que depois também será monitorado  em parceria.

                        Cópias do nosso documento estão sendo distribuídas, mas quero sinalizar apenas alguns aspectos do nosso relatório de avaliação do Programa Nacional de Direitos Humanos. Ele tem três partes. Na primeira  falamos da violação estrutural dos direitos humanos; na segunda, falamos dos avanços registrados nessa luta; e na terceira especificamos algumas questões que consideramos preocupantes e fazemos algumas propostas.

                         Na parte da violação estrutural dos direitos humanos, a premissa básica é a de que o aprofundamento do fosso existente entre os incluídos e os excluídos no modelo socioeconômico vigente no País é a nossa principal realidade de violação dos direitos humanos. Não há como negar que as políticas baseadas no ajuste estrutural trazem consigo, de um lado, a estabilidade econômica, mas, de outro, conseqüências funestas traduzidas no desemprego programado e na restrição aos bens mínimos necessários à dignidade humana.

                        Nós falamos, em várias partes deste documento, sobre a situação paradoxal dos direitos humanos no Brasil, analisando também a política de privatizações do Governo Federal à luz desses direitos. Os governantes alegam que o dinheiro obtido com as privatizações será utilizado em favor da saúde, da educação, da moradia e da segurança, mas, até prova em  contrário, não é isso o que se constata, uma vez que verificamos um agravamento do déficit em cada uma dessas áreas.

                        Ao mesmo tempo, assinalamos a responsabilidade dos Poderes Legislativo e Judiciário; falamos do latifúndio, da comunicação e da informação; da relação entre mídia e direitos humanos; e do aumento da cultura da violência, traduzida no individualismo, no consumismo e na falta de solidariedade.

                        Também falamos no preconceito e na discriminação, que continuam sendo praticados em larga escala, exemplificados pelo assassinato do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos e pela queima de mendigos nas grandes cidades, indicando um vazio de valores que atinge, de modo particular, a juventude brasileira.

                        Falamos da questão carcerária; da não realização da reforma agrária; e da questão indígena, sobretudo num momento em que começam as comemorações dos 500 anos do "Descobrimento do Brasil".          

                        A seguir, registramos um aspecto muito especial sobre a reforma agrária: para nós, sem reforma agrária não se pode legitimamente falar de efetivação dos direitos humanos no Brasil, e dizemos enfaticamente que os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária não podem ser tratados como caso de polícia. Pelo contrário, suas reivindicações devem ser atendidas em caráter urgente e prioritário, e as vozes roucas de seus participantes devem ser ouvidas prioritariamente, muito mais do que as vozes do discurso único dos megaempresários que se articulam para comprar nossas estatais.

                        No que se refere aos avanços, assinalamos o compromisso público das autoridades com os direitos humanos, a começar pelo Presidente da República; a elaboração desse Programa e dos programas estaduais; a criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos; e a ampliação dos espaços públicos de direitos humanos — conselhos, comissões e comitês.

                        Também assinalamos algumas questões muito específicas que não foram tratadas, como a possibilidade de retomada da corrida armamentista e da compra de novos equipamentos de tortura. Como denunciou recentemente o Le Monde, há uma ofensiva no sentido de se vender tais equipamentos aos países do chamado Terceiro Mundo.

                        Por fim, propomos que o Programa seja, cada vez mais, tratado em parceria, que se elaborem os programas estaduais, que tentemos ganhar um espaço permanente na mídia e principalmente removamos o entulho autoritário ainda existente nas estruturas das polícias.

                        Para terminar, gostaríamos também de registrar uma homenagem a uma grande companheira que deixou esta vida recentemente, Dª Helena Pereira, do Grupo Tortura, Nunca Mais. Muito obrigado.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Obrigado, Dermi Azevedo.

                        Esta Conferência tem também como um de seus principais objetivos estimular a adequação do Programa Nacional de Direitos Humanos aos estados, dada a sua autonomia constitucional e legal e a sua proximidade com o cidadão. Daqui a pouco começaremos a discutir o Programa Nacional  de Direitos Humanos no município, na comunidade, no bairro, onde estão  a polícia, a igreja, a sociedade civil, as ONGs, os sindicatos, as associações  de moradores e o próprio Estado, que, pelo menos constitucionalmente, é a principal fonte de proteção e promoção dos direitos humanos.

                        Agradecemos e recebemos essas contribuições com carinho, esperando  que todos os estados brasileiros se esforcem para avançar suas estruturas de defesa e promoção dos direitos humanos, de forma que, na entrada do terceiro  milênio possamos ver a omissão, a conivência do Estado e as violações de direitos humanos como algo pertencente ao passado.

                        Antes de encerrar esta primeira fase dos trabalhos que, na nossa avaliação, cumpriu seus objetivos  (de dar conhecimento a todos sobre as propostas de luta nos estados),  reafirmo a importância da participação de todos nós nos grupos temáticos, que vão se reunir hoje à tarde.

                        Agradecendo a presença de todos, especialmente dos representantes das nações indígenas,  encerramos esta primeira parte, convocando todos os participantes para os grupos temáticos, às 14:30h, no Anexo II. Em cada sala há uma indicação dos grupos de trabalho. Outras informações serão dadas nos respectivos grupos de trabalho, e lembramos que amanhã retornaremos às 9 horas em ponto neste plenário.

                        Muito obrigado.

 

Sessão do dia 13 de abril de 1997

2º dia da Conferência

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Bom dia a todos. É com satisfação que reabrimos os trabalhos da 2ª Conferência Nacional de Direitos Humanos.

                        Hoje, segundo e último dia de trabalho, começaremos com a exposição do Programa Nacional de Direitos Humanos, pelo secretário Nacional de Direitos Humanos, Dr. José Gregori, a quem convidamos para integrar a Mesa.

                        Após a exposição do Dr. José Gregori, os relatores dos doze grupos temáticos farão uma apresentação sucinta das discussões que realizaram ontem. São doze grupos. Pedimos a atenção de todos relatores. Esses relatos vão subsidiar e documentar os debates do final da manhã e do período da tarde.

                        Fizemos reproduzir integralmente os relatórios dos grupos temáticos. Esses relatórios estão consolidados em um só documento, que está à disposição de todos no saguão de entrada do Auditório Nereu Ramos.

                        Quero agradecer, em nome de todos os participantes da 2ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, a colaboração aos relatores e coordenadores dos doze grupos, que ontem se desdobraram até mais tarde para que pudéssemos ter o registro das discussões ainda hoje.

                        Retomando a dinâmica desta 2ª Conferência, depois da apresentação dos relatórios dos grupos, passaremos aos debates. Faremos uma pequena interrupção para o almoço e voltaremos às 14h30min, para prosseguir com os debates e encaminhamentos finais. Nosso propósito é encerrar este evento às 17h, com a votação de moções.

                        Solicito a atenção de todos os conferencistas para outro aviso. Depois do almoço, logo após a retomada dos trabalhos, haverá o lançamento neste plenário do livro "Direitos humanos e violência: o que fazer?", trabalho realizado pela Secretaria de Justiça e Cidadania do Governo do Espírito Santo. Depois de falar sobre o livro, o secretário Perly Cipriano ficará à disposição para autografá-lo no saguão de entrada deste auditório.

                        Haverá também o lançamento do relatório do Tribunal Internacional contra os massacres de Eldorado dos Carajás, evento realizado em novembro do ano passado pela Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo deputado Hélio Bicudo.

                        Outro lançamento será o do Relatório de Atividades da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, referente aos trabalhos realizados entre fevereiro de 1996 e janeiro deste ano, período de gestão do deputado Hélio Bicudo.

                        Também será lançado o vídeo "Retratação Política em Toritama, Pernambuco", uma produção da CENARTE e do Grupo Tortura Nunca Mais, de Pernambuco, que contou com apoio do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Natal.

                        Os livros e o vídeo que estão sendo lançados nesta Conferência estarão à disposição dos interessados no saguão de entrada do auditório, a partir das 14h.

                        Passamos agora a compor a Mesa. Convidamos para tomar assento à Mesa o Dr. Paulo Sérgio Pinheiro; o deputado Mário Mamede, presidente da Comissão de Direitos Humanos do Ceará; o Prof. Rubens Pinto Lira, presidente do Conselho de Direitos Humanos da Paraíba; o Dr. Marcus Vinícius Pinto, da Divisão de Direitos Humanos do Itamaraty; o Dr. Paulo Mesquita Neto, relator do Programa Nacional de Direitos Humanos; o Dr. Roberto Franca, secretário de Justiça do Estado de Pernambuco; a Dra. Marilda Helena dos Santos, representando o procurador-geral de Justiça de Goiás e todos os membros do Ministério Público do Brasil; a Dra. Ana Maria, do Conselho de Direitos Humanos do Paraná; o Dr. Humberto Espíndola, do Conselho de Defesa da Pessoa Humana do Ministério da Justiça; a deputada Dalila Figueiredo, da Comissão de Direitos Humanos; e os caciques Daniel e Aniceto, representando aqui as nações indígenas.

                        Hoje, dia 13 de maio, convidamos Marlene dos Santos Pessoa, da Fundação Cultural Palmares, representando a luta do povo negro pela libertação.

                        Convidamos também o deputado João Leite, presidente da Comissão de Direitos Humanos de Minas Gerais.

                        Gostaríamos de comunicar a este plenário que a coordenação desta Conferência acertou  com os coordenadores do Grito da Terra (que está sendo realizado com mais de mil participantes no Auditório Petrônio Portela do Senado, os quais estarão aqui conosco entre 16 e 17 h),  para o final desta Conferência, a realização de uma manifestação clamando por justiça na Praça dos Três Poderes, em frente ao Supremo Tribunal Federal, às 17h.

                        A partir das 12h estarão no balcão de entrada os certificados de participação na Conferência. Quem não registrou o nome poderá fazê-lo, pois vamos distribuir certificados de participação.

                        Vamos ouvir agora o Dr. José Gregori. Depois teremos a apresentação dos relatórios, com cinco minutos para cada grupo (peço que façam uma síntese). Depois abriremos os debates, que continuarão após o almoço. Logo após a apresentação dos  doze relatórios, teremos a palavra franqueada. Comunico ao plenário também que recebi convite e comparecerei, ao meio-dia, a uma audiência com o Sr. presidente da República.

                        Com a palavra o Dr. José Gregori.

  

                        O SR. JOSÉ GREGORI - Companheiros de Mesa, presidente da 2ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, deputado Pedro Wilson, minhas amigas e meus amigos, estou aqui, na qualidade de secretário Nacional de Direitos Humanos, não para uma comemoração, porque acho que é muito cedo para falar em comemoração, mas para uma reafirmação de propósitos no que toca ao empenho, à vontade política, à decisão do Governo Federal em relação aos direitos humanos.

                        Pela primeira vez na história da República, um governo federal se dispôs a assumir o imenso compromisso de executar uma política pública de direitos humanos. É claro que outros governos se interessaram pelos direitos humanos, mas sempre em atitudes pontuais, nunca na forma que o governo atual fez, como uma das opções de governo, como seria a opção pela saúde, pela educação, pelo comércio exterior, pelo saneamento; agora, entre essas tradicionais opções de políticas públicas se encontram os direitos humanos. Portanto, operou-se uma mudança de status dos direitos humanos, que ganharam esse patamar de política pública, sob a responsabilidade do Governo Federal.

                        Esta opção se materializou em primeiro lugar no enfrentamento de questão espinhosa, difícil, que vários governos tentaram, mas não lograram resolver a bom termo. O atual governo resolveu enfrentar esse problema não só por uma questão de princípio, de responsabilidade, mas também como uma demonstração de que, em matéria de direitos humanos, não estava posando nem fazendo jogo de cena para platéias desavisadas. Realmente, pelo tipo de dificuldade desse problema, queria significar também o seu empenho e a sua decisão relativamente aos direitos humanos. Refiro-me ao enfrentamento da questão dos desaparecidos políticos deste País.

                        Em segundo lugar, pela elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos, dando cumprimento a compromisso internacional assumido pelo Brasil em 1993, na Conferência Mundial pelos Direitos Humanos, em Viena. O Brasil foi o segundo país, depois da Austrália, a elaborar o seu Programa Nacional de Direitos Humanos. Finalmente, há cerca de vinte dias, foi criada a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

                        Portanto, estou aqui para dizer que estamos no rumo do compromisso com os direitos humanos. Neste sentido, embora seja cedo para balanços, para comemorações, para análises definitivas, sem dúvida nenhuma acho que há argumentos, fatos, medidas, propósitos que demonstram que este rumo não é mera retórica, mas é um rumo fático.

                        Em matéria de direitos humanos, costumo dizer que aquele que acredita neles e que aposta o melhor da sua vida na concretização dos direitos humanos não pode ter uma visão de prazo curto, mas sempre uma visão de prazo médio. Porque quase tudo em matéria de direitos humanos depende de um processo.

                        Não há possibilidade de assinalar pela pedra fundamental nenhum avanço dos direitos humanos com data de conclusão para o corte da fita inaugural. Isso é possível na construção de um túnel, de uma estrada, de um viaduto; não é possível em matéria de direitos humanos. Os avanços em direitos humanos dependem da dimensão de comportamento, da dimensão de cultura, enfim, da visão ética das pessoas. E esse tipo de influência nesse campo não é fácil. Depende, como disse, de um processo.

                        O importante é saber se há rumo e se há disposição para seguir esse rumo. E eu posso garantir aos senhores, com inteira honestidade, que há essa vontade política, há esse rumo e há disposição de prosseguir decididamente no sentido de fazer avançar os direitos humanos, sobretudo neste País tão carente.

                        Infelizmente — e temos de ter a coragem de reconhecer — o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. As estatísticas a respeito da violência, de crimes e de desrespeito aos direitos humanos estão começando a ser feitas, porque, há muito pouco tempo, a universidade abriu os seus olhos para esses problemas; há muito pouco tempo, a Ciência abriu os seus olhos para esse tema. Apesar da fragilidade dessas estatísticas, desses dados, não hesitamos em afirmar e repetir que, infelizmente, o Brasil é um dos países mais violentos do mundo.

                        Se medirmos essa violência pelo número de assassinatos, são 100 mil pessoas por ano. As estatísticas do Banco Interamericano de Desenvolvimento, apresentadas num congresso em fevereiro, no Rio de Janeiro, mostram que o Brasil se situaria — medindo-se  a violência pelo número de assassinatos de 100 mil pessoas em um ano — em terceiro lugar, só perdendo essa marca perversa para a Colômbia e El Salvador. Portanto, por mais que se faça, governo e sociedade civil, fazemos pouco em relação às necessidades brasileiras.

                        Mas o importante é saber, como eu disse, se estamos no rumo, se as coisas estão começando a ser diferentes do que sempre foram. E acho que uma análise isenta e construtiva, uma análise de boa fé concluirá que a situação começa a mudar, a ser diferente.

                        E eu quero dizer — não para agradar essa platéia, pois já estou numa idade e tenho uma modesta biografia que me dispensa de oferecer ou receber gentilezas — que o primeiro sinal de que estamos avançando é a realização de uma conferência como esta. Isso seria impensável num Brasil que eu conheci, vivenciei. Uma conferência como esta é possível e, sem dúvida alguma, independentemente de que aqui se tenham feito críticas ou se tenham feito elogios. Não importa, a verdade é que a realização desta Conferência, acostada na análise do Programa Nacional de Direitos Humanos, dando continuidade à conferência que se fez no ano passado para discutir esse programa, ainda embrião, sem dúvida nenhuma, pela honestidade e pela qualidade da participação, sem nenhuma ajuda governamental — quem veio aqui foi por convicção, foi por compromisso —, é muito importante e é um dado concreto de que estamos caminhando, de que estamos avançando.

                        Nesse sentido, quero dizer que o Governo, por intermédio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, receberá com todo o empenho as conclusões desses trabalhos, para analisá-las e incorporá-las naquilo que elas se coadunarem com as linhas do Programa Nacional de Direitos Humanos, na atividade diária da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

                        Mesmo antes de recebê-las, queria anunciar publicamente que uma das reivindicações desta Conferência será atendida. Ou seja, de que haja um representante da Conferência no corpo, ou no conselho, ou na comissão de acompanhamento dos direitos humanos, que se reunirá hoje à tarde no Ministério da Justiça,  integrada por pessoas de grande tradição no campo dos direitos humanos — bastaria citar que o secretário desta comissão de acompanhamento é o Prof. Paulo Sérgio Pinheiro. Gostaria de anunciar, então, que será reservado um lugar para aquele que for designado por este plenário.

                        Em segundo lugar, queria dizer que, em relação a outra reivindicação surgida nesta Conferência, de que houvesse não só o empenho da Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça em relação ao cumprimento, à execução do Programa Nacional de Direitos Humanos, mas de todo o corpo governamental, todos os departamentos que compõem o Governo Federal, logo mais, ao meio-dia, num ato singelíssimo, que vai marcar o primeiro ano do Programa Nacional de Direitos Humanos, no Palácio do Planalto, o Presidente da República tomará uma medida concreta nesse sentido, de empenho direto, constante e sistemático de todo o corpo governamental na execução do Programa Nacional de Direitos Humanos.

                        Portanto, acho que estamos dando mostras concretas de que não estamos no campo da retórica na questão dos direitos humanos. Temos plena consciência das dificuldades, do quanto são difíceis os avanços, do quanto se precisa ter uma visão dialética quando se trata de analisar as marchas e contramarchas, os avanços e, às vezes, até os recuos em matéria de direitos humanos; mas, na grande contabilidade, sem dúvida alguma, já se começa a  perceber neste País um interesse cada vez maior pelos direitos humanos.

                        Neste sentido, trago uma das minhas angústias, para socializá-la com cada uma das minhas amigas e dos meus amigos: imaginar meios e modos de se  conscientizar, cada vez mais, mais e mais gente em relação aos direitos humanos. Estou convencido de que ganharemos ou perderemos a batalha dos direitos humanos no Brasil na medida em que as grandes massas identificarem ou não, nos direitos humanos,  um dos instrumentos para combater, para diminuir a violência.

                        E acho que os direitos humanos só terão este poder, esta eficácia no combate à violência na medida em que mais e mais gente souber o que sejam os direitos humanos e passar a coordenar, a condicionar, a pautar, a afeiçoar, a conformar a sua vida diária, o seu cotidiano de acordo com  as linhas fundamentais dos direitos humanos.

                        É claro que é preciso uma Justiça que funcione, é preciso um ativo social que não deixe ninguém sem ter acesso aos bens da civilização. É claro que é preciso uma polícia moderna, que dê combate aos delinqüentes, sem desrespeitar os direitos humanos. É claro que é preciso um perfeito funcionamento institucional, mas é claro também que é preciso uma mudança de atitude das pessoas, umas com as outras, para se conseguir baixar os índices de violência.

                        Tenho dito a todos que não é difícil atingir aquela  meta , uma vez que temos uma bíblia dos direitos humanos, que expõe com toda a simplicidade, com clareza, com uma didática direta, no sentido de informar o que sejam os direitos humanos. Esse documento, que dá ao homem o direito de se dizer civilizado, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU. Portanto, não é difícil que cada pessoa saiba como condicionar o seu dia-a-dia aos ditames, às linhas gerais dos direitos humanos.

                        E lá está estabelecido, no primeiro artigo, que defende o direito humano de todos os seres humanos, que é o direito à vida. Cada um de nós, na vida em sociedade, deve manter  relacionamentos de  fraternidade, não de hostilidade. É inescapável que os direitos humanos precisam estar na lei, precisam estar nas conquistas sociais, econômicas; mas, se não estiverem dentro de cada um, não há avanço possível na "desviolência" que os direitos humanos podem proporcionar.

                        Neste sentido, é vital — e agora passo à  minha angústia — que nós imaginemos meios e modos de contagiar as pessoas, de imantar as pessoas, de trazer as pessoas para a crença que temos no valor e na importância dos direitos humanos; como criarmos uma cultura dos direitos humanos, como elaborarmos uma didática, uma pedagogia dos direitos humanos. É comovedor, por exemplo, saber que por esforço de um pequeno grupo do Ceará foi possível criar esse livrinho, atraente até na sua cor, no seu formato, do Programa Nacional de Direitos Humanos, sem nenhuma ajuda do Governo Federal.

                        E queria deixar para a criatividade de cada um dos meus companheiros e companheiras o que poderíamos fazer no sentido de criarmos um megaevento; que, num determinado dia, o Brasil inteiro parasse, por um momento que fosse, no sentido da prática, no sentido do testemunho dos direitos humanos.

                        Portanto, digo que nós estamos dispostos a isso. Não achamos ainda a fórmula, mas, como agimos em mutirão, num auditório, num plenário como este, digo que uma das prioridades seria  a de  realizarmos ainda este ano, no dia 10 de dezembro, quando  se comemora o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, algo  no sentido de que todos os brasileiros, sem nenhuma exceção, fossem tocados num determinado momento pela questão dos direitos humanos. Sei que esses avanços, que esses esforços que temos feito não contagiaram ainda aqueles a quem chamamos de povão.

                        Na semana passada, junto com Paulo Sérgio Pinheiro, tive ocasião de participar de um seminário em São Paulo, que trouxe, pela primeira vez, com disposição, uma das maiores organizações de comunicação do mundo. Pela primeira vez se jogou, por inteiro, a divulgação da reflexão sobre os direitos humanos. E durante três dias, no auditório do Parlatino, em São Paulo, só se falou em direitos humanos, enquanto as organizações, ou as televisões ligadas a essa organização, com freqüência davam notícias sobre os direitos humanos. E eu pedi à pessoa que me acompanha em São Paulo — um soldado da Polícia Rodoviária Federal, uma pessoa realmente diferenciada — que perguntasse aos  dezesseis seguranças, fardados ou não fardados, que estavam no Parlatino, se algum deles tinha ouvido falar da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, do Programa Nacional de Direitos Humanos ou, desculpem-me a modéstia, de José Gregori. Nenhum deles tinha qualquer  idéia a respeito  das três perguntas.

                        Portanto, nós temos essa atribuição fundamental: espalharmos esta nossa crença, divulgarmos a  mensagem que nós temos a respeito dos direitos humanos. E, neste sentido, seria extremamente gratificante que, das conclusões deste encontro, que  serão enviadas à  Secretaria Nacional dos Direitos Humanos. também pudesse surgir sugestões para o que poderia ser  um megaevento,  no sentido de um grande choque nacional em relação aos direitos humanos.

                        Tenho a dizer que, do ponto de vista concreto, nós vamos fazer distribuir — já entreguei os poucos exemplares que chegaram às minhas mãos, mas até o fim desta Conferência quase todos os participantes poderão recebê-los — um trabalho que elaboramos, uma espécie de balanço do primeiro ano de implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos.

                        Mas acho que o mais importante não está aqui; mais importante do que a lei da tortura, do que a lei que cria o crime de porte ilegal de arma, mais importante do que a recaptura dos assassinos de Chico Mendes, do que a condenação dos envolvidos em crimes com a repercussão dos da Candelária, de Vigário Geral (que foi possível, graças à proteção que demos a testemunhas), mais importante do que a criação do grupo da comunidade negra, mais importante do que os pontos concretos, que aqui estão arrolados, que foram possíveis graças ao nosso esforço comum - uma obra que não é do Governo, uma obra que é do Brasil - mais importante que tudo é aquilo que é difícil de ser assinalado e ser traduzido em letra escrita: este País readquiriu a capacidade de indignar-se. E isso, sem dúvida alguma, é a primeira medida para poder lavrar o terreno e semear a boa semente dos direitos humanos.

                        Portanto, deixo às minhas amigas e amigos os cumprimentos pela realização dessa 2ª Conferência, que, sem dúvida alguma, terá seguimento nos anos vindouros. Acho que os direitos humanos vieram para ficar e não serão obra de um governo, mas da própria sociedade permanente do Brasil.

                        Acho que é importante que fique clara,  com absoluta honestidade, a disposição do Governo Federal, a disposição da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos de continuar a sua luta com acentuada intensidade, para conseguirmos índices de maior respeito aos direitos humanos. É o nosso compromisso com a História, é o nosso compromisso com a humanidade, é o nosso compromisso com cada um de nós.

                         Muito obrigado.

 

                        O SR. PRESIDENTE (deputado Pedro Wilson) - Agradeço ao secretário Dr. José Gregori as suas palavras e a sua presença nesta Conferência. E gostaria, permita-me, quebrando um pouco o protocolo, de fazer um apelo a S.Sa. e ao governo no sentido de que, no prazo o mais rápido possível, pudessem ser convocados os Srs. governadores, para não só analisarmos o Plano Nacional, os resultados desta Conferência, como também o comprometimento dos governadores no sentido de que, na Federação como um todo — União e estados federados —, se possa cada vez mais implementar programas estaduais.

                        Faço um apelo a S.Sa. no sentido de que o Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos ou o Sr. presidente da República possam convidar os Srs. governadores para que não só leiam o Programa Nacional, mas também implementem os  programas estaduais  com a participação do poder público e das  entidades  da sociedade civil.

                        Agradecemos, mais uma vez, a presença ao Dr. José Gregori. Neste momento, S.Sa. terá que se retirar. Daqui a pouco, iniciaremos os relatórios. Também agradecemos a presença a todos os que participaram da Mesa dos trabalhos.

                        Gostaríamos de anunciar a presença da deputada estadual de São Paulo Maria Passarelli; do vereador Joaquim,  de Uberlândia; do vereador  Luiz Bassuna, de Salvador; do deputado federal Alcides Modesto; do vereador Daniel Antônio,  de Goiânia, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal; do deputado estadual Renato Simões, de São Paulo; do deputado federal Paulo Rocha, do Pará; do deputado federal Gilney Viana, de Mato Grosso; do deputado federal Luiz Alberto, da Bahia; do governador Vitor Buaiz, do Espírito Santo, que esteve presente mais uma vez; do deputado estadual Claudio Vereza, do Espírito Santo.

                        Convido o deputado Carlos Vereza, numa homenagem a toda a luta pelos direitos humanos, em favor dos portadores de deficiência, a tomar assento à Mesa.

                        Gostaria também de registrar a presença da deputada estadual Maria Del Carmen Fidalgo, da Bahia; da deputada estadual  Izane Monteiro, do Pará; da deputada federal Fátima Pelaes; da deputada federal Alcione Barbalho; da deputada federal Socorro Gomes,  do Pará.

                        Convidamos também para tomar assento à mesa o deputado Antonio José Cafu,  membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

                        Convidamos os relatores dos doze grupos e as pessoas indicadas para tomar assento à Mesa. Infelizmente não temos os nomes aqui por escrito, mas peço que tomem assento e se identifiquem com relação aos respectivos grupos.

                        Gostaríamos de registrar a presença de Maria da Guia, do Ministério da Justiça; de Carmélia Marques, do Instituto de Identificação do Distrito Federal; de Niéliton Leite Gomes, da BSGI; de Welington Rodrigues, da Associação Brasil Soka Gakkai Internacional; de Anísio Alves, do Ministério da Justiça; de João Bosco Oliveira, da Associação Brasiliense de Peritos em Criminalística; de Wanderley Chagas, da Associação Brasileira de Criminalística; de Genesman Pereira, da Polícia Militar de Goiás; de Adailton Vieira, da Polícia de Goiás; de Rosita Milezi, do Centro Scalabriano de Estudos Migratórios; de Rubens Lira, da Comissão da Universidade Federal da Paraíba; de Marta Marília, da OAB-Paraná; de Pedro Jorge, da Polícia Militar de Alagoas; do vereador Geraldo Correia, da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Câmara Municipal de Lins; de Ivanildo José Ferreira, do Centro de Direitos Humanos Simão Bororo de Rondonópolis; de José Antônio Carvalho, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia; de Alceu Prestes, do Instituto de Identificação da Polícia Civil do Distrito Federal; de Ubiratan Oliveira, do Instituto de Identificação da Polícia do Distrito Federal; de Jaiece Gomes Santana, da Liga de Mulheres Eleitoras do Brasil Regional Nordeste; de Abiail Florentina, do GEIPOT; de Francisco, da Comarca de Castelo, Espírito Santo; de Maria Cecília, da Assembléia Legislativa de São Paulo; de Deise Benedito, da OAB de São Paulo; de Lélio Benis Correia, da Fundação ABRINq; de Bernadete Ferreira, da SERPAJ, Tocantins; de Sérgio José, do Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco; de Ana Cristina, assessora parlamentar da Polícia Militar do Distrito Federal; de Cíntia Rodrigues, da Assessoria Parlamentar da Polícia Federal.

                        Gostaríamos também de comunicar aos senhores presentes que ontem houve reunião informal da Comissão de Direitos Humanos, com representantes de Comissões de Direitos Humanos das Assembléias Legislativas, e já foram realizadas três reuniões, três fóruns,  reunindo as Comissões Legislativas de Direitos Humanos, a Comissão Federal, as comissões estaduais e as comissões municipais organizadas.

                        Vamos ter o 4º Fórum Nacional de Comissões Legislativas de Direitos Humanos nos dias 4 e 5 de setembro. Nesse fórum, teremos momentos de articulações, de relatórios, de encaminhamentos na luta em prol dos direitos humanos em todo o Brasil. Esta reunião nacional, que será realizada aqui em Brasília, nos dias 4 e 5 de setembro, na Câmara, vai ser precedida de três reuniões regionais.

                        A primeira reunião será a do Nordeste, nos dias 1º e 2 de agosto, em Fortaleza, e as comissões do Ceará e da Bahia estarão encarregadas da organização.

                        A segunda reunião será a das comissões dos estados do Centro-Oeste e do Norte, nos dias 4 e 5 de agosto, aqui em Brasília, e a responsabilidade será da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e também da Comissão Distrital de Brasília.

                        A terceira reunião regional será a dos estados do Sudeste e do Sul, nos dias 11 e 12 de agosto, em São Paulo. Os Estados de São Paulo e Minas Gerais serão os responsáveis pela organização.

 
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