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Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
Raimundo Ubirajara de Macedo

Livros e Publicações

No Outono da Memória
O Jornalista Ubirajara Macedo Conta a História da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010

1. As raízes agrestes

Os meses que marcam a estação chuvosa do Nordeste guardam ainda hoje um encanto especial para mim. Olhando através da janela da minha sala de estar, onde uma nesga de mar disputa com o rio Potengi a atenção das minhas retinas cansadas, minha imaginação mergulha no azul esverdeado das águas, lá longe. E num ato inteiramente involuntário, o trabalho da imaginação faz que eu visualize um resto de vegetação rasteira que abre para um descampado. Mangueiras, goiabeiras e outras árvores mais ou menos frondosas, com seus frutos já em processo de amadurecimento, dominam a vegetação que reverdece ao redor.

Estamos em plena aula prática da professora Maria Olímpia Ferreira, aprendendo os benefícios que as árvores nos dão abundantemente, sem nada pedirem em troca. Ela pede que prestemos atenção (somos alunos do primeiro ano primário do Grupo Escolar Auta de Souza, em Macaíba) à variedade de árvores que nossa vista pode alcançar: agora, olhando melhor, vejo que o algodão começa a brotar em toda a extensão à nossa frente. Mas tanto à esquerda quanto à direita, despontam fruteiras: cajus, mangas, mangueiras frondosas, laranjais jovens e, mirando ao longe, vislumbro arbustos que se confundem com formas rasteiras de vegetação, deixando supor que em meio a elas algum fruto silvestre pode talvez se encontrar.

Agora Dona Olímpia nos ensina as vantagens da vida no campo. Ela explica que no lugar onde nos encontramos há abundância de mandioca, feijão, macaxeira e batata, o que garante a alimentação dos moradores, vaqueiros, agricultores, lenhadores e artesãos. Ela enfatiza, porém, que o trabalho realizado por essas pessoas, muitas vezes de poucos estudos, até rudes, é tão importante como o trabalho do prefeito, do juiz, do padre e do tabelião da cidade.

Enquanto nos conduz por uma trilha aberta entre o curral e a casa de farinha da fazenda escolhida para visita, dona Olímpia declina outras vantagens do campo: a qualidade do ar, que faz bem aos pulmões, e a variedade das frutas e legumes, essenciais para a saúde das pessoas.

Sua voz ecoa por sobre a barreira dos tempos, por isso, preserva a magia da lembrança do menino que a vê inteira, como uma pintura decalcada num livro: “Nunca esqueçam a poesia que aprenderam do grande poeta Olavo Bilac, que nos pede para amarmos e respeitarmos as velhas árvores”. E rebate: “Quem ama a natureza, ama a Deus e faz por merecer o amor dele”.

A aula se encerra na sala de estar da fazenda, quando comemos um pouco de tudo o que havíamos visto há pouco lá fora: carne assada, inhame e macaxeira cozida, arroz e feijão. No final, sucos das frutas da estação são servidos em copos de louça, seguidos de geleias e doces. Comemos tudo num silêncio reverente e travesso, e eu noto o esforço que muitos de nós fazíamos para não romper numa gargalhada, vendo como cada um tentava aparentar uma seriedade adulta, como se a ocasião de comermos fora de casa o exigisse.

Quando nos dirigimos de volta à escola, num ônibus fretado pela Prefeitura especialmente para esse fim, dona Olímpia se derrama em elogios ao nosso comportamento. Mas a lição de ecologia, aprendida numa fazenda que eu provavelmente nunca mais veria, ficou-me gravada para sempre na lembrança.

Outra razão se soma a essa já enunciada: as aulas de dona Olímpia foram as coisas mais extraordinárias da minha infância. Por que razão? Porque era diferente de tudo o que eu aprendera até então no grupo escolar Auta de Souza; porque suas aulas eram passadas quase sempre ao ar livre. Outro traço que distinguia essas aulas era o fato de que a professora tratava cada um dos seus alunos pelo nome, evidenciando sua individualidade, e isso se traduzia para mim como uma busca para quebrar as barreiras que a hierarquia, a idade e o sexo interpunham entre ela e nós. Essa preocupação tão insistente da parte dela não se limitava, porém, ao horário das aulas, porque ela nos convidava para ir à sua casa, no começo da noite, para ouvirmos música tocada por seu companheiro, Ubirajara Ferreira, que vinha a ser o dentista da cidade, mas que, à noite, costumava exercitar-se ao violino, instrumento que amava com paixão de virtuose e que teve em nós um pequeno e atento grupo de admiradores.

A razão disso é que o dr. Ferreira parecia traduzir, com as músicas que interpretava, uma gentileza e uma empatia com crianças, que conseguiu, por contágio, afastar de mim o medo de dentista, um verdadeiro terror para alguns meninos, principalmente quando criados no interior, onde a voz das ruas costuma amedrontar as pessoas comuns com temores do médico, do padre e do juiz da comunidade. Mas para mim, pelo menos no que dizia respeito ao dr. Ferreira, ele não me infundia qualquer receio, pois uma pessoa que tocava violino com tanto sentimento como ele o fazia não podia ser uma pessoa má. Foi o que comprovei no final do semestre quando me sentei na cadeira do seu consultório para um exame geral dos dentes.

A razão pela qual o casal gostava tanto de crianças talvez se devesse ao fato dos dois não terem sido contemplados com filhos pela natureza. Mas isso só seria suficiente para que dona Olímpia e seu Ubirajara tivessem tanto desvelo conosco? Minhas lembranças mais emotivas dizem que não. Eles nos amavam com um amor genuíno e verdadeiro.

Dentre os meus coleguinhas do Auta de Souza, lembro alguns membros da família Varela: Renato, Rômulo, Fernando e Lourdinha. O pai deles era o Alcides Cid Varela, personalidade importante na cidade. À condição de simples carteiro, acrescentou ao de conhecedor das ervas e da arte de curar, e na maturidade conquistou tamanha credibilidade na região que aviava receitas como qualquer médico generalista e ainda fazia partos, como um obstetra. Numa época em que Macaíba não dispunha de um único médico diplomado, Alcides Varela fazia as vezes desse profissional, inclusive com o apoio de seus “colegas” da capital.

Outra figura importante da minha infância foi o dr. Jaime Perez Quintas, pai do escritor Renard Perez e do artista plástico Rossini Perez. O dr. Jaime era um engenheiro espanhol que durante algum tempo explorou pedreiras para firmas de Natal. Não convivi com o Renard nem com o Rossini na minha infância, porque, além de serem de uma geração posterior à minha, deixaram muito cedo a cidade de Macaíba, devido às atividades profissionais exercidas pelo pai deles.

Outra lacuna da minha meninice foi não ter convivido com Otacílio Alecrim, cujo pai, Prudente Gabriel da Costa Alecrim, era coronel da guarda nacional e empresário com diversos e importantes negócios na cidade. O tempo, porém, proporcionou-me a oportunidade de ler o seu Província Submersa, em segunda edição, graças a um presente do amigo Valério Mesquita. O que posso dizer é que passei anos sonhando em ler essa obra, cuja primeira edição, infelizmente, era impossível de encontrar. Mas lê-la agora, na terceira idade, sabendo que eu e seu autor devemos ter nos cruzado muitas vezes em algum logradouro de Macaíba, talvez num corredor do educandário Auta de Souza, isso acrescentou para mim um ingrediente extra ao prazer de sua leitura. À medida que lia, era como se eu estivesse partilhando das suas reminiscências, tornando-as de algum modo também minhas.

Começo estas memórias movido pelo desejo de atender a um anseio da minha família, que vê na minha história pessoal elementos que justifiquem tal empreitada. E é com surpresa que me apercebo da nitidez com que me surgem os acontecimentos de uma infância da qual estou separado por oito décadas! Mas mesmo aí nada vejo de extraordinário, embora amigos meus, até muito chegados, insistam que se trata de um fato digno de ser louvado e exaltado. Humildemente, respondo a tais extremos observando que, se cheguei à venerável “idade da delicadeza” de que fala Chico Buarque de Holanda em sua canção “Todo o sentimento”, é tudo por acaso, benevolência e generosidade de Deus. E emendo, entre um chiste e um ar contrafeito pela seriedade impostada: “Rezo todos os dias para que Ele faça o mesmo com todos os meus amigos”.

Guardo muitas lembranças do colégio Auta de Souza, localizado na Rua Pedro Velho, referência importante na Macaíba da minha infância. A começar pelo famoso jasmineiro que a poetisa Auta de Souza plantara há cerca de duas décadas, e que era aguado todas as manhãs por um diligente jardineiro do educandário. Nós, alunos, éramos ensinados a olhar e a reverenciar a árvore que a grande poetisa do Horto havia plantado com um carinho especial, e que agora exalava um perfume tão peculiar que naturalmente associávamos à pessoa dela.

Para que ninguém duvide da seriedade da minha condição de estagiário da terceira idade, pois um ditado francês me ensinou que chegamos inexperientes a cada nova fase da vida, quero me deter um pouco na figura da minha professora Maria Olímpia Ferreira e confessar que, ao pensar nela, recobro uma ideia de infância que resume, de certo modo, nostalgia e gratidão, alegria de viver e convicção de ter vivido, desmentindo aquele delicioso verso de Ataulfo Alves que diz: “Eu era feliz e não sabia”. Hoje eu penso que fui feliz sabendo que o era, pois o tempo de criança foi vivido na companhia de meus pais, que me amavam sem fazerem distinção aos meus outros irmãos. E é tempo de falar um pouco deles.

São quatro irmãos: José Tupinambá de Macedo, Giselda Paraguaçu de Macedo, Ari Tibiriçá de Macedo e Iaponira Macedo. Ari é sociólogo, aposentado, viúvo de Maria da Conceição Souza de Macedo e tem cinco filhos; José Tupinambá é funcionário público aposentado dos Correios, casado com Edite Macedo, e tem dois filhos; Giselda é a viúva do professor José Melquíades e tem oito filhos; Iaponira é aposentada, solteira. A mais nova dos irmãos.

Antônio Corcino de Macedo, meu pai, nasceu no município de Santana do Matos. Professor primário itinerante, meu pai dava suas lições aonde o chamassem, e na sua época não faltavam solicitações por seus préstimos. Antes disso, porém, tem uma romance familiar que precisa ser contado, já que envolve também a figura da minha mãe, logo, minhas origens. Aconteceu que meu avô Antônio Corcino Lopes de Macedo, também professor em Santana do Matos, recebeu um convite para lecionar em Goianinha e chamou a acompanhá-lo aquele que viria a ser meu pai. Nessa visita se demoraram tempo suficiente para que meu pai conhecesse Alice de Almeida Macedo, que viria a ser minha mãe. Ela era filha de Ana de Almeida Macedo, irmã de Dom Joaquim Antônio de Almeida, que foi o primeiro Bispo de Natal. O pai dela era João Corcino de Macedo, também tio de meu pai. Naquela época, uniões dentro da mesma família eram comuns no interior do Nordeste e tinham razões tanto de ordem social e biológica, como econômicas. O fato é que meu pai noivou com minha futura mãe, e em seguida partiu para Minas Gerais em busca de trabalho mais lucrativo que o magistério. Quatro meses depois, a saudade falou mais alto e ele retornou a Goianinha, consumando o matrimônio prometido.

As primeiras décadas do século passado foram tempos de grandes mudanças socioeconômicas no interior do Rio Grande do Norte. Ainda se vivia as consequências da transição da Monarquia para a República e a educação das massas era um item importante no ideário republicano. Os prefeitos eleitos sob esse ideário marcaram suas administrações com a construção de escolas, e meu pai se beneficiou dessa política sem mudar seu estilo andarilho de trabalhar. Pelo contrário, tendo sempre uma nova escola, num novo município, à sua disposição. Isso o levou a viajar a trabalho por muitos municípios do agreste e, ocasionalmente, em cidades situadas na fronteira com o sertão. Meu nascimento, no dia 1º de março de 1920, no distrito de Jacobina, na época me parecia pertencente ao município de Macaíba, mas hoje ao de São Gonçalo do Amarante, coincidiu com o tempo em que meu pai lecionava em escolas primárias desses dois municípios. A fazenda pertencia Antônio Machado, mais conhecido por Tota Machado, e que foi meu padrinho de batismo. Fui o caçula de oito filhos, dos quais três faleceram ainda novos em decorrência de doenças comuns às crianças, na época.

Apesar de meu pai dispor de trabalho abundante, as condições financeiras da nossa família não eram nada invejáveis. Minha mãe, do lar, como se dizia naquele tempo, cuidava dos filhos, administrativa a casa e, nas horas vagas, lia um romance de José de Alencar ou de Joaquim Manuel de Macedo. Aos domingos, não faltava nunca à missa. E com ela ia toda a família. Graças a isso, nos criamos sob os valores comuns propagados sub-repticiamente nos púlpitos das igrejas interioranas, onde o padre exercia, por meio de sermões e parábolas, um papel intelectual que não se limitava aos preceitos da fé católica, mas se estendiam às demais esferas da vida social. Além de nos incutir o temor de Deus, o sacerdote também nos dava conselhos práticos sobre a vida em família, os valores da amizade e da justiça, do desprendimento e da moderação, da renúncia ao pecado e da esperança numa vida após a morte.

Para aumentar a renda familiar, meu pai empregava seu tempo livre na agricultura, beneficiando pequenas glebas que eram cedidas ao professor recém-chegado como alternativa de incremento da renda familiar. Assim, embora o salário pago pelo erário estadual fosse insuficiente para as despesas de uma família em expansão e costumasse sair com atraso de até seis meses, papai garantia o nosso alimento de cada dia biblicamente com o suor do seu rosto, resultado do trabalho que desenvolvia na agricultura doméstica.

Nunca moramos na cidade de Macaíba. Meu pai preferia residir numa pequena propriedade que alugara perto da sede do município, onde facilmente chegávamos. Na condição de aluno do Auta de Souza, porém, eu passava de segunda a sexta-feira em Macaíba, residindo na casa da minha avó Ana, na Rua Pernambuquinho, hoje Rua Coronel Manuel Maurício Freire. Era uma rua larga e arenosa, características que a meninada aproveitava para bater uma bolinha nos fins de tarde, depois das aulas, e, nos fins de semana, durante o dia inteiro. A menos que São Pedro atrapalhasse. Eu sempre jogava na posição de goleiro, o que me levava a tomar um “frango” de vez em quando! Mas que era divertido, lá isso era!

Falar da minha avó Ana é relembrar uma pessoa muito doce, sensível e de caráter muito firme. Por não ter mais filhos em casa, ela se apegou muito a mim e fazia tudo para que eu me demorasse na companhia dela após as aulas colegiais. Era uma verdadeira baronesa, elegante, esbelta, vestia-se com grande apuro e bom gosto, e parecia estar sempre vivendo às vésperas de uma festa. Como era tradição entre os meus antepassados, minha avó também era uma mulher extremamente religiosa, e talvez tenha sido por esse motivo que suportou estoicamente as aventuras amorosas do marido, João Corcino. Ele chegou a alugar uma casa quase em frente à sua para seus encontros amorosos com uma amásia. Mas pagou caro por esse ultraje à minha avó: contraiu um mal que não tardou a tirar-lhe a vida. Minha avó, por sua vez, viveu até os 103 anos. Resignada, não voltou a casar-se.

Macaíba não era, excetuados esses dramas familiares que o tempo se encarregava de obliterar, uma cidade triste. Pelo contrário, era uma cidade alegre, com uma tradição carnavalesca que nada deixava a desejar ao carnaval natalense. Por essa razão, ninguém saía da cidade durante o tríduo de Momo, quando as ruas eram tomadas pelas laranjinhas de águas perfumadas, confetes, serpentinas atiradas pelos populares nas principais vias por onde desfilavam os blocos de elite que, como diz o nome, reuniam os jovens das famílias abastadas da cidade. Havia ainda os famosos “assaltos” às casas de determinadas pessoas, previamente acertados, que duravam uma manhã inteira, graças à generosidade do “assaltado”, geralmente pessoa de posses e que, por isso, bancava praticamente sozinho os comes e bebes da festa, fosse pelo prazer de trazer ao seu lar um grupo de pândegos, fosse pelo desejo de ostentar uma condição socioeconômica diferenciada.

Os blocos de sujo, os papangus e os “a la ursa” faziam a alegria da garotada. Estes, representados pela figura de um enorme urso puxado por um frágil menino e ameaçando a qualquer momento se desvencilhar da corda e correr atrás de um garoto mais atrevido que o xingasse com gritos ou troças. Todo esse séquito folgazão se dirigia para o largo das Cinco Bocas, onde podiam ver e ser vistos por meia Macaíba!

Mas mesmo nos dias comuns havia muito humor nas ruas, sobretudo quando o assunto era a vida alheia. Nesse item, parece que as pessoas se esmeravam em extrair o máximo dos pequenos deslizes que porventura alguém praticasse. Era inevitável um chiste percorrer a cidade como uma corrente elétrica. E poderia até chegar às temidas Cinco Bocas, centro nervoso da cidade.

Lembro do quanto os macaibenses se divertiram numa única noite com a re-pintura do letreiro principal que enfeitava o frontão do popular bar e restaurante “A Pérola do Chico Cúrcio”. O comerciante Chico Cúrcio, dono do estabelecimento, contratou o famoso artista plástico José Muniz para que fizesse o trabalho. Para valorizar sua arte (pois era conhecido principalmente por seus trabalhos a óleo reproduzindo paisagens e personagens da mitologia grega), José Muniz deu início à obra por volta das 17h. A essa hora, o restaurante já reunia uma clientela numerosa que tomava conta das mesas (disponíveis) aguardando o prato feito ou um prato à la carte, dependendo das disponibilidades monetárias do freguês... Lá fora, aglomeravam-se pequenos grupos que degustavam um cigarro para rematar a sobremesa do café e retardar a ida para casa, reação, aliás, muito comum numa pequena cidade de interior, onde a quebra da monótona rotina ordinária em geral se constitui um acontecimento que se espalha rapidamente entre as pessoas.

Foi em meio a esse burburinho que Muniz recostou a escada junto à entrada da loja, testou-a para sentir firmeza no seu equipamento e a subiu lentamente, apoiando-se numa mão e, com a outra, levando pincel e uma lata de tinta. Primeiro retocou a letra “A”, em seguida procedeu da mesma maneira com as letras “L”, “O” e “R”, ou seja, de trás para frente. Depois retocou o segundo “A” e suspendeu o trabalho. O povo que passava pelo local se divertiu a valer lendo a parte do letreiro já recuperado, que formava a frase “A ...ROLA DO CHICO CÚRCIO”. Só no final da tarde do dia seguinte o maroto pintor acrescentou as letras faltantes (PE), dando a forma final do letreiro: “A Pérola do Chico Cúrcio”. Esta história foi aproveitada pelo escritor Valério Mesquita, outro macaibense sensível aos causos, e que o incorporou ao seu livro “Poucas e Boas”.

Em 1930 (eu tinha 10 anos), meu pai se transferiu para o distrito de Jundiaí, em Macaíba, onde hoje está localizado o Instituto de Neurociências, dirigido pelo professor Miguel Nicolélis. Ali, meu pai foi professor e secretário da administração de uma fazenda gerida pelo Estado. O trabalho burocrático lhe proporcionou uma pequena melhoria financeira.

Em 1933, o dr. Décio Fonseca, administrador do Porto de Natal, convidou meu pai para trabalhar no Departamento de Portos, Rios e Canais, localizado na na praia de Upanema, proximidades de Areia Branca, no trabalho de fixação de dunas. O trabalho lhe agradava, pois era ligado à agricultura, atividade que, para ele, sempre foi sua grande paixão. Acho que passamos nessa praia pouco menos de três anos. Com quatro filhos em idade escolar, minha mãe começou a ficar preocupada com a nossa educação. Foi quando o dr. Gallotti, que era diretor estadual do Departamento de Portos, Rios e Canais, conseguiu a transferência de meu pai para a capital. Assim, no mês de junho do ano de 1935 chegamos a Natal, a bordo do vapor Poconé, vindos de Areia Branca. Fomos residir na praia da Limpa, designação do hoje bairro de Santos Reis. Nos idos de 1930, porém, era menos do que um arruado: só tinha três casas, todas pertencentes ao órgão ao qual meu pai estava ligado. A Natal daquele tempo era uma cidade de 35 mil habitantes. Muito pouca gente, para uma capital.

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