Seminário Nacional
sobre Violência Urbana
e Segurança Pública
CARTA DE
BRASÍLIA
1.
Nos dias 30 e 31 de Outubro de 2001
realizou-se, em Brasília, Distrito Federal, o Seminário Nacional sobre
a Violência Urbana e Segurança Pública, promovido pela Subcomissão que
trata destes temas vinculada à Comissão de Desenvolvimento Urbano e
Interior da Câmara dos Deputados.
2. Participaram deste evento pessoas de 15 Estados brasileiros
representando diversas ONGs, Institutos de Pesquisa de diversas
Universidades, Executivo Federal, Estadual e Municipal, Ministério Público
Federal, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional da Criança e
do Adolescente, entre
outros.
3. A Constituição Federal de 1988 consagra a segurança como um
direito social, individual e coletivo.
4. As estatísticas longe estão de revelar a verdadeira face da
violência nos seus mais diversos tipos: interpessoal, institucional,
formalmente organizada.
5. As dificuldades geradas pela resistência a informação sobre a
violência, a falta de efetiva vontade política do poder público, as visões
setorizadas, os fatores culturais, e tantos outros, levam a uma não
confiabilidade nos dados sobre a violência em nosso país. Não obstante,
sabemos ser o Brasil o segundo país em índice de mortalidade por violência
na América Latina. Só perdemos para a Colômbia. A maioria dos mortos são
jovens entre 15 e 29 anos e são assassinados por arma de
fogo.
6. As estatísticas revelam também que não há correlação direta
entre pobreza e violência, mas, podemos dizer que os maiores índices estão
nas populações desenraizadas. Os assentamentos humanos feitos sem respeito
às relações entre as pessoas geram violência e criminalidade.
7. Há que se ressaltar ainda o fato de que a inexistência de um
planejamento urbano e de uma política intersetorial, integrada e
inovadora, o enfoque parcial das questões humanas, muitas vezes moralista,
dificultam e tornam ineficiente o combate à violência.
8. A ampla representatividade da sociedade civil neste Seminário
demonstra a existência de uma vontade política de diversos atores de
compreender o fenômeno da violência na sociedade atual, suas causas e
conseqüências numa visão intersetorial, chamando a atenção para a
realidade em toda a sua complexidade.
9. Os diagnósticos parciais e as políticas setoriais por si só não
respondem à gravidade do momento no que diz respeito à violência em suas
mais diversas formas. Não basta, portanto, identificar déficit
habitacional ou carências nutricionais. O fenômeno da violência requer uma
postura ampla na realização dos diagnósticos e a implementação de
políticas públicas intersetorializadas.
10. Os debates neste Seminário apontaram para a necessidade de
quebra de resistências para a construção de consensos, que favoreçam o
planejamento e a execução de políticas públicas que ampliem a
democratização do Estado e dos espaços de cidadania, onde saúde e vida,
justiça e paz sejam os parâmetros das ações do poder
público.
11. O núcleo das discussões deste Seminário centrou-se nas questões
relacionadas com os temas: Sistema de Justiça e Segurança; Saúde, Drogas e
Violência no Trânsito; Educação, Comunicação e Violência; e, Violência,
Desigualdades Sociais e Discriminação.
12. Considerando que é evidente a crise no Sistema de Justiça e
Segurança Pública e que, a violência e a criminalidade têm como
principais causas questões de ordem social, econômica e cultural.
Considerando também outras causas relacionadas à administração da Justiça,
além da cultura da impunidade e corrupção reinantes. Considerando ainda
que todas essas questões, embora complexas, urgem serem enfrentadas com
medidas concretas à curto, médio e longo prazo visando profundas
modificações no sistema de Justiça e de Segurança Pública, propõe-se: 1)
criar fóruns permanentes de discussão sobre o Sistema de Justiça e
Segurança Pública visando a proposição de ações preventivas de combate à
violência priorizando a juventude e a violência doméstica; visando também
repensar o modelo penitenciário nacional; visando, ainda, ações de
sensibilização que promovam mudanças na cultura da impunidade e de
corrupção que permeiam todos os níveis de convivência da
sociedade.
13. Considerando que a violência não é inerente ao ser humano e sim
um comportamento apreendido, que possui múltiplas causas relacionadas aos
indivíduos e à vida em sociedade, que não tem no fenômeno da pobreza
sua causa determinante e atinge todos os grupos e classes sociais,
propõe-se: 1) estimular a cultura da paz no processo educativo de
crianças, adolescentes e jovens; 2) retomar na Câmara Federal a discussão
do Projeto de Lei que institui a Política Nacional de Educação em Direitos
Humanos; 3) incluir nos Parâmetros Curriculares Nacionais a questão da
ética moral visando ações que superem a violência nas escolas; 4)
estimular, no Parlamento Brasileiro, a discussão sobre a implantação do
sistema de cotas para estudantes racial e socialmente discriminados quando
chegam o momento do ingresso no Sistema de Ensino Superior, visando a
concretização da política de ações afirmativas em nosso País; 5) criar
junto ao Parlamento Brasileiro um Fórum Nacional Permanente de Diálogo e
Aprendizado Coletivo na Superação da Violência.
14. Considerando a existência de um hiato entre o Brasil legal, que
assume posições progressistas nos fóruns internacional e nacional de
proteção e garantia dos direitos humanos e dos direitos das minorias
(negros, mulheres e homossexuais) secularmente discriminadas e a
operacionalização e efetivação de políticas públicas que dêem conta desses
compromissos. Considerando também a necessidade real de controle social na
implementação dessas políticas, propõe-se: 1) elaborar projeto de lei
instituindo os Conselhos Estaduais e Municipais de Superação da
Discriminação; 2) estimular o debate sobre a criação de Comissão
Permanente de Relações Étnicas, de Gênero e Orientação Sexual da Câmara
dos Deputados; 3) criação de uma rede informatizada de apoio às minorias;
4) implementar imediatamente o Conselho Social de Comunicação visando
através dele promover o combate à divulgação de estereótipos de mulheres,
negros e homossexuais; 5) estimular a implementação de programas de
capacitação e sensibilização dos profissionais da educação voltados para
os direitos humanos; 6) estimular a inclusão na formação dos policiais
militares e civis das temáticas do combate à discriminação contra
mulheres, negros e homossexuais e dos demais aspectos dos direitos
humanos; 7) garantir a representação de
mulheres, negros e homossexuais no Conselho Nacional de Educação e no
Conselho Nacional de Saúde.
15. Considerando, no que diz respeito a saúde e violência, que as
chamadas "causas externas", que provocam o trauma, e incluem os
homicídios, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho e domésticos, os
suicídios e outras lesões e envenenamentos, constituem hoje, em nosso
país, o segundo grupo de causa de morte, respondendo por quase 120 mil
óbitos a cada ano e a 13% do total de mortes. Considerando também que os
fatores associados a este crescimento vertiginoso da violência não têm uma
causa isolada, pois, na verdade, são a confluência de vários fatores, tais
como a desigualdade social, o tráfico de drogas e de armas, propõe-se: 1)
implementação uma Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por
Acidente e Violências a partir de uma série de ações articuladas e
integradas de diversos setores do governo e da sociedade para minimizar o
impacto da violência; 2) implementação de um conjunto de providências que
toquem as causas subjacentes deste problema, como: a) controlar e limitar
o comércio internacional de armas; b) a redução de promoção, uso e
disponibilidade de arma de fogo; c) o desenvolvimento de métodos eficazes
de lidar com o comércio de drogas; d) o combate à glorificação e
mercantilização da violência, particularmente através dos meios de
comunicação; e) a promoção de uma cultura de tolerância e administração de
conflitos sem recurso à violência; f) a promoção da igualdade entre os
gêneros; g) a educação para a garantia do respeito aos direitos humanos;
h) a redução da pobreza, em particular das desigualdades
intra-societárias; i) criar núcleo interdisciplinar de estudo do trânsito;
j) criar uma base de dados sobre trauma e violência como início de um
esforço nacional de dar prioridade a informação visando a implementação
das políticas públicas de combate à violência; l) desenvolver ações
educativos que conscientizem a inadequação da ingestão de bebidas
alcoólicas e direção de veículos automotores; m) empreender campanhas de
massa visando a apreensão do conteúdo do Código de Trânsito, contrapondo a
movimentos pelo abrandamento das punições relativas aos delitos de
trânsito.
16. Considerando que a superação da violência urbana só será
alcançada através de um trabalho conjunto do Estado e da sociedade civil
como já anteriormente assinalado. Considerando também que a repressão, por
si só, não resolve o problema da violência e que a prevenção é muitas
vezes mais eficaz, propõe-se: a) um trabalho articulado, integrando o
Programa de Segurança Pública a outros programas sociais existentes no
país; b) a alteração de legislações que tratam de diversos aspectos
envolvendo a segurança pública e a violência urbana, como a lei do crime
organizado, o Código Penal e o Código de Processo Penal; c) criação de
centros de referências para tratar da questão da violência, com a
participação do Estado e setores da sociedade civil mais vulneráveis à
violência urbana, a partir de levantamento de problemas e estabelecimento
de diretrizes prioritárias; d) criação e/ou incrementação de instrumentos
que coíbam a violência doméstica, como delegacias especializadas em
atendimento às mulheres vítimas de violência e casas de abrigo,
devidamente equipadas, providas de recursos humanos capacitados e com
estrutura multidisciplinar e multisetorial; e) criação de programas de
recuperação de agressores; capacitação do pessoal que trabalha nos Pronto
Socorros, para detectar em diversas patologias, seu relacionamento com a
violência.
17. Por fim, este Seminário Nacional construído a partir de quatro
audiências públicas realizadas pela Subcomissão de Violência Urbana e
Segurança Pública da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da
Câmara dos Deputados, com representantes da academia, do governo federal e
de instituições oficiais de pesquisa, não se esgota com sua realização,
pois o segundo passo deste debate nacional sobre a violência urbana se
concretizará com a implementação dos Seminários Macro-regionais que
realizar-se-ão a partir de março de 2002. Nesta segunda etapa pretende-se
manter as parcerias já existentes, que possibilitaram a realização deste
Seminário Nacional, desta vez sob a coordenação do Conselho Nacional de
Saúde.
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