HISTÓRICO
DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL E NO MUNDO
3.1.
Histórico dos Direitos Humanos no Mundo
Em
sua obra "Curso de Direitos Humanos – Gênese
dos Direitos Humanos, Volume 1", João Baptista
Herkenhoff ensina que, utilizando-se a expressão
"Direitos Humanos" como quaisquer direitos
atribuídos ao homem, pode-se encontrar o reconhecimento
de tais direitos até mesmo na Antiguidade. E cita, como
exemplos, o Código de Hamurábi, no século XVIII antes
de Cristo, na Babilônia; os pensamentos do imperador do
Egito, Amenófis IV, no século XIV a.C.; as idéias de
Platão, na Grécia, no século IV a.C.; o Direito
Romano, e várias outras civilizações e culturas
ancestrais.
No
entanto, o próprio Herkenhoff salienta que, não
obstante já haver uma preocupação com tais direitos,
estes não possuíam uma "garantia legal",
de forma que eram bastante precários em sua estrutura
política, já que o respeito à eles dependia da
sabedoria dos governantes. Apesar de tais fatos, tal
contribuição não deixou de ser relevante na criação
da idéia dos Direitos Humanos.
Solicitamos
a devida vênia para concordar, em parte, com o
autor supra citado, quando este afirma não estar de
acordo com a posição de certos doutrinadores em
afirmar que a história dos Direitos Humanos começou
com "balizamento do poder do Estado pela
lei", por entender que essa posição "obscurece
o legado de povos que não conheceram a técnica de
limitação do poder mas privilegiaram enormemente a
pessoa humana nos seus costumes e instituições
sociais".
De
fato, a preocupação com a proteção à integridade da
pessoa humana remonta de muitos e muitos séculos e faz
parte da própria natureza humana, que busca o
reconhecimento de suas necessidades em prol de uma
sociedade que garanta uma distribuição igualitária e
justa. Não se pode vincular algo que faz parte da
natureza humana com as determinações da lei, que
muitas vezes nada têm a ver com justiça e muito menos
com as limitações do poder estatal por esta, uma vez
que a preocupação humana com relação à proteção
de suas necessidades básicas, existe até mesmo antes
de tais limitações legais.
Além
do mais, como bem enfatiza Herkenhoff, "a
simples técnica de estabelecer em constituições e
leis, a limitação do poder, embora importante, não
assegura, por si só o respeito aos Direitos Humanos.
Assistimos em épocas passadas e estamos assistindo, nos
dias de hoje, ao desrespeito dos Direitos Humanos em países
onde eles são legal e constitucionalmente garantidos.
Mesmo em países de longa estabilidade política e tradição
jurídica, os Direitos Humanos são, em diversas situações
concretas, rasgados e vilipendiados."
No
entanto, em recente trabalho, que nos foi solicitado no
curso de Mestrado em Direito, de nome "A
Homossexualidade Brasileira face a Declaração
Universal dos Direitos Humanos", tivemos a
oportunidade de afirmar que os primeiros marcos da "internacionalização
dos Direitos Humanos" foram constituídos pelos
Direitos Humanitários que são os aplicados nas
hipóteses de guerra, tendo como escopo impor limites à
atuação do Estado e assegurar, dessa forma, a observância
dos direitos fundamentais, de modo a proteger, nesses
casos, os militares postos fora de combate e as populações
civis, regulando juridicamente o emprego da violência
no âmbito internacional e limitando, com isso, a
liberdade e a autonomia dos Estados.
Vejam,
que não estamos a falar que a história dos Direitos
Humanos iniciou-se com a limitação pela lei, da
autonomia estatal. O que afirmamos, ora, é que um
dos primeiros marcos da internacionalização dos
Direitos Humanos constituiu-se nas limitações dos
poderes do Estado, de forma a assegurar o respeito aos
direitos fundamentais da pessoa humana.
Além
do Direito Humanitário, outro importante marco foi a Liga
das Nações, criada após a primeira guerra mundial
com o intuito de promover a cooperação, a paz e a
segurança internacional, de forma a condenar as agressões
externas contra a integridade territorial e a independência
política de seus membros. Através de uma convenção
da Liga das Nações, os Estados tinham o compromisso de
assegurar condições justas e dignas de trabalho para
homens, mulheres e crianças, sendo estabelecidas sanções
econômicas e militares contra Estados que, porventura,
viessem a violar seus preceitos. Seu principal objetivo
era "promover a cooperação internacional e alcançar
a paz e a segurança internacionais."
Junto
com tais organizações, estava, também, a OIT
(Organização Internacional do Trabalho), que deixou
importantes contribuições para o chamado processo
de internacionalização dos Direitos Humanos. A OIT
foi criada após a Primeira Guerra Mundial, para
promover parâmetros básicos de trabalho e bem-estar
social. Um de seus objetivos foi o de regular a condição
dos trabalhadores no âmbito mundial.
Todos
esses institutos forneceram a sua parcela de contribuição
para o processo de internacionalização dos Direitos
Humanos e se assemelham, na medida em que projetam o
tema dos Direitos Humanos na ordem internacional, uma
vez que estão todos voltados, exclusivamente, para a
guarda e proteção dos direitos do ser humano, de forma
que o Estado deixou de ser o único sujeito de direitos
internacional, não se podendo, atualmente, negar a
personalidade internacional do indivíduo.
Entretanto,
foi em meados do século XX, em decorrência da Segunda
Guerra Mundial e com o intuito de proteger os seres
humanos das atrocidades do Holocausto e das barbaridades
cometidas pelos nazistas contra os judeus, na Alemanha,
que surgiram as mais profundas preocupações no que
pertine à proteção internacional dos Direitos
Humanos. Preocupações, estas, que consistiam em
afirmar que a soberania estatal encontra-se limitada
pelo respeito aos Direitos Humanos, não sendo,
portanto, totalmente absoluta. E foi justamente essa
preocupação, que acabou por impulsionar o processo de
internacionalização dos Direitos Humanos, culminando
com a criação de normas de proteção internacional
que possibilitaram a responsabilização do Estado no
domínio internacional, quando as instituições
nacionais se mostrarem falhas ou omissas na tarefa de
proteção dos Direitos Humanos.
Podemos
afirmar, portanto, que foi a Carta das Nações Unidas
de 1945 que internacionalizou os Direitos Humanos. No
entanto, apesar de conter, em seu bojo, normas que
determinavam a importância de se defender, promover e
respeitar os direitos humanos e as liberdades
fundamentais, ela não definiu o conteúdo dessas
expressões, que só vieram a ser definidas, com precisão
com o advento da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, em 1948.
3.2.
A História dos Direitos Humanos no Brasil
A
história dos Direitos Humanos no Brasil está
vinculada, de forma direta com a história das constituições
brasileiras. Portanto, para falarmos a respeito de tal
assunto, abordaremos, brevemente, a história das várias
Constituições no Brasil e a importância que as mesmas
deram aos Direitos Humanos.
A
primeira Constituição Brasileira já surgiu provocando
o repúdio de inúmeras pessoas, falamos da Constituição
Imperial de 1824, que foi outorgada após a dissolução
da Constituinte, razão da rejeição em massa que
acarretou protestos em vários Estados brasileiros, como
em Pernambuco, Bahia, Ceará, Paraíba e Rio Grande do
Norte.
Essas
reivindicações de liberdade, culminaram com a consagração
dos Direitos Humanos, pela Constituição Imperial, que
apesar de autoritária (por concentrar uma grande
soma de poderes nas mãos do imperador), revelou-se
liberal no reconhecimento de direitos.
De
acordo com a Constituição Imperial Brasileira de 1824,
a inviolabilidade dos direitos civis e políticos
baseavam-se na liberdade, na segurança individual e,
como não poderia deixar de ser, na propriedade (valor,
de certa forma, questionável).
Em
24 de fevereiro de 1891, surgiu a primeira Constituição
Republicana que tinha como objetivo, como ensina
Herkenhoff, "corporificar
juridicamente o regime republicano instituído com a
Revolução que derrubou a coroa."
Foi
essa Constituição que instituiu o sufrágio direto
para a eleição dos deputados, senadores, presidente e
vice-presidente da República, no entanto, determinava,
também, que os mendigos, os analfabetos, os religiosos,
não poderiam exercer tais direitos políticos. Além
disso, ela aboliu a exigência de renda como critério
de exercício dos direitos políticos.
O
sufrágio direto estabelecido por esta Constituição no
entanto, não modificou as regras de distribuição do
poder, já que a prioridade da força econômica nas mãos
dos fazendeiros e o estabelecimento do voto, a
descoberto, contribuíram para que estes, pudessem
manipular os mais fracos economicamente, de acordo com
seus interesses políticos.
Apesar
disso, podemos afirmar que a primeira Constituição
republicana ampliou os Direitos Humanos, além de manter
os direitos já consagrados pela Constituição Imperial.
Em
1926, com a reforma constitucional, procurou-se em
primeiro lugar, remediar os abusos praticados pela União
em razão das intervenções federais nos Estados, no
entanto, não atendeu, de forma plena, a exigência
daqueles que entendiam que a Constituição de 1891 não
se mostrava adequada à real instauração de um regime
republicano no Brasil.
A
Revolução de 1930 provocou um total desrespeito aos
Direitos Humanos, que foram praticamente esquecidos. O
Congresso Nacional e as Câmaras Municipais foram
dissolvidos, a magistratura perdeu suas garantias,
suspenderam-se as franquias constitucionais e o habeas
corpus ficou restrito à réus ou acusados em
processos de crimes comuns. Não foram poucos os que se
rebelaram contra essa "prepotência",
culminando com a Revolução constitucionalista de 1932,
que acarretou na nomeação, pelo governo provisório,
de uma comissão para elaborar um projeto de Constituição,
comissão esta que, por reunir-se no Palácio do
Itamarati, recebeu o nome de "a comissão do
Itamarati". A participação popular, no
entanto, ficou por demais reduzida em razão da censura
à imprensa. Entretanto, apesar desta censura, a
Constituição de 1934 estabeleceu algumas franquias
liberais, como por exemplo: determinou que a lei não
poderia prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada; vedou a pena de caráter
perpétuo; proibiu a prisão por dívidas, multas ou
custas; criou a assistência judiciária para os
necessitados (assistência esta, que ainda hoje, não é
observada por grande parte dos Estados brasileiros);
instituiu a obrigatoriedade de comunicação imediata de
qualquer prisão ou detenção ao juiz competente para
que a relaxasse, se ilegal, promovendo a
responsabilidade da autoridade coatora, além de várias
outras franquias estabelecidas.
Além
dessas garantias individuais, a Constituição de 1934
inovou ao estatuir normas de proteção social ao
trabalhador, proibindo a diferença de salário para um
mesmo trabalho, em razão de idade, sexo, nacionalidade
ou estado civil; proibindo o trabalho para menores de 14
anos de idade, o trabalho noturno para os menores de 16
anos e o trabalho insalubre para menores de 18 anos e
para mulheres; determinando a estipulação de um salário
mínimo capaz de satisfazer às necessidades normais do
trabalhador, o repouso semanal remunerado e a limitação
de trabalho a oito horas diárias que só poderão ser
prorrogadas nos casos legalmente previstos, além de inúmeras
outras garantias sociais do trabalhador.
A
Constituição de 1934
não esqueceu-se também dos direitos culturais.
Tratava-se de uma constituição que tinha como objetivo
primordial, o bem estar geral. Ao instituir a Justiça
Eleitoral e o voto secreto, essa constituição abriu os
horizontes do constitucionalismo brasileiro, como bem
ensina Herkenhoff (Curso de Direitos Humanos, pg. 77),
para os direitos econômicos, sociais e culturais. Ela
respeitou os Direitos Humanos e vigorou durante mais de
3 anos, até a introdução do chamado "Estado
Novo", em 10 de Novembro de 1937, que
introduziu o autoritarismo no Brasil.
Foi
no "Estado Novo" que foram criados os tão polêmicos
Tribunais de exceção, que tinham a competência para
julgar os crimes contra a segurança do Estado. Nesta época,
foi declarado estado de emergência no país, ficaram
suspensas quase todas as liberdades a que o ser humano
tem direito, dentre elas, a liberdade de ir e vir, o
sigilo de correspondência (uma vez que as mesmas eram
violadas e censuradas) e de todos os outros meios de
comunicação, sejam orais ou escritos, a liberdade de
reunião e etc.
Os
Direitos Humanos praticamente não existiram durante os,
quase, oito anos em que vigorou o "Estado
Novo".
Com
a Constituição de 1946, o país foi
como diz Herkenhoff, "redemocratizado",
já que essa constituição restaurou os direitos e
garantias individuais, sendo estes, até mesmo
ampliados, do mesmo modo que os direitos sociais. De
acordo com estes, foi proibido o trabalho noturno a
menores de 18 anos, estabeleceu-se o direito de greve,
foi estipulado o salário mínimo capaz de atender as
necessidades do trabalhador e de sua família, dentre
outros demais direitos previstos.
Os
direitos culturais também foram ampliados e essa
Constituição vigorou até o surgimento da Constituição
de 1967, no entanto sofreu várias emendas e teve a vigência
de inúmeros artigos suspensa por muitas vezes por força
dos Atos Institucionais de 9 de Abril de 1964 (AI-1) e
de 27 de outubro de 1965 (AI-2), no golpe,
autodenominado "Revolução de 31 de março de
1964". Apesar de tudo isso, podemos afirmar
que, durante os quase 18 anos de duração, a
Constituição de 1946 garantiu os Direitos Humanos.
A
Constituição de 1967,
porém, trouxe inúmeros retrocessos, suprimindo
a liberdade de publicação, tornando restrito o direito
de reunião, estabelecendo foro militar para os civis,
mantendo todas as punições e arbitrariedades
decretadas pelos Atos Institucionais. Hipocritamente, a
Constituição de 1967 determinava o respeito à
integridade física e moral do detento e do presidiário,
no entanto na prática, tal preceito não existia.
No
que pertine aos demais direitos, os retrocessos
continuaram: reduziu a idade mínima de permissão para
o trabalho, para 12 anos; restringiu o direito de greve;
acabou com a proibição de diferença de salários, por
motivos de idade e de nacionalidade; restringiu a
liberdade de opinião e de expressão; recuou no campo
dos chamados direitos sociais, etc.
Essa
Constituição vigorou, formalmente, até 17 de outubro
de 1969, com a nova Constituição, porém, na prática,
a constituição de 67 vigorou apenas até 13 de
dezembro de 1968, quando foi baixado o mais terrível
Ato Institucional, o que mais desrespeitou os Direitos
Humanos no País, provocando a revolta e o medo de toda
a população, acarretando a ruína da Constituição de
1967, o AI-5.
O
AI-5 trouxe de volta todos os poderes discricionários
do Presidente, estabelecidos pelo AI-2, além de ampliar
tais arbitrariedades, dando ao governo a prerrogativa de
confiscar bens, suspendendo, inclusive, o habeas
corpus nos casos de crimes políticos contra a
segurança nacional, a ordem econômica e social e a
economia popular.
Foi
um longo período de arbitrariedades e corrupções. A
tortura e os assassinatos políticos foram praticados de
forma bárbara, com a garantia do silêncio da imprensa,
que encontrava-se praticamente amordaçada e as
determinações e "proteções legais"
do AI-5. Tanto foi assim, que a Constituição de 1969
somente começou a vigorar, com a queda do AI-5, em
1978. A constituição de 1969, retroagiu, ainda
mais, já que teve incorporadas ao seu texto legal, as
medidas autoritárias dos Atos Institucionais. Não
foram respeitados os Direitos Humanos.
A
anistia conquistada em 1979,
não aconteceu da forma que era esperada, já que
anistiou, em nome do regime, até mesmo os criminosos e
torturadores. No entanto, representou uma grande
conquista do povo.
Para
João Baptista Herkenhoff (obra citada, pg. 88) e inúmeros
brasileiros, a luta pela anistia representou "uma
das páginas de maior grandeza moral escrita na História
contemporânea do Brasil", juntamente com a
convocação e o funcionamento da Constituinte.
A
Constituição de 1988 veio para proteger, talvez
tardiamente, os direitos do homem. Tardiamente, porque
isso poderia ter se efetivado na Constituição de 1946,
que foi uma bela Constituição, mas que, logo em
seguida foi derrubada, com a ditadura. É por isso que
Ulisses Guimarães afirmava que a Constituição de 1988
era uma "Constituição cidadã",
porque ela mostrou que o homem tem uma dignidade,
dignidade esta que precisa ser resgatada e que se
expressa, politicamente, como cidadania.
O
problema da dignidade da pessoa humana, vem tratado na
Constituição de 1988, já no preâmbulo, quando este
fala da inviolabilidade à liberdade e, depois, no
artigo primeiro, com os fundamentos e, ainda, no inciso
terceiro (a dignidade da pessoa humana), mais adiante,
no artigo quinto, quando fala da inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à segurança e à
igualdade.
Mas
o que significa esta dignidade? Significa que o homem não
pode ser tratado como um animal qualquer, pois ele tem a
sua individualidade. Tem uma essência, que é própria
dele. Cada indivíduo é totalmente diferente de outro e
o que nos identifica é essa essência de ser pessoa.
A
única coisa capaz de garantir a dignidade da pessoa
humana, é a justiça! A dignidade é um valor supremo.
O homem é digno, pelo simples fato de ser racional, o
que o diferencia dos outros animais. A dignidade é,
portanto, um valor fundamental!
Flávia
Piovesan ensina que "a ordem constitucional de
1988 apresenta um duplo valor simbólico: é ela o marco
jurídico da transição democrática, bem como da
institucionalização dos direitos humanos no país. A
Carta de 1988 representa a ruptura jurídica com o
regime militar autoritário que perpetuou no Brasil de
1964 a 1985".
Com
a Constituição de 1988, houve uma espécie de "redefinição
do Estado brasileiro", bem como de seus
direitos fundamentais.
Ao
ler os dispositivos constitucionais, podemos deduzir o
quanto foi acentuada a preocupação do legislador, em
garantir a dignidade, o respeito e o bem-estar da pessoa
humana, de modo a se alcançar a paz e a justiça
social.
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