Um Pássaro
Chamado Humanidade

OS PRECONCEITOS
contra as mulheres vêm de muito longe. Estão nos provérbios
(Fevereiro tem 28 dias. É o mês em que as mulheres falam
menos.) e nas canções populares (Paraíba masculina,
mulher macho sim senhor) de diversos povos.
Nos conselhos
dos mais velhos e na obra de filósofos, em sermões religiosos,
nos textos de renomados pensadores, não é muito difícil
encontrar, cronológicamente, alguns focos desse preconceito,
tanto na religião quanto na literatura, na vida social ou política.
“Estamos cientes
que não existem quaisquer fundamentos morais, práticos
ou biológicos que justifiquem a superioridade masculina” declarou
a Casa Universal de Justiça em 1986 e que “só quando
as mulheres forem bem recebidas em todos os campos da atividade humana,
em condições de igualdade, é que se criará
o clima moral e psicológico do qual poderá emergir a
paz internacional.” Para que nossa geração seja responsável
pela culminação de um novo estágio civilizatório
– o da Unidade Mundial – repassemos os tropeços históricos,
tendo como porta-vozes nada menos que as mais conceituadas personalidades
em suas épocas.
Muitas autocríticas
poderiam ser feitas pelo cristianismo. Em seu nome, santos e teólogos
hostilizaram o sexo feminino.
No Gênese
(2:22), temos a formação da mulher: “E a costela o Senhor
Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe.” São
Paulo advertia contra as mulheres. Santo Tomás de Aquino afirmava
ser a mulher um ser “ocasional” e “acidental”. No Livro de Provérbios
(11:22), a mulher é redimida enquanto posse do homem: “A mulher
virtuosa é a coroa de seu marido, mas a que procede vergonhosamente
é como podridão de seus ossos.” Em outro versículo
(31:10), é levantada a questão da honra: “Mulher virtuosa,
quem a achará?” para na frase seguinte avaliá-la como
mercadoria: “O seu valor excede em muito o de finas jóias.”
Santa Tereza de
Jesus (1515-1582), em seu Caminho da Perfeição orienta
o caminho da submissão marital ao escrever que a mulher, para
ser bem casada, se seu marido está triste deve mostrar-se triste;
e se ele está alegre, ela, ainda que não o esteja, há
de mostrar-se.” Eurípedes (485-406 a.C.) toma Hipólito
como seu alter-ego e argumenta ardoroso que “a mulher é um
flagelo desmedido que posso provar; o pai que a gera e cria estabelece
um dote a quem a leve, a quem o livre de tamanha praga!” Abomina as
inteligentes pois “Afrodite lhe inocula o pecado” e lhes destina a
sentença final de que “a mulher não deveria ter nenhuma
serva em torno de sí e sim viver no meio de mudos animais,
assim não tendo a quem dizer, de quem ouvir palavra.” O mesmo
Eurípedes coloca estas palavras na boca de sua Medéia:
“afinal, se a natureza fez-nos a nós mulheres de todo incapazes
para as boas ações, não há para a maldade
artífices mais competentes do que nós.”
Virgílio
(70-19 a.C.) define a mulher como sendo sempre “coisa variável
e mutável”. Publío Siro (Séc. I), em suas Sentenças
declara que “a mulher ou ama ou odeia; não há outra
alternativa.”
É atribuída
a Petrônio (6-66 d.C.) esta estrofe: “Confia teu barco aos ventos,
mas às meninas não confies tua alma, porque mais segura
é a onda que a fidelidade da mulher.” O mesmo Petrônio
refere-se à mulher para ser implacável com seus desafetos:
“Aquele para quem uma mulher não é castigo suficiente,
merece várias” enquanto Petrarca (1034-1374) visita o tema
para não conceder o status humano à mulher: “a mulher
é coisa móvel por natureza.”
Para Guillaume
Bouchet (1514-1594) existem “mil invenções para fazer
as mulheres falarem, e nem uma para as fazer calar.”
O renomado Montaigne
(1533-1592) insiste em deixar às mulheres os afazeres domésticos:
“A ciência e ocupação mais útil e honrosa
para uma mulher é o governo da casa.” E depois escreveria que
o papel da mulher seria o de “sofrer, obedecer, consentir.”
A volubilidade
feminina é afirmada por Miguel de Cervantes (1547-1616) nessas
palavras: “é condição natural das mulheres desdenhar
a quem as quer e amar a quem lhes tem aversão.”
Shakespeare (1564-1616)
coloca estas palavras na boca de Hamlet: “Leviandade, teu nome é
mulher!” E no Ato V de Antonio e Cleópatra dispara que “a mulher
é prato para os deuses, quando não é o diabo
que o prepara.”
La Bruyére
(1645-1696) foi enfático, negando-lhe a moderação
como característica: “as mulheres são dos extremos:
são melhores ou piores que os homens.”
Chesterfield (1694-1773)
escreve a seu filho em 5/11/1748, para aconselhar que “um homem sensato
apenas brinca com elas (as mulheres), graceja com elas, agrada-as,
lisonjei-as, como faz com uma criança brincalhona e precoce”,
para concluir dizendo que “nunca as consulta sobre assuntos sérios
ou nelas confia.”
Montesquieu (1689-1755),
do alto de sua sabedoria sentencia que “nas mulheres jovens, a beleza
supre o espírito. Nas velhas, o espírito supre a beleza.”
Voltaire (1674-1778)
invocava um argumento pseudobiológico para explicar a “inferioridade”
da mulher: “o sangue delas é mais aquoso.” Depois, em O Ingênuo,
afirmaria que “Deus criou a mulher para que domasse os homens.” Rousseau
(1712-1778) estava convicto de que cabia às mulheres “agradar
aos homens, serví-los, fazerem-se amar por eles, educá-los
quando pequenos, cuidar deles quando crescem, consolá-los,
tornar-lhes a vida agradável e doce.”
Diderot (1713-1784)
escreve que “embora exteriormente pareçam civilizadas, elas
continuam a ser, interiormente, verdadeiros selvagens.” O poeta Byron
(1788-1824) sustentava que a mulher deveria ler somente livros religiosos,
edificantes ou, então, livros de culinária. Lamennais
(1782-1854) dizia-a de “estátua viva da burrice”.
Se na época
de Péricles os atenienses geradores da demo-cracia negavam
à mulher a cidadania, vinte e dois séculos depois Napoleão
Bonaparte (1808-1873) ainda pontificava em nome do sexo masculino:
“A mulher é nossa propriedade e nós não somos
propriedade dela. Ela nos dá filhos, nós não
damos filhos a ela. Ela é, pois, nossa propriedade, tal como
a árvore frutífera é propriedade do jardineiro.”
Para Henri-Becque
(1837-1899) “só há duas espécies de mulher: as
que comprometemos e as que nos comprometem.”
Cânone da
opressão masculina, encontramos estas palavras de Benito Pérez
Galdós (1843-1930): “A mulher é um estorvo social, uma
forma de obscurantismo, e se o homem não tivesse de nascer
dela, deveria ser suprimida.”
Nietzsche (1844-1900),
em seu consagrado Assim Falou Zaratustra, escreveu: “Vais ver mulheres?
Não esqueças o chicote.” E, em 1888, afirmaria ainda
que “quando uma mulher se torna erudita, é sinal de que há
algo errado . . .”
Jules Renard (1864-1910)
definiu a mulher como “um caniço gastador.” Paul Valéry
(1871-1945) conclui que “a mulher é inimiga do espírito,
quer dê, quer recuse o amor.”
Mas ainda encontramos
nesta retrospectiva das citações de pensadores, filósofos,
escritores e poetas alguns lampejos de sobriedade:
Schiller (1759-1805)
resgatando a realidade feminina de forma impecável, sincera,
bela. Ele em seu poema Dignidade das Mulheres escreve: Honrai bem
as mulheres! Elas trançam e tecem Rosas celestiais para a vida
na terra; Trançam os laços beatíficos do amor,
E na graça dos véus de seu leve recato, Com mãos
abençoadas animam, vigilantes, O fogo duradouro de belos sentimentos.
O Marquês
de Maricá (1773-1825) lança um interessante e genuíno
método de aferir um povo: “Pode-se graduar a civilização
de um povo pela atenção, decência e consideração
com que as mulheres são educadas, tratadas e protegidas.”
Balzac (1799-1850)
“sentir, amar, sofrer, devotar-se, será sempre o texto da vida
das mulheres” e filosofa que “as mulheres vêem tudo ou não
vêem nada, segundo as disposições de sua alma:
a única luz delas é o amor.”
Analisemos, agora,
um pouco da situação da mulher no Brasil, nas primeiras
décadas deste século. Uma época em que as mulheres
sairam às ruas para conquistar o direito ao voto. Qual a reação
no Congresso Nacional?
Nos anais de nosso
legislativo máximo encontramos alguns excertos de discursos
inflamados, condenando esta luta. Citamos apenas dois trechos dessas
elocuções:
Estender o voto
à mulher, é uma idéia anárquica, por que,
no dia em que for convertido em lei, ficará decretada a dissolução
da família brasileira. A concorrência dos sexos nas relações
da vida ativa anula os laços sagrados da família. —
Senador Muniz Freire
Conquanto reconheça
que a mulher tem capacidade intelectual e aptidão para exercer
o direito do voto, não deve exercê-lo; por que sua única
missão deve constituir em ser o Anjo tutelar da família.
— Senador Serzedêlo Correia
Esta situação
de menosprezo pela mulher na vida política, não era
algo isolado, apenas no Brasil. Um simples exemplo dessa constatação
é este excerto do editorial da revista Harper, de novembro
de 1933: “Nada mais antibíblico do que permitir que as mulheres
votem.”
Vista neste contexto,
a mulher foi negligenciada em sua maior dimensão, a do amor.
Grandes mulheres se destacaram ao longo dos séculos. Suas realizações
são inumeráveis. Quão grande foi o valor de uma
Maria Madalena que, nos primórdios do cristianismo, manteve-se
inabalável em sua crença, quando a fé dos apostólos
fraquejava.
Ou o exemplo de
uma Zenóbia (Séc. III d.C.), que após a morte
de seu esposo, o governador-geral de Atenas, assumira o governo vindo
a enfrentar o poderoso Império Romano; anexou a Síria
e o Egito e com sagacidade política conduziu sua nação.
A história registra que o governo de Roma declarou “não
importa que comandante enviemos, não podemos derrotá-la,
portanto o próprio Imperador Aureliano deve ir e dirigir as
legiões de Roma contra Zenóbia . . .”
E que dizer de
uma Joana D’Arc, a personificação da coragem e da fé,
a inflamar não apenas uma nação, mas antes a
própria civilização cristã?
Tahirih (1817-1852)
marcou o século passado com transcendente heroísmo.
Filha de um sacerdote muçulmano, tornou-se famosa pela conjugação
da beleza, eloquência e sabedoria. Abandonando o uso do véu,
a despeito do costume milenar entre as mulheres de sua pátria,
o Irã, e participando de acalorados debates sobre temas místicos
e espirituais, acumulou seguidas vitórias contra os expoentes
masculinos mais representativos do pensamento de seu tempo. Tendo
o governo iraniano lhe aprisionado, apedrejada nas ruas, exilada de
cidade a cidade, anatematizada, correndo risco de vida, foi incansável
na defesa dos direitos de suas irmãs de sexo. A um ministro
da corte do Irã, em cuja casa estava encarcerada, foi incisiva:
“Podeis me matar, mas não podeis impedir a emancipação
da mulher!”
A inspiração
de Tahirih proviera de sua fé nos ensinamentos da Fé
Bahá’í que, com tanto ardor, abraçara. Esta Fé
ensinava que a humanidade assemelhava-se a um pássaro, no qual
uma asa era o homem e a outra, a mulher e que para que este pássaro
pudesse alçar vôo, era necessário que houvesse
equilíbrio entre as asas.
A Organização
das Nações Unidas (ONU) designou o ano de 1975 como
o “Ano Internacional da Mulher” e que resultou no estabelecimento
de 8 de Março como o Dia Internacional da Mulher, logo institucionalizado
pela ONU. A escolha da data nos remete ao 8 de março de 1857.
Naquele dia, na cidade de New York, 159 operárias de uma indústria
têxtil foram queimadas vivas em uma fábrica, num incêndio
criminoso, durante uma greve em que reinvindicavam igualdade salarial
e redução da jornada de trabalho. É, portanto,
um eloquente tributo à árdua luta da mulher, através
dos tempos, por seus direitos.
Em 1992, quando
a Organização Internacional do Trabalho (OIT) declarava
ainda faltar 475 anos para que a mulher “alcance igualdade com os
homens nas esferas superiores do mercado de trabalho” era o momento
para refletir que, como afirmou ‘Abdu’l-Bahá (1844-1921), se
até agora o mundo foi governado pela força, tendo o
homem subjugado a mulher – devido à sua maior força
física e às inegáveis características
agressivas – podemos ver que a balança da história está
mudando; a força perde seu ímpeto e com satisfação
observamos que a intuição e as qualidades espirituais
de amor e serviço – qualidades estas nas quais a mulher é
forte – tornam-se ascendentes. Consequentemente a Nova Ordem Mundial
será menos masculina, mais permeada pelos ideais femininos
ou, melhor dizendo, será uma Era na qual os elementos masculinos
e femininos estarão em maior equilíbrio.
Para o estabelecimento
da paz mundial, um dos pré-requisitos mais importantes, embora
dos menos reconhecidos, volta a refletir a Casa Universal de Justiça,
“é a emancipação da mulher ou seja, a concretização
da plena igualdade entre os sexos”; e conclui que “a negação
dessa igualdade perpreta uma injustiça contra metade da população
do mundo e promove entre os homens atitudes e hábitos nocivos
que são levados do ambiente familiar para o local de trabalho,
a vida política e em última esfera, para as relações
internacionais.”
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