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REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

DIREITO A SAÚDE

Sueli Dallari

            Saúde para a Organização Mundial da Saúde é o completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. É interessante examinarmos como esse conceito evoluiu. Saúde traz hoje para a população em geral a idéia de ausência de doença e apenas para a população em geral a idéia de ausência de doença e apenas isso, mas nem sempre foi assim. É curioso observarmos que, na Antigüidade, Hipócrates, que é considerado o pai da Medicina, já estava absolutamente convencido de que a saúde implicava uma harmonia do homem com a natureza. A saúde pressupunha, para Hipócrates, o equilíbrio entre os diversos componentes do organismo, o equilíbrio entre os diversos organismos e o equilíbrio destes organismos com o meio-ambiente. O bem-estar dependia tanto de fatores internos quanto de fatores externos e a gente já leu e viu em livros, em romances, em filmes mesmo, o quanto eram importantes os hábitos de vida para a definição da saúde: o clima, a qualidade da água, do solo, do ar. Tudo isso na Antigüidade. Então, para alguém ser saudável, precisava preencher todos esses equilíbrios.

            O mundo foi evoluindo, e nós perdemos isso. Chegamos hoje precisando brigar para que a definição de saúde importe todas essas características. Entretanto, essa harmonia, essa necessidade de equilíbrio não ficou perdida no tempo. Mesmo na Idade Média, Paracelsus, outro cientista famoso no século XVI, mostrou a relação existente entre certas doenças físicas e certas profissões e também o meio-ambiente. Ele mostrou que algumas doenças estavam diretamente relacionadas com determinadas profissões ou que algumas doenças se relacionavam imediatamente ao meio-ambiente.

            Na Antigüidade acreditava-se a saúde complexa. Ainda na Idade Média, apesar da excessiva religiosidade, colocando Deus como causa de tudo, não se perdeu a idéia do equilíbrio e alguns cientistas diziam: “Tal doença está aparecendo exatamente porque o indivíduo trabalha nas pedreiras e por isso ele tem esse tipo de problema pulmonar. Ele está doente porque essa doença aparece no indivíduo que vive num ambiente em que a água é contaminada, a água é suja e quem bebe desta água tem determinada doença”. Ou ainda: “Este tipo de diarréia aparece nas pessoas que bebem água daquela fonte”.

            A Revolução Industrial mudou o mundo. Mudou tanto que alterou o modo de se tratar a saúde, o modo de se compreender a saúde, embora alguns médicos mantivessem clara a idéia de que algumas doenças eram geradas pelas condições de trabalho. O ambiente industrial gerando o acúmulo de pessoas nas cidades – a urbanização é contemporânea à industrialização – mostrou que o industrial teria problemas em manter a sua força de trabalho produzindo. Sabe-se que existia desemprego no começo da industrialização porque a economia era cíclica: produzia-se primeiro determinada mercadoria que atendia a uma população restrita que tinha poder de compra e o que a indústria continuava produzindo não encontrava comprador. A solução era sempre despedir o pessoal para limitar os gastos. Mas o industrial sabia que algumas funções deveriam ser exercidas por determinados empregados, por aqueles empregados que já tinham aprendido a executá-las. Era muito mais barato ter aqueles empregados produzindo do que treinar novos empregados para fazer o mesmo serviço.

            Existia uma certa especialização que gerou no mundo industrial a preocupação com a manutenção da saúde dos operários: o industrial não queria ver sua linha de produção parada ou retardada pela falta do trabalho especializado. Além disso, as epidemias que atingiam o proletariado também atingiam  dono do capital, embora em menor número. Sabe-se que um trabalhador mal nutrido vai ficar doente com muito mais facilidade que seu colega bem alimentado, que a mesma doença tem outra característica num trabalhador mal nutrido, diferente da do seu patrão, que é bem alimentado, que descansa, que tem lazer e cuja alimentação é adequada.

            Mesmo assim, sabe-se de epidemias no século XIX, de graves epidemias no começo deste século, que assustaram muito os proprietários e os levaram a decidir pela inversão na saúde dos trabalhadores. Além disso, o sindicalismo que derivou da Revolução Industrial também começou a se preocupar com a saúde do trabalhador e, em algumas empresas, em algumas religiões, a saúde foi mesmo a causa da sindicalização. É claro que primeiro se buscava salário, um salário digno que permitisse a manutenção do indivíduo, mas, em alguns movimentos, a preocupação com a saúde do trabalhador foi imediata à organização sindical. Todos esses pontos levaram a que se responsabilizasse o Estado para prestação de saúde ao povo.

            O Estado passa a ser responsável porque o empresário não quer que o trabalhador falte, não quer perder o trabalho especializado. Também não quer ficar doente e por isso o trabalhador não pode ter epidemias que possam atingi-lo e ele tem muita força no Estado. Era o Estado liberal do século XIX. O empresário não queria investir sozinho, pagar pela saúde do trabalhador, mas ele podia fazer com que o Estado pagasse pela saúde do trabalhador, pela manutenção de sua mão-de-obra. Além disso, o próprio trabalhador estava reivindicando a garantia de sua saúde. Convencionou-se que o Estado seria o órgão, a instituição adequada para garantir a saúde do trabalhador. É interessante observarmos que o liberalismo deixou de ser liberal pela intervenção dos próprios liberais. Isto é, os próprios interessados na manutenção da filosofia liberal, no tratamento liberal da economia, advogaram a presença do Estado, pediram que o Estado garantisse a saúde dos seus empregados. Eles abriram caminhos para a intervenção do Estado que começou a participar diretamente da vida social.

            Vamos retomar o significado do direito à saúde. Vimos que a saúde tem grande complexidade. Hoje não é apenas a ausência de doenças, mas envolve o completo bem-estar físico, mental e social. Mas o que significa direito à saúde? Na Antigüidade, os documentos mesclavam já conceitos de direitos humanos. É muito bonito, e eu gostaria de passar para vocês um trecho da peça Antígona, de Sófocles, em que a Antígona deveria enterrar os dois irmãos, sendo que Créon permitia apenas que um deles fosse sepultado. Então, Antígona diz, depois de enterrar esse irmão cuja sepultura havia sido interditada: “Não foi Zeus quem a ditou nem foi a que vive com os deuses subterrâneos, a justiça que aos homens deu tais normas. Nem nas tuas ordens reconheço força que a um mortal permita violar aquelas não inscritas e intangíveis leis dos deuses. Estas não são de hoje ou de ontem, são de sempre. Ninguém sabe quando fora promulgadas”. É um texto da Antigüidade fazendo referência às leis de sempre, a certos direitos que independiam da lei do Estado. Créon havia determinado que não se desse sepultura, mas Antígona invoca uma lei de sempre, advoga um direito humano.

            Desde a Idade Média até séculos XIX, a causa da organização da burguesia foi a luta pelos direitos humanos. E, no século XX, a causa da organização internacional, depois da Segunda Guerra, foram os direitos humanos, que tinham como objetivo garantir a paz. Hoje existe a consciência de que o ser humano, pelo simples fato de ser homem, não pode ser submetido a certas agressões. A sociedade de seres humanos determina quais são esses direitos humanos.

            No Brasil, hoje, a saúde é um dos direitos humanos do povo brasileiro. Como garantir o direito à saúde do povo brasileiro? Nós ouvimos que a saúde é um direito complexo, envolve o direito a completo bem-estar físico, o direito ao completo bem-estar social e o direito a não ficar doente. Isso significa, portanto, que o direito à alimentação é um direito envolvido no direito à saúde, porque eu preciso estar fisicamente bem. Assim como o direito ao abrigo está envolvido no conceito de saúde. A proteção contra o “stress” e a segurança no trabalho também são aspectos do direito à saúde porque, se saúde é o completo bem-estar mental, eu preciso ter segurança, não só a segurança do trabalho de que eu não vou ser mandado embora amanhã. Preciso também de um trânsito melhor para que eu não perca tanto tempo, não fique estressado e tenha então um completo bem-estar mental. Eu preciso ter possibilidade de vida em família, preciso ter lazer para ter saúde. Além disso, tenho o direito de não ser contaminado, e se perder a saúde, tenho o direito a ser tratado. Tudo isso é requisito para que eu tenha saúde. Eu não posso reivindicar saúde como apenas ausência de doença. Tenho de ter bem claro que saúde é também bem-estar físico, mental e social, e não só ausência de doença.

            Como garantir isso? Basicamente pela conscientização dos indivíduos. A população consciente sobre tudo que é saúde e quem vai reivindicar, organizar-se para lutar pela saúde. E o Estado vai responder à reivindicação sanitária. A população precisa estar consciente a se organizar para conseguir que o Estado responda a essa luta organizada na área específica.

            Ora, o Estado tem a obrigação de oferecer serviços acessíveis a toda a população e serviços que resolvam o problema, serviços eficazes, eficientes. Deve-se lutar pela responsabilização do Estado em todos os aspectos da saúde, e não apenas numa área específica, uma vez que a saúde envolve também aspectos individuais. É necessária então a conscientização do indivíduo por meio de uma atividade muito séria, constante, de educação sanitária. Como a saúde envolve também aspectos de desenvolvimento, como o nível de saúde que seu desenvolvimento econômico permita. Necessita-se portanto, da conscientização da população para garantir o direito à saúde, fazendo com que ela participe na orientação do desenvolvimento para que ela envolva o direito à saúde.

            Concluindo, a conscientização é imprescindível para a realização dos direitos à saúde. Logo, o direito à saúde deve ser destituído sempre, em todos os níveis, inclusive na escola. Gostaria de terminar lembrando o preâmbulo da Declaração Francesa dos Direitos de 1789: “A ignorância, o esquecimento ou desprezo dos direitos do homem são as únicas causas da infelicidade pública e da corrupção dos governos”.

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