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O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS

Hélio Bicudo
(Jurista, Deputado Federal pelo PT e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA - Organização dos Estados Americanos)

Direitos Humanos no Brasil. Um caminho ainda longo a percorrer.

No momento em que se comemora o cinquentenário da Declaração dos Direitos e Deveres do Homem, adotada em Bogotá, no mês de abril de q948 e, bem assim, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em dezembro daquele mesmo ano, convém fazer um balanço do que temos feito na luta pela implementação dos direitos humanos em nosso País.

Nesse sentido, convém lembrar que a Constituição Federal de 1988 se constitui num marco importante nessa caminhada que pretende impor os direitos humanos como o fundamento maior do Estado democrático de direito.

É o que se lê nos artigos 1º, 3º e 4º, que assim dispõem: “art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição; art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I – independência nacional; II – prevalência dos direitos humanos; III – autodeterminação dos povos; IV – não-intervenção; V – igualdade entre os Estados; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X – concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Por sua vez, o artigo 5º, § 2º, da Carta Magna, afirma: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,  ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Com isso, o Brasil se insere no sistema interamericano dos direitos humanos, uma vez que aderiu e ratificou tratados internacionais, nos planos regionais e mundiais, que podem, por força desse dispositivo, constituir-se em normas constitucionais com competência erga omnes.

E foi nessa linha de atuação que a II Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, ao afirmar a internacionalização e a universalização desses direitos, abarca, na sua proteção, desde os direitos civis e políticos até os direitos culturais e econômicos, colocando um ponto final na discriminação entre direitos de primeira, Segunda ou terceira geração.

Ainda, segundo as recomendações da Conferência de Viena, o governa brasileiro formulou um Programa Nacional de Direitos Humanos, considerados, como de início se disse, o fundamento do Estado democrático de direito.

Esse programa vem na esteira dos temas discutidos e deliberados pela I Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, exibindo propostas que objetivam a uma sociedade mais solidária.

E essa sociedade solidária vai, a pouco e pouco, largando as amarras que ainda, de alguma forma, mantêm sua sujeira ao sistema autoritário que durante mais de vinte anos dominou o País.

Nessas condições, alguns problemas precisam ser enfrentados com maior ênfase, exatamente para a melhor implementação de direitos que no seu conjunto apontam para uma sociedade em que a violência institucional precisa ser eliminada.

É o que acontece, por exemplo, com a transferência da competência da Justiça Militar das polícias militares para a Justiça comum. A Justiça Militar estadual é corporativa e se qualifica por uma impunidade que vai além de 95% dos casos a ela submetidos. Com a impunidade, a violência ganha espaços.

Ora, conseguiu-se a duras penas que os crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares contra civis passassem ao foro civil. Foi um passo importante, que recentes julgamentos justificam. Mas não se pode parar por aí. É preciso avançar, para que todos os crimes cometidos por policiais militares no exercício de atividades de policiamento, que são especificamente civis, sejam processados – e não apenas julgados – pela Justiça comum. É uma questão que não pode ser esfumaçada sob quaisquer pretextos que sejam, pois qualificam o que deva ser um sistema de segurança pública.

Por outro lado, prossegue-se na violação escancarada de claros direitos sociais e econômicos, como aconteceu ainda recentemente na textura do “pacote fiscal”, como o crescimento consequente da miséria, dos índices de desemprego e a ampliação das carências nas áreas da educação e da saúde.

Isto constitui, ademais, clara violação dos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos, à qual o Brasil aderiu e ratificou, num profundo desrespeito às normas internacionais que configuram o desenho dos direitos humanos e que se encartam no conjunto dos direitos constitucionais fundamentais.

Acredito que bastam as considerações expendidas, ainda que num exame por demais sintético do tema, para evidenciar a distância em que nos encontramos da prática dos direitos humanos.

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