Emmanuel
Bezerra dos Santos
Militantes políticos assassinado pela
Ditadura Militar
O COMBATENTE EMMANUEL
BEZERRA
José Willington Germano
(*)
A recente descoberta de várias
ossadas de presos políticos do Regime Militar de 1964, no Cemitério de
Campo Grande - SP, traz à tona, novamente, a figura de Emmanuel
Bezerra, cujo assassinato pela repressão, era ocultado.
Quem foi Emmanuel
Bezerra? Emmanuel foi um dos líderes estudantis mais importantes de
Natal e do Rio Grande do Norte no período imediatamente anterior à
decretação do AI - 5 em dezembro de 1968. Depois disso, Emmanuel
cairia na clandestinidade na condição de militante do PCR (Partido
Comunista Revolucionário), um dos agrupamentos de oposição armada ao
governo ditatorial.
Travei o primeiro contato
com ele, em 1965, na condição de colega de turma no primeiro ano clássico
do Colégio Estadual Atheneu Norte - Riograndense. Na época, apesar do
clima opressivo, o velho estabelecimento ainda representava um ponto
importante de debate político e cultural, fato que perduraria até fins
de 1968. A partir daí começa a DEMOLIÇÃO cultural e material da
centenária instituição educativa.
Chegando de Assu,
interior do Estado, onde havia participado de mobilizações estudantis
antes de 1964 (tendo por isso, inclusive, respondido inquérito, apesar
de minha pouca idade, 16 anos), me deparei com uma turma de elevado nível
intelectual e político. Para acompanhar os debates e mesmo participar
dos versos tive que estudar intensamente. Ora, da minha classe faziam
parte figuras como Juliano Siqueira, Franklin Capistrano, Maurício Anísio
de Araújo, Eurico Montenegro Júnior, José Bezerra Marinho, e, é
claro, Emmanuel Bezerra. Na ocasião, estudavam ainda no Atheneu,
Luciano de Almeida, Gileno Guanabara, Sezildo Câmara, Garibaldi Filho e
outra pessoas do mesmo quilate.
É interessante notar que
embora boa parte deste grupo viesse a ter, num futuro próximo, uma
participação de destaque no Movimento Estudantil e em organizações
políticas de cunho marxista, na verdade era muito provável que nenhuma
dessas lideranças tenha lido O CAPITAL, cuja publicação no Brasil
ocorreu somente em 1968. Lia-se, quando muito, o MANIFESTO COMUNISTA de
1948, A MISÉRIA DA FILOSOFIA e a ORIGEM DA FAMÍLIA, da Propriedade
Privada e do Estado (Engels). Havia no período, como se sabe, uma
grande censura e repressão às diversas formas de manifestação
cultural, entre as quais a publicação de livros.
Mesmo assim, em 1966, a
Editora Civilização Brasileira publicou entre nós a primeira obra do
pensador marxista italiano, Antônio Gramsci. Tratava-se da CONCEPÇÃO
DIALÉTICA DA HISTÓRIA, que logo chegaria à Livraria Universitária
(ponto de encontro obrigatório dessa jovem intelectualidade, sobretudo
nas manhãs dos sábados) trazida pelas mãos de Luiz Damasceno, o bem
informado divulgador cultural e militante político. A obra foi
adquirida por muitos, porém não foi lida na época. Gramsci era um
desconhecido, além do mais, a estratégia revolucionária que propunha
(a revolução como processo) conflitava com a prática guerrilheira de
Che Guevara, que fascinava a juventude e com a teoria dos focos
insurrecionais de Régis Debray, que iriam exercer forte influencia
sobre os futuros grupos guerrilheiros.
Que autores eram lidos,
então, na época? Eram lidos, notadamente, existencialistas como
Sartre, Camus e Kafka. Além disso, os ensaios marxistas de Erich Fromm
e Marcuse. Trata-se, portanto, de uma formação eclética. Um aspecto
importante a ser destacado, diz respeito à sólida cultura cinematográfica
do grupo e à importância do cinema no que toca à formação de uma
certa visão crítica do mundo. Aqui deve ser enfatizado o papel
exercido pelo Cine Clube Tirol e as suas famosas "Sessões de
Arte" (primeiro no Cine Rex, depois no Cinema Nordeste), bem como
as marcantes influencias de diretores franceses (Goddard, Resnais,
Truffaut), italianos (Visconti, Felini, Antonioni, os neo-realistas) e
brasileiros do cinema novo (Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos,
sobretudo).
Em largos traços esse
era o quadro cultural da época. No tocante à vida política
propriamente dita, a partir de 1967 começava a surgir, em todo o país,
mobilizações estudantis contra o Regime implantado em 1964. Tais
mobilizações se intensificam e se radicalizam em 1968, quando a
implantação Ditadura com "D" maiúsculo, mediante a decretação
do AI-5, eliminou drasticamente toda e qualquer forma de manifestação
pública de oposição ao governo militar.
Ao mesmo tempo, no período
1967-68, o grupo que estava no Atheneu faz vestibular e tem acesso ao
ensino superior, dividindo-se entre a Faculdade de Sociologia e Política
(Fundação José Augusto) e Faculdade de Direito (UFRN). Esta, porém,
não é a única mudança. À medida que o Movimento Estudantil se
radicalizava, começaram a surgir divisões no seio da esquerda. Os
"Rachas" fizeram com que a partir do PCB, as pessoas começassem
a se aglutinar em torno de outras agremiações como o PCR e o PCBR, além
da Ação Popular até Emmanuel passou então a militar no PCR. Enquanto
isso, aumentava o consumo de literatura revolucionária: Guevara, Mao Tsé-Tung,
Ho Chi Min, Lenin, Debray, etc.
Emmanuel Bezerra teve uma
ascensão política fulminante. Participante dos formados no velho
Atheneu (lembro a memorável semana contra a Guerra do Vietnã),
militante ativo do Diretório Acadêmico "Josué de Castro" da
Faculdade de Sociologia, orador inflamado das assembléias universitárias,
realizadas quase sempre, no restaurante Universitário (Av. Deodoro) e
Presidente (querido e admirado) da Casa do Estudante do Rio Grande do
Norte. Era um combatente ardoroso da causa popular e um intransigente
adversário do Regime, na luta contra o qual, acabou pagando com a própria
vida.
Ao contrário do que
comumente acontece no Movimento Estudantil, Emmanuel era filho de
humildes pescadores da praia de São Bento do Norte. Essa era a sua
origem de classe (quem sabe?), tenha sido responsável por um certo
esquecimento da sua memória (outros esquecidos Kerginaldo Rocha,
Nuremberg Borja de Brito e Dermi Azevedo). Por outro lado, a sua origem
possibilitou, desde cedo, uma convivência e uma arguta percepção e
revolta contra a miséria social, a exploração do trabalho humano e
toda e qualquer forma de opressão.
Magro, estatura mediana
(mais para baixo do que para alto), cor morena, fronte larga, cabelos
crespos, olhos verdes, pele do rosto estragada, sorriso nos lábios, afável
com os amigos correligionários, implacável e irônico com os adversários.
Esse era Emmanuel Bezerra. Como líder, sempre esteve preocupado com a
formação cultural de seus liderados. Assim, na época em que era
Presidente da Casa do Estudante, esta se transformou num centro de
debate cultural e político. A ‘casa" tinha uma boa biblioteca e
estimulava a cultura e a discussão entre os seus sócios. A
"casa" era também um centro esportivo e recreativo
reconhecido na cidade.
Por conta da sua atuação
política Emmanuel foi preso algumas vezes, ainda em Natal, e a Casa do
Estudante foi invadida por forças militares. Com o golpe (dentro do
golpe) de 1968, a liderança estudantil mais expressiva do Estado, caiu
verdadeiramente na clandestinidade e migrou, notadamente para Recife e,
depois, para o Rio de Janeiro e São Paulo. Entre esses, Emmanuel
Bezerra. Foi a época do enfrentamento armado ao Regime. Nunca mais foi
visto em Natal. Preso pelas forças de repressão, esse valoroso
combatente da causa popular, foi barbaramente torturado e morto nas
masmorras do Regime.
Em seu depoimento ao
"Tribunal Tiradentes", (organizado pela Comissão de Justiça
e Paz da Arquidiocese de São Paulo, em maio de 1983, e presidido pelo
Senador Teotonio Vilela), Clara Araújo, então presidente da UNE, assim
se expressou: "Gostaria de citar Emmanuel Bezerra, morto sob
tortura, quando, não mais resistindo às torturas, não resistindo ao
fato de seus algozes terem lhe tirado todos os dedos, o umbigo, testículos,
pênis, veio a falecer".
Este foi o triste fim
desse jovem combatente. Apesar disso, Emmanuel era dado como
"desaparecido" ou seja, como alguém cuja prisão ou morte não
é do conhecimento das autoridades. Na verdade, assinala Luiz Eduardo
Greenhalgh, "os órgãos de repressão sabiam os nomes corretos dos
mortos e sabiam que estavam enterrando esses mortos com nomes trocados.
Era a lei do criminoso. A repressão sabia de tudo e ainda mandava, às
vezes, os mortos a julgamentos, nos quais eram julgados à
revelia". Pela sua dignidade e pelo seu exemplo de vida Emmanuel
merece ser nome de uma escola ou praça. E Viva EMMANUEL BEZERRA.
* Cientista social e
prof. da UFRN. |