As Gerações de Direitos Humanos
Terceira Geração
OS
DIREITOS DOS POVOS OU DA SOLIDARIEDADE
O mundo convive, na
proximidade do século XXI, com o paradoxo da crescente internacionalização
dos direitos humanos, cada vez mais entronizados no direito interno
estatal, e a flagrante escalada de novas formas de imperialismo, de
dominação e de violação costumaz desses próprios direitos. Do domínio
das armas ao controle econômico, dos boicotes ostensivos aos subornos
de todo tipo, da especulação das empresas transnacionais à
cumplicidade de oligarquias locais, das regras unilaterais de mercado ao
peso das dívidas externas, do mega-protecionismo aos impedimentos de
uma tecnologia autóctone – tudo conduz a uma realidade profundamente
desigual entre as coletividades organizadas do planeta. E o lado fraco
no jogo de interesses desta era pós-industrial, inegavelmente, são os
países subdesenvolvidos, de industrialização periférica e economia
centrada na exportação de matérias-primas (uns mais, outros menos).
A bissegmentação
mundial entre países ricos (hemisfério Norte) e países pobres (hemisfério
Sul) e o desnível entre eles existente, como se sabe, é um fato histórico
relativamente recente. Em todas as sociedades civilizadas do mundo, o nível
básico de vida foi praticamente o mesmo, até o Renascimento (séculos
XIV-XV). A revolução comercial (mercantilista) acabou cavando diferenças
em favor dos países que se dedicaram ao comércio externo e ao
colonialismo. Com a Revolução Industrial (séculos XVIII-XIX), as
sociedades industriais passaram a Ter, em relação às sociedades que
permaneceram agrárias, vantagens cada vez mais aceleradas. E a nova
Revolução Industrial, especialmente a sociedade terciária e
informacional contemporânea, faz multiplicar essa vantagem, por um
fator altíssimo, em benefício dos membros do restrito clube pós-industrializado.
Ao mesmo tempo, ao
longo desse processo, sobressai toda uma tradição de lutas políticas
e econômicas de cada povo e cada país pelo seu livre desenvolvimento,
e que progressivamente passaram a Ter amparo jurídico internacional.
Das batalhas anticolonialistas à guerra contra o poderio tecnológico-industrial,
da resistência frente ao expancionismo personalista à oposição
anti-imperialista – em nenhum desses momentos têm faltado contribuições
e sacrifícios, a título pessoal ou coletivo, em prol da liberdade, da
paz e da justiça social no plano internacional.
A saga societária para
liquidar a opressão – qualquer que fosse sua forma ou pretexto – e
pela afirmação soberana dos povos, tomou vulto no século XIX, com o
direito de “autodeterminação dos povos” ou “princípio das
nacionalidades”. Mais precisamente a partir de 1820, quando uma ordem
de movimentos liberais irradiou-se pela Europa. Associados aos ideais de
democracia, república ou monarquia constitucional, intensificaram-se os
anseios e iniciativas de cunho nacionalista. E, ao contraditar-se o
princípio do “legitimismo” – reacionária posição do Congresso
de Viena (1815) para conservar o absolutismo -, formulou-se o “princípio
das nacionalidades”: todo povo que se considerasse uma mesma nação
(identidade ética-cultural) deveria constituir-se em Estado
independente, livre do jugo estrangeiro; e, da mesma forma, as diversas
parcelas de uma nação deveriam fundir-se num só Estado.
O direito de
“autodeterminação dos povos”, pois, se forjou na crença da
soberania popular, nascida nos embates ideológicos das revoluções
burguesas, que vieram substituir o absolutismo feudal pelo Estado
capitalista liberal. Segundo ela, todo poder emana do povo e, portanto,
só ao povo cabe decidir sobre seu próprio destino, estribada em rico
filão documental: Declaração de Virgínia – 1776 (art. 2º),
Declaração francesa de 1789 (art. III), Declaração francesa de 1793
(arts. XXIII a XXVI). Já na época das revoluções socialistas e dos
movimentos de libertação nacional, que são marcas registradas do século
XX, a idéia de soberania popular ganha uma dimensão incomparavelmente
maior e mais concreta, sendo exemplos: as transformações e reformas sócio-econômicas
que se efetuam, a socialização de boa parte da economia, o surgimento
de uma economia nacional independente – atualmente, a preocupação
central da maioria dos países do Sul; indubitáveis tentativas, na ótica
do especialista José MONTESERRAT Fº, de construir, por caminhos
diversificados, “uma base material ampla, um patrimônio dinâmico e
produtivo de toda a nação, capaz de elevar sensivelmente os padrões
de existência, cultura, produtividade e participação de todos os
setores da população ou, pelo menos, de sua maior parte” (O que é
Direito Internacional, SP, Ed. Brasiliense, 1982).
Ao término da II
Guerra Mundial, após a derrota dos Estados totalitários nazi-facistas,
51 países reuniram-se em São Francisco (EUA) e firmaram a Carta
fundadora das Nações Unidas, em 26 de junho de 1945. Por via dessa
Carta, o princípio da “autodeterminação” se estabeleceu em
definitivo no Direito Internacional, pois faz parte dos propósitos da
ONU “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no
respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação
dos povos” (Artigo 1, alínea 2). Reconhecendo o princípio da
“autodeterminação”, reafirmado em inúmeros documentos, o Direito
Internacional rejeitou toda e qualquer idéia de estagnação de povos
ou Estados e a defesa intransigente do “status quo” (situação
vigente). Ademais, aceitou a tese de mobilidade histórica e progresso
social, franqueando a possibilidade aos povos e países de,
legitimamente, aspirar e galgar sempre mais elevados níveis de organização
interna e desenvolvimento. Em outras palavras, cotejando tão somente o
artigo 55, da Carta da ONU, e o art. XXVIII, da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, é válido concluir que: a) os direitos econômicos,
sociais e culturais são direitos do cidadão e dever do Estado; b) o
Estado, absorvendo em si os direitos individuais e coletivos, passa a
agente prestador dos direitos humanos, ao tempo em que também ele se
torna beneficiário da nova ordem internacional que se preconiza para a
realização de tais direitos. Todavia, conquanto seja responsável pela
consecução de medidas que materializem os direitos econômicos,
sociais e culturais, o Estado tem o direito de autodeterminar-se nos
seus assuntos internos, sem qualquer ingerência externa. Ficam no ar as
perguntas: todos os Estados dispõem dos recursos necessários para
tornar efetivos os direitos de Segunda geração? Quantos Estados têm
condições de se autodeterminarem nas relações externas? Onde a nova
ordem recomendada?
Talvez seja oportuno
descortinar a realidade mundial advinda depois da Última Grande Guerra:
a) consolidação da hegemonia norte-americana no campo capitalista; b)
constituição do sistema socialista internacional sob a liderança da
URSS (cujo sistema-satélite recém-desintegrou-se); c) supressão do
colonialismo; d) industrialização das periferias; e) formação e
consolidação das corporações transnacionais (ou multinacionais); f)
desenvolvimento da revolução científico-tecnológica baseada na contínua
automação do processo produtivo.
Junto com a valorização
do ideal democrático, ocorreu a divisão do mundo em dois blocos de
poder – Estados Unidos (Ocidental capitalista) x União Soviética
(Comunismo). Com estes, teve início a “guerra fria”, com a instalação
de bases militares norte-americanas na Europa Ocidental, a teoria do
“perigo comunista” e a venda de armamentos. Os soviéticos, por sua
vez, também construíram sua bomba atômica e cuidaram de assistir a
seus aliados. E a humanidade passou a viver não mais sob a ameaça de
conflitos convencionais, de genocídios e matanças localizadas, mas sob
o signo da destruição total.
Por outro lado, as
novas relações internacionais desse pós-guerra apresentou novos
autores, com o processo de descolonização da Ásia e da África e as
lutas contra o racismo e o “apartheid”, ensejando inclusive a
oficialização do movimento dos países não-aliados (não participação
em blocos militares), através da célebre Conferência de Bandung
(Indonésia), em 1955. Aliás, essa Conferência ratificou o princípio
da “autodeterminação, que desde a Carta da ONU (1945) vinha servindo
de base legal para a histórica campanha que fez soçobrar quase por
completo o colonialismo. Nesse ponto, impõe-se um parêntese: é impossível
negar que a breve história política desses povos, vindos de conquistar
a independência, demonstra suficientemente que a autodeterminação de
cada qual foi, em grande parte, fictícia. Faltavam-lhes, por certo, os
meios para satisfazer as mínimas demandas da população, num sério
questionamento aos solenes enunciados de direitos.
A par disso, o panorama
mundial apresentou, nas duas últimas décadas, uma nova e complexa gama
de situações, a influir na realidade e nos anseios do Terceiro Mundo.
O risco da solução final, de um descomunal conflito nuclear “sem
vencedores”, levou ao câmbio das regras da guerra fria pelas da
coexistência pacífica. No bojo desse arranjo de conveniências – dos
anos 70 para os 80 -, o conflito, a competição e a cooperação vieram
operando no quadro de uma ampla confrontação industrial e tecnológica
que, nos seus desdobramentos, mantiveram e ampliaram a repartição do
mundo em dois segmentos de países: um desenvolvido (Norte) e outro
subdesenvolvido (Sul). E mais,: a rápida modernização do planeta, o
domínio da comunicação e da informação, o aumento da produtividade
de uns poucos pela informatização (Japão, Estados Unidos e alguns países
europeus), a relativa “Pax Americana” diante do colapso da URSS
(hoje, CEI), a impraticabilidade de um desarmamento real e a formação
de megamercados regionais, são alguns outros fatores a comprovar o
agravamento do desnível Norte-Sul na presente década.
Essa rápida análise,
por modesta que seja, revela uma nova etapa na evolução e no conceito
de direitos Humanos. Assim, a terceira geração de direitos surge na
paulatina conscientização, por parte das nações menos desenvolvidas,
da necessidade de uma mudança de situação, com condição primordial
ao alcance dos meios que permitam a plena vigência dos direitos
humanos.
A indissociabilidade
dos direitos individuais e coletivos, bem como a consciência de que sua
fruição por inteiro é proporcional ao esforço conjugado do Estado,
do indivíduo, dos grupos sociais e das diferentes nações, levaram os
países pobres a encetar movimentos e reivindicações comuns, inclusive
valendo-se de eventuais relações multilaterais, como ocorreu com a
proposta de “patrimônio comum da humanidade” quanto aos recursos
dos fundos oceânicos, defendida pelo “Grupo dos 77” – número
originário do bloco dos países terceiro-mundistas, articulado dentro
da ONU, nos anos 70.
Foi com esse espírito
que, na Conferência de Argel, em 1976, um grupo de países do Sul
proclamou a “Declaração dos Direitos dos Povos”. Nela propuseram a
busca de “uma nova ordem política e econômica e internacional, em
cujo contexto possa dar-se “o respeito efetivo dos direitos
humanos”. E, no mesmo ano, a V Conferência de Cúpula dos Países Não-Aliados,
em Sri Lanka (ex-Ceilão), definiu – com validade hodierna: “Só uma
reestruturação total das relações econômicas internacionais,
mediante o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional,
permitirá aos países subdesenvolvidos alcançar um nível aceitável
de desenvolvimento”.
Corroborando com tais
assertivas, o “Simpósio de especialistas sobre o tema dos direitos de
solidariedade e direitos dos povos”, convocado pela UNESCO, em San
Marino (1984), concluiu que os direitos proclamados (através da ONU) são
os direitos dos povos à sua existência, à livre disposição dos
recursos naturais próprios, o direito ao patrimônio natural comum da
humanidade, à autodeterminação, à paz e à segurança, à educação,
à informação e à comunicação, a um meio ambiente são
ecologicamente equilibrados. O corolário desses direitos todos vem a
ser o direito ao desenvolvimento, “de cuja realização se deriva, com
efeito, o respeito da maioria dos demais direitos e liberdades dos
povos” (art. 38).
O tema do “direito ao
desenvolvimento” tem originado debates e levantado muitas expectativas
na conjuntura contemporânea. Ele é defendido por Z. HAQUANI como “um
conjunto de princípios e regras no fundamento dos quais o homem,
enquanto indivíduo ou membro do corpo social (Estado, nação, povo...)
poderá obter, na medida do possível, a satisfação das necessidades
econômicas, sociais e culturais indispensáveis a sua dignidade e ao
livre desenvolvimento de sua personalidade”. E, K. M. BOYE afirma,
quanto a esse direito, que os seus credores são os indivíduos, os
povos e os Estados, enquanto os devedores se resumiriam na totalidade da
comunidade internacional. A ONU, em algumas de suas resoluções, já
incluiu o direito ao desenvolvimento nos direitos humanos. Por último,
renomados estudiosos consideram-no, ao mesmo tempo, como um direito do
Estado e um direito da pessoa humana. (Apud Celso D. de Albuquerque
MELLO, Curso de Direito Internacional Público – 1º vol., 9ª ed.,
RJ, Ed. Renovar, 1992).
Para muitos, na
sociedade internacional em que vivemos, caracterizada por uma verdadeira
“revolução mundial” – composta de uma série de “revoluções
contínuas” – criam corpo as exigências de novas medidas e
mentalidades quanto à aplicação dos direitos humanos na perspectiva
dos interesses coletivos. Dessa forma, a redefinição da ordem
internacional, no interesse dos povos do Terceiro Mundo, aponta para os
seguintes requisitos:
Reconhecimento do
direito a um desenvolvimento livre de ingerências externas, que não
implique em qualquer forma de dominação, hegemonia ou atrelamento, com
rigoroso respeito à integridade territorial desses países e
inviolabilidade de suas fronteiras;
Reconhecimento de plena
soberania dos países do Sul sobre os seus próprios recursos naturais e
atividades econômicas essenciais, também assegurando-se-lhes, de fato,
a completa igualdade nas relações econômicas internacionais;
Criação de mecanismos
internacionais para firmar uma redistribuição justa das receitas
procedentes do intercâmbio econômico em favor dos países
subdesenvolvidos. Isso inclui o direito de controlar as atividades e
lucros das multinacionais, uma política democrática de preços das matérias-primas,
e, a ampliação da ajuda financeira e técnica aos países
atrasados/dependentes;
O predomínio da
cooperação e da multipolaridade entre nações, sujeitando-se o exercício
da soberania ao princípio da “função social”;
O direito a um meio
ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, o que questiona os
modelos desenvolvimentistas adotados;
O direito à utilização
do “patrimônio comum da humanidade”, ou seja, o acesso compartido
dos povos aos recursos do alto-mar, dos fundos oceânicos, do espaço
exterior e das regiões polares.
Assim, tais direitos
dos povos ou de solidariedade podem e devem servir às transformações
imprescindíveis na conjuntura mundial, conforme vão se consolidando
como instrumento de moralidade política internacional, favorecendo o
desenvolvimento de relações justas, equânimes, pacíficas e solidárias.
A PROTEÇÃO
INTERNACIONAL
DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos humanos são
cada vez menos matéria de jurisdição doméstica dos Estados Unidos,
para cada vez mais interessar e obrigar a totalidade da vida
internacional. A solidificação e a prática desses direitos, porém,
se estribam em três premissas inconfundíveis: a sua entronização e
respeito na ordem interna de cada país; a sua incorporação no direito internacional; e, a criação
de instrumentos de controle que impunham a sua aplicação.
Na verdade, o problema
de fundo dos direitos humanos, hoje em dia, não é tanto o de declará-los
ou de encontrar argumentos para justificá-los – que existem, e muitos
-, mas sim o de protegê-los. Vale dizer, a sua realização se situa no
terreno político, e não filosófico.
O primeiro passo,
taxativamente, foi a transposição desses valores basilares para as
Cartas Políticas que se tornaram praxe com os movimentos revolucionários
do século XVIII, fórmula com que se buscou conferir-lhes o máximo de
eficácia. Assim, os direitos individuais (civis e políticos) e os
direitos coletivos (econômico, social e cultural) foram, aos poucos,
integrando os textos constitucionais ou a legislação positiva da
maioria dos Estados. Contudo, a experiência tem demonstrado tanto no
passado como no presente, que muito embora afirmadas e garantidas
constitucionalmente, as liberdades públicas – assim nominadas a
positivação, pelo poder estatal, das duas classes de direitos – não
raramente se apresentam divorciadas da realidade do povo. Essa circunstância
dicotômica, encontrada em muitos países – ontem ou hoje -, deve ser
atribuída a um claro desvirtuamente da própria idéia de Constituição,
ardilosamente perpetrada pela classe dirigente, mas que não invalida a
contínua necessidade desse instrumento na efetivação dos postulados
democráticos. Sobre esse tema (Constituição), sua importância e
alguns desdobramentos, veja-se o capítulo Constituição e Cidadania.
Por outro lado, os
desequilíbrios sociais impulsionados pela Revolução Industrial e os
efeitos múltiplos das duas grandes guerras da primeira metade do século
XX, sacudiram a consciência mundial e levaram – Estados , grupos
sociais e indivíduos – a valorizar o tema dos direitos e garantias da
pessoa humana, na evidência de que ninguém poderia Ter par ou
desfrutar das liberdades enquanto perdurassem as estruturas sociais
injustas. Portanto, a começar com a Carta das Nações Unidas (1945), a
explicitação e a defesa dos direitos humanos ganharam relevo
inusitado, cada vez mais merecendo a atenção e mesmo sendo objeto
direto de inúmeras declarações e atos jurídicos internacionais
(bilaterais ou multilaterais, celebrados por Estados ou Organizações).
Ora, o prévio
reconhecimento do ser humano como sujeito de direito das normas
internacionais é a condição “sine Qua non” para se discorrer
sobre a proteção dos direitos básicos na ordem internacional (da
Segunda metade do século) – sem desacreditar o acervo contributivo
existente, de maneira especial o gestado no período entre-guerra
(1919-1938). Nesse particular, a maior parte dos doutrinadores contemporâneos
defende a posição de que são sujeitos de Direito Internacional: os
Estados, as organizações externas, o próprio homem; isto é, cada
ente que possuir direitos e deveres perante o regramento jurídico
internacional. Para Celso de Albuquerque MELLO, comungando da orientação
jusnaturalista, existem duas fortes razões para o homem ser considerado
pessoal internacional: a) a própria dignidade humana, que leva a ordem
jurídica internacional a lhe reconhecer direitos fundamentais e
procurar protegê-los (O homem “é um fim em si mesmo” - J. Maritain); b) a própria noção
de direito, “obra do homem e para o homem” (Ob. Cit. Pág. 624). De
fato, com a democratização do DI, não se pode mais negar a
personalidade internacional do indivíduo; o homem é tão pessoa
internacional quanto o Estado, apenas a sua capacidade jurídica e de
agir é bem mais limitada. Inclusive, é expressivo o fato de já se
notar inúmeros autores que pregam um Direito Internacional dos Direitos
Humanos como uma especificidade, porque ele é posto em movimento pelo
indivíduo, enquanto o DI Geral o é pelo Estado. Assinale-se,
outrossim, que a década de 80 foi caracterizada por um rico
desenvolvimento dessa área jurídica, tanto na interpretação dos
direitos fundamentais como na criação e florecimento de mecanismos
mais eficazes para sua proteção.
A par disso, tornou-se
necessária a instalação de instâncias ou mecanismos controladores da
ação dos Estados, quer para fazê-los respeitar os direitos da população
de seu território, quer para impedi-los a honrar os princípios do
direito internacional. Esses organismos se classificam em universais e
regionais, diferenciando-se de acordo com sua composição, seus
objetivos e métodos de trabalhos e, por derradeiro, sua competência.
Nessa altura, a questão
que se coloca para o Direito Internacional é que lhe falta o poder
coercitivo, por não se vislumbrar mundialmente um órgão de controle
direto e fiscalizador, com aptidão de exigibilidade sobre as ações
violadoras de um Estado. Os atos dos sistemas (universais/regionais) de
proteção existentes têm apenas um caráter moral, de repreensão ao
Estado infrator e de alerta à comunidade internacional, intentando
fazer cessar a violação. Em outras palavras, o Direito Internacional,
contrariamente ao Direito interno, não tem governo nem polícia, e seus
tribunais de justiça não têm jurisdição obrigatória, ou seja, eles
só julgam e decidem se entre as partes envolvidas houver um acordo
nesse sentido, aceitando o julgamento e a executoriedade da sentença
que for lavrada.
Ademais, acabam se
chocando os mecanismos de controle com o velho conceito limitado de
soberania nacional, que tem como colorário o princípio da “não-intervenção”
em assuntos de responsabilidade interna de cada Estado. Essa concepção
irrestrita de soberania impede as ação efetiva dos organismos
estabelecidos na sociedade internacional para a defesa dos direitos
gerais da humanidade.
A dificuldade de punir
os Estados transgressores, enquanto compreendidos os sistemas de proteção
internacional como expressão exclusiva das conveniências estatais, tem
levado não poucos experts” a denunciar uma diferença de tratamento
nessa matéria motivada por uma compreensão bipartida dos direitos
humanos. Assim, os direitos individuais (civis e políticos),
institucionalizados há mais de trezentos anos, encontram-se amparados,
dentre outros meios, pela faculdade que têm os particulares e os
Estados de apresentarem denúncias de violação a órgãos
internacionais (comissões ou tribunais especializados); das investigações
pertinentes pode-se chegar à cessação coativa da ilegalidade e mesmo,
à reparação dos danos causados. Os direitos coletivos (econômicos,
sociais e culturais), entretanto, quiçá porque elaborados mais
recentemente, gozam de menor arrimo, que consiste o mais das vezes numa
espécie de controle político do cumprimento das obrigações assumidas
pelos Estados; os organismos se cingem a fazer “recomendações” de
caráter geral, pois boa parte das convenções não exigem que os países
implementem de imediato tais direitos. O procedimento díspar dispensado
a tais categorias de direitos, lamentavelmente para a população
terceiro-mundista, foi reforçado pela própria Assembléia Geral da
ONU, em 1966, quando aprovou dois Pactos Internacionais distintos: um
sobre “Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” e outro sobre
“Direitos Civis e Políticos” – fórmula na época considerada
mais propícia à vinculação dos Estados, sem indicar com isso uma
ordem de precedência entre ambos os tratados.
Ao contrário do que
pensam alguns, os direitos de segunda geração e os de terceira, não
podem ser vistos como normas secundárias ou inferiores, esvaziadas de
anteparos legais e abandonadas aos casuísmos dos governantes. E aos
Estados se inviabilizou, nas últimas décadas, a possibilidade de
esquivarem-se do compromisso/dever de defenderem e de proporcionarem o
alcance dos direitos e garantias essenciais com a surrada cantilena de
que os grandes instrumentos nesse campo encerram “efeitos unicamente
morais”. Essas assertivas de há muito deixaram de ser polêmicas,
dado o cunho imperativo que a ordem jurídica internacional decidiu
conferir a tais direitos, percebidos no conjunto de suas três gerações.
Senão vejamos:
Os sistemas de proteção
dos direitos capitais, logrando superar a ortodoxa distinção entre os
tratados (como instrumentos vinculantes) e as declarações (não
obrigatórias), sujeitaram ao Estado aos dispositivos destas últimas.
Em vista disso, a Carta das Nações Unidas (1945) contém postulados
obrigatórios para os países, uma vez que os direitos do homem é uma
das finalidades da ONU; o seu desrespeito ensejaria uma incongruência
na própria sociedade internacional, já que os Estados-Membros poderiam
violar um dos objetivos da referida organização. Por seu turno, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) – que inicialmente
carecia de obrigatoriedade -, teve o seu conteúdo posteriormente
incorporado ao direito consuetudinário através da prática dos Estados
e dos organismos (universais ou regionais). A obrigatoriedade da Declaração
Universal foi, afinal, reconhecida pela Ata Final da Conferência
Internacional sobre Direitos Humanos, celebrada em Teerã (1968), ao
aclamar que “a Declaração (de 1948) enuncia uma concepção, comum a
todos os povos, dos direitos iguais e inalienáveis da todos os membros
da família humana e a declara obrigatória para a comunidade
internacional”. Além disso, a Declaração Universal tem sido
aplicada reiteradamente pela Assembléia Geral em resoluções que
condenam violações de direitos e tem exercido uma grande influência
na legislação e nas constituições dos países, e inclusive utilizada
por tribunais nacionais. Fechando esse ponto, tome-se a abalizada
orientação do Juiz da Corte Internacional de Justiça, E. Jiménez de
ARECHAGA, centrado em decisões daquele organismo, no sentido de que a
norma que passou “a ser parte do corpus do Direito Internacional
geral” (pela via consuetudiária) ... é tida como obrigatória ao
Estado “automaticamente e independente de qualquer manifestação de
consentimento, tanto expresso como emplícito, que este último tenha
prestado” (Apud. Daniel O’DONNELL. In: “Proteccion Internacional
de los Derechos Humanos”.
Por outro lado, não há
qualquer fundamento válido para os Estados desconsiderarem a estreita
interligação e interdependência de todos os direitos humanos. Pelo
contrário, nas últimas décadas intensificaram-se as decisões e as
recomendações sobre a executabilidade global dos direitos,
precipuamente os de primeira e Segunda geração (individuais e
coletivos). O veredicto irrecorrível nessa questão foi dado pela
Conferência de Teerã (1968), quando a ONU, comemorando o 20º aniversário
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamou: “Sendo
indivisíveis os direitos do homem e as liberdades fundamentais, o gozo
completo dos direitos civis e políticos é impossível sem o gozo dos
direitos econômicos, sociais e culturais. Os progressos duráveis através
da aplicação doas direitos do homem supõem uma política nacional e
internacional racional e eficaz de desenvolvimento econômico e
social”.
Apesar – e por causa
– das dificuldades criadas pelo conceito de soberania absoluta do
Estado no plano das relações internacionais, principalmente no tocante
às prerrogativas fundamentais do ser humano, é alentador observar a
multiplicidade dos mecanismos de proteção existentes a respeito, seja
a nível geral ou regional. A partir da Carta das Nações Unidas
(1945), podem ser destacados os seguintes documentos com tal destinação:
I. Tratados firmados
sob os auspícios da ONU
(Declarações, Convenções,
Pactos, Cartas)
1. Tratados Gerais:
* Declaração
Universal dos Direitos do Homem – aprovada pela Assembléia Geral,
reunida em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, (por 48 votos a favor e
8 abstenções)
* Pacto Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – aprovado pela Assembléia
Geral, em 16 de dezembro de 1966 (105 votos a favor e nenhuma contra).
Entrou em vigor no dia 30 de janeiro de 1976;
* Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos – também aprovado em 16 de dezembro de
1966. Entrou em vigor no dia 23 de março de 1976;
* Protocolo Facultativo
relativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – os
dados são os números são os mesmos do Pacto já mencionado.
2. Tratados Específicos:
proteção da Mulher
– Convenção sobre os Direitos da Mulher (1952 e 1963), Declaração
sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (1967), Declaração
sobre a Proteção de Mulheres e Crianças nas Emergências e nos
Conflitos Armados (1974), Convenção Internacional sobre a Eliminação
de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979);
Contra a escravidão e
a discriminação – Convenção de Genebra sobre a Abolição da
Escravatura (1953, 1956), Convenção Suplementar sobre a Abolição da
Escravidão, o Tráfico de Escravas e práticas análogas (1956), Convenção
da OIT pela eliminação da Discriminação (1951, 1960 e 1965), Convênio
da UNESCO relativo à luta contra a Discriminação na Área Educacional
(1960), Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas
as formas de Discriminação Racial(1963), Convenção Internacional
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial
(1965), Declaração da UNESCO sobre a Raça e os Preconceitos Raciais
(1978), Declaração sobre a Eliminação de todas as formas de Intolerância
e Discriminação fundada na Religião ou nas Convicções (1981);
Direito à vida, à
integridade física e ao tratamento humano – Convenção sobre a
Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio (1948), Convenção de
Genebra – de 1949 (“Art. 3 Comum”: garantias a toda pessoa que não
participa ativamente da guerra), Declaração sobre a Proteção de
todas as pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanas e Degradantes (1975), Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis ou Degradantes (1984), Protocolo visando
abolir a pena de morte (1990);
Proteção aos
Trabalhadores – Convenção da Organização da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), dentre as quais: nº 87 – sobre a
liberdade sindical e a proteção do direito à sindicalização (1948),
nº 98 – sobre o direito de sindicalização e de negociação
coletiva (1949), nº 105 – sobre a abolição do trabalho escravo
(1957), nº 110 – sobre as condições de emprego e de trabalhadores
nas plantações (1958), nº 141 – sobre as organizações de
trabalhadores rurais (1975), nº 151 – sobre as relações de trabalho
na administração pública (1976);
Direito ao
Desenvolvimento – Declaração sobre a concessão de Independência
aos Países e povos Coloniais (1960), Carta dos Direitos e Deveres Econômicos
dos Estados (1974), Declaração Universal sobre a Erradicação da Fome
e da Desnutrição (1974), Declaração sobre o uso do Progresso Científico
e Tecnológico no Interesse da Paz e no Benefício da Humanidade (1976),
Convenção sobre o Direito do Mar, de 1982 (oficializando o princípio
do “patrimônio comum da humanidade”);
Outros assuntos –
Convenções de Genebra sobre o Direito Humanitário (1949) e Protocolos
Adicionais I e II (1977), Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados
(1959), Convenção sobre a Imprescritibilidade de Crimes de Guerra e
Crimes Lesa Humanidade (1968), Declaração dos Direitos dos Deficientes
Mentais (1971), Declaração sobre os princípios fundamentais de Justiça
para as Vítimas de Delitos e de Abusos de Poder (1985), Projeto de
Declaração Universal dos Direitos Indígenas (1988), Convenção sobre
os Direitos da Criança (1989).
II. Tratados firmados
no Sistema Interamericano
* Cartada Organização
dos Estados Americanos (OEA) – aprovada pela Nona Conferência
Interamericana, reunida em Bogotá (Colômbia), no dia 30 de abril de
1948. Entrou em vigor em 13/12/1951 e foi reformada pelo Protocolo de
Buenos Aires (1967);
* Declaração
Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem – aprovada pela Conferência
de Bogotá, em 02 de maio de 1948 (antecedendo, portanto, a Declaração
Universal da ONU;
* Carta Interamericana
de Garantias Sociais – também assinada em Bogotá (1948), dispondo
sobre direitos do trabalhador;
* Convenções
Interamericanas sobre Concessão de Direitos Civis e de Direitos Públicos
à Mulher – ambas em 1948;
* Convenção sobre
Asilo Diplomático e Convenção sobre Asilo Territorial – ambas
aprovadas na Décima Conferência Interamericana, realizada em Caracas
(Venezuela), em 1954;
* Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, reunida em San José (Costa Rica), de 7 a 22 de
novembro de 1969;
* Protocolo Adicional
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos na área de Direitos
Humanos na área de Direitos Econômicos, Socais e Culturais – concluído
em 1988, na cidade de San Salvador (República de El Salvador);
* Protocolo visando
abolir a Pena de Morte – concluída em 1990.
III. Tratados firmados
no Sistema Europeu e Africano
* Convenção Européia
para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
– aprovada pelo Conselho da Europa, no dia 4 de novembro de 1950,
tendo entrado em vigor em 1953;
* Carta Social Européia
– assinada em 1961, no âmbito do Conselho da Europa tratando dos
“direitos coletivos”. Entrou em vigor em 1965;
* Protocolos Adicionais
à Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais – aprovados pelo Conselho da Europa, dentre os
quais: o de 1983, abolindo a Pena de Morte em tempo de paz; o de 1984
(Estraburgo), que amplia os direitos civis e políticos;
* Ata Final de
Helsinque – aprovada pela Conferência sobre a segurança e a cooperação
na Europa, em agosto de 1975, na cidade de Helsinque (Finlândia),.
Assinada por 33 países europeus (lados Ocidental e Oriental), mais os
Estados Unidos e o Canadá, a Ata possui uma sessão dedicada aos
direitos humanos (nº VI);
* Carta Africana de
Direitos do Homem e dos Povos – adotada pela Organização da Unidade
Africana (OUA), em 1981, na cidade de Nairobi (Quênia). Ela enfatiza o
“direito ao desenvolvimento” e os “valores africanos”.
Naturalmente, atuando
como forças sócio-políticas e culturais a influir em matérias de
tamanha magnitude, aparecem vários documentos não-governamentais e
mesmo governamentais alternativos, de que são exemplos: a) Declaração
Universal dos Povos – aprovada em Argel, no ano de 1976; b) Declaração
de Princípios para a Defesa das Nações Indígenas e Povos do Hemisfério
Ocidental – aprovada em 1977, na Conferência Internacional das
Organizações Não-Governamentais; c) Declaração de Alma Ata –
formulada pela Conferência Internacional (não-governamental) sobre
Cuidados Primários de Saúde, reunida em Ala-Ata, em 1978; d) Textos
conclusivos das diversas conferências do “Movimento dos Países Não-Aliados”
– Belgrado (1961), Cairo (1964), Lusaka (1970), Argel (1973), Colombo
(1976), Havana (1979), Nova Delhi (1983), Harare (1986); e) Sentenças
do “Tribunal Permanente dos Povos”.
Com base em muitos
desses instrumentos arrolados, criaram-se órgãos jurisdicionais em vários
níveis, ou seja, tribunais especializados com o objetivo de tutelar
internacionalmente os direitos humanos, importa registrar,
sinteticamente, alguns deles:
Na área de abrangência
da ONU – a “Comissão de Direitos Humanos”, criada pelo Conselho
Econômico e Social (ECOSOC), em 1946; e, o “Comitê dos Direitos
Humanos”, proposto pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos, de
1966. Também podem ser citados, enquanto promotores dos direitos e
garantias elementares, os seguintes organismos especializados da ONU:
UNESCO (sobre educação, ciência e cultura), OIT (sobre o trabalho),
FAO (sobre alimentação e agricultura) e OMS (sobre saúde);
No âmbito do
Sistema-Interamericano – a “Comissão Interamericana de Direitos
Humanos”, estabelecida pela
Carta da OEA (1948),com sede em Washington; e, a "Corte
Interamericana de Direitos Humanos”, decorrente da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (1967), sediada em San José (na Costa
Rica);
Na Europa Ocidental –
a Comissão Européia de Direitos do Homem” e a “Corte Européia de
Direitos Humanos”, ambos criados através da Convenção Européia
para a Proteção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais
(1950).
Verifica-se, pois, que
o tempo das meras proclamações já foi superado e que, ao lado da relação
dos direitos e das garantias, a ordem jurídica internacional está,
progressivamente, provendo os direitos humanos através de instâncias
formais, e mesmo informais, de controle.
Mesmo assim, é forçoso
reconhecer que, apesar das atenuações, o Direito Internacional
continua sendo predominantemente interestatal. Mais grave, o DI se
fundamenta no Estado soberano, e boa parte dos países ainda não baniu
a arbitrariedade que se esconde no conceito absoluto de soberania, cuja
tendência é levar aos Estados a determinarem unilateral e
discricionariamente o alcance de suas obrigações e de seus direitos.
eis, simplistamente, o foco maior dos obstáculos à plena eficácia das
normas de direitos humanos.
A questão, ao meu ver,
não reside tanto na dificuldade de se impor sanções em caso de
inobservância daquelas regras, já que na ordem interna (ou seja, em
cada país) as punições existem, e nem por isso desaparece o
desrespeito aos direitos. indo mais longe, há quem ensine que a ordem
jurídica não subsiste apenas por causa da sanção, e que, a longo
prazo, a vigência da ordem jurídica será proporcional ao grau de
aceitação e aceitabilidade da mesma. Nessa linha, o internacionalista
Celso de Albuquerque MELLO, com a lucidez que lhe é peculiar, expõe
que nas relações externas “é extremamente difícil se organizar uma
sanção coercitiva. É suficiente lembrarmos o poderio das grandes potências.
É de se perguntar, nesse sentido, o que adiantaria organizar um exército
internacional” (Ob. Cit., pág. 79).
Logicamente, quanto
mais se produzirem e se fortalecerem as instituições e mecanismos
voltados à defesa de tais direitos, tanto mais se progredirá no escopo
de conter a proeminência do Estado na vida Internacional, e, inclusive,
de se ver as normas jurídicas aplicadas independentemente de sua
incorporação ao direito positivo dos países. Daí, pois, a luta sem
trégua para a efetivação do conteúdo de tantos e tão nobres textos,
ou, na expressão de Ruben HERNÁNDEZ e Gerardo TREJOS, a necessidade de
se buscar “garantir as garantias” (Apud René Ariel DOTTI, Os
Direitos Humanos: História e Aventura”. In: Cadernos de Justiça e
Paz – nº 6, Curitiba, CJP?PR, 1984). Essa luta diz respeito a toda a
humanidade, e nela repousa o futuro desta. E a garantia, de que os
direitos de todos e todos os direitos sejam reconhecidos e acatados, tem
como ponto de partida a consciência e o interesse de cada um pelos seus
próprios direitos, para daí projetar-se, numa longa espiral de
participação individual e ações grupais, ao plano internacional,
onde se expressa em movimentos interestatais ou não-governamentais e
nas pressões da opinião pública.
No mundo de hoje, os
Direitos Humanos representam, mais do que nunca, o horizonte dos povos.
O trabalho em seu favor não fica mais fácil quando já se consegue
identificar o “inimigo”, mas seguramente isso ajuda bastante. De
outra parte, se os omissos prejudicam a caminhada, a ela pouco
acrescentam os que só fazem lamentar os percalços quanto a prática
dos postulados essenciais. A nível individual, os três primeiros
mandamentos dos que desejam a paz e a justiça são: descruzar os braços,
jamais perder a esperança e nunca caminhar sozinho. Mas somente se
poderá avançar com consistência se predominarem relações pacíficas,
justas e solidárias na sociedade internacional – não só da parte
dos indivíduos, mas também dos grupos sociais, das organizações e
dos Estados.
Para os povos do
Terceiro Mundo, a luta está muito além do reconhecimento formal dos
direitos e da necessária revisão do Direito Internacional, consagrador
por excelência dos interesses das grandes potências. A luta se trava
na fronteira da solidariedade, contra a opressão, a exploração econômica
e a miséria. A ordem é não esmorecer e a meta é a instauração de
uma nova ordem internacional, onde os direitos humanos não sejam só um
símbolo, mas a prática benfazeja da felicidade para todas as pessoas e
todos os povos.
Wagner
D'Angelis
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