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REDE
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS |
Educar
para os Direitos Humanos
Alfredo
Bosi
O que é uma educação para Direitos
Humanos?
A dificuldade inicial é o caráter
geral, abstrato dos dois termos aqui acoplados: Educação e Direitos
Humanos. Como tirar da expressão “Direitos Humanos” esta aura
abstrata e concretizá-la? Analisando o significado das palavras, vemos
que abstrato é uma palavra de origem latina que quer dizer “retirado
do contexto”; e concreto também da mesma origem –
particípio passado do verbo concrescere – significa “aquele que
cresceu junto”. Falar de Direitos Humanos com crianças e adolescentes
é inócuo; mas é indispensável que eles vivenciem situações de
defesa dos direitos e deveres nas suas relações, desde muito cedo.
No processo de educação para os
Direitos Humanos, distinguimos três fases:
-
sensibilização
-
percepção
-
reflexão
Antes de abordar os Direitos Humanos em nível
discursivo é preciso passar por uma fase de sensibilização. A
sensibilização se faz em todas as áreas do conhecimento (em artes
plásticas, por exemplo, sensibiliza-se o aluno para as formas, as
cores). É uma fase concreta que chega diretamente à vivência do
aluno: corporal, subjetiva e intersubjetivamente.
No caso dos Direitos Humanos, esta vivência só
pode ser captada nas relações humanas primárias, isto é, nas
relações fundamentais que trazemos da nossa primeira infância: as
relações homem x mulher, pai x filho ou outras instâncias familiares.
Depois, isto se estende aos amigos da escola, à relação professor x
aluno, que constituem o universo de uma criança.
O período em que a criança está fortemente
centrada na afirmação do seu ego é o momento em que se inicia o
processo educacional. É uma luta que se enceta conta o egocentrismo
infantil: luta sinuosa, estratégica, que vai se transformar em uma
pedagogia que deve de algum modo relativizar este egocentrismo.
No entanto, a tendência natural da criança de
excluir o outro sintoniza com o princípio básico da sociedade burguesa
na qual ela está psicológica e sociologicamente imersa, a
competição, a concorrência – na qual impera o “vale tudo”-
estão nos fundamentos da ideologia do capitalismo.
O capitalismo multiplica a tendência que é
própria da criança, estimulando-a a consumir, a diversificar seus
desejos, a satisfazer seus caprichos. Os adultos tornam-se escravos da
criança voluntariosa que, através do consumo, sente aumentar seu ego.
Isto acontece na sociedade burguesa, e segundo
Marx, “o pensamento dominante de uma classe acaba sendo o pensamento
dominante da sociedade inteira”.
É preciso lutar para que a fase natural de
centralização da criança seja seguida pela fase também natural de
descentralização, quando há o reconhecimento do outro.
Como é possível sensibilizar a criança para o
outro? Como ela pode ver no outro uma alternativa do seu próprio ego?
Como pode ela criar desde cedo esta reciprocidade fundamental que a
Ética chama tradicionalmente de dialética de direitos e deveres?
Na verdade, direitos e deveres são a mesma coisa.
Quando estou cumprindo um dever, freqüentemente estou atendendo ao
direito de outrem e vice-versa. Direitos e deveres são efetivamente os
dois lados da mesma moeda, que é a moeda da responsabilidade social.
Esta Ética dos deveres e direitos deve ser
sentida pela criança, no momento em sentir a necessidade do outro. Cabe
ao professor aproximar os alunos em torno de atividades comuns, de
objetivos comuns.
A maior dificuldade está no fato de nós mesmos,
educadores, não termos sido educados para os Direitos Humanos. O
primeiro passo, então, seria o da auto-educação, para irmos
desvendando e ultrapassando o nosso egocentrismo, autoritarismo,
rigidez, já que fomos socializados num sistema de repressão e de
concorrência e dele somos vítimas. Na interação com o aluno, o
professor atento também vai se educando.
Embora a sensibilização para os Direitos Humanos
possa ser levada a efeito com qualquer faixa etária, há momentos da
vida escolar em que ela é mais eficaz: na pré-escola e nos primeiros
anos do primeiro grau. Até o empréstimo de um lápis ou de uma
borracha, de um brinquedo, está o passo inicial para a socialização.
A solidariedade se exprime por gestos, por palavras, por um “dar de si”.
Os jogos e brincadeiras em que não entrem a competição e a
concorrência devem ser estimulados; através deles pode-se conseguir a
integração da classe, embora levando em consideração a existência
de conflitos. Tem que ser aberto espaço para a integração também dos
pais e mestres, da escola com a comunidade. Muitas vezes a família e a
comunidade são os locais onde a violência impera. Apesar de não se
ter a pretensão de atingir toda a sociedade, a Educação para os
Direitos Humanos tem que começar por um elo e o elo privilegiado é o
que une uma criança e a família. Se a escola não estabelece uma
relação – por mínima que seja – com o núcleo onde a criança
está inserida, o programa de educação para os direitos humanos
torna-se inviável. Não se trata de a escola assumir o papel de
psicanalista da família, mas de propiciar oportunidade para que os pais
se encontrem, troquem suas experiências de vida, reconheçam a
existência de problemas comuns que podem ser sanados. Estas relações
humanas são um pré-requisito para a sensibilização para os Direitos
Humanos.
O segundo nível é o da percepção dos
Direitos Humanos. A percepção se seguiria à sensibilização e
abrangeria as crianças pré-adolescentes e adolescentes, através das
diferentes disciplinas. Como, no entanto, chegar à percepção dos
direitos humanos através do trabalho interdisciplinar? A resposta deve
ser buscada no contexto de cada escola. Os professores poderiam
organizar, por exemplo, uma quinzena de debates sobre um tema comum (A
constituição, a reforma agrária, o uso do espaço urbano, o problema
da marginalização do menor, do negro), mas sempre levando os alunos a
procurar conhecer as situações precisas em que os direitos humanos
são violados. Nesta fase, o trabalho de campo é fundamental.
Seria interessante iniciar pelas violações aos
direitos da criança. Os temas vão orientar as hierarquias e as
disciplinas, quanto à coordenação dos trabalhos e à forma de serem
apresentados.
O
terceiro nível é o da reflexão, no qual o educador se dirige
ao aluno do segundo ciclo, do magistério, da Universidade ou a adultos
que, além da sensibilização e da percepção, se disponham a debater
sobre leis relativas aos direitos humanos, que já foram codificados,
assim como sobre problemas emergentes, que exigiriam novas conquistas
legais.
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