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Raimundo Ubirajara de Macedo
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Outono da Memória
O Jornalista Ubirajara Macedo
Conta a História da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010
9.
No Diário de Natal
Fechada
a Folha dos Municípios, novos acontecimentos
ligando eventos remotos a outros mais recentes,
se encarregariam de definir uma nova etapa
na minha carreira jornalística. Essa
urdidura de acasos em cadeia começou
quando o jornalista e publicitário
Cassiano Arruda, já estabelecido
como colunista da Roda Viva, prestigiosa
coluna de informes gerais do Diário
de Natal, caracterizada pela brevidade e
contundência de algumas notas, me
procurou para me oferecer emprego naquele
jornal, incumbido que fora pelo velho Luiz
Maria Alves, jornalista, superintendente
e o manda-chuva dos Diários Associados
no Estado.
Estranhei a proposta, porque sabia das diferenças
ideológicas incontornáveis
que nos separavam desde os tempos de Djalma
Maranhão; até antes. Ainda
retinia na minha memória uma frase
dele: “Não quero Bira trabalhando
no Diário porque ele é um
comunista, e comunista não trabalha
no meu jornal”.
Mas, pouco a pouco, fui remodelando a imagem
que fizera durante décadas de Luiz
Maria Alves. O principal motivo que me levou
a revisá-la foi a descoberta de que
ele colocava o profissionalismo e a responsabilidade
no trabalho acima das questões ideológicas.
E isso contava a meu favor, porque não
foi uma nem duas vezes que nos deparamos,
em trânsito, na noite paulista, na
década anterior. Eu, saindo dos Correios
para fazer o radiojornal da Piratininga;
ele, resolvendo na capital paulista alguma
pendência financeira do grupo para
o qual trabalhava.
O que eu não sabia é que aqueles
encontros, quase fortuitos, remodelavam
também a imagem que ele fazia de
mim. Isso eu mesmo comprovei, duas ou três
vezes, na redação do Diário,
quando ele surpreendia a redação
em plena azáfama de fim de tarde,
para contar “causos” e praticar
o saudável exercício das boas
recordações. Sem que nem mais,
lá ele saía com histórias
vistas ou vividas. E uma delas me apontava
como protagonista de um episódio
no qual era, a princípio, o vilão,
para logo depois me revelar como o mocinho
da trama. O vilão, dispensa dizer,
era o “comunista” Ubirajara
Macedo; o mocinho, o trabalhador ordeiro
e incansável, ante o qual o “comunista”
arredava pé, como uma máscara
que a gente retira do rosto para revelar
a verdadeira face. Também é
dispensável lembrar que, a rigor,
nunca fui comunista. Razões religiosas,
mas também ideológicas, o
impediram. Afora isso, sempre fui um homem
de esquerda, mas esse era um detalhe que
contava pouco para o “velho Alves”.
Para ele, só os comunistas eram imperdoáveis
e eu deixara de ser – pelo menos para
ele – aquilo que nunca fora...
Cassiano Arruda já havia antecipado
para mim a mudança de opinião
do velho Alves a meu respeito, tentando
me convencer a aceitar a proposta de trabalho
que fora incumbido de fazer-me. Como de
minha parte não havia restrições
à proposta, uma vez que ela vinha
encaminhada de outra, de caráter
conciliatório, comuniquei a Cassiano
que aceitava. Marcamos então para
a manhã seguinte, no gabinete de
seu Alves, uma conversa formal para acertamos
os detalhes trabalhistas e salariais.
Foi com surpresa que ouvi de Luiz Maria
Alves a revelação de que o
meu trabalho interessava ao Diário
de Natal. Mas nada adiantou sobre o que
a empresa esperava de mim. “Esse detalhe
você acerta com o João Neto
(chefe de redação, à
época). O importante é que
você agora faz parte do quadro do
Diário de Natal”. Falamos então
de salário e deixei o gabinete do
superintendente para me dirigir ao escritório
do chefe de redação.
Lacônico, um tanto ríspido
(traço que eu atribuí, nesse
primeiro encontro, às pressões
do cargo que exercia), João Neto,
mesmo assim, me congratulou por estar finalmente
no Diário e me confessou que sempre
cogitou do meu nome para a empresa. Como
era de se esperar da sua discrição,
nada me adiantou sobre qualquer influência
do velho Alves na minha escolha como novo
funcionário do jornal associado.
De todo o modo, quando aceitei a oferta
de “Seu” Alves, eu já
sabia que iria trabalhar mesmo era com João
Neto. E isso me trouxe à lembrança
um episódio bastante antigo, de cerca
de dez anos atrás, quando eu ainda
militava nas fileiras do radiojornalismo
da Rádio Nordeste, fazendo, entre
outros programas, “A Voz do ABC”.
Nesse tempo, João Neto estava na
editoria de Esportes do Diário de
Natal. E foi nessa arena que colidimos um
com o outro em torno de um episódio
envolvendo um atacante do ABC. Na verdade,
um craque chamado Jorginho, o qual fora
expulso injustamente (em minha opinião)
durante uma partida. No dia seguinte à
expulsão, aproveitei o meu programa
na Rádio Nordeste para criticar dura,
mas civilizadamente, a decisão do
juiz, lembrando que Jorginho era um jogador
disciplinado e leal, e que não fizera
por merecer uma punição tão
sumária como uma expulsão.
João Neto, por sua vez, americano
roxo, como se dizia dos torcedores fanáticos,
aproveitou o episódio Jorginho para
tripudiar sobre o jogador, acusando-o de
tudo quanto eu o havia isentado.
Um ou dois dias depois do meu programa,
João Neto entrou na sala de redação
da emissora, e, dirigindo-se a mim, pediu
para ver uma cópia do programa “A
voz do ABC do dia anterior”. Sem desconfiar
de nada, atendi-o. Terminada a leitura,
ele voltou-se para mim e me acusou de proteger
Jorginho. Eu repliquei que ele é
que caluniara um jogador injustamente. O
tom da discussão se tornou mais e
mais acalorado, até que ele me desafiou:
“Vamos resolver essa questão
lá fora!”. Berilo Wanderley,
que estava começando a trabalhar
na Nordeste e que cessara suas atividades
para acompanhar o desfecho da discussão,
foi quem interveio a meu favor, lembrando
que não ficava bem dois jornalistas,
bastante conhecidos da cidade, brigarem
por divergência sobre o conteúdo
de uma notícia. Ponderei que Berilo
tinha razão; eu também não
via razões para trocar valentia com
um colega de profissão.
Diante da minha reação, secundada
pela de Berilo, João Neto se retirou,
furioso, e não mais nos falamos.
Até que, dez anos depois da querela
sobre Jorginho, aconteceu uma reunião
festiva no Hotel Reis Magos, patrocinada
por um colega de trabalho de João
Neto, já aposentado do INAMPS –
Instituto Nacional de Assistência
Médica e Previdência Social
–, o outro emprego dele. Ao chegar
à mesa que me fora reservada, deparei
com João Neto numa das cadeiras.
Tomei um susto, conhecedor que era da fútil
rixa que alimentávamos há
quase dez anos. Mas, ao me ver, ele mesmo
tomou a iniciativa de desfazer qualquer
clima de animosidade e, em tom conciliador,
falou para mim: “Bira velho de guerra,
que bobagem ficarmos intrigados quase dez
anos. Vamos fazer as pazes”. E ali
mesmo voltamos a conversar como velhos amigos.
Isso aconteceu justamente duas semanas antes
da minha contratação pelo
Diário de Natal. O gesto de João
Neto encobria algum plano futuro? Creio
que não; para mim, tudo não
passou de mais uma coincidência, aliás,
coisa muito frequente na minha carreira
jornalística.
No final das contas, o gesto conciliador
de João Neto me abriu as portas de
um jornal que sempre exercera um enorme
fascínio sobre mim, haja vista que
eu tinha relações de amizade
com muitos dos seus profissionais –
repórteres, fotógrafos, colunistas
– tendo, inclusive, trabalhado com
alguns deles em empresas jornalísticas
como A República, a Folha dos Municípios
e a Tribuna do Norte, entre outros.
Comecei no Diário “limpando”
telegramas de agências nacionais e
internacionais de notícias. Era como
se tudo o que eu havia aprendido em outros
órgãos de imprensa tivesse
sido apagado e eu precisasse começar
tudo de novo. Em compensação,
o ambiente de trabalho na redação
era estimulante e eu confiava que teria
outras oportunidades. Isso aconteceu quando
o jornalista pernambucano Manoel Barbosa
assumiu a editoria do Diário, com
a aposentadoria de João Neto. Barbosa
era um jornalista bastante conhecido e respeitado
em Natal, porque havia dirigido com grande
sucesso o jornal A República entre
as décadas de 1970 e 1980. O que
caracterizava seu modelo de administrar
uma empresa jornalística era que
ele costumava delegar tarefas aos seus subordinados
imediatos, ou seja, os editores, o que concorreria
diretamente para a valorização
do trabalho desses profissionais, ao mesmo
tempo em que reduzia a carga de trabalho
do editor geral.
No dia seguinte à sua posse, Barbosa
me pediu para fazer as chamadas pertinentes
à minha editoria, ou seja, as notícias
nacionais e internacionais do dia –
resumos de notícias que são
utilizados ainda hoje nas capas dos jornais
e revistas para aguçar o interesse
do leitor pela matéria completa editada
no interior do jornal. Dessa data em diante,
me integrei definitivamente à redação
do jornal.
Embora tenha passado menos de um mês
no Diário, por colidir de frente
com o todo-poderoso Luiz Maria Alves, Manoel
Barbosa me proporcionou uma oportunidade
ímpar, que os seus sucessores na
editoria do jornal mantiveram.
Foi lá onde convivi com alguns dos
principais nomes do jornalismo norte-rio-grandense,
como Cassiano Arruda, Paulo Tarcísio
Cavalcanti, João Neto, Vicente Serejo,
Carlos Jorge, Roberto Guedes, Thais Marques,
Margareth Martins, Dermi Azevedo, Dickson
Antunes, Ricardo Rosado, Remo Macedo, Aluísio
Lacerda, Jânio Vidal, entre outros.
Minha passagem pelo Diário significou
o coroamento da minha carreira jornalística.
Foram dezessete anos de casa e foi, também,
o período mais gratificante do ponto
de vista profissional. Eu havia trabalhado
em jornais maiores, como a Folha de S. Paulo,
por exemplo, mas por períodos curtos.
O Diário me deu a oportunidade de
trabalhar até o fim da minha carreira,
só saindo de lá para a aposentadoria.
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