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                A 
                  Noção de Segurança Democrática como  
                  Alternativa para a Crise da Função Policial 
                     
 
        Prof.  
        Manoel Mendonça Filho 
         
          
          
         
          
        Nesta  
        apresentação, o leitor encontra, a título de ilustração, o relato  
        de alguns acontecimentos que dão a   
        pensar, na medida em que deixam ver as defasagens e paradoxos  
        entre as concepções mais recorrentes e as circunstâncias cotidianas  
        das relações cobertas pelo termo Direitos Humanos no  campo  
        específico da Segurança Pública.  
        São acontecimentos analisadores, assim chamados pela capacidade de  
        exposição de conjuntos de crenças e valores em descompasso com a mutação  
        do cotidiano.  Encontra,  
        ainda, a  crítica de  certas  
        crenças e valores e uma pesquisa de alternativas de entendimento da temática  
        da Segurança Pública.   
         
          
        Espera-se  
        que, servindo de antesala aos textos que se seguem, as curtas histórias  
        aqui narradas, deixem o leitor de sobreaviso em relação a  
        posicionamentos muito rápidos ou muito óbivios quando se trata de  
        discutir a organização socio-política contemporânea.  
          
         
          
        O  
        recebimento, por Universidades Federais do Nordeste, da encomenda de uma  
        ONG, que dispunha de recursos de uma fundação internacional para um  
        programa de ‘Educação para a Cidadania’ junto às organizações  
        de polícia, foi a oportunidade para a experiência de que tratam os  
        textos desta mesma publicação. 
         
          
          
         
          
        Ao  
        longo de mais de três anos muito se discutiu e aprendeu com a rara  
        experiência de aproximação entre os dois segmentos de funcionalismo público  
        que compõem, respectivamente a universidade e a polícia. Assim, o que  
        aqui se faz é uma narrativa de algo que deve ser tomado, antes de mais  
        nada, como movimento político/institucional. Movimento no mesmo ton das  
        ampliações dos espaços de Cidadania, naquilo que isto é fundamental  
        para a, necessariamente cotidiana, atualização da justiça das relações  
        sociais.    
         
          
          
         
          
          
         
          
        As  
        reflexões apresentadas neste artigo se forjaram na intensa participação  
        , desde o seu início, no processo de desenvolvimento do ‘Programa de  
        Educação para a Cidadania’- em encontros para discussão e formulações  
        gerais sobre concepções e métodos que sustentaram o programa e, mais  
        especificamente, na negociação e coordenação do programa em um dos  
        Estados onde este foi desenvolvido.  
         
          
          
         
          
        Evidentemente,  
        as análise e posições assumidas descartam qualquer pretensão a  
        homogeneizar as perspectivas e singularidades, tanto do trabalho em cada  
        Estado e, menos ainda, do modo de inserção e funcionamento das pessoas  
        que se implicaram com a efetivação da proposta.  
         
          
          
         
          
        Cabe  
        acrescentar, ainda,  que  
        este texto foi escrito no calor da participação em um seminário sobre programas de formação  
        voltados para a área de segurança pública. Dois dias antes,  
        realizou-se um workshop reunindo técnicos, pesquisadores e  
        profissionais, inclusive das polícias dos estados, que têm trabalhado  
        com ações educativas orientadas por uma perspectiva de democratização  
        das relações sócio-institucionais na área de segurança pública.  
         
          
 
        O Enquadre 
 
         
        Em  
        meio a uma avalanche de imagens e informações que atualmente circulam  
        na mídia, fazendo da Segurança Pública a ‘Neurose’ mais atual,  
        surge uma infinidade de análises e formulas de resolução dos  
        problemas. O mais comum, quando se lê ou ouve falar do tema, é uma  
        redução simplista da questão ao problema da criminalidade. Direção  
        sem saída, esta perspectiva nos coloca do círculo vicioso da violência que combate e gera a violência e da exclusão que cria e resolve a criminalidade.   
         
         
          
 
         
        Buscando  
        alternativas de como entender o problema, parte-se da idéia de Falta  
        de reconhecimento mútuo como diagnostico provisório e geral. 
         
          
 
         
         Comentário inicial: A racionalidade técnica, ainda que possa  
        subsidiar práticas bem estruturadas, não serve a nada se não leva  
        suficientemente em conta que, sendo apenas uma dentre outras práticas e  
        conjuntos de interesses, deve submeter-se aos critérios sócio-afetivos  
        de hierarquias e obrigações. Se não para a construção de seus  
        pontos de vista, obrigatoriamente na expressão destes em espaços públicos,  
        sob pena de quebrar o frágil limite entre relações ético-políticas  
        de reconhecimento dos comuns e funcionamentos de autoritarismo  
        mutuamente desqualificadores, que preenchem o lugar do outro com a  
        imagem de uma parcela que não tem valor, Podendo, portanto, ser  
        eliminada.    
         
          
 
         
        Como  
        forma de introdução às questões, segue apresentado um breve relato  
        de alguns acontecimentos em torno do tema da segurança pública -  
        dimensão constitutiva do objeto ‘função pública’ de um curso de  
        doutorado em andamento:  
         
          
 
         
        Primeiro ato – a Polícia  
        Destrambelhada 
 
         
        Pouco  
        menos de dois meses atrás, recostado em um balcão de bar no centro de  
        Salvador, alguém me chama atenção para a passagem da tropa de choque  
        da polícia militar. Desde meios da década de 80 não se via o choque  
        utilizado em manifestações de rua. A imagem da tropa em movimento  
        ofensivo mobilizou tropismos militantes e, quando me vi, estava entre a  
        manifestação e a tropa, debruçado pôr cima dos escudos, tentando a  
        atenção do coronel que  comandava  
        a operação. 
         
          
 
         
        A  
        experiência com a repressão durante a militancia estudantil somou-se  
        aos últimos três anos de trabalho pela Comissão de Direitos Humanos  
        da Universidade - um Programa de ‘Educação para a Cidadania’  
        desenvolvido junto as polícias do Estado - favorecendo uma calma e  
        lucidez, talvez incompatível com a situação. 
         
          
 
         
         Bastou um átimo de olhar e o grito de ‘...instrutor da polícia  
        de Sergipe’, surtiu o efeito desejado. Autorizado a cruzar a linha do  
        pelotão, já ao lado do coronel, digo nomes de alguns oficiais da polícia  
        sergipana e consigo um pouco mais de sua atenção.  
         
          
 
         
        A  
        linha do choque estava parada a cerca de 50 metros da linha da manifestação,  
        e se uma negociação não fosse aberta o pipoco não iria demorar.  
        Passo a sondar as pretensões táticas do coronel e escuto, de um outro  
        oficial, a informação de que era uma manifestação sem coordenação  
        centralizada. Com efeito, o carro de som, meio perdido entre  
        adolescentes com uniformes de escolas públicas e particulares, não  
        controlava nem mesmo as falações que sobre ele se sucediam.  
         
          
 
         
        Pergunto  
        ao coronel o que ele pretendia e ele responde que, se ‘nós’ nos  
        mantivéssemos ali, ele estava satisfeito, pois suas ordens eram para não  
        permitir que a manifestação avançasse rumo à Graça - bairro de  
        residência do ex-senador ACM,  alvo  
        da manifestação.  
         
          
 
         
         Como se fosse uma cena já presenciada, percebo a aproximação  
        de uma velha amiga dos tempos de militância, agora deputada, também  
        ali na tentativa de negociar. 
         
          
 
         
        -     
        o que é que você esta fazendo aqui companheiro?   
        - É que eu ia passando...  
          
         
          
        Nos voltamos  
        para o coronel, apontando o absurdo da repressão, já que a manifestação  
        era pacífica e sem o menor risco para a segurança de vidas ou patrimônio.  
          
         
          
           
        - E então coronel? não estou  
        entendendo, é um bando de adolescentes, como seu oficial mesmo disse,  
        sem coordenação centralizada.  -  
        Eu sei Professor, eu também tenho parentes que poderiam estar ai, eu  
        também tenho cursos de direitos humanos e especialização em polícia  
        moderna feita no exterior.  
 
         
         O  
        oficial dá ordem para que a tropa avance mais alguns passos. 
         
          
 
         
         –  
        Coronel, o senhor disse que bastava não passar, o senhor podia permitir  
        que a manifestação fosse por ali ao invés de por aqui.  - Estou cumprindo ordens. - O senhor tem autonomia tática  
        coronel, se continuar a avançar vai provocar o confronto. Vai reprimir  
        sem motivo coronel , é direito de ir e vir e se expressar o que está  
        acontecendo aqui.  - Olhem,  
        nem que vocês pudessem falar com o comandante não ia adiantar, a coisa  
        tá na mão do gabinete do governador. -   
        Então nos dê o contato, é uma deputada que está aqui tentando  
        negociar coronel...  
 
         
        Mais  
        uma ordem para o avanço faz a tropa encostar nos manifestantes. Um  
        minuto depois as pontas das duas linhas se atritam, e só se vê gás e  
        pancadaria.  
         
          
 
         
        - É um  
        absurdo coronel, que violência desnecessária, seu major está vendo  
        que são menores, devem ser embarcados na frente da viatura, devem ser  
        acompanhados, não podem ir para uma delegacia comum, é abuso  
        coronel...  - Se contenha  
        professor, se o senhor quiser, depois se faz uma avaliação.  
 
         
        Distanciado  
        de toda reflexão que já pudesse Ter feito em seus cursos de  
        especialização o oficial de polícia esta naufragado no automático da  
        ação. Entre ele e os compromissos democráticos o automático de um hábito  
        a muito arraigado –obediência cega a ingerência político partidária  
        - serve como divisória.  
         
          
 
         
        O  
        que se ouve em meio aos gritos dos estudantes são falas de oficiais   
        que, funcionamento corriqueiro, justificam para si próprios a  
        violência da ação. 
         
          
 
         
        - foram os  
        punks sujos, bateram com o pau da faixa no capacete do soldado. - Prenda  
        aquele, quero aquele, tava tentando chutar...  
 
         
        A  
        diabolização do grupo de estudantes cria uma imagem onde ‘velhos  
        atributos’ de ‘comunistas’ e ‘guerrilheiros’ se misturam à  
        figura de punks vistos como sujos e violentos. A operação   
        transforma adolescentes em corpos em que se pode bater. A  
        identidade dos ‘infiltrados’ logo contamina todo o grupo. Não há  
        reconhecimento dos manifestantes como comuns; o funcionamento da Polícia  
        ignora o seu pertencimento a uma comunidade. Sem identificação possível,  
        sem negociação possível, a segurança desaparece. 
         
          
 
         
              
        A segurança não desaparece apenas para um dos grupos, também  
        para os indivíduos perfilados com fantas e escudos a segurança  
        desaparece. Ou melhor, para a corporação policial, já que para estes  
        indivíduos a segurança, estando eles na linha de frente da tropa,  
        nunca existiu. O desenrolar dos acontecimentos, em poucos dias,   
        iria mostrar que, do ponto de vista mesmo da corporação, a ação  
        daquele dia foi completamente ‘destrambelhada’.  
         
          
 
         
        Repetindo  
        a repressão em uma segunda manifestação, mais violenta e arbitrária  
        que a primeira, a polícia invadiu a faculdade de Direito da UFBa,  
        desrespeitando ordem judicial que  a  
        autorizava. Totalmente fora da legalidade, a corporação policial era o  
        sintoma da crise de legitimidade do ex-senador  
        que pensava ser  o dono do  
        estado.  
         
          
 
         
        Ocupando  
        o lugar na mídia nacional, catalisando críticas de todos os matizes, a  
        polícia também foi  diabolizada,  
        como é corriqueiro. Como bem colocou o professor   
        Santiago Izquierdo     
        durante o seminário de Recife: o interessante da pesquisa das  
        organizações policiais na América Latina, é que nelas se  
        materializam conflitos que permeiam todo o tecido social com um profundo  
        atravessamento do local pelo global. 
         
          
 
         
        Uma  
        terceira manifestação, sem a presença do aparato policial e com uma  
        participação muitas vezes ampliada, chega pacificamente  
        ao alvo da pequena primeira manifestação, mostrando que a ação  
        policial estava longe de qualquer idéia possível de segurança pública.  
         
         
          
 
         
        Segundo ato – O estranho alívio da  
        SBPC 
 
         
        Ainda  
        em Salvador, em uma conversa de mesa de bar com um amigo envolvido com a  
        coordenação da Reunião Anual da SBPC,  
        surge a possibilidade de colaborar com a segurança do evento. Eram  
        esperados mais de 10 mil participantes e parecia que todas as providências  
        estavam meio sub-dimensionadas. Pôr outro lado, os recentes confrontos  
        entre a polícia e a comunidade acadêmica estavam preocupando a  
        coordenação.  
         
          
 
         
        Animado  
        com a possibilidade de colocar a teste algumas idéias sobre a questão  
        da segurança, comecei a fazer planos e contatos pensando em formar uma  
        comissão com pessoas de diferentes unidades da universidade. Elas se  
        espalhariam pelo evento participando, e orientando a organização das  
        atividades, ao mesmo tempo em que, ligados por um bom conjunto de  
        radio-comunicadores, monitorariam os fluxos com a vantajosa intimidade  
        de observadores participantes. 
         
          
 
         
         Neste plano, as polícias ficariam no entorno do ‘campus’  
        e fariam principalmente o controle de acessos com detetores de metal. Um  
        grupo da polícia federal estaria no interior do campus em contato com   
        a coordenação da comissão de segurança para ser acionada caso  
        alguma situação chegasse a ficar sem condições de manipulação.  
        Cheguei até a pensar que se solicitaria à polícia militar a utilização  
        do contingente feminino, o que facilitaria a simpatia e conseqüente  
        aproximação dos participantes. 
         
          
 
         
        Entretanto,  
        a ilusão de que a comunidade universitária poderia oferecer um exemplo  
        de espaço público autônomo,  organizado  
        com base em um negociação democrática dos diferentes interesses  
        comunitários, durou pouco. Três semanas antes do evento, circulou uma  
        mensagem do chefe de segurança, um ex-coronel de polícia, agora  
        professor, indicado pelo reitor.  
         
          
 
         
        Uma  
        lista de medidas táticas, com distribuição de tarefas entre as  
        organizações policiais do estado, tratava a SBPC como se fosse uma  
        festa popular  ou um show de  
        rock (“serão colocados módulos policiais como os do carnaval”).  
        Escrevi uma mensagem ao amigo da coordenação dizendo que infelizmente  
        não poderia colaborar com muita coisa. A idéia que tinha de segurança  
        de uma reunião científica, como aquela, pedia uma política de segurança  
        completamente diferente da simples operacionalização tática da velha  
        concepção de combate ao crime e manutenção da ordem. Entregar a  
        responsabilidade da segurança de uma reunião universitária a uma polícia  
        que acabara de invadir o ‘campus’ não parecia uma boa idéia.  
         
          
 
         
        Ironia  
        do destino, dias antes da SBPC as polícias entram em greve na Bahia -  
        mais desdobramentos da crise de autoridade dos governantes locais. As  
        cenas na mídia nacional mostravam uma cidade em comoção: roubos,  
        assassinatos, arrastões e saques. Palestrantes ligavam para saber se a  
        programação estava mantida, alguns cancelaram a vinda, o medo rondava  
        os participantes. A SBPC queria saber se poderia se realizar sem ser  
        ‘atacada’ pela população local.  
         
          
 
         
        Por  
        outro lado, durante o evento, nem um só comentário dos organizadores  
        sobre a circunstância política em que a reunião se realizava, nem um  
        único manifesto de protesto, nenhuma análise nem posicionamento  
        assumido. O diretor da Faculdade de Educação comenta, com tristeza, a  
        despolitização da SBPC. Saudades de 1982. A praça de alimentação,  
        ocupando o lugar central como se fosse em um shoping-center, é o termômetro  
        medindo o ‘alívio’. Alívio de uma SBPC perdida de sua história,  
        que agora se sente segura com a chegada do exército para fazer o  
        ‘patrulhamento’ das ruas de Salvador. 
         
          
 
         
        Terceiro ato – A tríplice incompetência  
        da Qualidade Total. 
 
         
        Durante  
        o  Workshop que antecedeu o seminário do Recife, desenrolou-se  
        mais uma pantomima das relações (anti)democráticas. Como se disse,  
        estavam reunidos pesquisadores, professores, técnicos e profissionais,  
        todos com experiências em formação na área de segurança pública.  
        Um grupo seleto de pessoas comprometidas em buscar alternativas e  
        operacionalizar mudanças nas práticas cotidianas relacionadas com o  
        sistema de segurança pública.  
         
          
 
         
        Surpreendentemente,  
        após uma manhã de exposições em que o grupo se mostrou uma platéia  
        atenta e respeitosa, entra uma equipe de consultores para ‘coordenar  
        os trabalhos’. O grupo, como depois ficaria claro, esperava se  
        auto-regular. Porém, sem nenhum tipo de sondagem, ignorando as características  
        do grupo, é comunicado um esquema de trabalho com objetivos e tarefas  
        bem estruturadas e previamente definidas, bem ao molde das consultorias  
        empresariais.  
         
          
 
         
        Tratados  
        como estagiários em treinamento, o grupo se articula, pontua o  
        desrespeito e afasta os consultores da condução do trabalho. O  
        funcionamento da bem remunerada consultoria, liderada por renomado  
        professor, foi de completa inabilidade: do ponto de vista técnico  
        (desconhecimento de noções básicas de dinâmica de grupo); do ponto  
        de vista político ( atitude impositiva diante de um grupo politicamente  
        autônomo); do ponto de vista socio-afetivo (colocou-se pretensiosamente  
        como um outro superior, diante de ‘rebeldes’ que deveriam ser postos  
        a produzir resultados).   
         
          
 
         
        Retorno às questões – pontuando o  
        imoral da história. 
 
         
        Como  
        foi adiantado, existe um lógica racionalista que pensa poder resolver  
        os problemas de segurança pública com a criação de normas e  
        procedimentos elaborados por análises técnicas dos especialistas.  
        Mesmo em situações aparentemente insuspeitas, esta lógica mostra sua  
        força geral de atravessamento das realidade locais. O cientificismo  
        contamina os modos de falar e fazer, tornando mais difícil a sustentação  
        regular de atitudes ético-políticas consistentes. O mito de que vida  
        social pode ser gerida atropela a necessária negociação cotidiana de  
        interesses e valores capaz de viabilizar as condições coletivas de  
        realização dos desejos individuais. 
         
          
 
         
        Aqui,  
        mais que um guia instrumental de procedimentos para a segurança pública,  
        pretende-se marcar uma referência política distinta para pensar a  
        questão. Assim, propõe-se o conceito de segurança  
        democrática,  
        deslocando a definição da função policial da idéia de ‘repressão  
        ao crime’ para a idéia de acompanhamento  
        e organização  
        dos fluxos societários e apostando na velocidade do reconhecimento entre os atores sociais responsabilizados pela função  
        polícia e os demais segmentos societários,. 
         
          
 
         
        Do  
        ponto de vista dos quadros das organizações policiais, a segurança  
        democrática só se torna possível, se o recrutamento é feito nos  
        grupos comunitários diretamente envolvidos nas relações a serem  
        policiadas e se a seleção e treinamento são orientados por valores  
        negociados entre estas diferentes comunidades. Assim, o processo de  
        formação policial passa pela negociação coletiva de valores e  
        interesses, devendo envolver a organização policial, as instâncias de  
        regulação burocrática e as comunidades constitutivas do agrupamento  
        societário.  
         
          
 
         
        O  
        trabalho a ser desenvolvido junto ao sistema de segurança pública,  
        caso se adote a perspectiva proposta, começa com a criação de  
        dispositivos regulares de reflexão crítica sobre as práticas  
        cotidianas de segurança pública, envolvendo lideranças comunitárias,  
        representantes de instâncias governamentais, profissionais da área e  
        pesquisadores do tema. O objetivo geral que orienta as discussões e  
        deliberações e encaminhamento destes dispositivos pode ser definido  
        como eminentemente educacional.  
         
          
 
         
        Educação,  
        aqui, entendida como atividade de sistematização crítica de crenças  
        e valores coletivamente negociados em espaços públicos de discussão e  
        de conflito de interesses. Não se trata de ensinar a indivíduos o que  
        eles ‘devem ser’ nem pelo que ‘devem se interessar’. Trata-se de  
        educar a gramática – o modo de descrever o cotidiano -   
        que ordena os espaços públicos de convivência, colocando em  
        discussão os modos de falar e fazer que lhe são próprios. 
         
          
 
         
        A  
        noção de segurança democrática coloca em relevo a imbricada relação entre  
        justiça social e ordem social. Faz ver que a atenção e cuidado com as  
        relações político-afetivas são base para qualquer teoria sobre  
        segurança pública que pretenda deslocar o eixo da discussão da  
        função de garantia dos dispositivos de governo para a função de estruturação e proteção do tecido societário. 
         
          
 
         
        Ao  
        invés de operar com base em imagens fetichizadas   
        - suspeitos, bandidos, marginais perigosos , policiais corruptos  
        - que não passam de distintas formas de produção   
        de identidades do outro que autorizam sua destruição, propõe-se  
        operar com as imagens de: situação  
        de conflito, circunstância de  
        ilegalidade, tendo como  função  
        o reconhecimento, a identificação e a organização dos fluxos e práticas  
        societários.  
         
          
 
         
        Finalmente,  
        Segurança Democrática é o reconhecimento dos diferentes que precisam  
        ser envolvidos na negociação do espaço de convivência societária.  
        Ao invés da culpabilização individual, pressupõe a responsabilização  
        coletiva. Coloca os atores sociais com relações horizontalizadas do  
        ponto de vista do valor das pessoas, de suas crenças e de seus desejos. 
         
          
 
         
        A  
        quem se assuste com a amplitude da tarefa e que se deixe levar pelo  
        imediatismo das soluções  já  
        disponíveis, resta a alternativa do plano do General Cardoso, que pensa  
        em resolver a crise das organizações policiais pelo aumento da dependência  
        e controle destas pelo exército.  
         
          
 
         
        O  
        imoral desta proposta é pensar o policiamento sendo feito por uma tropa  
        que opera longe dos seus grupos de referência,   
        sem compromisso com as comunidades locais e que só existe para  
        obedecer às instâncias burocráticas de exercício de poder. A mesma lógica  
        inspira os documentos do exército onde se lê que: para proteger a  
        democracia pode ser necessário “arranhar alguns direitos do cidadão”.  
         
         
          
 
         
        Quando  
        o outro pode ser tratado como ‘inimigo social’, fala-se de um  
        processo  de eliminação  
        seletiva, por mais que se tente esconder isto por trás de eufemismos   
        do tipo ‘forças adversas’. Isto não tem nada a ver com a  
        função de organização de um espaço público capaz de uma atualização  
        dos sentidos de polícia que parta dos interesses das comunidades  
        envolvidas e seja comprometido com a criação de um espaço de convivência  
        democraticamente ordenado.  
         
          
         
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