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Memória Histórica Potiguar

 

 

 

Cartas do Exílio ao Filho
Montevidéu/Uruguai - Ago 1968

 

De Pé no Chão | 40 Horas de Angicos | Movimento de Natal | CEBs no ES | Potiguariana

 

Carta para o Filho

Marcos, meu filho; um grande abraço.

Fiquei, realmente, satisfeito com a sua carta. Uma demonstração clara do seu amadurecimento. O Homem que se preocupa em ocupar o seu lugar dentro da sociedade em que vive, descortinando horizontes em novos ângulos, marcando a transição de um período que se ganha quando se ultrapassa a maioridade. Os 21 anos de uma juventude, doce e bela infância que não se reencontra nunca mais, porque a roda da história não anda para trás... O menino de ontem, que se criou brincando nas largas avenidas do Tirol e nas encostas dos morros que circundam a cidade, subiu nos cajueiros, goiabeiras, mangueiras; jogou pedras e deu tiros; entrou pelo mar adentro, deslumbrado, nadando nas ensolaradas praias de Areia Preta, Ponta Negra, Redinha, Circular. Teve o seu velocípede e a sua bicicleta e depois atormentou os pais, saindo as escondidas dirigindo, sem permissão, um Jeep ou um automóvel. Bebeu o seu primeiro copo de cerveja, fazendo careta, recusando guaraná, porque beber cerveja, com um gosto amargo, era uma deliciosa maneira de ir afirmando-se como homem... Estudou sempre, com extraordinária facilidade para apr eender, mas dando um trabalho imenso a sua mãe, com a tarefa de obrigá-lo a preparar as lições e acordar cedo para ir ao Colégio. Entre os esportes e a literatura, preferiu ser um intelectual, um devorador de livros, deixando permanentemente desarrumada a biblioteca do pai... Ainda de calças curtas escreveu seu primeiro artigo quando morreu o padrinho Luis Antonio e fez o primeiro discurso estimulado por Café Filho. Viajou, conhecendo grande parte do território de sua Pátria.

Depois veio o dilúvio, a enxurrada que enxovalhou o Brasil. Angústias, desilusões, a noite negra que acobertou o ódio e abriu ainda mais as portas de nossas riquezas à voragem insaciável dos poderosos grupos econômicos norte-americanos. Mas, o sol nasce todos os dias, desde que o mundo é mundo. O rubro clarão da madrugadas é uma esperança que se renova. O futuro está do nosso lado. Os mais poderosos impérios da terra, baseados na força, nunca sobreviveram à força das idéias. Buda, Confúcio, Cristo, Maomé, Marx, símbolos de filosofias diversas mas que têm uma raiz comum e desaguam no imenso estuário em que se encontram milhões de seres humanos, unidos no desejo de que o mundo seja um mundo melhor. Hitler e Mussolini sonharam em implantar um sistema, baseado na prepotência, que duraria MIL anos. Em minhas andanças pelo mundo estive em Milão, na Praça Loreto, onde Mussolini foi fuzilado e dependurado em um poste, como se fosse um porco e também visitei em Berlim o local aonde Hitler está soterrado como se fosse um cão hidrófobo. É a história dos nossos dias. Uma guerra que se transformou em guerra de liberação dos povos.

Você sabe melhor do que eu. O Brasil é um país de jovens. Mais da metade de sua população tem menos de vinte anos de idade. Isto é fabuloso. S ou um homem no caminho da velhice, mas serei um velho com idéias jovens. Não existe conflito de gerações. Isto é uma mistificação. Existem velhos que são velhos mesmos e jovens que já nasceram velhos... A missão do homem que atravessou mais de meio século de vida, é colocar a sua experiência a serviço do sadio entusiasmo juvenil, vanguarda de todos os nobres movimentos. Esta é a minha tarefa. O amanhã pertence a sua geração. Isto não significa que serei um simples conselheiro, um contemplativo. Não. Sempre participante, para ser fiel ao jovem que vive dentro do meu coração

Não desespero. Sei esperar. A idade dos povos não se mede pela idade dos homens. A minha luta é a continuação da luta dos meus antepassados, os nativistas que plantaram a semente da Pátria e conquistaram a sua Independência Política. A batalha prossegue para obtermos a Independência Econômica. Os nativistas de ontem são os nacionalistas de hoje. Estamos unidos debaixo da mesma bandeira. Os homens passam, a bandeira fica. Esta mesma bandeira irá dar ânimo aos teus futuros filhos, meus netos, na fidelidade aos princípios de liberdade. Igualmente a fraternidade que os franceses receberam dos gregos e tornaram universal.

O Brasil é minha Pátria, Natal minha cidade, em cujo chão estão enraizadas indissoluvelmente todos os meus sentimentos. Tenho a consciência tranquila. Dei minha contribuição no sentido de arrancar o Brasil do atoleiro em que se encontra, quando lançamos as bases da Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a ler. A História fará justiça. Não importa o que passou e o que ainda está passando. Continuo no caminho certo, aquele traçado pelos mártires de nossa independência. É melhor sofrer e muitas vezes morrer, do que participar do festim daqueles que estão vendendo o Brasil no balcão das negociatas internacionais. Não sinto nenhuma sedução pelos encantos do Dólar, que nos dias de hoje tem o asco, a triste e horripilante missão de substituir os 30 dinheiros de JUDAS. Minha geração, certamente, não assistirá os últimos estertores do império do Dólar. Não importa. Parto tranquilo. Deixo o Império moribundo. O século XX que marcou o início de uma nova era social levará nas suas convulsões os últimos tentáculos e a derradeira gôta de fel do imperialismo norte-americano. Os povos sub-desenvolvidos, poderão, então, encontrar o caminho do progresso. Os meios de produção e a terra serão patrimônios de todos. Haverá fartura e desaparecerá o fantasma da fome, que mata, assassina é o termo, milhões de seres humanos. Desaparecerá, também, o espectro do analfabetismo. Genocídios como do Vietnã não se repetirá.

Meu Filho:

Esta carta não é nenhum testamento...É a conversa franca de dois homens. Um mais idoso e outro mais jovem. Ainda espero viver bastante. E a vida não é somente luta e trabalho. O homem e a mulher necessitam divertir-se. A outra face. O lado ameno. Música e poesia. Um pouco de vinho, sim, vinho, porque o vinho está nas Escrituras!... E na tua idade é ideal para estas coisas. Aproveita. Aproveita bem. Neste capítulo também posso oferecer a contribuição da minha experiência. E não estou arrependido. A vida bela. O difícil é saber aproveitá-la dentro do binômio: intensidade e equilíbrio.

Esta carta está se tornando longa e assim sendo, deixo para a próxima vários assuntos de ordem pessoal. Ajuda tua mãe, olha por Aninha e muito carinho com tua avó e receba do teu pai um grande abraço, extensivo aos velhos amigos.

Djalma Maranhão

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