Comitê
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O Jornalista Ubirajara Macedo
Conta a História da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010
3.
Jornalismo e resistência
Desde
muito jovem mantive relações
amistosas com pessoas do rádio em
Natal. Dentre outros nomes, cito os de Aluízio
Menezes e Mirocen Lima, da Rádio
Nordeste. Em 1956, Aluízio assumiu
a direção geral de jornalismo
da Rádio Nordeste, e logo me convidou
para trabalhar como repórter responsável
pela cobertura do noticiário geral
da emissora.
Aluízio
e eu tínhamos um interesse comum:
o esporte. Aluízio, na qualidade
de radialista esportivo; eu, como torcedor
ativo do ABC Futebol cuja sede, à
época, se situava na esquina da Rua
Potengi com a Avenida Afonso Pena. Minhas
relações com a imprensa se
aprofundaram a partir do dia em que ocupei
a diretoria de comunicação
do ABC Futebol Clube, na gestão de
Ernani Alves da Silveira, em 1958, quando
o Brasil ganhou a Copa do Mundo da Suécia.
Pouco
tempo depois, ainda integrante da diretoria
do ABC, organizei na Rádio Nordeste
um noticioso intitulado “A voz do
ABC”, que ia ao ar uma vez por semana,
às 19h, sendo eu o responsável
pela redação e locução.
Nesse programa, eu tratava da movimentação
do clube, com notícias de jogos,
treinos, contratações, além
de responder a correspondência dirigida
ao programa. Além dessas atividades,
eu exercia, como profissional, funções
jornalísticas nos diversos jornais
falados da Rádio Nordeste. Lembro
que nos primeiros programas contei com a
colaboração do jornalista
Everaldo Lopes, criador do futuro “Cartão
amarelo”, juntamente com o cartunista
Edmar Viana, recentemente falecido. O “Cartão
amarelo” foi tão bem-sucedido
na imprensa norte-rio-grandense que até
hoje circula.
Naqueles idos de 1949, o radiojornalismo
ensaiava seus primeiros passos em Natal.
Tudo esbarrava na lentidão das comunicações
telegráficas e dependia da habilidade
de um telegrafista, responsável por
traduzir as emissões chegadas em
código Morse e que, em seguida, eram
repassadas a mim para que lhes desse a forma
noticiosa. O processo exigia, além
de rapidez na tradução das
informações para linguagem
jornalística, muita paciência
para aguardá-las. Mas o hábito
que eu adquirira de redigir pequenos informes
me qualificara para esse trabalho, de forma
que não tive dificuldades para trabalhar
no rádio, atividade que eu desenvolvia
na parte da manhã, enquanto à
tarde dava expediente nos Correios.
Passei cerca de seis anos como redator da
editoria de jornais falados da Rádio
Nordeste. Mas já fazia algum tempo
que a emissora passara das mãos do
empresário e deputado federal Aristófanes
Fernandes para as do senador Dinarte Mariz.
Com a mudança, tornaram-se mais frequentes
e mais fortes as ingerências políticas
dentro da redação da emissora.
Por razões que não valem a
pena esmiuçar aqui, me desentendi
com um colega de profissão e fui
instado a pedir demissão. Negociei
as condições, inclusive o
pagamento dos meus direitos trabalhistas,
o que me foi concedido, e deixei a Nordeste.
Mas o fato de ter deixado a emissora de
Dinarte não significou o fim da minha
carreira jornalística. Pelo contrário,
constituiu apenas uma passagem para outra
empresa. Dessa vez, para um veículo
impresso, o diário A República,
onde ingressei por intermédio de
Jurandir Barroso, então diretor-geral
daquele jornal.
Naquela época – meados de 1950
– a redação d’A
República era de altíssimo
nível. Além do escritor Veríssimo
de Melo como secretário de redação,
tinha quadros do nível de um Celso
da Silveira, responsável pelo noticiário
geral, e de uma Myriam Coeli, então
a primeira jornalista formada da imprensa
norte-rio-grandense, com curso na Espanha
e recém-integrada à redação.
Myriam, que anos depois se casaria com Celso,
escrevia matérias mais ligadas à
área de cultura e lazer. A jornalista
Ana Maria Cascudo era a colunista de música,
e Sebastião Carvalho era uma espécie
de curinga- atuava em várias frentes.
Foi ele quem modernizou a diagramação
nos jornais de Natal. Lembro que ele começou
a aplicar rudimentos de medição
de colunas, textos e títulos, confeccionando
o que ele denominava de “espelho”
de página, numa época em que
não havia diagramação
de fato, o que tornava o trabalho redacional
uma atividade dificultosa, marcada por interrupções
constantes, fosse para cortar determinada
matéria, fosse para estendê-la.
Os rudimentos de diagramação
de Sebastião Carvalho evoluíram,
mais tarde, para uma técnica aprimorada
que foi, depois, utilizada em muitos jornais
natalenses.
Ainda sobre Sebastião Carvalho, corria
a opinião unânime no meio jornalístico
da época que ele era um profissional
versátil e competente e que se mostrara
capaz de obter ótimos resultados
em atividades não jornalísticas,
como o teatro, a crônica, a publicidade.
Celso da Silveira, espantado com a versatilidade
de Sebastião Carvalho, certo dia
disse uma frase que reputo definitiva: “Sebastião,
sozinho, era uma redação”.
Além de produzir notícias
e reportagens para o noticiário geral
do A República, eu mantinha uma coluna
intitulada “Ciranda dos sete dias”,
que saía às terças-feiras,
qual eu fazia um balanço dos principais
acontecimentos da semana anterior. Para
escrevê-la, eu precisava repassar
criticamente os principais e recentes acontecimentos
e escolher alguns deles para comentar, o
que me forçava a um exercício
jornalístico que me serviria ao longo
de toda a minha vida profissional.
Quando Aluízio Alves assumiu o Governo
do Estado, em 1960, derrotando seu opositor
Dinarte Mariz numa das campanhas mais memoráveis
da vida pública norte-rio-grandense,
minha vida como jornalista sofreria nova
guinada: A República seria fechada
e eu, forçado a buscar outro veículo
de comunicação. Novamente
entraram em ação minhas boas
relações de amizade. Afonso
Laurentino, que era pessoa muito ligada
à família Alves, conversou
com Waldemar de Araújo, secretário
de redação do jornal Tribuna
do Norte, e conseguiu que eu fosse para
lá. A essa altura da minha carreira,
já estava mais “desasnado”
e logo me adaptei ao ritmo mais forte da
Tribuna, se comparado com o do A República.
Comecei na editoria de Polícia, na
qual conheci uma das figuras mais curiosas
do nosso jornalismo. Refiro-me a Pepe dos
Santos, olheiro e rabiscador de notas que
eram depois tratadas pela redação
em linguagem noticiosa. Mas Pepe não
era um rabiscador qualquer; ele fazia desse
ofício uma atividade jornalística
à parte, tal a precisão e
a riqueza de detalhes que punha nas anotações,
trazendo os “furos” mais sensacionais
e que garantiriam, na manhã seguinte,
vendas recordes da Tribuna. De fato, ele
sempre chegava à redação,
nos fins de tarde, trazendo um monte de
anotações colhidas laboriosamente
junto às delegacias de Polícia,
ITEP e de fontes próprias, notas
que depois ele datilografava e entregava
ao editor de Polícia para posterior
acabamento e ordenamento jornalístico.
Não fui o único jornalista
dos quadros do A República aproveitado
pela Tribuna do Norte. Sebastião
Carvalho e Celso da Silveira logo se somariam
à nova redação, contribuindo
com seu talento para dinamizar um jornal
que estava atravessando uma grande fase,
graças ao trabalho de gente como
Walter Gomes, Rômulo Wanderley, Woden
Madruga, todos sob a batuta do operoso Waldemar
Araújo.
Adaptei-me plenamente à redação
da Tribuna. Na verdade, mais do que eu esperava,
pois quando estourou o movimento de 64 eu
respondia pela editoria do jornal, em vista
de Waldemar estar convalescendo de uma cirurgia
a que se submetera no Recife. Se em situações
normais de trabalho eu me sentia pouco à
vontade, devido à pouca experiência
que (eu) sentia ter, imagine numa situação
extraordinária, como aquela que abalou
todo o País, na noite de 31 de março/
madrugada do dia 1º de abril de 1964!
Eu encerrara a edição do jornal
que circularia no dia seguinte, dando as
informações sobre os agitados
acontecimentos da véspera. Por volta
das 9h, como de hábito, fui direto
para casa, vencido pelo cansaço e
pelo estresse naturais a uma redação
de jornal, sobretudo a quem ocupava o cargo
de editor. Mal, porém, pus os pés
na soleira de casa, chegou-me Djalma Barbosa,
funcionário da Tribuna, com o recado
de que eu precisava retornar à Tribuna
imediatamente para refazer a primeira e
a última páginas. Eram ordens
do Governador, em vista dos acontecimentos
que estavam em curso no cenário nacional,
prefigurando mudanças radicais nas
instituições políticas
da nação.
Pus tudo de lado e rumei de volta para a
redação. Lá chegando,
o governador Aluízio Alves me ligou,
colocando-me a par dos últimos fatos
políticos: as tropas do general Justino
Alves Bastos haviam deixado Juiz de Fora
(MG) e se dirigiam para o Rio de Janeiro.
Outros detalhes foram sendo acrescentados
noite adentro, porque Aluízio, além
de Governador era também um homem
de imprensa, e dispunha de um excelente
serviço de rádio escuta no
seu gabinete, o que lhe permitia ir reunindo,
junto com seus auxiliares, as informações
gerais. Pouco a pouco íamos juntando
os detalhes essenciais à reportagem
sobre a manobra militar que se arrojava
sobre as (frágeis) instituições
políticas da nação,
e que findaram por abater de um só
golpe o enfraquecido Governo João
Goulart.
Deixei a Tribuna na manhã do dia
seguinte, faminto e sonolento, necessidades
que tive de prorrogar para mais tarde, porque
tinha um compromisso inadiável: uma
missa na Igreja do Rosário, que seria
celebrada pelo cônego Luís
Wanderley, meu ex-professor de latim e direitista
juramentado, embora fosse um homem de boas
intenções, como sucede frequentemente
com essas pessoas. A missa era comemorativa
do primeiro aniversário da nova Diretoria
dos Correios, da qual eu fazia parte. Mas,
indiferente às nossas convicções
políticas, cônego Wanderley
aproveitou o sermão para tecer loas
ao que qualificou de “revolução
redentora” que se produzira no dia
31 de março. Eu sabia, porém,
que os momentos decisivos do ato golpista
se deram mesmo na alvorada do dia 1º
de abril, mas (que) esse fato jamais seria
admitido, por razões que dispensam
comentário...
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