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O Jornalista Ubirajara Macedo
Conta a História da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010
10.
Boemia e jornalismo
Aquilo
que, para alguns, pode parecer incompatível,
sempre me pareceu perfeito. Falo da relação
entre jornalismo e boemia, uma realidade
que acompanha a atividade jornalística
entre nós desde que passamos a fazer
nossos próprios jornais, em prensas
um pouco mais modernas do que aqueles engenhocas
inventadas por Gutemberg no século
XVI. Boemia e jornalismo formam um par perfeito
porque nos bares, como nos salões
de beleza e nas colunas sociais, “tudo
se sabe, tudo se comenta”, como dizia
o experiente colunista social Ibrahim Sued.
Era, e continua sendo, nos bares, onde os
jornalistas se encontram após um
árduo dia de coleta de notícias,
checagem de fontes, confrontação
de dados. Em que lugar, portanto, um jornalista
deve ir após esgotar as suas fontes
diretas nas entrevistas? Aos bares, naturalmente.
Como numa cumplicidade, é lá
onde o jornalista conhece detalhes que escaparam
às suas fontes; é lá
onde ele vai saber de coisas que ainda estão
em processo embrionário, por assim
dizer. Ali é onde começam
a circular os rumores que, muitas vezes,
se antecipam aos acontecimentos, sobretudo
quando tratam de escândalos políticos,
sociais ou policiais.
Não foi por obra e graça do
acaso que bares e restaurantes sempre se
entenderam bem com as empresas jornalísticas.
Basta lembrar, por exemplo, o Bar do Lourival,
localizado praticamente defronte do Diário
de Natal. A Tribuna do Norte, por estar
situado num bairro boêmio por formação,
viu proliferar em seu entorno uma concorrida
oferta de bares, restaurantes e... bordeis.
O Bar do Olívio, o Bar das Bandeiras
e a Peixada Potengi são apenas três
nomes que se destacaram nessa geografia
de gama tão diversificada quanto
a clientela que servia.
Para mim, nada pareceu mais normal na vida
do que sair da redação de
um jornal, após um dia estafante
e produtivo, e ir ao Bar do Lourival degustar
uma cervejinha gelada na companhia de alguns
companheiros. Além de podermos checar
informações e tendências
de acontecimentos no mundo político,
econômico ou desportivo, a gente como
que irrigava os laços de amizade,
nas trocas de impressões impessoais,
chegando, porém, às pessoais.
Conheci Lourdinha Pereira, minha companheira
definitiva, na redação do
Diário de Natal, onde ela ia buscar
sua filha Viveca, que era diagramadora,
como disse antes. Mas foi no convívio
dos bares que nossas afinidades afloraram,
consolidando-se. Nesse tempo, encerrado
o expediente de trabalho do sábado,
costumávamos nos encontrar no Bar
do Lourival, de onde saíamos para
o “Tric-Tric” ou outro bar da
moda, naquela época. Lá, saboreávamos
um delicioso camarão, acompanhado
de um chope geladíssimo. Essa convivência
foi aprofundando nossa relação
e, sem que nos déssemos conta, uma
relação de amor foi se consolidando.
Costumávamos ter a agradável
companhia dos colegas Remo Macedo, Luís
Gonzaga Cortez, Thaís Marques, Ângelo
Ramos, Margareth Martins. Outros companheiros
de redação eventualmente se
somavam ao grupo, como Vicente Serejo, Jânio
Vidal, Cassiano Vidal e Aluísio Lacerda.
Nas noites de sexta-feira, íamos
para a Casa da Música Popular Brasileira,
um local aprazível e descontraído
localizado na Praia dos Artistas (Rua 25
de Março), onde se podia apreciar
uma boa música e dispor de um espaçoso
dancing que deixava toda a clientela muito
à vontade. Por isso, eu e Lourdinha
não nos cansávamos de frequentar
a casa. E tinha vezes em que a gente varava
a noite, ficando até às 7h
da manhã seguinte. Na casa da MPB
a gente dançava e também conversava
muito com os amigos, e quase não
se falava em política. Não
que política não combinasse
com boemia; mas os tempos eram pesados,
de chumbo. Não convinha, portanto,
dar chance ao azar...
Dessa época, recordo um episódio
envolvendo a reunião, em Natal, da
Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência – SBPC. Algumas personalidades
do encontro foram convidadas pelo empresário
Teodorico Bezerra para conhecerem a fazenda
dele em Tangará. Alguns nomes do
Diário também receberam o
mesmo convite, entre eles, eu, Margareth
Martins, Luiz Gonzaga Cortez, Remo Macedo
e Thais Marques.
Tivemos um fim de semana diferente e agradável.
Quando lá chegamos, no fim da tarde
do sábado, fomos recepcionados pelo
anfitrião e pelo genro dele, Hélio
Nelson. Tivemos um lauto jantar, além
da oportunidade de privar da companhia do
experiente empresário e político
sertanejo, do seu genro e de outros parentes
deles.
No outro dia, chegaram os cientistas. Eram
tantos que ocuparam dois ônibus. Ao
desembarcarem dos veículos, os convidados
foram recepcionados por duas bandas de música
– uma masculina e outra feminina –,
constituídas de filhos dos funcionários
da fazenda, que se alternaram na execução
de um repertório de dobrados, marchas
e choros, tudo tocado com muito garbo e
entusiasmo.
Passamos o domingo conversando com alguns
nomes importantes do meio intelectual e
científico do país e retornamos
a Natal no domingo à tardinha. Comida
e bebida fartas em todas as refeições.
Um detalhe que não me passou despercebido
foi que a fazenda do “majó”
Teodorico abrigava escolas de ensino regular
e também de música. O que
contrastava com a imagem que se comentava
dele no meio jornalístico: a de um
capitalista empedernido, que só pensava
em fazer dinheiro e explorar a mão
de obra dos seus peões.
Na verdade, não foi exatamente isso
que eu pude observar, nesse dia e meio em
que privei da companhia do “majó”.
Notei, por exemplo, que ele tinha seus laivos
de nobreza e que era sensível ao
problema social. A prova era que não
faltava nem escola nem boa alimentação
para os peões e para os filhos deles,
conforme pude apurar junto a pessoas do
lugar.
Outro traço da personalidade de Teodorico
era o do viajante curioso e contumaz. Ele
sentia grande prazer em mostrar as fotos
das viagens que fazia sozinho pelo mundo
afora. Vendo uma foto sua no Egito, perguntei:
como o senhor se comunicava com os egípcios?
Lacônico, ele respondeu: “Quem
tem boca vai a Roma, meu filho”. Essa
verdade eu constatei também nas muitas
viagens que empreendi pelo mundo com Lourdinha
e, às vezes, amigos do Clambom.
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