Economia
solidária, fundamento de Uma
globalização humanizadora
Contribuição
do GT de Economia Solidária para o lançamento do debate sobre
Economia Solidária
A questão-chave a debater na Conferência e Seminário
sobre Economia Solidária consiste no seguinte: a economia solidária
está orientada apenas a mitigar os problemas sociais gerados pela
globalização neoliberal, ou tem a vocação de constituir o
fundamento de uma globalização humanizadora, de um
desenvolvimento sustentável, socialmente justo e voltado para a
satisfação racional das necessidades de cada um e de todos os
cidadãos da Terra seguindo um caminho intergeracional de
desenvolvimento sustentável na qualidade de sua vida.
Ao longo da história, o capitalismo tem se caracterizado
pela sua capacidade de desenvolver as capacidades produtivas.
Contudo, sua produtividade tem sido acompanhada por uma constante
concentração da riqueza e da renda, resultando em crescentes
desigualdades sociais, miséria e exclusão. A economia de mercado
capitalista está fundada na crença de que o mercado é capaz de
auto-regular-se para o bem de todos, e que a competição é o
melhor modo de relação entre os atores sociais. Mas a lógica do
mercado capitalista só reconhece as necessidades humanas que
podem ser satisfeitas sob a forma de mercadorias e são
oportunidades de lucro privado e de acumulação de capital. O
capital só reconhece a demanda efetiva, isto é, o poder de
compra. Quem tem necessidades, mas não tem poder de compra não
é reconhecido como sujeito de direitos pelo capital. Num mundo de
desemprego crescente, em que a grande maioria dos trabalhadores não
controla nem participa da gestão dos meios e recursos para
produzir riquezas, um número sempre maior de trabalhadores
e famílias perde o acesso à remuneração e fica excluído do
mercado capitalista. Por outro lado, a competição nos marcos
deste mercado lança trabalhador contra trabalhador, empresa
contra empresa, país contra país, numa guerra sem tréguas em
que todos são inimigos de todos e ganha quem for mais forte, mais
rico e, freqüentemente, mais trapaceiro e corruptor ou corrupto.
A história tem mostrado que o número dos que ganham acesso à
riqueza material é cada vez mais reduzido, enquanto aumenta
rapidamente o número dos que só conseguem compartilhar a miséria
e a desesperança. Além disso, tanto o conceito de riqueza como
os indicadores de sua avaliação parecem reduzir-se ao valor
produtivo e mercantil, sem levar em conta outros valores como o
ambiental e o social de uma atividade econômica.
Neste cenário, sob diversos títulos – economia solidária,
economia social, socioeconomia solidária, humanoeconomia,
economia popular, economia de proximidade etc, têm emergido práticas
de relações econômicas e sociais que, de imediato, propiciam a
sobrevivência e a melhora da qualidade de vida de milhões de
pessoas em diferentes partes do mundo. Mas seu horizonte vai mais
além. São práticas fundadas em relações de colaboração
solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser
humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez
da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em
particular. As experiências, que se alimentam de fontes tão
diversas como as práticas de reciprocidade dos povos indígenas
de diversos continentes e os princípios do cooperativismo gerado
em Rochdale, Inglaterra, em meados do século XIX, aperfeiçoados
e recriados nos diferentes contextos socioculturais, ganharam múltiplas
formas e maneiras de expressar-se. Apesar dessa diversidade de
origem e de dinâmica cultural, a valorização social do trabalho
humano, a satisfação plena das necessidades de todos como eixo
da criatividade tecnológica e da atividade econômica, o
reconhecimento do lugar fundamental da mulher e do feminino numa
economia fundada na solidariedade, a busca de uma relação de
intercâmbio respeitoso com a natureza e os valores da cooperação
e da solidariedade parecem ser pontos de convergência.
Usando este termo para abranger todas as práticas e
propostas que partilham esses princípios, podemos dizer que a
economia solidária não quer se limitar à organização da produção.
A economia solidária busca a unidade entre produção e reprodução,
evitando a contradição fundamental do sistema capitalista, que
desenvolve a produtividade mas exclui crescentes setores de
trabalhadores do acesso aos seus benefícios, gerando crises
recessivas, hoje de alcance global. A economia solidária também
busca outra qualidade de vida e de consumo, e isto requer a
solidariedade entre os cidadãos do centro e os da periferia do
sistema mundial. Propõe a atividade econômica e social enraizada
no seu contexto mais imediato, e tem a territorialidade e o
desenvolvimento local como marcos de referência. Redes de
consumidores têm se espalhado por diversos países, definindo
conscientemente seus níveis de consumo com base em princípios éticos,
solidários e sustentáveis. A economia solidária rejeita a
proposta de mercantilização das pessoas e da Natureza às custas
da espoliação do meio ambiente terrestre, contaminando e
esgotando os recursos naturais no Norte em troca de zonas de
reserva no Sul. A economia solidária promove o desenvolvimento de
redes de comércio a preços justos, procurando que os benefícios
do desenvolvimento produtivo sejam repartidos mais eqüitativamente
entre grupos e países. O consumo organizado e consciente tem a
capacidade de exercer pressão em favor da maior qualidade dos
produtos, de regulações mais efetivas desta qualidade, e também
é capaz de exercer o papel de consolidar e reativar os modos de
produção tradicionais baseados em relações de proximidade, de
reciprocidade e de equilíbrio ecológico, desencadear novas
atividades produtivas de alta eficiência social, ampliando a
organização da produção e reprodução através de redes de
complementaridade responsável e comércio justo.
O financiamento da economia é outro desafio importante que
a Economia Solidária busca enfrentar. A redefinição do papel do
dinheiro; a descentralização responsável das moedas circulantes
nacionais e o estímulo ao comércio justo e solidário utilizando
moedas comunitárias; o conseqüente empoderamento financeiro das
comunidades; o controle e a regulação dos fluxos financeiros
para que cumpram seu papel de meio e não de finalidade da
atividade econômica; a imposição de limites às taxas de juros
e aos lucros extraordinários de base monopólica, o controle público
da taxa de câmbio e a emissão responsável de moeda nacional
para evitar toda atividade especulativa e defender a soberania do
povo sobre seu próprio mercado, são alguns dos elementos
fomentadores de uma política autogestionária de financiamento do
investimento do nível local ao nacional. O valor central aqui é
o direito de comunidades e nações à soberania sobre suas próprias
finanças. Assim também, os bancos cooperativos, os bancos éticos,
as cooperativas de crédito, as instituições de microcrédito
solidário e os empreendimentos mutuários, todos com o objetivo
de financiar seus membros e não concentrar lucros através dos
altos juros, são componentes importantes do sistema socioeconômico
solidário, dando ao povo acesso ao crédito baseados nas suas próprias
poupanças.
Articulando o consumo solidário com a produção, a
comercialização e as finanças, de modo orgânico e dinâmico e
do nível local até o global, a economia solidária amplia as
oportunidades de trabalho e intercâmbio para cada agente sem
afastar a atividade econômica do seu fim primeiro, que é
responder às necessidades produtivas e reprodutivas da sociedade
e dos próprios agentes econômicos. Ela permite articular
solidariamente os diversos elos de cada cadeia produtiva, em redes
de agentes que se apóiam e se complementam. Conceitos como vantagens
cooperativas e eficiência
sistêmica substituem as velhas práticas da competição e da
maximização da lucratividade individual. Consciente de fazer
parte de um sistema orgânico e abrangente, cada agente econômico
busca contribuir para o progresso próprio e do conjunto,
resultando em melhor qualidade de vida e trabalho para cada um e
para todos. A partilha da decisão com representantes da
comunidade sobre a eficiência social e os usos dos excedentes,
permite que se faça investimentos nas condições gerais de vida
de todos e na criação de outras empresas solidárias, outorgando
um caráter dinâmico à reprodução social.
A economia solidária, nas suas diversas formas, é um
projeto de desenvolvimento destinado a promover as pessoas e
coletividades sociais a sujeito dos meios, recursos e ferramentas
de produzir e distribuir as riquezas, visando a suficiência em
resposta às necessidades de todos e o desenvolvimento
genuinamente sustentável. O valor central da economia solidária
é o trabalho, o saber e a criatividade humanos e não o
capital-dinheiro e sua propriedade sob quaisquer de suas formas.
Ao acolher e integrar de uma só vez cada pessoa e toda a
coletividade, a economia solidária resgata a dimensão feminina
que está ausente da economia centrada no capital e no Estado.
Sendo a referência da economia solidária cada sujeito e, ao
mesmo tempo, toda a sociedade, concebida também como sujeito, a
eficiência não pode limitar-se aos benefícios materiais de um
empreendimento, mas se define também como eficiência social, em
função da qualidade de vida e da felicidade de seus membros e,
ao mesmo tempo, de todo o ecossistema
A economia solidária
é um poderoso instrumento de combate à exclusão social, pois
apresenta alternativa viável para a geração de trabalho e renda
e para a satisfação direta das necessidades de todos, provando
que é possível organizar a produção e a reprodução da
sociedade de modo a eliminar as desigualdades materiais e difundir
os valores da solidariedade humana. A economia solidária é também
um projeto de desenvolvimento integral que visa a sustentabilidade,
a justiça econômica e social e a democracia participativa.
Assentada em redes de colaboração solidária entre os diferentes
setores da sociedade organizada, ela exige o compromisso dos
poderes públicos com a democratização do poder, da riqueza e do
saber, e estimula a formação de alianças estratégicas entre
organizações populares para o exercício pleno e ativo dos
direitos e responsabilidades da cidadania, exercendo sua soberania
por meio da democracia e da gestão participativa.
A organização
socioeconômica da economia solidária exige o respeito à
autonomia dos empreendimentos e organizações dos trabalhadores,
sem a tutela de Estados centralizadores e longe das práticas
cooperativas burocratizadas, que suprimem a participação direta
dos cidadãos trabalhadores. A economia solidária, em primeiro
lugar, exige a responsabilidade dos Estados nacionais pela defesa
dos direitos universais dos trabalhadores, que as políticas
neoliberais pretendem eliminar. Ademais, preconiza um Estado
democraticamente forte, empoderado a partir da própria sociedade
e colocado ao serviço dela, transparente e fidedigno, capaz de
orquestrar a diversidade que a constitui e de zelar pela justiça
social e pela realização dos direitos e das responsabilidades
cidadãs de cada um e de todos. Um tal
Estado precisa atuar em dois níveis. Por um lado, garante,
protege e promove um projeto próprio e democrático de
desenvolvimento socioeconômico e humano, construído a partir e
com a participação da sociedade civil do nível local e até o
nacional; e, por outro, se relaciona de forma cooperativa e solidária
com outras nações, promovendo a complementaridade de recursos e
interesses, e buscando instituir uma comunidade internacional
centrada nos valores da cooperação, da complementaridade, da
reciprocidade e da solidariedade. O valor central aqui é a
soberania nacional num contexto de interação respeitosa com a
soberania de outras nações. O Estado democraticamente forte é
capaz de promover, mediante do diálogo com a Sociedade, políticas
públicas que fortalecem a democracia participativa, a democratização
dos fundos públicos e dos benefícios do desenvolvimento.
Enfim, nascida
sobretudo entre os excluídos dos Estados de bem estar material,
sem acesso aos bens produtivos, aos mercados, à tecnologia e ao
crédito, a economia solidária revela o potencial de ser um
paradigma de outra globalização,
que demonstra que outro
mundo é possível. Ao mesmo tempo que reconhecemos todas
estas capacidades propositivas da economia solidária, entendemos
que é necessário unificar esforços e articular ações
conjuntas para fazer avançar este projeto.
Alguns aspectos tendem a diferenciar as experiências, que
se referem à própria relação delas com o modo de produção
dominante. Examinemos os mais relevantes, colocando-os como temas
para discussão antes e durante o Fórum Social Mundial 2002.
A questão da propriedade social e
a apropriação dos lucros.
O primeiro é a
questão da superação da exploração capitalista do trabalho
humano através da apropriação privada dos meios de produzir e
dos benefícios gerados pela produção, comercialização e
atividades financeiras. A participação social não apenas nos
lucros do empreendimento, mas também na propriedade e no controle
do mesmo, enquanto o trabalhador está vinculado a ele por meio do
seu trabalho, é um fator distintivo dos empreendimentos que compõem
um modo alternativo de propriedade ao modo privatista dominante.
Em alguns países, como a Colômbia, o Equador e a Nicarágua
(durante o governo sandinista), eles chegam a constituir um setor
reconhecido da economia nacional, setor de economia solidária ou
setor de propriedade social. A história demonstrou que o problema
não é apenas a propriedade dos meios de produção, mas também
os mecanismos de apropriação de valor na esfera da circulação.
Nas diversas culturas existem diferentes formas de organização
da produção e da reprodução baseadas em relações de
reciprocidade que têm ou não reconhecimento formal do Estado e
que se contrapõem igualmente à organização capitalista no que
se refere à forma de combinar propriedade e distribuição dos
bens materiais. Também há formas de produção comunitária de
bens públicos (mutirões para construir casas da comunidade ou
infraestruturas, alfabetizar, etc.)
A questão da autogestão
O segundo é o
modo de gestão. A gestão cooperativa, ou autogestão, ou gestão
coletiva e democrática do empreendimento por todos os seus sócios,
pelo sistema de cada pessoa um voto, surgiu na Europa no início
da industrialização, como forma de superar a oligocracia
empresarial dominante. Tem se difundido mais intensamente à
medida que o modelo empresarial predominante no capitalismo
globalizado passou a gerar desemprego maciço, precarização do
trabalho assalariado e enfraquecimento das organizações dos
trabalhadores. Mas é preciso cuidar da coerência entre o
discurso e a prática. Muitas cooperativas têm surgido a partir
da demissão em massa de trabalhadores pelas empresas para em
seguida readmiti-los como autônomos ou sócios de uma
cooperativa, sem qualquer formação ou consciência e em condições
precarizadas. Tais empreendimentos traem os princípios
cooperativos e contribuem para facilitar o corte de custos sociais
pelas empresas privadas. Mas cooptar estes empreendimentos para a
Economia Solidária é possível, se o sistema cooperativo
oferecer solidariamente àqueles trabalhadores educação
cooperativa e profissional assim como os serviços que antes eram
supridos a partir dos encargos sociais. Um desafio relacionado com
a construção de redes e cadeias produtivas solidárias.
A questão da apropriação do
tempo liberado de trabalho criado pelo aumento da produtividade
O terceiro refere-se à competição exacerbada que a
globalização neoliberal tem promovido, a qual obriga todo agente
econômico a preocupar-se com a competitividade a ponto de
privatizar o tempo de trabalho social que o aumento da
produtividade libera, gerando assim mais exploração e mais
desemprego. Faz-se necessária a prática da partilha do tempo de
trabalho necessário, para que todos possam aceder a trabalhos
dignos reconhecidos socialmente para ganhar seu sustento, e todos
possam participar ativamente das outras tarefas do desenvolvimento
humano. Isto só pode ser viável se se tornar política nacional
de governo e, finalmente, do sistema interestatal mundial, de modo
que as condições sociais do mercado sejam iguais para todos os
agentes econômicos.
A questão da Socioconomia Solidária
como alternativa pós-capitalista de organizar a Sociedade
O quarto diz respeito à questão que abre esta nossa
contribuição: a economia solidária está orientada apenas a
mitigar os problemas sociais gerados pela globalização
neoliberal, ou tem a vocação de constituir o fundamento de uma
globalização humanizadora, de um desenvolvimento sustentável,
socialmente justo e voltado para a satisfação plena das
necessidades legitimas de cada um e de todos os cidadãos da
Terra?
Existem
os que defendem a primeira posição. Consideram que a economia
solidária é um projeto restrito aos sem-emprego, aos que foram
excluídos do mercado de trabalho capitalista. Ou que a prática
da cooperação deve limitar-se ao interior das empresas. “O
cooperativismo tem por objetivo mitigar os efeitos negativos da
economia dominante e não se contrapor a ela”, foram palavras de
um líder do cooperativismo oficialista internacional. Outros, porém,
estão convencidos de que a proposta de uma socioeconomia solidária,
ou humanoeconomia, tem o potencial de constituir-se em alternativa
pós-capitalista de organização do consumo, da produção, do
comércio e das finanças a nível local, nacional e global,
substrato de um novo paradigma de valores, de relações e de práxis
educativa, cultural e interpessoal. Neste paradigma è fundamental
a produção de bens públicos, particularmente a educação e a
produção e socialização dos conhecimentos nas suas múltiplas
formas.
Este
novo paradigma desponta, relacionando a economia
com sua função original, a “gestão da casa”, referida
aqui a todas as casas em que habitamos nesta existência, desde o
nosso corpo até o planeta Terra, passando pelas comunidades que
nos situam, o município, o estado, o país, a macro-região, o
continente. O desenvolvimento humano é visto como o objetivo
maior da atividade produtiva e criativa. O novo paradigma propõe
que a propriedade e a gestão dos bens produtivos sejam atribuídos
aos que os trabalham. A dimensão politicamente inovadora deste
paradigma está em conceber cada pessoa, cada cidadão ou grupo de
cidadãos como o sujeito potencialmente ativo e criativo do seu próprio
desenvolvimento. Seu
empoderamento econômico, político e cultural passa a ser o
objetivo principal dos sistemas de decisão e da atividade
educativa, desde a educação básica até a universidade.
As
cadeias produtivas e redes reprodutivas se reconstroem, então,
fundamentalmente de baixo para cima e de dentro para fora. Os
valores da cooperação, do respeito à diversidade, da
complementaridade e da solidariedade passam a prevalecer sobre o
da competição e do egocentrismo. Um mundo do trabalho
emancipado, das necessidades de cada um e de todos sendo
continuamente satisfeitas por cada um e por todos, passa a ser
possível. A relação com a Natureza deixa de ser marcada pela
espoliação irracional e pela destruição, substituídas pelo
conhecimento e respeito dos equilíbrios ecológicos e pela
responsabilidade intergeracional. O Estado e o sistema mundial
interestatal passam a estar subordinados a sociedades organizadas
e conscientes dos seus direitos e deveres – transformam-se,
enfim, em Estado e sistema político mundial democráticos,
dedicados à sublime tarefa de orquestrar a diversidade e zelar
pelo bem-estar e felicidade de toda a coletividade. Numa tal ordem
de coisas, é possível visualizar a paz, não mais como uma
abstração, mas como fruto da justiça e da fraternidade entre os
cidadãos e entre povos.
Propostas para debate
1.
Elaborar o conceito de eficiência social, consolidando
indicadores não monetários complementares ao PIB, a fim de dar
conta da diversidade das formas de atividades econômicas e de
riqueza produzida, assim como dos efeitos sociais e ambientais da
atividade econômica.
Elaborar o conceito e os indicadores
operativos de necessidade e satisfação das necessidades, do
sistema de necessidades e de critérios e mecanismos de legitimação
das pretensões de satisfação das necessidades particulares.
Elaborar os conceitos de público e
privado na transição que estamos vivenciando.
Por razões políticas, em lugar de
apurar um consenso nominalista, tratando como sinônimos
diferentes denominações, explicitar e diferenciar em
profundidade as diversas denominações e propostas de ação que
coexistem no amplo espectro de iniciativas com sentido popular e
democrático, e que só podem convergir numa estratégia
compartilhada se reconhecem nas suas diferenças e se acordam
praticamente “modelos”, códigos ou princípios básicos de ação
conjunta.
Construir instrumentos metodológicos
para medir, avaliar e valorizar as especificidades das empresas da
economia social e solidária, relevando as finalidades sociais e
ambientais da sua atividade, sua aptidão para utilizar recursos
com prudência e sabedoria, seu cuidado com os riscos, seu
funcionamento democrático e participativo, a dimensão não monetária
do envolvimento de voluntários e usuários nas suas atividades;
sua consciência cidadã em relação ao uso de fundos públicos e
ao acompanhamento ativo das instituições governamentais.
Consumo ético, finanças solidárias,
comércio justo de bens e serviços, agricultura sustentável,
produção associativa, comércio eqüitativo e solidário, gestão
participativa do habitat urbano, diálogos interculturais,
sistemas de trocas solidárias, são algumas das tentativas
concretas de responder coletiva e criativamente às necessidades
criadas pela globalização neoliberal. Analisar, sistematizar e
divulgar as lições destas práticas de Economia Solidária e
promover sua interação e articulação em redes, com vistas a
construir uma alternativa ao atual modelo de desenvolvimento.
Reconsiderar a cooperação
internacional a partir do paradigma da solidariedade Sul-Sul,
Norte-Sul, Oriente-Ocidente, consumidores-produtores,
trabalhadores-empreendedores, em lugar da mera ajuda financeira ou
técnica.
Introduzir critérios éticos na
atividade econômica, relacionados aos direitos econômicos,
sociais, culturais e ambientais dos cidadãos e da nação. Adotar
códigos de conduta que garantam a justa implementação daqueles
critérios na prática dos empreendimentos, sejam eles sociais,
privados ou públicos. Estudar e comparar as diversas formas de
expressão e de efetivação desses critérios nas diversas
culturas e marcos jurídico-normativos.
Consolidar
e difundir as práticas bem sucedidas, substituindo as tentativas
de modelização e transplante por processos de aprendizagem
coletiva de lições adequadas a cada cultura e situação histórica
concreta, úteis para construir sistemas orgânicos de consumo,
produção e distribuição sustentáveis entre os diferentes
componentes da Economia Solidária no plano local, nacional e
internacional.
Desenvolver espaços e instrumentos
para a articulação territorial entre os diversos componentes da
Economia Solidária, de modo que as ações sejam complementares e
fortaleçam as unidades econômicas autogestionárias.
Articular as diferentes formas e
setores da Economia Popular, do nível local ao global,
construindo e reforçando as redes de colaboração solidária que
facilitam a interação dos diversos atores a fim de que se vejam
uns aos outros como atores coletivos, que participam do
desenvolvimento socioeconômico de territórios específicos, e
como atores da transformação social.
Desenvolver uma visão do sistema
socioeconômico composta pela Economia Capitalista, a Economia Pública
e a Economia do Trabalho – esta última com um forte núcleo-guia
de economia solidária – analisando as contradições e relações
dialéticas entre elas, a partir da perspectiva de um longo
processo de transição tendente a outro sistema social pós-capitalista.
Criar novas formas de contrato e de
financiamento entre a Economia Solidária e os poderes públicos,
incluindo mecanismos inovadores para recompensar o trabalho hoje não
remunerado.
Exercer pressão sobre as instituições
multilaterais e continentais (ONU, FMI, Banco Mundial, OMC, OIT,
etc.) para que integrem a Economia Solidária como um componente
indispensável de um desenvolvimento social e humano sustentável
e multidimensional. Estabelecer um grupo de pressão sobre essas
instituições, em particular o PNUD, para que sua metodologia e
seus indicadores de desenvolvimento humano incorporem o grau de
associação e de solidariedade dos empreendimentos e das relações
sociais de produção.
Promover o desenvolvimento de
programas públicos orientados à economia familiar, que incluam
as dimensões da solidariedade, do gênero e da classe e sua
integração em sistemas de produção e reprodução autônoma do
assistencialismo clientelista.
Promover a defesa, extensão e
transformação do sistema público de educação, pesquisa e geração
de tecnologia, que deve desenvolver efetivamente as capacidades e
disposições para a economia solidária e a participação democrática.
Utilizar estratégias de comunicação
e informação capazes de fazer conhecer e valorizar a Economia
Solidária.
Recuperar a história dos lugares,
regiões e nações, fortalecendo suas raízes de identidade
encobertas pela colonização e pelo capitalismo, sobretudo em
relação a valores e formas de vida comunitária e social
preexistentes, superiores à mercantilização capitalista e ao
individualismo extremo.
A economia solidária é um movimento de alcance global que
nasceu entre os oprimidos e os velhos e novos excluídos, aqueles
cujo trabalho não é valorizado pelo mercado capitalista, sem
acesso ao capital, às tecnologias e ao crédito. É deles e dos
ativistas e promotores da economia solidária que emerge a aspiração
e o desejo de um novo paradigma de organização da economia e da
sociedade. Reconhecendo o potencial transformador da economia
solidária, convidamos a todas as trabalhadoras e trabalhadores do
mundo a debater este projeto estratégico no Fórum Social Mundial
2002 e a aliar-se com o fim de fazê-lo avançar na prática.
Durante o FSM-2002 realizaremos dois grandes eventos sobre
a Economia Solidária. Uma Conferência, para debater as propostas
que constam deste e de outros documentos preparatórios, e um
Seminário, cujo título é “Economia Popular Solidária:
Alternativa Concreta de Radicalização da Democracia,
Desenvolvimento Sustentável, Humano e Solidário”. O convite
está feito à mais ampla participação.
Este
texto aproveita as contribuições dos seguintes documentos:
- “Texto
Base para a Economia Solidária – Fórum Social Mundial
2002”.
- “Construindo
a Socioeconomia Solidária do Espaço Local ao Global”, PACS,
Série Semeando Socioeconomia, n. 1, Rio de Janeiro, 1998.
- “Construindo
a Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária”, PACS, Série
Semeando Socioeconomia, n. 4, Rio de Janeiro, 2000.
- Marcos
Arruda, 2001, “A Nova Economia: Transformações no Mundo do
Trabalho e seu Futuro”, PACS, Rio de Janeiro
- Canteiro
Economia Solidária do PSES – Polo de Socioeconomia Solidária,
“Caderno de Propostas”, Aliança por um Mundo Responsável,
Plural e Solidário, Assembléia Mundial de Lille, dezembro
2001.
- José Luis Coraggio, 2001, “Problematizando
la economía solidaria y la globalización alternativa”,
presentación en el II Encuentro Internacional sobre
Globalización de la Solidaridad, Québec, 9-12 octubre 2001 (http://www.fronesis.org/jlc/QuebecJLC.doc)
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