Emmanuel
Bezerra dos Santos
Militantes políticos assassinado pela
Ditadura Militar
EMMANUEL BEZERRA: PALADINO
E PARADIGMA DE LIBERDADE
Rubens Lemos (*)
O velho Atheneu
fervilhava de estudante naquele inicio de tarde de 1968. Fui chegando de
baixo do som volumosos de gritos e palavras de ordem. A mais ouvida:
"Abaixo a Ditadura". Eu fora convidado pelo estudante JOSÉ
SILTON para dar uma palestra em torno da música popular brasileira.
Do alto da escadaria, no
saguão de entrada, lá estava ele: EMMANUEL BEZERRA. Com sua cara
tipicamente interiorana, o líder da Casa do Estudante falava agitado.
As palavras fluíam fáceis e convincentes. EMMANUEL esgrimia palavras
como uma espada de fogo - num belo e comovente discurso contra o regime
militar que sufocava as liberdades do povo. Chamava/conclamava os
colegas para - ao lado do povo organizado - combater a insanidade
repressora patrocinada pelos "donos do Brasil".
Policiais (pouco disfarçados)
faziam plantão, dentro e fora do Atheneu. Os olhos da Ditadura estavam
voltados para aquele jovem nascido em Caiçara.
Não haveria
possibilidade de realização do debate para o qual haviam me convidado
os secundaristas. A música era outra; A voz de EMMANUEL BEZERRA e, ele
próprio, encarnando a resistência contra o arbítrio.
Muitas vezes, mesmo que
rapidamente, mantivemos contato. EMMANUEL sempre se mantinha íntegro.
Coragem e determinação à flor da pele.
Um dia, a repressão
iniciou a caçada sistemática ao jovem líder. Ele, porém, já estava
nos becos da clandestinidade. Transformara-se num guerrilheiro. EMMANUEL,
O COMBATENTE.
Em 1970, eu também
procurado pela Ditadura, vi-me obrigado a correr mundo. Escondido no Rio
de Janeiro, pude saber notícias de EMMANUEL: ele passara a ser um dos
principais dirigentes do Partido Comunista Revolucionário (PCR).
Durante esse período, nunca cheguei a me encontrar com ele.
De volta à penitenciária
(Colônia Penal "João Chaves") - em Natal - RN, ainda
completamente massacrado pelas torturas sofridas no DOI - CODI, em
Recife - PE, eu sabia, apesar de tudo, que EMMANUEL BEZERRA fora
assassinado, junto com Manoel Lisboa.
A informação, obtida
nos porões do DOI - CODI, era estarrecedora: EMMANUEL BEZERRA havia
sido - poucos dias antes da minha chegada àquele organismo de terror -
submetido às mais torpes formas de violência contra o ser humano.
Todas elas comandadas, segundo a informação pelo então Coronel Cúrcio
Neto, codinome Doutro Fernando. Alguns detalhes macabros: EMMANUEL
BEZERRA, enfrentando o sadismo dos seus algozes, assumiu uma postura da
mais alta dignidade: sabendo de tudo (ou quase tudo), não disse nada,
fazendo relembrar a memorável figura de Jean Moulin, herói da Resistência
Francesa, conforme André Malraux, em seu livro - documento ‘Anti -
Memórias". Ensandecidos, os torturadores (teria sido, segundo me
disseram, o próprio "Doutro Fernando"), cortaram a pele de
EMMANUEL à base de tesoura. Sem qualquer assistência ou acompanhamento
médico, sobreveio a gangrena e, posteriormente, o "tiro de misericórdia"
desfechado pelo Coronel Cúrcio Neto.
O que faço, agora, é
repassar o que me foi contado dentro do "círculo de ferro" do
DOI - CODI, por fonte (preso político) que, não me parece, tenha
estado sob qualquer suspeita da esquerda revolucionária.
O fato: o que restou de
EMMANUEL foi localizado em cemitério clandestino situado a quase 4 mil
kms de Recife - PE. Em princípio me causou, no mínimo, estranheza.
"Alguém terá mentido?" A reflexão foi necessária e responsável
para o que, hoje, me parece óbvio, em termos de conclusão: EMMANUEL
era dirigente de uma Organização com profundas raízes (políticos,
sociais e ideológicas) Nordestinas. O grande aparato repressor não
poderia facilitar e atuou de forma profissional: translada-se o corpo
para uma região, literal e geograficamente distante e distinta (em
termos de valores), e ter-se-á eliminado ou embaralhado pistas. Uma
questão de segurança, de acordo com a ótica da "comunidade de
informação e repressão" então vigente. Infra - estrutura eles
sempre tiveram para atingir os objetivos desejados. Até hoje.
De qualquer maneira, o
que sabemos (e sentimos) é que EMMANUEL BEZERRA foi assassinado
brutalmente por um SISTEMA cruel e desumano.
EMMANUEL BEZERRA morreu
como um paladino e paradigma da liberdade do povo brasileiro. Por isso -
e para revolta embutida pelos seus assassinos - ele permanece vivo.
* Jornalista e ex - preso
político. |