Comitê
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Outono da Memória
O Jornalista Ubirajara Macedo
Conta a História da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010
6.
Tributos pagos ao belo sexo
Tenho
coisas mais pessoais a falar agora. E já
deparo com um sério obstáculo:
minha timidez. E quando se trata de falar
do meu relacionamento com o belo sexo, então
a timidez parece aumentar. Mas comecemos,
já que esse é um assunto incontornável
no conjunto destas memórias.
Minha juventude transcorreu numa época
e num lugar marcados por diferenças
muito acentuadas, quando comparadas às
de hoje. A Natal de então era uma
cidade provinciana ao extremo, onde os seresteiros
eram perseguidos como malfeitores e onde
um baile de carnaval tinha que ter permissão
prévia da polícia de costumes,
para que pudesse ser realizado sem risco
dos seus organizadores irem “em cana”.
Somada ao provincianismo do meu entorno,
minha timidez natural não encontrava
oposição forte do meio em
que cresci. Em consequência, minhas
relações com as moças
da minha geração eram reservadas
e esporádicas, já que havia
poucos lugares que rapazes e moças
pudessem frequentar juntos a fim de se conhecerem
e, eventualmente, namorarem.
Além do círculo de amizades
familiares, tinha a boemia dos bares. Mas
nessa época, moças de família
(como se denominavam as casadouras) não
frequentavam bares, para não “ficarem
faladas”. O conselho mais comum, a
esse respeito, que as mães costumavam
dar a suas filhas, era este: “Boa
romaria faz, quem em sua casa está
em paz”. Quanto aos pais, severos
e superiores, não admitiam que suas
filhas solteiras saíssem sozinhas,
especialmente à noite.
A vida social natalense, na primeira metade
do século passado, era marcada por
poucas opções sociais. Havia
o Teatro Carlos Gomes, inaugurado em 1904,
pelo Governador Alberto Maranhão
– e que ganharia, mais tarde, o nome
desse homem público – localizado
em pleno coração do bairro
da Ribeira, então o centro social
e comercial da cidade. A Ribeira era também
o bairro dos “canguleiros” (comedores
de peixe cangulo) em oposição
aos “xarias”, da Cidade Alta,
que comiam xaréu... Havia ainda os
clubes, eminentemente masculinos, como o
Natal Clube, na Avenida Rio Branco, onde
funcionou mais tarde o Banco Nacional e
hoje opera uma loja de confecções.
E bares, como a “Confeitaria Delícia”
na esquina com a Rua Coronel Bonifácio,
do português Olívio Domingues,
e o Restaurante do Nemésio, em Petrópolis.
O Grande Hotel, na Ribeira, oferecia em
seu sofisticado mezanino apresentações
da orquestra da casa que tocava os grandes
sucessos da época. No hall, o pianista
Paulo Lyra tocava para os casais dançarem
ou simplesmente conversarem ao som de uma
música agradável e suave.
Sempre impecavelmente vestido num terno
branco de linho, Paulo Lyra às vezes
resgatava ao piano o repertório de
músicas que animaram as sessões
dos cines Politeama e Royal, e que ele aprendeu
a tocar quando ainda não passava
de um menino travesso, mas cujo talento
musical já o distinguia dos seus
colegas de travessuras. Outra vezes, ele
mesclava o repertório com músicas
brasileiras e internacionais, numa receita
que sempre agradava ao público frequentador
do Grande Hotel, em geral gente da classe
média alta natalense e hóspedes
sulistas ou estrangeiros. Muitos destes
já estavam familiarizados com a arte
do famoso pianista natalense.
A partir da operação de guerra
que trouxe os americanos para Natal, em
princípios de 1941, a mansidão
que caracterizara a vida natalense iria
passar por uma mudança radical. Em
especial, o modo de vida. Acho que a maior
herança deixada pelos americanos
aos natalenses não foi, porém,
uma nova maneira de viver, como alguns sociólogos
apressados têm defendido. Acho que
a maior herança foi a oportunidade
que tivemos de conhecer um pouco da cultura
deles que, já naquela época,
não era de todo desconhecida para
nós, haja vista que os filmes produzidos
em Hollywood eram familiares aos natalenses
desde a década de 1920. Com ela,
vinham os musicais da Broadway, as big bands,
como as de Glenn Miller, Benny Goodman e
Tommy Dorse, os grandes cantores como Frank
Sinatra, Billy Holiday, Nat King Cole etc.
Houve uma troca cultural nesse contato com
os americanos, mas não estou certo
se eles assimilaram mesmo algo da nossa
cultura.
Minha educação sentimental
foi, portanto, lenta e cautelosa. Tive vários
“flertes”, como se dizia na
época, mas só dei o passo
decisivo em 1951, aos 31 anos. Casei com
Doralice Augusto Varela, viúva com
um casal de filhos, cunhada do influente
médico e político Abelardo
Calafange. Os filhos de Doralice, à
época, adolescentes, eram Marília
e Rodrigo. Marília Varela de Azevedo
Santos, casada com Manuel de Santos, tem
três filhos e mora no Rio de Janeiro.
Rodrigo Varela de Azevedo reside em Londrina,
Paraná, desde muito jovem, onde casou
e tem cinco filhos.
As circunstâncias em que conheci Doralice
foram as mais comuns na sociedade de então:
uma festa em casa de amigos. Pouco tempo
depois, já na condição
de minha esposa, ela iria ser também
minha colega na agência dos Correios
na qual eu trabalhava, situada no bairro
da Ribeira.
Vivemos juntos durante 14 anos, até
que o divórcio nos separou oficialmente.
Nesse período tivemos três
filhos: Isabela, Rosana e Júlio Mário.
O fim do nosso relacionamento se tornou
evidente no período que moramos em
São Paulo. Nossos filhos, já
crescidos e se iniciando vida profissional,
demandavam menos cuidados de nós,
nos obrigando a encarar aquilo que tentávamos
encobrir de nós mesmos: nossas diferenças,
incompatíveis. A separação
veio em 1971, quando um irmão de
Dora, que morava no Rio de Janeiro, adoeceu
gravemente, levando-a a se transferir para
a residência dele a fim de prestar-lhe
os cuidados necessários requeridos
pela enfermidade. Com ela, foram nossos
três filhos.
Meses depois, Dora também voltou
para Natal, mas veio só, porque nossos
filhos haviam tomado seus próprios
caminhos: Rosana já estava residindo
na cidade, na casa de sua tia Giselda, mulher
do professor José Melquíades,
ex-seminarista que deixou o seminário
muito jovem e que tinha no ensino do latim
e do inglês seu principal sustento;
Isabela estava empregada no Rio, e ficou
morando com a sua meia-irmã Marília,
do primeiro casamento de Doralice, enquanto
Júlio Mário ficou em Londrina,
Paraná, com seu tio José Júlio,
irmão de Doralice.
Durante os meus dias de cárcere,
ela se revelou uma companheira dedicada
e compreensiva e jamais me censurou ou me
recriminou por essa ou aquela atitude de
natureza política que eu tivesse
tomado e que porventura tivesse sido a causa
da minha desdita. Fazia questão de
não se envolver em questões
políticas, que não lhe interessavam
e que fugiam ao foco dos seus interesses.
Sua única queixa, quando me visitava
na prisão – o que sempre acontecia
aos sábados à tarde –,
era do tratamento grosseiro da parte dos
militares responsáveis por receber
os visitantes e encaminhá-los até
os prisioneiros.
Viajamos para São Paulo em 1966,
e logo recomeçaram as discussões
entre nós, a pretexto de qualquer
coisa, pelos motivos mais fúteis.
E como, em situações assim,
algo precisa acontecer para que a gente
possa respirar e sair do impasse que nos
sufoca, apareceu uma oportunidade de ela
ir passar uns tempos no Rio de Janeiro,
para cuidar do irmão doente.
Resolvi pedir divórcio a Dora já
quando de sua volta para Natal, porque cheguei
à conclusão de que o desgaste
da nossa relação não
justificava a continuidade de nossa vida
em comum. Inevitavelmente, novos desgastes
se somariam aos antigos e iriam tornar nossa
relação intolerável.
Para poupar a mim e a ela desse ônus,
resolvi que o divórcio seria o melhor
remédio, mesmo sabendo que a princípio
ela não concordaria. Eu tinha esperança,
porém, que com o tempo ela iria aceitar.
Eu me enganara, porém. Dora reagiu
com indignação à proposta,
alegando razões religiosas, morais...
Para efetivá-lo, tive de enfrentar
sua recusa, o que tornou o processo mais
lento, doloroso e traumático. Nossos
filhos, no entanto, procuraram ficar equidistantes
do litígio de seus pais e tentaram
se mostrar compreensivos, o que pelo menos
minorou os traumas do processo.
Quando ao fim de múltiplas atividades
no serviço público, bem como
em jornais e empresas de comunicação,
me aposentei dos Correios em 1972, resolvi
voltar para Natal. Retornei só, e
ao chegar, voltei a morar na companhia de
meus pais.
É indescritível a alegria
com que eles me receberam depois de tantos
anos de ausência. Já velhinhos,
meus pais temiam que não voltassem
a me ver, devido à minha longa permanência
em São Paulo e que havia rompido
os laços filiais que me uniam a eles.
No início dos anos 1990, Dora regressou
para Natal, já aposentada dos Correios.
Nos primeiros dias, ela alugou uma casa,
depois foi para o pensionato de Waldemar
Matoso, um espírita que exercia uma
grande liderança sobre muitas pessoas,
graças a seu trabalho filantrópico
realizado no seu pensionato, bem como às
suas ações sociais e religiosas.
Quando Dora adoeceu, foi para a companhia
de sua filha Rosana, então casada
com o médico Marcos Antônio
Pereira da Costa. Dora faleceu sob o amparo
dessa filha.
Nesse ínterim eu e Lourdinha (Maria
de Lourdes Pereira Damasceno) – já
vivíamos maritalmente, embora não
tivéssemos formalizado nossa relação,
o que faríamos em 1997. Passou a
se assinar Maria de Lourdes Pereira de Macedo.
Eu já estava divorciado de Doralice
desde 1973.
Lourdinha era viúva e tinha duas
filhas: Viveca Damasceno, socióloga
e hoje funcionária da Caixa Econômica
Federal e Virna Soraya Damasceno, bacharel
em Direito e auditora fiscal do Ministério
do Trabalho e Emprego, Coordenadora do Grupo
de Repressão ao Trabalho Escravo
(Grupo Móvel). Filhas do (primeiro)
casamento de Lourdinha com Francisco Canindé
Damasceno, sobrinho do professor Celestino
Pimentel. Damasceno professor de inglês
trabalhou na empresa Washang, uma mineradora
sino-americana. Sua admiração
pela Suécia o levou a dar à
primeira filha o nome “Viveca”,
sueco, e que se escreve com “k”.
Mas aí ele fez uma concessão
ao nosso idioma, substituindo o “k”
pela letra “c”.
Quando comecei a trabalhar no Diário
de Natal, conheci Viveca, que trabalhava
como diagramadora desse jornal. Lourdinha
costumava ir buscar a filha na redação,
à noite. Suas visitas deram ensejo
a que nos conhecêssemos. Em seguida,
começamos a sair juntos sempre que
um evento jornalístico me solicitava
e eu podia encaixar Lourdinha no programa.
Naturalmente, eu tinha que levar em consideração
também o trabalho de Lourdinha, nessa
época, lotada na Secretaria de Finanças
do Estado (hoje Tributação),
de onde se aposentou no Governo Geraldo
Melo.
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