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Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
Raimundo Ubirajara de Macedo

Livros e Publicações

No Outono da Memória
O Jornalista Ubirajara Macedo Conta a História da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010

2. Tempos belicosos

A vinda para Natal mudaria radicalmente os rumos da minha vida. Além de acontecimentos óbvios, como a certeza que eu rompera os laços que me haviam ligado à vida interiorana, entre Macaíba e São Gonçalo, eu sabia que oportunidades impensadas por mim até então se abririam na capital. E isso realmente aconteceu, já no primeiro ano de vida na urbe potiguar.

A primeira mudança, e nem de longe a menor, foi a minha preparação para o ingresso no curso de admissão do Ateneu Norte-Rio-Grandense, naquela época – 1935 – a universidade de que Natal podia dispor. E nada havia de exagerado nesse título. Afinal um colégio que dispunha em seu quadro docente de nomes como os de Luís da Câmara Cascudo, Clementino Câmara, Celestino Pimentel, Edgar Barbosa, Hostílio Dantas, cônego Luiz Monti, entre outros, podia se considerar uma verdadeira universidade.

Para garantir meu sucesso no concorrido curso do Ateneu, minha família contratou os serviços do professor Antônio Fagundes, o que foi facilitado pelos laços de parentesco com minha mãe, da qual era primo. O professor Fagundes vinha à minha casa sempre aos sábados, quando dispunha de mais tempo livre, e pouco a pouco, me familiarizou com as matérias curriculares: português, francês, inglês, latim, história, geografia, ciências e desenho. O resultado desse esforço é que passei no exame escolar e, já no ano seguinte, ingressei orgulhoso nos corredores do venerável colégio natalense como aluno do primeiro ano ginasial.

Das amizades que fiz no Ateneu, lembro bem de alguns nomes: o do escritor João Wilson Mendes Melo, historiador e economista, autor de muitos livros e futuro professor da UFRN. Outro nome que eu não poderia esquecer é o de Luiz Maranhão, que, ao cursar o “clássico” no Ateneu, conseguiu a proeza de ser simultaneamente aluno e já professor do colegial no mesmo estabelecimento. Mais tarde falarei com mais detalhes sobre suas atividades jornalísticas e políticas e seu trágico fim nas mãos da ditadura de 64.

Outro colega brilhante de Ateneu foi José Gonçalves de Medeiros, grande vocação política, orador brilhante e inflamado. Todavia, seus talentos foram silenciados com sua morte prematura, aos 32 anos. Deixou, porém, um poema que lhe garantiria um lugar, modesto que fosse, nas letras potiguares. Refiro-me ao poema “Despedida do pássaro morto”, peça tida como premonitória. Parece que ele adivinhara, ao escrevê-la, sua partida, pois logo depois morreria, no mesmo acidente aéreo que vitimou mortalmente o Governador Dix-Sept Rosado, do qual era auxiliar. Isso aconteceu em 12 de junho de 1951. Outro colega brilhante foi José Hermógenes de Andrade Filho, hoje um mestre da ioga e orgulho do Rio Grande do Norte, com muitos livros publicados e um trabalho reconhecido no exterior.

Dos professores, três me impressionaram especialmente: Câmara Cascudo, pela verve, erudição e bom humor; Celestino Pimentel, pela versatilidade: ele era capaz de ministrar qualquer matéria na eventualidade de que um professor se visse impossibilitado de comparecer ao colégio. O terceiro foi Hostílio Dantas que, além de ensinar desenho com grande domínio do métier, era um escultor extraordinário, tendo deixado várias obras na cidade, dentre elas o busto do padre João Maria, hoje localizado na Praça Padre João Maria, no bairro da Cidade Alta, em Natal.

Em 1940, concluí o ginasial no Ateneu e, como não haviam sido ainda implantados os cursos Clássico e Científico, e minha família não tivesse meios para me mandar para um colégio particular, resolvi procurar trabalho. E a minha primeira atividade foi participar de um recenseamento decenal que o recém-criado IBGE fazia na cidade de Macaíba. O resultado, ainda lembro, totalizou 8.600 habitantes só na sede do município! Concomitantemente, comecei a estudar para prestar concurso para os Correios e Telégrafos, em Natal. Procurei me inteirar do conteúdo das matérias, adquiri alguns livros indicados na bibliografia e assim ocupei boa parte do tempo ocioso em virtude da suspensão do ciclo escolar e do vácuo deixado com a conclusão do recenseamento do IBGE. Quando finalmente me submeti às provas do concurso, como me sentia bastante preparado, não tive dificuldade para responder a maioria das questões.

Em 1939, estourou a Segunda Guerra Mundial. Nesse mesmo ano, fui convocado pelas Forças Armadas e servi na praia de Cotovelo, à época uma praia deserta. Nossa missão era monitorar a praia a fim de prevenir qualquer possível ação das forças do Eixo na nossa Costa. Para tanto, ficávamos alojados em barracas apertadas e insuficientes para a tropa e num ócio tedioso, porque nunca tivemos oportunidade de enfrentar um inimigo real. Por essa atuação, fui considerado ex-combatente e hoje faço parte da reserva como 2º tenente.

Em 1944, prestei exame para Cabo. Aprovado, fui incorporado ao 1º Batalhão de Infantaria e em seguida servi na cidade de Macau, onde passei dez meses. Em maio de 1945, às vésperas do término da guerra, dei baixa do Exército e voltei para casa.

Mas dessa vez não ficaria ocioso, porque me esperava em minha casa uma convocação dos Correios: eu havia passado entre os primeiros lugares no concurso ao qual me havia submetido, mas que só poderia assumir depois de dar baixa do Serviço Militar. Quando me apresentei à agência central dos Correios e Telégrafos, bairro da Ribeira, levando comigo os documentos exigidos pela instituição, fui imediatamente nomeado.

Comecei a trabalhar nessa própria agência na função de postalista. Cerca de dois anos depois, fui promovido a chefe da 1ª seção, ligada diretamente à Diretoria Regional.

Um ano antes do golpe de 1964, depois de um movimento interno, um grupo de funcionários dos Correios e Telégrafos, no qual eu estava inserido, lutou para que o telegrafista e professor Luiz Gonzaga de Souza fosse nomeado diretor regional da instituição no Rio Grande do Norte. A nossa escolha se deveu ao fato de que ele, além de ser um funcionário competente e responsável, com tino administrativo, era ainda professor do Ateneu e proprietário de um colégio no bairro do Alecrim, o que, aos nossos olhos, o credenciava para o cargo em disputa.

Faço um breve parêntese aqui para lembrar um fato que nos abalou de certa forma: o sócio de Luiz Gonzaga de Souza no colégio, o também professor José Garcia da Rocha, colega de Correios, onde exercia o cargo de secretário da diretoria, fora assassinado na parada de ônibus em frente à antiga Escola Técnica, à 1h da tarde de um dia do qual não mais me lembro, quando se preparava para ir para o trabalho. José Garcia foi vítima de um crime passional envolvendo uma conhecida e influente família natalense da época.

Voltando à nomeação de Luiz Gonzaga, devo salientar que a luta para sua efetivação foi grande, mas vencemos a batalha, derrotando o então diretor Janúncio Santa Rosa.

Gonzaga havia militado no Partido Comunista Brasileiro-PCB e, embora nessa época estivesse sem partido, continuava progressista e ligado, sem ser ativista, aos movimentos de esquerda.

Quando Gonzaga assumiu, seu primeiro ato foi nomear a sua diretoria, da qual tomei parte como secretário da Diretoria Regional, enquanto o professor José Fernandes Machado, pastor evangélico e que possuía uma bagagem intelectual respeitável, assumiu como inspetor regional. Alice Pinto, irmã de Mailde Pinto (Galvão) assumiu a chefia do Setor de Pessoal.

A partir desse momento, os Correios passaram a viver um clima de grande efervescência política, refletindo um pouco a conjuntura nacional, marcada por crises políticas.

Um ano depois da posse de Gonzaga, rebentou o golpe de 64.

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