
DIREITOS HUMANOS A PARTIR DE
UMA PERSPECTIVA DE GÊNERO
Silvia Pimentel e
Valéria Pandjiarjian*
Sumário: 1. Introdução. 2. Marco jurídico internacional. 3. Marco jurídico nacional.
3.1. Saneamento da ordem jurídica: uma perspectiva feminista.
3.2. A reforma do Código Penal: várias propostas feministas
contempladas. 3.2.1. Dos crimes contra a dignidade sexual. 3.2.2.
Da parte geral. 3.3. A ordem jurídica aplicada: estupro
e legítima defesa da honra. 3.3.1. Estupro.
3.3.2. Legítima defesa da honra. 4. Conclusão.
A noção de direitos
humanos, de uma maneira geral, tem sua origem na busca de limites
aos abusos estatais, garantindo-se aos cidadãos determinados
direitos, como fundamentais. Tradicionalmente, é essa a abordagem
que tem prevalecido, principalmente nos países desenvolvidos.
O que se observa, em
especial na América Latina, é uma mudança de eixo, um alargamento
do conceito, de forma a se resguardar direitos dos cidadãos
não apenas em relação ao Estado, mas também em relação à própria
sociedade.
Pode-se dizer que se
constata tendência de diminuição do autoritarismo e dos abusos
estatais, em relação aos direitos humanos, na medida em que
países como o Brasil, Argentina, Chile, Peru e outros superam
governos militares despóticos e colocam-se sob regimes democráticos.
Mas não se pode dizer que a violência diminuiu. Ao contrário,
é crescente. Está mais difusa, pois suas manifestações são várias
e de diversas ordens: aumento de criminalidade, assaltos, roubos,
latrocínios, seqüestros; aumento de abusos de grupos nacionais
e transnacionais contra a natureza e os índios (o que freqüentemente
não é tratado como ações criminosas); aumento de atividades
do narcotráfico que se espraia cada vez mais em nosso continente
e, em especial, no Brasil (o qual passou a ser rota privilegiada
de saída da coca da Colômbia, contando, inclusive, com vários
centros de refino); aumento da prostituição infanto-juvenil;
aumento da justiça paraestatal, causando um sem número de vítimas,
inclusive crianças e adolescentes; aumento do desemprego, da
fome e da exclusão social, revelando a ausência de direitos
econômicos, sociais e culturais no país.
A mesma lógica aplica-se
à questão dos direitos das mulheres. Até há pouco tempo, os
atos de violência cometidos contra a mulher – em especial a
violência doméstica – não eram considerados violações aos direitos
humanos. Isso porque, como já dissemos, em sua origem, os direitos
humanos eram vistos como direitos que buscavam prevenir e/ou
coibir a violência exercida pelo Estado contra seus cidadãos.
Ora, quem espanca, assassina, violenta, tortura as mulheres
não é o Estado, e sim seus pais, maridos, companheiros ou homens
desconhecidos.
Os abusos contra a
população feminina são uma evidência de que o Estado não é o
detentor exclusivo do uso da violência. Portanto, além de controlar
"o exercício autoritário do Poder do Estado", os direitos humanos
devem também coibir o autoritarismo da própria sociedade machista
sobre suas mulheres.
Coloca-se, pois, hoje,
um verdadeiro desafio a todos os envolvidos com a causa dos
direitos humanos: a reconstrução de sua agenda. E isso passa
necessariamente por uma reformulação conceitual que venha a
explicitar a figura da sociedade – indivíduos, grupos nacionais
e transnacionais – enquanto possível agente desrespeitador dos
direitos humanos, em relação aos quais caberia estabelecer novas
estratégias de enfrentamento. Essa reformulação do conceito
criaria condições para se trabalhar, diretamente, a questão
dos direitos humanos das mulheres versus os aspectos
androcêntricos, patriarcais e machistas da sociedade.
Importa salientar que
a integração dos direitos humanos com os direitos das mulheres
depende da reconstrução de ambos os conceitos. Enquanto teoria
e prática, o movimento em prol dos direitos humanos tendeu a
minimizar as questões específicas da mulher e parte do movimento
de mulheres tendeu a dar pouca atenção para as sutilezas das
inflexões sociais, privilegiando os mecanismos que se relacionam
especificamente a gênero.
Os direitos das mulheres
foram, pela primeira vez, expressamente reconhecidos como direitos
humanos no marco da Conferência Mundial de Direitos Humanos,
em Viena, Junho de 1993.
Nesse sentido, a Conferência,
no artigo 18 de sua Declaração, reconheceu que:
"Os direitos humanos
das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte
integrante e indivisível dos direitos humanos universais (...).
A violência de gênero e todas as formas de assédio e exploração
sexual (....) são incompatíveis com a dignidade e o valor
da pessoa humana e devem ser eliminadas (...) Os direitos
humanos das mulheres devem ser parte integrante das atividades
das Nações Unidas (...), que devem incluir a promoção de todos
os instrumentos de direitos humanos relacionados à mulher."
Frise-se, ainda, que
a própria Declaração de Viena estabeleceu que se deve "estimular
o treinamento de funcionários das Nações Unidas especializados
em direitos humanos e ajuda comunitária, para ajudá-los a reconhecer
e fazer frente a abusos de direitos humanos e desempenhar suas
tarefas sem preconceitos sexuais". Se esta é a determinação
da Assembléia Geral para os funcionários da ONU - Organização
das Nações Unidas, o que não dizer das recomendações aos órgãos
dos Estados e pessoas responsáveis pela proteção dos direitos
humanos em seus respectivos países?
É mister, pois, uma
ação político-jurídica transformadora para fornecer capacitação
legal aos agentes que lidam, nas principais esferas de poder,
com questões de direito, mulher, saúde e sexualidade, direitos
sexuais e reprodutivos, enfim, com direitos humanos em uma perspectiva
de gênero.
Vale ressaltar, como faz J.
A. Lindgren Alves, que "de todas as áreas cobertas pela Declaração
de Viena, aquela em que o consenso logrado em 1993 tem-se mantido
com maior regularidade diz respeito aos direitos da mulher"1.
A Organização das Nações
Unidas, a propósito, promoveu a realização da IV Conferência
Mundial sobre a Mulher, em Beijing, China, em 1995, "enquadrada
na seqüência de grandes eventos da década para os temas globais
da agenda social internacional". A Conferência, realizada dez
anos após a Década da Mulher estabelecida pela ONU (1975-1985),
vale ressaltar, lidou muito bem com o tema da violência, aproveitando-se
dos avanços de Viena, quando, conforme mencionado, ficou assentado
que a violência contra a mulher é um desrespeito aos direitos
humanos.
O relatório da Conferência
de Beijing afirma que a violência contra a mulher constitui
obstáculo a que se alcancem os objetivos de igualdade, desenvolvimento
e paz; que viola e prejudica ou anula o desfrute por parte dela
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
A Plataforma de Ação dessa
Conferência, vale frisar, recomenda, em seu § 1242, como
medidas que devem ser adotadas pelos governos para o combate
à violência contra a mulher, dentre outras, as seguintes:
"adotar e/ou aplicar
as leis pertinentes e revisá-las e analisá-las periodicamente,
a fim de assegurar sua eficácia para eliminar a violência
contra a mulher, pondo ênfase na prevenção da violência e
na perseguição dos infratores; adotar medidas para assegurar
a proteção das mulheres vítimas da violência, o acesso a remédios
justos e eficazes, inclusive a reparação dos danos causados,
a indenização e a cura das vítimas, e a reabilitação dos agressores;
adotar todas as medidas
necessárias, especialmente na área da educação, para modificar
os hábitos de condutas sociais e culturais da mulher e do
homem, e eliminar os preconceitos e as práticas consuetudinárias
e de outro tipo baseadas na idéia da inferioridade ou da superioridade
de qualquer dos sexos e em funções estereotipadas atribuídas
ao homem e à mulher;
criar mecanismos institucionais,
ou reforçar os existentes, a fim de que as mulheres e as meninas
possam denunciar os atos de violência cometidos contra elas,
e registrar ocorrências a respeito em condições de segurança
e sem temor de castigos ou represálias;
instaurar, melhorar
ou desenvolver, conforme o caso, e financiar a formação de
pessoal judicial, legal, médico, social, educacional, de polícia
e serviços de imigração, com o fim de evitar os abusos de
poder conducentes à violência contra a mulher, e sensibilizar
tais pessoas quanto à natureza dos atos e
ameaças de violência
baseados na diferença de gênero, de forma a assegurar tratamento
justo às vítimas de violência."
No âmbito internacional,
os direitos das mulheres têm recebido especial tratamento não
só nos documentos produzidos nas Conferências das Nações Unidas,
mas encontram-se também protegidos por instrumentos e mecanismos,
gerais e específicos, que integram os complexos sistemas global
e regional de proteção aos direitos humanos.
Os instrumentos jurídicos
internacionais de proteção aos direitos humanos, ao contrário
dos documentos produzidos em Conferências, têm força jurídica
vinculante para os Estados que os ratificam.
Em relação aos direitos
das mulheres, dois instrumentos jurídicos devem ser destacados:
a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher ("Convenção da Mulher") e a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher
("Convenção de Belém do Pará").
A "Convenção da Mulher",
que integra o sistema global de proteção aos direitos humanos,
foi adotada em dezembro de 1979 pela Assembléia Geral das Nações
Unidas (ONU) e ratificada pelo Brasil em fevereiro de 1984.
Constitui-se no mais importante documento internacional para
garantir à mulher a igualdade com o homem no gozo de seus direitos
civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Ao ratificar
a Convenção, os governos se comprometem a adotar internamente
uma série de medidas para pôr fim à discriminação contra a mulher.
Entretanto, uma das fragilidades da Convenção é que praticamente
não há sanção prevista contra os governos que não cumpram com
os compromissos internacionalmente assumidos.
O sistema global de
proteção aos direitos humanos, vale frisar, não dispõe de um
órgão jurisdicional com competência para julgar casos individuais
de violação aos direitos internacionalmente assegurados. A sistemática
de monitoramento internacional se restringe ao mecanismo de
relatórios, a serem elaborados pelos Estados-partes e, por vezes,
ao mecanismo das comunicações interestatais e petições individuais
a serem consideradas pelos Comitês ou Comissões (órgãos não-jurisdicionais)
criados especialmente para fiscalizar o cumprimento de convenções
internacionais.
O órgão das Nações
Unidas encarregado de monitorar, especificamente, a implementação
da "Convenção da Mulher" é o CEDAW – Comitê para a
Eliminação da Discriminação Contra a Mulher. Esse Comitê, até
há pouco tempo, somente tinha competência para analisar os relatórios
elaborados pelos Estados-partes. Mas, a aprovação, em março
de 1999, pelo Comitê do Status da Mulher, de Protocolo Opcional
ao CEDAW (documento E/CN.6/1999/WG/L.2), permitirá que mulheres
ou grupos de mulheres de Estados que o ratifiquem possam fazer
denúncias ou petições individuais ou grupais por violações de
seus direitos, perante o Comitê.
A "Convenção de Belém
do Pará", que por sua vez integra o sistema regional interamericano
de proteção aos direitos humanos, foi adotada pela Assembléia
Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em junho de
1994 e ratificada pelo Brasil em novembro de 1995. É instrumento
que introduz conceitos de suma importância com vistas a melhorar
a proteção legal das mulheres. Cabe destacar, nesse sentido,
a consideração da violência contra a mulher como uma violação
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais; o reconhecimento
da categoria "gênero", da noção de "direito a uma vida livre
de violência", da visibilização da violência sexual e psicológica
e a consideração do âmbito público e privado como espaços de
ocorrência de atos violentos contra a mulher. Ao ratificar a
Convenção, os governos se comprometem a adotar uma série de
políticas e medidas de prevenção, punição e erradicação da violência
contra a mulher, no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário.
Diverso do sistema
global, o sistema interamericano dispõe de um órgão jurisdicional,
que é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujas decisões
têm força jurídica vinculante e obrigatória. Dispõe, ainda,
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com competência
para, dentre outras funções, receber e analisar petições individuais
que contenham denúncias de violação aos direitos humanos contra
os Estados-partes, nos termos estabelecidos pelos instrumentos
internacionais que integram o sistema interamericano de direitos
humanos. É, inclusive, através da Comissão (ou através de um
Estado-parte) que uma petição individual pode chegar à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, desde que o Estado-parte
acusado da violação reconheça expressamente a competência jurisdicional
da Corte.
A "Convenção de
Belém do Pará" encontra-se, assim, submetida a esta sistemática
de monitoramento. Vale dizer, para efetuar denúncias individuais
de violações a essa Convenção contra um Estado-parte, há que
submeter uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
que, ao avaliá-la, poderá emitir um informe final no qual determine
a existência ou não de responsabilidade do Estado acusado. As
decisões da Comissão, no entanto – ao contrário daquelas da
Corte – não possuem força jurídica vinculante e obrigatória,
apenas política e moral. Em geral, se o Estado não cumpre a
determinação da Comissão, o caso é então enviado à Corte Interamericana
para julgamento.
No caso do Brasil,
o sistema interamericano de monitoramento até muito pouco tempo
encontrava-se limitado à Comissão, vez que o Estado brasileiro
não
reconhecia a competência
jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Recentemente,
no dia 10 de dezembro de 1998, por ocasião da celebração do
cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
o governo brasileiro reconheceu oficialmente a competência jurisdicional
da Corte.
A Constituição Federal
de 1988 é o marco jurídico-político da transição democrática
e da institucionalização dos direitos humanos no país.
Em uma interpretação sistemática
de seus dispositivos (arts. 1o, 4º, II e 5º, §§ 1º e 2º), no
entendimento de juristas brasileiros como Antônio Augusto Cançado
Trindade e Flávia Piovesan, ao qual aderimos, a Constituição
dá aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos
um status de norma constitucional, pelo regime e princípios
que ela mesmo adota.
A Constituição estabeleceu,
expressamente, a igualdade entre homens e mulheres, em direitos
e obrigações, e atribuiu ao Estado o dever de criar mecanismos
para coibir a violência no âmbito da família e proteger cada
um de seus membros (art. 5º e art. 226, §§ 5º e 8º).
Como todo marco histórico,
insere-se em um processo: há um antes e um depois. A Constituição
representou o resultado do trabalho articulado dos segmentos
organizados da sociedade civil e desencadeou um movimento jurídico-político
que está a exigir, neste momento, uma retomada mais firme, no
sentido de efetivar as conquistas nela estabelecidas e revisar
criticamente toda a legislação infraconstitucional .
Antes de 1988, o movimento
de mulheres já se debruçava sobre a necessidade de reformulação
da legislação vigente. Muitos textos legais, elaborados no início
do século e que constam ainda dos Códigos Civil (1916) e Penal
(1940) brasileiros, na década de 80 já estavam totalmente desatualizados.
Este fato evidenciou-se na Constituinte, na qual 80% das reivindicações
das mulheres restaram contempladas pelo texto constitucional.
No que se refere à legislação internacional, vale lembrar que
desde 1984 o Estado brasileiro já tinha ratificado a Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
a Mulher (CEDAW), da ONU.
Depois de 1988, muito
se fez. O Brasil ratificou diversos instrumentos de proteção
internacional dos direitos humanos, do sistema global da ONU
e do sistema re-gional da OEA, e aqui vale lembrar, a inovadora
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, ratificada pelo Estado
brasileiro em 1995
– "Convenção de Belém do Pará". Contudo, embora haja
esforços significativos de parlamentares e de segmentos da sociedade
na produção e reforma legislativa, o resultado é incipiente,
ainda insatisfatório.
A legislação infraconstitucional
mantém-se em desacordo com os novos conceitos sobre igualdade
e eqüidade entre homem e mulher. Contradiz tanto a lei maior
do país, quanto as principais legislações internacionais de
proteção aos direitos humanos. A título de ilustração, temos
o artigo que atribui ao marido a chefia da sociedade conjugal
e aquele que considera o estupro como "crime contra os costumes"
e não "crime contra a pessoa". Para corrigir essa falta de sintonia,
tanto o Código Civil quanto o Código Penal estão em processo
de reformulação.
Urge o saneamento da
ordem jurídica brasileira, em uma perspectiva feminista. Deve-se
dar, pois, à luz dos princípios e normas constitucionais, e,
inclusive, do direito internacional dos direitos humanos.
3.2. A reforma do
Código Penal: várias propostas feministas contempladas
Ao analisarmos brevemente
alguns aspectos do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial
do Código Penal, tomamos por base o documento "Um olhar feminista
sobre a reforma do Código Penal: algumas reflexões e contribuições",
resultante do "Seminário Traduzindo a Legislação com a Perspectiva
de Gênero: um Diálogo entre as Operadoras do Direito", realizado
no Rio de Janeiro, em agosto de 1998, no qual ambas participamos.
Esse documento foi
apresentado à Comissão Revisora de Reforma do Código Penal,
que contou com a participação fundamental da procuradora da
República, Senhora Doutora Ela Wiecko de Castilho. Esta, única
mulher integrante da Comissão, cumpriu com firmeza o desafio
de defender as reivindicações do movimento de mulheres. Dentro
do processo democrático de intervenção de política jurídico-criminal,
várias propostas constantes do referido documento foram contempladas.
Apesar de alguns avanços,
o Anteprojeto ainda está calcado em uma perspectiva doutrinária
tradicionalmente repressora, desconsiderando toda uma produção
teórica crítica do Direito Penal, que avança no sentido da diminuição
dos tipos e na redução das penas, na busca de novas formas de
resolução e de composição dos conflitos sociais.
O Anteprojeto manteve
uma postura ainda muito repressora em relação a alguns pontos,
em especial ao aborto voluntário, não contemplando as demandas
de descriminalização/legalização da interrupção da gravidez,
propugnadas pelo movimento de mulheres.
Pretendemos, neste
artigo, resgatar alguns aspectos positivos e negativos de temas
como o aborto, o assédio sexual e o adultério, acrescentando
alguns comentários de natureza geral. Dentro dessa perspectiva
destacamos:
Do aborto – Em relação a este importante tema, que diz respeito à cidadania
e à saúde da mulher, é inegável que o Anteprojeto representa
um avanço em relação ao Código em vigor.
O Código Penal de 1940
prevê que não se pune o aborto praticado por médico se não há
outro meio de salvar a vida da gestante e se a gravidez resulta
de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante
ou, quando incapaz, de seu representante legal.
De acordo com a proposta
de Reforma, estes permissivos legais foram significativamente
ampliados, atendendo às reivindicações do movimento de mulheres,
de alguns proeminentes profissionais da saúde e incorporando
decisões judiciais inovadoras.
O texto do Anteprojeto
determina que não constitui crime o aborto provocado por médico
se: não há outro meio de salvar a vida ou preservar de grave
e irreversível dano a saúde da gestante; a gravidez resulta
de crime contra a liberdade sexual; há fundada probabilidade,
atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar
graves e irreversíveis anomalias que o tornem inviável.
Vale destacar que,
na década de 40, nossos legisladores não tinham o respaldo científico
de que atualmente dispõem para incluir determinados permissivos
para o abortamento legal. Hoje, com os avanços da medicina,
amplia-se a possibilidade de diagnósticos de anomalias fetais
com alta precisão. Também houve avanços quanto ao conhecimento
dos riscos à saúde materna, advindos de determinadas patologias
durante a gestação.
O Anteprojeto significou,
assim, em alguma medida, um esforço de adequação aos termos
dos Planos de Ação das Conferências Internacionais do Cairo
(1994) e de Beijing (1995), assinados sem reservas pelo Governo
brasileiro. Reconhecendo o aborto como uma questão de saúde
pública, pois sua ilegalidade agrava os quadros de morbi-mortalidade
feminina, estes Planos recomendam a revisão das legislações
punitivas em relação ao aborto voluntário.
Lamentamos, entretanto,
a não-revogação do artigo 124 referente à punição de gestante
que "provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho
provoque". Contudo, reconhecemos a sensibilidade da Comissão
ao reduzir a pena de detenção de um a três anos, para de seis
meses a dois anos. Aqui, vale ressaltar a inclusão da figura
do perdão para esses casos, "podendo o juiz, conforme as circunstâncias,
deixar de aplicar a pena".
Em relação ao aborto
provocado por terceiro com o consentimento da gestante, a pena,
que no atual Código Penal é de reclusão de um a quatro anos,
passa a ser de detenção. Se provocado sem o consentimento da
gestante, a pena que era de três a dez anos de reclusão passa
a ser de quatro a oito anos.
Apesar das inovações
positivas, chamamos a atenção para o fato de que ainda estamos
muito longe de acompanhar a tendência mundial de despenalização
do aborto.
A transformação do
título "Dos Crimes contra os Costumes" em "Dos crimes contra
a Dignidade Sexual" evidencia a preocupação da Comissão com
o fato de que nos crimes de natureza sexual o que mais importa
é a liberdade e a dignidade da pessoa, homem ou mulher, no exercício
de sua sexualidade, e não a moralidade social.
Entretanto, ainda melhor
seria que o título acima mencionado, com o nome de "Dos
Crimes Contra a Liberdade Sexual", passasse a integrar
– enquanto um capítulo específico – o título "Dos Crimes
contra a Pessoa", pois, seja no estupro, seja nos demais
delitos sexuais, o bem jurídico a ser protegido é mais do que
a sexualidade, vez que a violência se exerce sobre a totalidade
da pessoa, isto é, sobre o conjunto de elementos biológicos,
psicológicos e sociais. A sexualidade constitui uma das dimensões
da vida do ser humano. Quando se viola essa esfera, todas as
demais se vêem comprometidas.
Vale ainda destacar
a expulsão da figura da "mulher honesta" de todo Código Penal.
Em nosso entender, este fato poderá trazer conseqüências saneadoras
de aspectos discriminatórios ainda presentes nas decisões do
Poder Judiciário brasileiro e ensejar uma revisão deste conceito,
ainda hoje incluído no Código Civil de nosso país.
Do assédio sexual –
Dentro do título "Dos crimes contra a dignidade sexual", o
Anteprojeto tipificou o assédio sexual. Ressalte-se que no movimento
de mulheres, hoje, há dois entendimentos predominantes: um,
considerando que o assédio sexual deva ser criminalizado, e
outro, que deva ser tratado em legislação de natureza não penal.
Considerando-se a sua criminalização, entendemos que foi adequada
a formulação do tipo penal, tendo, inclusive, a Comissão Revisora
acatado sugestões de mudanças propostas no documento que serve
de base a estes nossos comentários. Assim sendo, é crime, punível
com pena de detenção de três meses a um ano, e multa, "assediar
alguém, exigindo, direta ou indiretamente, prestação de favor
de natureza sexual, como condição para criar ou conservar direito
ou para atender à pretensão da vítima, prevalecendo-se do cargo,
ministério, profissão ou qualquer outra situação de superioridade".
Sensibilizadas por
toda a problemática da violência sexual contra a mulher, a partir
de nossa experiência como acadêmicas e militantes do movimento
de mulheres e de direitos humanos, decidimos, junto com a pesquisadora
Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, empreender uma pesquisa que
teve como objeto o estudo e a análise de processos judiciais
e acórdãos de estupro no Brasil, a partir de uma perspectiva
sociojurídica de gênero.
Intitulada Estupro:
crime ou ‘cortesia’? Abordagem sociojurídica de gênero3,
a referida pesquisa, predominantemente qualitativa, buscou analisar
processos judi-ciais e acórdãos de estupro nas 5 regiões do
Brasil representadas pelas capitais: Belém (PA), no Norte; Recife
(PE), no Nordeste; Cuiabá (MT), no Centro-Oeste; São Paulo (SP),
no Sudeste e Florianópolis (SC), nos Sul.
Nessas regiões foram
pesquisados processos judiciais arquivados e acórdãos publicados
no período de janeiro de 1985 a dezembro de 1994. O universo
temporal previsto justifica-se, por se tratar de década posterior
à Década da Mulher, estabelecida pela Organização das Nações
Unidas (ONU) e também por se tratar de período no qual ocorreu
significativa mudança na legislação nacional a respeito do tema,
a saber: Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90)
e Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90).
Nos universos geográfico
e temporal apontados, foi pesquisado e analisado um total de
50 processos judiciais de estupro, sendo 10 por região, com
decisões de condenação e absolvição alternadas ano a ano.
Quanto aos acórdãos,
foi coletado e analisado um total de 101, sendo 9 da região
Norte; 19 da região Nordeste; 25 da região Centro-Oeste, 24
da região Sudeste e 24 da região Sul.
A partir do estudo
bibliográfico empreendido para essa investigação, podemos apontar
alguns marcos teóricos conceituais, relevantes para a compreensão
e caracterização do fenômeno da violência sexual do estupro
perpetrado contra meninas, adolescentes e mulheres adultas,
a partir de reflexões sobre práticas sociais e institucionais
discriminatórias de gênero.
• A noção sociológica
de gênero é fundamental para a compreensão do fenômeno da violência
sexual do estupro. Conforme Saffioti & Almeida (1995:20):
"O referente do gênero
é uma relação social que remete os indivíduos a uma categoria
previamente constituída. Coloca em relação um indivíduo com
outros, determina se ele é pertencente a uma categoria e o
posiciona face a outros pertencentes a outra categoria." E,
"Para Lauretis4,
o gênero não é apenas uma construção sócio-cultural, mas também
um aparelho semiótico, ‘um sistema de representação que atribui
significado (identidade, valor, prestígio, posição no sistema
de parentesco, status na hierarquia social etc.) aos
indivíduos no interior da sociedade.’"
(p. 5).
• A violência
sexual do estupro, enquanto violência de gênero, é fenômeno
praticamente universal.
Contudo, não é inevitável e muito menos incontrolável. Como
demonstram estudos transculturais, as relações entre os sexos
e as políticas dos sexos diferem radicalmente de sociedade
para sociedade, sendo, em muito, determinadas por complexas
configurações de arranjos econômicos, políticos, domésticos
e ideológicos. Há sociedades "propensas ao estupro" e outras
"livres do estupro", e estas diferenças na agressão sexual
masculina relacionam-se com os níveis de violência geral,
os estereótipos de papéis sexuais e a posição das mulheres
dentro da divisão sexual do trabalho em cada sociedade5.
• A violência
de gênero – somada às de raça-etnia e classe – enquanto fenôme-
no que estrutura as
relações sociais, apresenta peculiaridades, porque se inscreve
no domínio da história. É o estupro, enquanto violência de
gênero, a mais grave violência sexual que tem como vítimas
mulheres de todas as faixas etárias. Entretanto, meninas,
adolescentes e jovens mulheres são as vítimas preferenciais
do estupro.
• Apesar do processo
de (re)democratização vivido pelo Brasil e por vários
países da América Latina
nesta última década, a atuação do Poder Judiciário continua
reproduzindo, acriticamente, estereótipos e preconceitos sociais,
inclusive de gênero, impedindo, assim, a efetivação da igualdade,
calcada em princípios de solidariedade, eqüidade e justiça.
A análise dos processos, corroborada
quase sempre pelos dados dos acórdãos e pela leitura da bibliografia
nacional e internacional consultada sobre o tema, apontou para
os seguintes indicativos de prováveis conclusões6:
• Os estupradores
condenados pertencem às camadas baixas da sociedade. O
perfil sócio-econômico
e racial-étnico das vítimas coincide com o dos réus. Réus
e vítimas são geralmente parentes, amigos, vizinhos ou conhecidos,
o que se coaduna com o mencionado acima.
• Inexiste um
só tipo de estuprador e o mais comum é o de indivíduos com uma
orientação e vida normais.
Não prevalece, portanto, a idéia de que o estuprador seja
necessariamente um "anormal", e portanto, portador de uma
patologia como muitos acreditavam. A maioria dos agressores
é de jovens até 30 anos. A maioria absoluta das vítimas não
tinha 18 anos e era virgem à época do estupro, sendo que muitas
foram violadas, reiteradamente, desde crianças, por seus próprios
pais e padrastos.
• A violência
sexual doméstica do estupro, principalmente por parte dos pró-
prios pais, parece
não ser percebida por eles mesmos como algo hediondo e de
graves repercussões no desenvolvimento biopsicossocial das
meninas e adolescentes. Este fato aponta para a necessidade
de providências quanto a políticas públicas na área da educação
e cultura, visando a erradicação deste tipo de comportamento.
Os aspectos psicológicos e jurídicos da problemática merecem
também maior atenção.
• Na maioria das
agressões não foram utilizados instrumentos como armas ou
outros objetos. É altamente
provável que a maior força física do homem e a intimidação
pelo uso da violência psicológica sejam, então, os principais
fatores determinantes para neutralizar a resistência da mulher
ao domínio de seu algoz.
• A morosidade
da justiça brasileira é um fato inconteste. Alguns processos
estudados ultrapassaram
o período de oito anos entre a data de instauração do inquérito
policial e o trânsito em julgado da última decisão proferida.
Entretanto, vale assinalar que a maioria dos processos analisados
não ultrapassou o período de 3 anos de duração.
• Estereótipos,
preconceitos e discriminações contra os homens tanto quanto
em relação às mulheres
interferem negativamente na realização da Justiça. Entretanto,
há evidências de que o impacto desse tipo de viés recai de
maneira mais intensa e freqüente sobre as mulheres. Estereótipos,
preconceitos e discriminações de gênero estão presentes na
nossa cultura e profundamente inculcados nas consciências
dos indivíduos, sendo, portanto, absorvidos – muitas vezes
inconscientemente – também pelos operadores do Direito e refletidos
em sua praxis jurídica.
• Réus e vítimas
têm seus comportamentos referentes à sua vida pregressa jul-
gados durante o processo,
em conformidade com os papéis tradicionalmente determinados
a homens e a mulheres. Quanto a estas últimas, na prática,
há uma exigência de que as vítimas se enquadrem no conceito
jurídico de "mulher honesta", apesar de não haver previsão
legal para tanto. Prevalece, pois, o julgamento moral da vítima
em detrimento de um exame mais racional e objetivo dos fatos.
• O Código Penal
e a própria doutrina explicitam que, no crime de estupro, é
a
liberdade sexual da
mulher que é protegida, independentemente de sua moralidade.
A doutrina é uníssona quanto à palavra da vítima constituir
o vértice de todas as provas nos crimes contra os costumes.
Entretanto, na avaliação das provas, pouco ou nenhum valor
têm suas palavras quando não se caracteriza sua "honestidade".
Assim sendo, é muito difícil para uma mulher que não pode
ser caracterizada como "honesta", conseguir fazer valer sua
palavra, sua versão dos fatos e, com isso, garantir a proteção
de seus direitos. Isto ocorre, principalmente, com mulheres
adultas. No processo judicial é levada em consideração a conduta
da vítima, em especial com relação à sua vida sexual, afetiva
e familiar. Há extremos em que se traça o perfil da vítima
como de moral sexual leviana ou mesmo como prostituta, como
se isso pudesse justificar a desqualificação da mulher que
vive uma situação de violência. A postura majoritária na magistratura,
quanto a isto, é de omissão, nada fazendo para que seja respeitada
a dignidade da mulher.
• As próprias
vítimas e seus defensores, por sua vez, reforçam as estereotipias
anteriormente mencionadas,
reproduzindo em suas alegações modelos tradicionais patriarcais,
apresentando-se e apresentando-as, respectivamente, como pessoas
discretas, recatadas e virtuosas.
• É diferente
o tratamento dado pelos operadores da Justiça à criança e à
adoles-
cente, daquele conferido
à mulher adulta. Quando se trata de crianças, verificamos
que na maior parte das vezes não prevalecem as estereotipias,
preconceitos e discriminações de gênero que, explícita ou
implicitamente, levam em consideração a honestidade e moralidade
da mulher mais do que a análise e o julgamento do ato em si.
É a mulher adulta que mais sofre este tipo de discriminação,
o que não impede que isto também ocorra com adolescentes.
Até mesmo em relação às crianças, há casos em que estas são
apontadas como as "sedutoras", mas isto é minoritário.
• No caso de estupro
praticado pelo pai ou padrasto contra meninas, ocorrido
na unidade doméstica,
há três importantes questões a serem ressaltadas. A primeira
diz respeito à reiteração e continuidade da violação que caracteriza
a maior parte dos processos desta natureza; a segunda refere-se
ao longo período de silêncio – dificilmente rompido – em que,
em geral, permanecem as vítimas deste tipo de violência doméstica;
por fim, a terceira diz respeito ao freqüentemente alegado
(pseudo?) desconhecimento por parte da mãe da vítima da violação
praticada.
• Com uma certa
freqüência, os discursos dos operadores do Direito – membros
da Magistratura, do
Ministério Público, da Advocacia e Delegados de Polícia –
apresentam estereótipos, preconceitos e discriminações em
relação às
mulheres. Contudo,
alguns juízes e promotores se demonstram sensíveis às questões
de gênero e altamente respeitadores das mulheres vítimas.
Assim sendo, podemos dizer que o desempenho técnico-jurídico
dos operadores do Direito, na fundamentação de suas argumentações
foi, por vezes, exemplar. Mas, nos processos analisados neste
estudo, os casos exemplares foram minoritários.
• Entre alguns
operadores do Direito há muita veemência e repúdio ao delito
em si, havendo a utilização
de expressões contundentes e desqualificadoras em relação
ao estuprador. Contudo, freqüentemente, outros expressam desrespeito
à parte ofendida, levantando dúvidas quanto às suas declarações
e à sua própria moralidade. Talvez se possa dizer que é maior
a rejeição a um ato "disfuncional" da sociedade, ofensivo
aos seus bons costumes, do que um efetivo respeito à parte
ofendida em sua cidadania. Aliás, vale lembrar que o crime
de estupro está tipificado no Código Penal brasileiro no título
"Dos Crimes contra os Costumes" e não naquele "Dos Crimes
contra a Pessoa".
• A freqüência
com que ocorrem espancamentos, torturas e pressões outras nas
Delegacias de Polícia
é utilizada de forma recorrente como justificativa de modificação,
às vezes absoluta, da fala dos réus e mesmo das testemunhas,
entre a fase policial e judicial. Por esta razão o inquérito
policial revela-se, na maioria das vezes, tendo pequeno ou
nenhum valor para a Magistratura. Este nos parece um aspecto
lamentável, porque é a autoridade policial aquela que se encontra
mais próxima à ocorrência do delito e a que escuta, geralmente,
"em primeira mão", as primeiras versões do delito, na sua
mais provável espontaneidade.
• Nem sempre é
absoluta, coerente e linear a relação que existe entre a norma
positiva, a norma aplicada
aos casos e os valores presentes na sociedade. Fica patente
que o momento da aplicação do Direito é muito mais do que
o momento de uma mecânica subsunção do fato à norma positiva
jurídica. É o momento supremo do direito em que ressaltam
muito mais os valores do que fatos sociais. Contudo, os valores
sociais, por vezes travestidos em estereótipos e preconceitos
discriminatórios, atuam subrepticiamente, inconscientemente
nas argumentações dos operadores do Direito, impedindo-os
de desempenharem suas funções tendo em vista o respeito, a
dignidade e a justiça.
• A Polícia, o
Ministério Público e o Poder Judiciário não se comportam de
forma criativa e ativa
em relação a providências que poderiam melhor garantir a efetividade
do processo legal. Ilustra esta idéia um dos 50 casos analisados
em que o réu acusado fugiu e "se escondeu" na moradia de sua
mãe, em uma cidadezinha próxima àquela onde ocorreram os fatos
criminosos. Consta no processo que era público e notório seu
"esconderijo". Entretanto, as
autoridades não tomaram
providências. Condenado à revelia, evadiu-se "para sempre".
• Também não são
tomadas providências legais quando há alegação de espan-
camento e sevícias
na Polícia. É como se o Poder Judiciário ignorasse e/ou aceitasse
com certa "naturalidade" este fato, o que é um absurdo, pois
trata-se de crime que merece investigação e punição. Ademais,
é uma prática que depõe contra a imagem e legitimidade da
instituição policial, que deve representar, numa sociedade
democrática, um baluarte.
• O pensamento
jurídico crítico emergente, em sua vertente feminista, encontra
respaldo e alimento
nesta pesquisa, que revela a ideologia patriarcal machista
em relação às mulheres, verdadeira violência de gênero, perpetrada
por vários operadores do Direito, que mais do que seguir o
princípio clássico da doutrina jurídico-penal – in dubio
pro reo – vale-se precipuamente da normativa social: in
dubio pro stereotypo.
As autoras pretendem
que os resultados apresentados sejam tomados como subsídio empírico
e científico para o encaminhamento de ações de sensibilização
e capacitação, quanto à questão de gênero, dirigidas, em especial,
aos operadores do Direito em nosso país; que, de alguma forma,
este estudo contribua para a superação da "duplicação" da violência
de gênero realizada pelos operadores do Direito em geral, inclusive
pelo Poder Judiciário, quando reproduzem acriticamente estereótipos
e preconceitos discriminatórios em relação à mulher que sofre
violência sexual. Pretendem, também, que membros do Poder Legislativo
e do Poder Executivo, ao tomarem conhecimento deste estudo,
sensibilizem-se para mais adequadas elaborações e execuções
de normas e programas de ação, além de políticas públicas que
implementem os direitos humanos em uma perspectiva de gênero.
3.3.2. Legítima defesa
da honra
O Código Penal brasileiro
alberga a figura da legítima defesa enquanto uma excludente
de ilicitude ou antijuridicidade. Em seu artigo 25, estabelece:
"Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos
meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente,
a direito seu ou de outrem".
Para que se configure
a legítima defesa, importa que a reação não seja exagerada e
desproporcional e seja imediata à ameaça iminente ou agressão
atual a direito próprio ou de outra pessoa.
A doutrina jurídica,
de forma consensual, entende que todo e qualquer bem jurídico
pode ser defendido legitimamente, incluindo-se a honra.
Não há consenso, entretanto,
em relação ao uso desta figura nos casos em que o homicídio
é praticado para defender suposta honra por parte do cônjuge
(concubino/companheiro/namorado) traído. Importa ressaltar que
são poucos os casos em que a mulher faz uso de tal alegação,
mesmo porque são poucos os casos em que, traída, a mulher reage
com tal violência.
No final dos anos 70
e início de 80, o movimento de mulheres brasileiras mobilizou-se
contra a tradicional invocação da tese da legítima defesa da
honra nos crimes passionais, criando o slogan que se
tornou famoso em todo o país: "Quem ama não mata".
Entretanto, nestes
últimos 15 anos pouco se tem dado atenção ao tema, não se podendo
avaliar em que medida, ainda hoje, esta tese tem sido invocada
e acolhida pelo Poder Judiciário brasileiro. Com tal preocupação,
realizamos uma primeira aproximação do objeto a ser estudado:
as decisões dos tribunais brasileiros sobre legítima defesa
da honra.
Este esforço inicial
já nos permitiu colher dados significativos sobre o tema. Constatamos
que, ainda hoje, não é pacífica a jurisprudência a respeito,
havendo acórdãos, em menor número, que admitem a legítima defesa
da honra. Esta tese, portanto, ainda nesta década, continua
a ser invocada, às vezes com sucesso, inclusive no Estado de
São Paulo, considerado o mais desenvolvido do país.
A seguir, apresentamos
algumas das argumentações mais relevantes encontradas nos 15
acórdãos – período de 1988 a 1998 – aos quais tivemos acesso.
Importa esclarecer que este elenco não representa a totalidade
dos acórdãos proferidos no país a respeito, mas sim aqueles
publicados e divulgados pelas principais revistas de jurisprudência
do país e pela internet.
Importa dizer, ainda,
que este breve estudo visa trazer alguma luz a respeito da utilização
dos argumentos referentes à legítima defesa da honra, e, assim,
mostrar a relevância ou não de posterior aprofundamento sobre
o tema.
Resumo: Ofensa à integridade física de companheira em razão desta ter-lhe confessado
infidelidade. Foi mantida, pelo Tribunal de Alçada Criminal
de São Paulo, a decisão do juiz que em primeira instância acolhe
a tese da legítima defesa da honra pelo acusado que, dominado
por violenta emoção, com moderada repulsa e em consonância com
sua realidade, lesou a integridade corporal de sua companheira,
aplicando-lhe alguns socos.
Argumentações significativas:
"Ora, diante do confessório da infidelidade da mulher, não
se pode vislumbrar nenhum arbítrio do julgamento do MM. Juiz
de primeiro grau admitindo o reconhecimento da legítima defesa
da honra.
O decisum recorrido
não está alheiado da realidade social, não comportando um juízo
de reforma.
O complexo probatório
é determinado no sentido de evidenciar que N. era adúltera,
inobstante o concubinato que não exclui o dever de fidelidade
recíproca.
(...)
Embora hodiernamente
se possa reconhecer a atitude de quem mata ou fere a esposa
ou companheira que trai, como um preconceito arcaico, in
casu, a honra do apelado foi maculada pela declaração da
amásia, com quem vivia há longos anos, de que o traía com outro
homem, não se podendo olvidar que, apesar da ilicitude da união,
o casal possui quatro filhos".
Resumo: Acusado que, surpreendendo a mulher em situação de adultério,
mata-a juntamente com
seu acompanhante. A tese da legítima defesa da honra foi aceita
por expressiva maioria pelo Tribunal do Júri e confirmada pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou provimento ao apelo
do Ministério Público, mantendo a decisão do Júri.
Argumentações significativas:
"Antonio, já antes ferido na sua honra, objeto de caçoada,
chamado, agora sem rodeios, de chifrudo por pessoas daquela
localida-
de (...) mal sabia
o que o esperava.
Entrou em casa e viu
sua esposa e J. J. dormindo a sono solto, seminus, em sua própria
cama e na presença de seu filho, cujo berço estava no mesmo
quarto (...)
Saísse ele daquela
casa sem fazer o que fez e sua honra estaria indelevelmente
comprometida.
Não se pode esquecer
que o réu foi educado em outra época, nas décadas de 20 e 30,
quando a moral e os costumes ainda eram outros e mais rígidos
talvez que os de agora, mas que por certo estavam incrustados
em seu caráter de maneira a moldar sua personalidade com reflexos
futuros perenes.
Tudo isso, à evidência,
deve ter sido aos jurados ou pelo menos por eles analisado,
sem contar, ademais, que os juízes de fato, retirados que são
do seio da sociedade, representam, no Tribunal do Júri a moral
média desta (...)
Sabe-se, é claro, que
a questão relativa à legítima defesa da honra não é nova. Nem
por isso, contudo, perde a atualidade.
O assunto também não
é pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
(...)
O adultério, em geral,
em todos os tempos, em todas as leis as mais primitivas e modernas,
sempre foi considerado um delito, uma ação imoral e anti-social.
(...)
As ofensas à honra,
comumente, se exteriorizam de mil maneiras, numa infinidade
de atos, palavras, símbolos, formas morais ou materiais, porém,
nenhuma a atinge tão intensamente como a relação adulterina,
como as ações libidinosas ou conjunção carnal com outrem que
não o cônjuge. Traduz, em realidade, em nossa opinião, uma dupla
agressão dos adúlteros, moral e física, ao cônjuge inocente,
sendo a primeira mais grave, perturbadora, profunda e injusta
que a materialidade que se descobre na cena do flagrante.
É incontestável, ademais,
que um cônjuge tem em referência ao outro, na constância do
casamento, o absoluto direito à fidelidade, de exigir-lhe tal,
direito que vai a implicar numa honra como um bem jurídico a
ser respeitado e a dever ser mantido.
(...)
A ofensa do adultério
não ocorre somente em relação ao indivíduo mas, também, às normas
de conduta do grupo social; a reação pessoal é algo que possui
e é movido por uma visível carga social. Reage o indivíduo em
função de sua dignidade e em função do sentimento comum de valorização
da coletividade. Reage porque a honra só pode ser entendida
e existir sob um duplo caráter e sob o dever para consigo mesmo
e para com a sociedade. Na luta por seu direito, outra não pode
ser a sua atitude ou conduta como pessoa e como membro de um
grupo numa dada coletividade organizada.
Organismo social governado
por valores que emanam das normas de cultura e das suas regras
de conduta e que se relacionam com os seus princípios básicos
(...)
(...)
Quem age em defesa
de sua personalidade moral, em qualquer dos seus perfis, atua
como um verdadeiro instrumento de defesa da própria sociedade
ao combater o delito, a violência, a injustiça, no próprio ato
em que se manifestam.
(...)
Eis uma das razões
pelas quais se tem asseverado, constantemente, que a justiça
penal, no Estado, e a legítima defesa, no particular, são um
dos contra-motivos para o crime, duas formas da luta contra
o delito, aparecendo o instituto com tonalidades repressivas
e preventivas. Daria ensejo, até, à conservação da ordem e paz
social e jurídica (...)
Instituto, aliás, anterior
e superior ao direito legislado, positivo, acima dos códigos
(...) um direito natural e inalienável, misto de conteúdo individual
e social. Instituto que por sua humanização e simplificação
moderna tornou-se mais eficiente com a realidade humana e social".
Voto vencido: "(...) Pois na pretensa legítima defesa da honra o que
ocorre é o sacrifício do bem supremo – vida – em face de meros
preconceitos vigentes em algumas camadas sociais (...)
(...) ‘Honra é atributo
pessoal, independente de ato de terceiro, donde impossível levar
em consideração ser um homem desonrado porque sua mulher é infiel’
(...)’A lei e a moral não permitem que a mulher prevarique.
Mas negar-lhe, por isso, o direito de viver, seria um requinte
de impiedade’".
Considerações críticas
Nesses dois casos,
houve acolhimento da tese da legítima defesa da honra por tribunais
do Estado de São Paulo.
O primeiro refere-se
à lesão corporal e, na primeira e segunda instância, entendeu-se
que o fato do réu ter dado alguns socos na mulher representou
moderada repulsa, explicável pela violenta emoção do acusado.
Já, no segundo caso, houve
o homicídio da mulher, e na decisão do Tribunal de Justiça,
que confirmou a do Tribunal do Júri7, não aparece referência
ao artigo 25 do Código Penal que apresenta a moderação
da resposta à agressão como um dos requisitos da legítima defesa.
O homicídio por parte do marido traído é visto como a única
forma deste ter evitado que sua honra ficasse indelevelmente
comprometida.
A argumentação da decisão
é preocupante, pois significa mais do que uma justificativa
da ação homicida. Significa mesmo uma louvação a ela,
pois considera seu agente "um verdadeiro instrumento da própria
sociedade"; ressalta não só o aspecto repressivo, mas o preventivo
da legítima defesa (da honra).
Em termos filosóficos
jurídicos, esta decisão, contrária à lei, apresenta referências
ao culturalismo jurídico e ao direito natural.
Em país como o Brasil
– aliás, em toda a América Latina – que apresenta uma tradição
jurídica marcada pelo positivismo formalista de Hans Kelsen,
este aparente esforço de humanização é extremamente insidioso.
In casu, serve para justificar e louvar o ato que tira
a vida de mulheres. Importa registrar que as teorias críticas
ao positivismo jurídico formalista só propõem um alargamento/expansão
interpretativa da lei e, por vezes, mesmo uma decisão contrária
a ela, nos casos em que, se aplicada, exegeticamente, vier a
propiciar decisões injustas e absurdas.
Importa esclarecer
que as várias correntes do pensamento jurídico deste século,
incluindo o positivismo em suas várias manifestações, representam
esforços no sentido de melhor resguardar os direitos das pessoas.
Mesmo que, por vezes, isto se dê de forma explícita ou implícita.
A grande crítica ao positivismo formalista é que ele é insuficiente
para tal. Assim sendo, transcender-se o direito positivo, captando-se
valores sociais e culturais não constituídos pelo ordenamento
jurídico, seria apenas legítimo nos casos em que estes valores
servissem para melhor e maior garantia dos direitos das pessoas.
Fica evidente que é
a desvalorização da mulher, de sua vida, que está subjacente
a decisões dessa ordem.
Princípios e normas
de proteção aos direitos humanos estabelecidos pela ONU e pela
OEA, em vários de seus documentos, servem de embasamento à firme
rejeição de posturas como a dessa decisão.
Esse acórdão fere,
dentre outros, o artigo III da Declaração Universal dos Direitos
Humanos que estabelece que "toda pessoa tem direito à vida,
à liberdade e à segurança pessoal"; o artigo 5º, letra "a" da
Convenção da Mulher que estabelece que "os Estados-partes tomarão
todas as medidas apropriadas para modificar os padrões sócio-culturais
de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação
de preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra
índole que estejam baseados na idéia da inferioridade ou superioridade
de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens
e mulheres"; fere, ainda, o artigo 1º da Convenção de Belém
do Pará que preceitua: "Para o efeitos desta Convenção deve-se
entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta
baseada no gênero, que cause a morte, dano ou sofrimento físico,
sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como
no privado".
No marco nacional,
fere a Constituição brasileira, em seu artigo 5º, caput,
ao estabelecer que todos são iguais perante a lei, garantindo-se
o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, e, em seu inciso I, ao explicitar que homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações. Fere, também,
o artigo 25 do Código Penal.
O voto vencido apresenta
firme argumentação que, entretanto, foi relegada pela maioria
do colegiado do Tribunal que privilegiou preconceitos em detrimento
do bem supremo da vida.
Acolhimento da legítima
defesa da honra, em tese, mas não no caso concreto
Caso 3 (Apelação n. 75.026-3, 2.5.90, Tribunal de Justiça de São Paulo)
Resumo: Acusado que mata esposa adúltera. O Tribunal do Júri absolveu
o réu, reconhecendo a legítima defesa da honra. Entretanto,
o Tribunal de Justiça de São Paulo, embora reconhecendo ser
esta excludente admissível em tese, não cabe no caso em questão,
pois ausente o requisito da atualidade da agressão.
Argumentações significativas:
"Não se pode repelir, preconceituosamente,
a possibilidade da legítima defesa da honra em casos do tipo
sub-judice. Há opiniões divergentes na jurisprudência
sobre o tema (...)
‘Não há negar que julgados
dos tribunais têm admitido a legítima defesa quando o cônjuge
ultrajado mata o outro cônjuge ou o seu parceiro. Mas, via de
regra, nessas decisões há uma constante: a flagrância do adultério’
(...)
Ora, na hipótese a
repulsa não foi imediata (...)
Resumo: Ex-concubino elimina a vítima sob a alegação de ter perdido a cabeça
por ela ter insistido em dizer que iria dormir com outrem. O
Tribunal do Júri acatou a tese da legítima defesa da honra.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo não reconheceu esta
excludente no caso, ordenando novo julgamento.
Argumentações significativas:
"(...) É manifestamente contrária à prova dos autos a decisão
do júri que reconhece legítima defesa da honra, ensejando a
desclassificação para o excesso culposo, se o réu já não mais
mantinha o concubinato com a vítima e barbaramente a esfaqueou
sob a alegação de ter perdido a cabeça (...)"
Considerações críticas
Nesses dois casos,
em que não há a aplicação da tese da legítima defesa da honra,
revelam entretanto a aceitação desse instituto por parte dos
Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo e do Espírito Santo.
O acórdão de São Paulo
afirma que não cabe a aplicação da tese da legítima defesa,
pois ausente um dos requisitos do artigo 25 do Código Penal:
a atualidade da agressão.
No caso 4, o Tribunal
de Justiça do Espírito Santo não reconheceu aplicável esta tese,
pois "o réu já não mais mantinha o concubinato com a vítima".
Preferiu uma interpretação baseada em parte da doutrina e da
jurisprudência, preterindo argumentação baseada na ausência
do requisito legal da moderação, que sequer foi mencionado;
há referência à barbaridade das facadas, mas, insistimos, não
foi esta barbaridade do ato o que levou à não-aceitação da tese
de legítima defesa da honra, mas, como se disse, o fato da relação
concubinária entre réu e vítima não mais existir no momento
do homicídio.
Não acolhimento da
legítima defesa da honra
Resumo: Agente que, suspeitando da infidelidade do cônjuge, desfere nele tiros
e facadas, matando-o. O Tribunal do Júri acatou a tese invocada
pela defesa – legítima defesa da honra –, considerada inaceitável
no caso presente, por ausência de fato concreto, atual e iminente,
pelo Tribunal de Justiça do Paraná que decidiu submeter o apelado
a novo júri.
Argumentações significativas:
"Para defender o dever de fidelidade dispõe o cônjuge traído
das ações que a lei lhe confere, a. s., dissolução da sociedade
conjugal, no juízo cível, e a de adultério, no fôro criminal.
A morte violenta em resposta ao adúltério, convenha-se, é reação
inacolhível pelos princípios consagrados no Direito Penal (...)
A uxoricida passional, a reconhecer-se que o crime tenha sido
praticado em estado de exaltação emocional, aproveitaria, quando
muito, a causa especial de redução de pena prevista no § 1o
do artigo 121 do CP, não, porém, a legítima defesa.
(...)
(...) em parecer da
d. Procuradoria Geral de Justiça, verbis: ‘A insustentabilidade
da decisão proferida está traduzida nas próprias contra-razões
– no discursivo alinhavado têm-se frases genéricas, alguma jactância
na certeza de que o Conselho de Jurados cultiva o despreparo
para o julgamento sereno, o curioso desprezo pelos ‘doutores’,
como se a cultura posta entre aspas fosse pecaminosa e dissociada,
como um mal, dos valores mais caros ao povo, a incompreensível
maniqueísta entre conhecimento e sensibilidade, como se essa
fosse apanágio da rudeza e da ignorância; mas não indicação
concreta de apoio para sequer o vislumbre de legítima defesa
da honra".
Resumo: O acusado matou concubina com quem vivia há pouco tempo. Informado
pelo irmão da vítima de que esta iria se encontrar com outro
homem, perdeu a cabeça, foi até o bar onde a vítima se encontrava
e contra ela efetuou disparos. O Tribunal de Júri acatou a tese
da legítima defesa da honra absolvendo o réu. O Tribunal de
Justiça, entendendo estar diante de decisão manifestamente contrária
às provas dos autos, determina novo julgamento.
Argumentações significativas:
"De há muito a doutrina e jurisprudência vêm entendendo que
a honra é atributo personalíssimo, não se deslocando da pessoa
de seu titular para a de quem, de forma regular ou não, viva
em sua companhia. Esse entendimento, já consagrado no passado,
ganha maior relevo nos dias presentes, após a promulgação da
Constituição de 1988, na qual, no relacionamento entre os casais,
os direitos e deveres entre homens e mulheres são absolutamente
iguais".
Resumo: Soldado mata companheira e colega de farda, que supunha amantes,
com arma da corporação. O Colegiado Julgador Militar condena
o reú, policial militar, pelo homicídio e uso de arma da corporação,
a 15 anos de reclusão. Defesa e acusação apelaram. Superior
Tribunal Militar, Distrito Federal, nega o apelo da Defesa e
dá provimento ao recurso do Ministério Público Militar, condenando
o réu à pena de 25 anos de reclusão e afastando as alegações
de legítima defesa da honra argüídas pela Defesa.
Argumentações significativas:
"(...) A defesa, sustentando a tese de que o acusado agiu
em legítima defesa de sua honra, aduziu que, em relação à morte
da sua esposa, por ter sido chamado de ‘corno’, quando em discussão
com a mesma foi tomado por exacerbada emoção eis que passava
por drama moral e social violentíssimo (...).
(...) testemunhas presenciais
daquele crime, não confirmam tais agressões verbais (...)
(...) as demais testemunhas,
tanto de acusação como de defesa nada aduzem em desabono da
conduta da vítima companheira e, contrariamente, afirmam sobre
o bom relacionamento daquele casal (...)
(...)
A tese esposada pelo
ilustre Defensor, concernente à legítima defesa da honra não
está configurada nestes autos e, mesmo que estivesse, não excluiria
a ilicitude daquela conduta (...)".
Resumo: Duplo homicídio praticado pelo marido que surpreende sua esposa em flagrante
adultério. Tribunal do Júri absolve o réu, acatando a legítima
defesa da honra. O Tribunal de Justiça do Paraná confirmou a
decisão do júri de Apucarana, mas a Procuradoria Geral da Justiça
interpôs recurso especial e o Superior Tribunal de Justiça rejeita
a tese da legítima defesa da honra, por manifestamente contrária
à prova dos autos, e sujeita o réu a novo julgamento. (Informação
quanto ao desfecho posterior deste caso: em segundo julgamento
pelo Tribunal do Júri, foi o réu novamente absolvido pelo acolhimento
da legítima defesa da honra).
Argumentações significativas:
"(...) a figura da legítima defesa, tipificada no artigo
25, do Código Penal, apresenta regras inflexíveis e só se efetiva,
quando o fato concreto revela a ação do agente que ‘usando moderadamente
os meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente,
a direito seu ou de outrem".
Ora, a hipótese dos
autos jamais comportaria reação de quem supondo ofendido em
sua honra, deixa de recorrer aos atos civis da separação e do
divórcio, preferindo abater a mulher, ou o comparsa, ou a ambos,
procedendo de modo absolutamente reprovável, desde que foi ela
que, ao adulterar, não preservou a sua própria honra.
(...)
Ora, no Brasil não
fazemos uso do direito costumeiro, a pretender justificar a
ação do marido na hipótese dos autos, tão-só, porque assim entendem
os jurados simples pessoas do povo. O direito positivo, ao dispor
sobre o instituto da legítima defesa, delimitou as hipóteses
de seu emprego não sendo elástico ao ponto de se prestar para
cobrir qualquer ação delituosa.
(...)
(...) Magalhães Noronha,
citando Leon Rabinovicz ‘é orgulho de macho ofendido’ (...).
(...)
Entre os autores estrangeiros,
vale citar o eminente Jimenez de Asúa (...) ‘no existe esse
honor conyugal. El honor és personal; el honor és próprio. El
hombre que así reacciona, o que sigue esa norma – y muchos han
matado a la mujer porque no habia más remedio para conservar
un falso credito –, ha realizado el acto acaso en un momento
de transtorno mental transitorio, motivado por celos agudissimos;
pero no és possible hablar aqui de defensa personal’.
(...) o que temos é
a forma privilegiada (...)
Voto vencido: "A norma jurídica há de ser interpretada culturalmente.
É verdade, há de obedecer à coerência do ponto de vista dogmático,
não é possível, porém, esquecer o aspecto valorativo que o tipo
penal encerra (...) alguns autores e até decisões jurisprudenciais
entendem ser possível a legítima defesa da honra quando o titular
desta honra, no momento em que este valor está sendo afetado,
reage a fim de fazer cessar a agressão. Data venia, o
casamento acarreta obrigações recíprocas. Uma delas, a fidelidade
do ponto de vista conjugal (...)
(...)
Enquanto os juízes
togados se vinculam mais ao aspecto formal, dogmático da norma
jurídica, os jurados, leigos – não são necessários especialistas
em direito – julgam de acordo com as normas da vida, com as
normas culturais, com as exigências históricas de um determinado
instante.
Os magistrados ajustam
o homem à lei. Os jurados adaptam a lei ao homem.
(...)
(...) O aspecto cultural
há de ser interpretado de acordo com o lugar do fato. Se ainda,
neste local, se entende que a honra do marido maculada desta
forma enseja ou autoriza reação violenta, extrema – individualmente
contrasta com meu pensamento – entretanto esse é o entendimento
do júri.
(...)
Não podemos dizer que
o Tribunal do Júri tenha errado. Podemos dizer que julgou mal.
Ele está manifestando uma cultura brasileira.
(...)
O entendimento no Brasil
é polêmico. Enquanto Vossa Excelência (o relator) e tantos outros
entendem que a interpretação deve ser meramente dogmática, formal,
há outros, e são os jurados, que procuram fazer interpretação
do ponto de vista da justiça material. De acordo com o artigo
25 essa reação moderada está até na exposição dos motivos de
1940. Não é matematicamente dosada, mas analisada de acordo
com as características da ação e da reação".
Resumo: Homicídio. Julgamento do Tribunal do Júri reconhecendo a legítima
defesa pessoal do réu, sobrevindo condenação por excesso doloso.
Decisão anulada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal
por entender que cabia ao presidente do Tribunal do Júri prosseguir
com as duas outras séries de quesitação (legítima defesa da
própria honra e legítima defesa da honra dos filhos). O STJ
restabeleceu a decisão do Tribunal do Júri, por entender que,
ao não se prosseguir com a quesitação, não houve cerceamento
de defesa. Contudo, decisão do STF anula a decisão do STJ, restabelecendo
a do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a fim de que o
réu seja submetido a novo julgamento popular por ter havido
cerceamento de defesa no não- prosseguimento da quesitação.
Argumentações significativas:
"Os impetrantes se insurgem contra o não prosseguimento
dos quesitos das outras séries, fundados na expectativa de que
numa ou nas duas séries seguintes os jurados poderiam responder
que não houve o excesso doloso, por se tratar de legítima defesa
da honra: este é o cerne da controvérsia; invocam em favor da
tese o único voto vencido na decisão atacada, (...) na passagem
onde indaga: ‘digamos que os jurados, ao afirmarem a imoderação
hajam dito: não, a conduta da vítima não ensejaria resposta
tão vigorosa mas, poderão entender que, com a defesa
da honra, impunha aquela reação vigorosa."
Resumo: Ré denunciada por homicídio qualificado pelo motivo torpe
(ciúme), contra seu marido, suposto amante de sua própria irmã.
Absolvição sumária pelo reconhecimento da legítima defesa própria.
O Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito visando
à pronúncia, nos termos da denúncia. O Tribunal de Justiça,
por unanimidade, deu provimento parcial do recurso, no sentido
de que a ré fosse pronunciada, por homicídio simples e, assim,
submetida a júri popular.
Argumentações significativas:
"Segundo a ré, seu relacionamento com a vítima e seu marido
não era dos melhores. Discutiam seguidamente. A ré desconfiava
de relacionamento amoroso entre a vítima e uma irmã da própria
ré".
Obs: não se menciona
a honra, é discussão sobre legítima defesa apenas.
Resumo: Réu mata suposto amante de sua esposa em razão de meros boatos ou suspeita
de adultério. O Tribunal do Júri aceita a tese de legítima defesa
da honra e o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, descaracterizando-a,
determina que o réu seja submetido a novo júri.
Argumentações significativas:
"A defesa postulou perante o plenário do Tribunal do Júri
a tese da legítima defesa da honra, uma vez que a vítima vinha
espalhando em toda cidade de Três Lagoas que o acusado era um
‘corno’, porque ele vítima vinha mantendo relacionamento amoroso
com a ex-esposa do apelado.
(...) tese manifestamente
alheia à realidade processual, porque a situação fática é a
de que ‘Na época dos fatos o réu estava separado da mulher,
embora o tivesse negado, mas afirma que perdera a confiança
nela depois dos comentários a respeito de sua infidelidade consistente
em um caso amoroso que teria tido com a vítima".
Resumo: Réu mata companheira com a qual vivera por cerca de 20 anos como se
casados fossem, por tê-la encontrado saindo abraçada de um "bailão"
em companhia de outra pessoa com a qual mantinha relacionamento
amoroso. Julgado pelo Tribunal do Júri foi condenado à pena
de reclusão de 6 anos e oito meses em regime semi-aberto. Irresignado,
apela, argumentando que o entendimento dos senhores jurados
contrariara a prova dos autos e requer seja submetido a novo
julgamento O Tribunal de Justiça do Paraná mantém a condenação
do júri popular.
Argumentações significativas:
"Na verdade, incensurável é que, a decisão do Conselho de Sentença,
consentânea com a confissão do réu, reconhecendo o homicídio
privilegiado e rejeitando a tese da legítima defesa, ajusta-se
ao entendimento no sentido de que, o conceito de honra, por
ser eminentemente pessoal, não se coaduna com o ato de infidelidade
da companheira, nem confere ao varão o direito de ceifar-lhe
a vida, ainda que a eclosão da violência, decorrente do descontrole
emocional, possa minorar a reprovabilidade da conduta".
Resumo: Marido que, suspeitando da traição da esposa, a mata com um tiro pelas
costas. Pronunciado por homicídio doloso, o réu interpôs recurso
objetivando a sua impronúncia ou alternativamente a desclassificação
para homicídio culposo e, por fim, a absolvição sumária diante
do fato de ter agido em legítima defesa de sua honra, sempre
argumentando que agiu mediante violenta emoção. O Tribunal não
acolheu a tese da defesa, determinando a pronúncia do réu e,
por conseguinte a sua submissão ao julgamento pelo Tribunal
do Júri.
Argumentações significativas:
"Controvertida é a possibilidade da legítima defesa da honra,
inegavelmente, o sentido da dignidade pessoal, a boa fama, a
honra, enfim, são direitos que podem ser defendidos, mas a repulsa
do agredido há de ater-se sempre aos limites impostos pelo artigo
25".
Resumo: Homicídio duplamente qualificado. O crime teria ocorrido porque a namorada
do réu estaria mantendo relacionamento amoroso com a vítima.
Não ocorreu de improviso, pois
avisado de antemão, o réu teve tempo de fazer planos. Furtou
uma faca e foi à procura do desafeto, matando-o. Condenado pelo
Tribunal do Júri, foi apenado pelo juiz em 15 anos e seis meses.
Apelou, alegando decisão manifestamente contrária à prova dos
autos, sustentando que não houve dolo de matar e que agiu em
legítima defesa da honra ou pelo menos por relevante valor moral.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal reconheceu que a pena
foi exacerbada, fixando-a em 12 anos de reclusão.
Argumentações significativas:
"A honra, como todo bem jurídico é tutelada pelo Direito. Pode
seu titular, diante de agressão injusta a ela, atual ou iminente,
valer-se dos meios necessários à sua salvaguarda. Não tenho,
como muitos, o preconceito de afastar, de plano, a possibilidade
de o agredido em sua honra agir na defesa desse direito. Principalmente
quando a acusação pretende sua exclusão na ocorrência de homícidio
(...). Dizer que não pode o Conselho de Sentença do Tribunal
do Júri absolver réus com esse fundamento é desprezar a soberania
de seus veredictos, a ele outorgada pelo Constituinte (...)".
Resumo: Marido mata esposa que comete adultério, desferindo-lhe cinco tiros.
Submetido ao Tribunal de Júri que rejeitou a legítima defesa
da honra, o réu foi condenado. A defesa apelou, mas o Tribunal
de Justiça de Alagoas manteve a decisão do júri popular.
Argumentações significativas:
"A perda da honra é do cônjuge adúltero, não age em legítima
defesa o marido que atira em sua esposa infiel, pois quem perde
a honra é o cônjuge adúltero e não o inocente".
Considerações críticas
Das 15 decisões a que
tivemos acesso, 11 delas, portanto a grande maioria, não acolhem
a legítima defesa da honra. Mas, vale lembrar que, destas 11,
em 5 o Tribunal do Júri havia absolvido o réu embasando-se na
tese da legítima defesa da honra.
Observe-se, ainda,
que mesmo quando tribunais hierarquicamente superiores (Tribunais
de Justiça, Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal
Militar e Supremo Tribunal Federal) tenham entendimento diverso
ao do Tribunal do Júri, cabe a este último, pela definição constitucional
da soberania de seus veredictos, realizar novo julgamento, dando
a última palavra.
Desta forma, muitas
vezes, como no caso 8, apesar da manifestação do Superior Tribunal
de Justiça não acatar a tese da legítima defesa da honra, o
réu, submetido a novo júri, em Apucarana, Paraná, foi absolvido.
Destacamos no caso
5 referência ao parecer da Procuradoria Geral da Justiça (Ministério
Público), por refletir significativa tensão existente entre
a atuação dos Tribunais do Júri e a atuação dos Tribunais superiores
hierarquicamente.
Importa dizer que há
um debate nacional sobre a legitimidade ou não da existência
desse tipo de tribunal popular. Alguns, reconhecendo sua relevância
e vendo-o como manifestação de um profundo espírito democrático.
Outros, reconhecendo suas limitações face ao despreparo jurídico
de seus componentes.
No caso 8, o voto vencido
é exemplar. O Ministro que o proferiu, embora tenha expressado
que, pessoalmente, não aceita a tese da legítima defesa da honra,
por contrastar com seu pensamento, aceitou sua aplicação pelo
Tribunal do Júri, por entender que, além de possuir um poder
soberano para julgar o mérito da causa, este tribunal popular
manifesta a cultura do país. Em seu entender, os jurados, leigos,
julgam de acordo com as normas da vida, com as normas culturais.
Como foi visto, a tendência
atual do direito é no sentido de que cabe ir além do direito
positivo; sempre que assim agindo, operadores do direito contribuem
para a garantia e resguardo maior dos direitos das pessoas e
nunca para justificar agressão a eles.
No caso 8, o voto vencido
do senhor ministro alberga uma reflexão que vai contra toda
a construção filosófica jurídica moderna e contemporânea. Ao
destacar os aspectos sociais e culturais da decisão absolutória
do Tribunal do Júri, e inclusive afirmar que "Os magistrados
ajustam o homem à lei. Os jurados, a lei ao homem", inequivocamente
manifesta um juízo de valor. E, juízo de valor positivo com
referência à utilização da tese da legítima defesa da honra
como excludente de ilicitude, nos casos de homicídio por infidelidade
da mulher. Queremos frisar que, ao nosso ver, esse entendimento
fere o esforço civilizatório do direito, muito especialmente
deste século, pois trata-se de construção teórica justificatória
da mais grave violência de gênero: o assassinato de mulheres
por homens.
Como não temos, por
enquanto, informações a respeito das decisões dos Tribunais
de Júri do país que não receberam recursos, e como esses acórdãos
não representam a totalidade dos acórdãos proferidos no país
nos últimos anos, não podemos nem de longe quantificar ou mesmo
estimar sua frequência. Mas podemos afirmar que a legítima defesa
da honra, avocada para absolver homens assassinos de suas respectivas
mulheres ou ex-mulheres, é, incontestavelmente, ainda, uma prática
cultural, por vezes presente em nossos tribunais, como se
pode verificar através do presente estudo. Essa prática revela
a existência de preconceitos e estereótipos que necessitam ser
enfrentados criticamente.
A comunidade internacional
reunida na Organização das Nações Unidas já manifestou, por
mais de uma vez – há vários documentos a respeito – sua não-aceitação
e mesmo repúdio às práticas culturais desrespeitadoras
dos direitos humanos das mulheres.
A IV Conferência Mundial
sobre a Mulher, realizada em Beijing, 1995, em sua Plataforma
de Ação, item 224, estabeleceu que a violência contra a mulher
constitui ao mesmo tempo uma violação aos seus direitos humanos
e liberdades fundamentais e um óbice e impedimento a que desfrute
desse direito. Ressalta a violência contra a mulher derivada
dos preconceitos culturais e declara que é preciso proibir
e eliminar todo aspecto nocivo de certas práticas tradicionais,
habituais ou modernas, que violam os direitos da mulher.
As considerações teóricas
e os estudos empíricos apresentados neste artigo revelam as
dificuldades da efetivação dos marcos jurídicos internacionais
de proteção aos direitos humanos da mulher; revelam também as
dificuldades da efetivação do marco jurídico constitucional
brasileiro nessa proteção.
Como vimos, a legislação infraconstitucional
brasileira – civil e penal – não se coaduna aos princípios de
igualdade e equidade estabelecidos pela Constituição Federal
de 1988. E, ainda, muitas vezes, tribunais brasileiros, na aplicação
da lei penal em casos de estupro e de legítima defesa da honra,
reproduzindo preconceitos e estereótipos sociais, desrespeitam
a cidadania e os direitos humanos das mulheres.
_______
* Silvia Pimentel
– Professora Doutora em Filosofia do Direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP); coordenadora do CLADEM – Brasil,
seção nacional do Comitê Latino-americano e do Caribe para a
Defesa dos Direitos da Mulher; membro do conselho diretor do
IPÊ – Instituto para Promoção da Equidade e da CCR – Comissão
de Cidadania e Reprodução e do conselho consultivo do CFEMEA
– Centro Feminista de Estudos e Assessoria.
Valéria Pandjiarjian
– Advogada e pesquisadora formada pela PUC/SP; membro integrante
do CLADEM – Brasil e do IPÊ, organizações não-governamentais
através das quais desenvolve trabalhos de investigação, consultoria
e treinamento em direito internacional dos direitos humanos,
com ênfase para questões de gênero e violência.
1. Ver J. A. Lindgren
Alves, Os direitos humanos como tema global, São Paulo:
Perspectiva / Fundação Alexandre Gusmão, 1994, p. 130, (Coleção
Estudos).
2. Ver IV Conferência
Mundial sobre a Mulher – Beijing, China-1995, Nações Unidas,
CNDM e Editora Fiocruz, 1996, p. 100-102, alíneas d, k, l
e n.
3. Esse trabalho de
investigação, levado a cabo durante ano e meio (entre 1996-1997),
foi promovido pelo IPÊ – Instituto para Promoção da Eqüidade
em colaboração com o CLADEM-Brasil, seção na-cional do Comitê
Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher,
com o apoio e financiamento da FAPESP – Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo e da Fundação FORD.
4. Aqui, as autoras
estão se referindo ao estudo de T. de Laurentis, Preface e The
technology of gender, in Lauretis, Technologies of Gender,
Blomington: Indiana University Press, 1987, p. ix-xi e 1-30.
5. Ver Tomasselli
& Porter (1992:220)
6. Vale ressaltar
que os indicativos das conclusões de conteúdo apresentadas não
devem ser concebidos como generalizações acerca de processos
judiciais e acórdãos de estupro, mas sim enquanto resultantes
de análise do universo limitado de processos e acórdãos coletados
nas 5 regiões do país.
7. Compete ao
Tribunal do Júri – composto por 7 membros da comunidade – o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados.
São garantidos constitucionalmente a plenitude de defesa, o
sigilo das votações e a soberania dos veredictos. Para maiores
informações, consulte-se a Constituição Federal em seu artigo
5º, XXXVIII e Código de Processo Penal, em seus artigos 406
e seguintes. |