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O Jornalista Ubirajara Macedo
Conta a História da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010
16.
Na ilha de Fidel
Não
é preciso ser comunista para se reconhecer
o valor de Cuba. Basta ter um pouco de sensibilidade,
aliar a isso um tanto de informação
e um outro tanto de utopia. Com essa receita,
podemos chegar a Cuba com a certeza de que
iremos admirar com uma justa medida todo
o magnífico trabalho de idealismo
e praticidade que o povo cubano realizou
desde a ascensão de Fidel Castro
– ou desde o fim do governo de faz-de-conta
de Fulgêncio Baptista.
Fiz minha viagem a La Habana em 1990. Ficamos
num hotel, de cujo nome não me recordo,
mas que sei que fora construído por
empresários americanos para usufruto
dos turistas ianques. E também canadenses,
europeus... Os turistas latino-americanos
estavam naturalmente excluídos. Reside
justamente aí um dos grandes feitos
da revolução: ter devolvido
aos cubanos a sua dignidade, reconhecendo-lhes
seus direitos, dentre estes, o de desfrutar
dos seus bens estético-patrimoniais.
A primeira coisa que notei, antes do desembarque
no aeroporto José Martí, em
Havana, foi o brilho intenso das águas
caribenhas entremeadas de ilhas, ilhotas,
e outros pequenos acidentes insulares espalhados
em meio à vastidão do mar
e que, à medida que se aproximava
a aterrissagem, ganhavam contornos mais
nítidos que acentuavam sua beleza,
marcada pela plasticidade dos seus entornos.
Como das vezes anteriores, Lourdinha me
acompanhava numa excursão constituída
de pessoas com as quais tínhamos
variados graus de amizade, o que acrescentava
ao prazer de conhecer novos lugares e pessoas,
o calor e o conforto da amizade. Ficamos
todos no mesmo hotel, mas a partir daí,
pequenos subgrupos do nosso grupo maior
faziam seu próprio programa, de acordo
com o grau de interesse de cada um. À
noite, costumávamos fazer programas
coletivos, indo a um determinado teatro,
boate ou restaurante previamente acertado
com a organização do tour.
Afora eu e Lourdinha, outros aficionados
da boa música integraram esse passeio
a Cuba, por isso, íamos com frequência
a espetáculos musicais, ponto em
que a ilha caribenha é especialmente
forte. Não vimos um Silvio Rodriguez
nem um Pablo Milanés ao vivo, mas
pudemos assistir a shows de nomes importantes
da velha guarda cubana, como Omara Portuondo,
Efraim Ferrer e Compay Segundo. Mas, independentemente
de ter ou não um grande nome em cartaz,
nessa ou naquela casa de espetáculos,
sempre valia a pena assistir, porque o povo
cubano é extremamente musical. Nesse
ponto, eles se parecem muito com nós
brasileiros, e estão sempre dispostos
a “fazer um som” de improviso,
nem que seja ao compasso de uma caixinha
de fósforos... Recordo que um dos
shows musicais que assistimos em Havana
me levou a compará-lo com espetáculos
semelhantes que eu havia assistido não
fazia muito tempo no Moulin Rouge, em Paris.
E a conclusão a que cheguei foi que
o espetáculo que vi em Havana nada
ficava a dever ao dos parisienses.
A praia de Varadero, na província
de Matanzas, onde ficava nosso hotel, é
um lugar especialmente privilegiado de Cuba.
Sendo uma tradicional estação
de veraneio desde os tempos de Baptista,
dispõe de uma variedade de hotéis
voltados especialmente para o turismo, o
que confere a eles um padrão de qualidade
próximo às exigências
europeias e americanas. Devido aos laços
históricos que nos unem aos cubanos,
os turistas brasileiros são recebidos
com muito carinho em Cuba, seja num hotel
três estrelas, seja num restaurante,
numa fábrica artesanal, num café
ou em outra parte.
Mas o que mais concorre para elevar a imagem
de Cuba no exterior é a qualidade
de sua educação e de sua saúde.
Pudemos conferir ao vivo por que a educação
cubana tem tão larga repercussão.
Visitamos uma escola primária meio
por acaso, quando voltávamos de um
passeio à baia de Cienfuegos, de
volta a Havana. Nosso guia precisou se ausentar
por cerca de duas horas e eu e Lourdinha
e mais um pequeno grupo deparamos com o
que nos pareceu a fachada de uma escola.
Nos identificamos como turistas brasileiros
e pedimos permissão para visitá-la.
Um professor veio nos receber e nos conduziu
ao interior do estabelecimento, onde, naquele
momento, outro professor ministrava aula
de espanhol para crianças de entre
oito e dez anos.
Ao notar a nossa presença, ele interrompeu
a aula para nos convidar a assisti-la. Como
éramos quatro, nos acomodamos sem
dificuldade em cadeiras que foram providenciadas
para nós e, embora com alguns equívocos
de sentido, nos comunicamos “passavelmente”.
Lourdinha pediu então para ver a
lição que as crianças
estudavam naquele momento e pediu a uma
delas, uma garotinha de tez escura e olhos
muito amendoados, que lesse o poema “Dos
Patrias”, de José Martí,
que exalta o amor do poeta a Cuba e à
noite, as duas pátrias de que fala
o poema.
A garota não se fez de rogada. Levantou-se
da sua carteira escolar e leu o poema vagarosamente,
sem demonstrar insegurança. Lourdinha
a parabenizou pela ótima leitura
e, após agradecermos ao professor,
fizemos menção de nos retirar.
Mas foi o próprio professor que se
dirigiu ao nosso grupo e nos fez uma breve
exposição sobre as dificuldades
que vivenciava na escola. Eram dificuldades
de ordem material, frisou, mas que não
comprometiam a qualidade do ensino porque
a dedicação dos alunos as
compensava com sobra. Percebi o quanto lhe
custava fazer aquela confissão para
quatro estranhos que pouco ou quase nada
sabiam sobre os problemas de que ele falava.
Mas era como se ele precisasse desabafar
com alguém seus problemas. Falou
também das limitações
salariais que enfrentava no seu trabalho,
mas nos garantiu que não trocaria
a sua cátedra por nada que significasse
mudar a forma de ser de Cuba. Notamos que
a confissão lhe custou um grande
esforço e lágrimas rolaram
de sua face.
Em outra ocasião, visitamos uma fábrica
de charutos nos arredores de Havana. Eram
centenas de trabalhadores, no geral, jovens
e de ambos os sexos, que enrolavam manualmente
o tabaco até conferir-lhe a forma
do charuto. Nenhum operário interrompeu
seu trabalho, mas saímos de lá
abarrotados de charutos de diversas marcas,
que compramos a preço convidativo.
Em outra ocasião, fomos a um hospital
de médio porte. Não vimos
pacientes pelos corredores, como é
tão comum nos hospitais públicos
brasileiros. Outro detalhe que me chamou
a atenção foi a limpeza impecável
dos corredores e ambulatórios. Notei
também que havia médicos em
grande número e junto aos guichês
de atendimento os pacientes pareciam tranquilos.
Em resumo, vi uma Cuba vibrante, esbanjando
energia e entusiasmo, cheia de vitalidade
e de projetos, mas sem descuidar da vida
presente. Com os avanços que já
conseguiu em áreas essenciais como
saúde, educação, lazer
e cultura, acho que o povo cubano está
preparado para os desafios gerados com o
afastamento de Fidel Castro. A vibração
das ruas dá a entender que corre
sob o chão da ilha uma energia que
anima a alma cubana e a renova a cada novo
dia.
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