A 
                                                  CIDADANIA:
                                                SUA 
                                                  COMPLEXIDADE TEÓRICA E O DIREITO 
                                                José Ribas Vieira 
                                                 
                                                Introdução
                                                O 
                                                  debate sobre a categoria cidadania 
                                                  é estratégico para uma sociedade 
                                                  como a brasileira, marcada nos 
                                                  dias atuais por um agudo processo 
                                                  de desigualdade social e, por 
                                                  conseqüência, de exclusão social. 
                                                  Dessa forma, tal categoria abre 
                                                  margem para enquadrar,  
                                                  por exemplo, a importância 
                                                  de atores políticos do nível 
                                                  dos movimentos sociais com o 
                                                  objetivo de operar as mudanças 
                                                  necessárias na estrutura de 
                                                  nossa sociedade
                                                Não 
                                                  podemos esquecer, também, o 
                                                  fato de que a categoria cidadania 
                                                  está, hoje, incluída dentro 
                                                  dos mecanismos de proteção constitucional.
                                                Esses 
                                                  dois aspectos demonstram a necessidade 
                                                  de que a importância da concepção 
                                                  teórica da cidadania para a 
                                                  presente realidade social, em 
                                                  particular a brasileira, cresça, 
                                                  ainda mais, se pudermos perceber 
                                                  a sua interface com a ordem 
                                                  jurídica no seu sentido de efetivar 
                                                  as institucionalizações das 
                                                  reformas político-econômicas 
                                                  tão necessárias entre nós.
                                                Sobressalta-nos, 
                                                  ainda, uma inquietação tendo 
                                                  como perspectiva qual o quadro 
                                                  teórico a respeito de cidadania 
                                                  que poderia ser adotado. Há, 
                                                  desse modo, o trabalho referencial 
                                                  sobre essa noção elaborada por 
                                                  T.H. Marshall. Esse autor traça os pontos 
                                                  clássicos para a compreensão 
                                                  do universo da cidadania através 
                                                  de uma trajetória histórica 
                                                  lastreada no contexto anglo-saxônico. 
                                                  Percebem-se, dessa forma, as 
                                                  transformações operadas principalmente 
                                                  no campo dos direitos civis 
                                                  e como seu impulso tornou possível 
                                                  a construção de uma sociedade 
                                                  com maior igualdade jurídica.
                                                Concebido 
                                                  nesses parâmetros,  o 
                                                  perfil teórico da cidadania, 
                                                  não pode ser esquecida a noção 
                                                  de que a categoria estudada 
                                                  por nós apresenta, também, uma 
                                                  sinonímia com a participação 
                                                  política. Tal tradução ganhou 
                                                  bastante espaço, notadamente, 
                                                  na literatura social brasileira. 
                                                  Assim, encontramos os trabalhos 
                                                  seminais de Wanderley Guilherme 
                                                  dos Santos. Sua contribuição culmina 
                                                  com o conceito de cidadania 
                                                  regulada para contextualizar 
                                                  o processo social brasileiro 
                                                  ao apontar que sua definição 
                                                  está norteada não por um código 
                                                  de valores políticos e sim por 
                                                  um sistema de estratificação 
                                                  ocupacional. 
                                                É fácil constatar que esses encaminhamentos teóricos não mais balizam 
                                                  as exigências da sociedade contemporânea 
                                                  cortada por uma profunda dinâmica  de democratização e da necessidade de nuclear 
                                                  uma idéia de ação política direcionada. 
                                                  Em conseqüência, depara-se, 
                                                  hoje, a vinculação orgânica 
                                                  de cidadania com as categorias 
                                                  de espaço público e de virtude 
                                                  cívica.
                                                 
                                                1. Discussões sobre a cidadania
                                                Visualizamos 
                                                  no debate presente sobre a categoria 
                                                  cidadania dois conjuntos de 
                                                  reflexão teórica, a saber: um 
                                                  articulado mais no campo do 
                                                  indivíduo; e outro modelado 
                                                  mais explicitamente ao conceito 
                                                  de democracia.
                                                Em 
                                                  relação ao indivíduo, é no quadro 
                                                  do conflito entre liberais e 
                                                  comunitários (republicanos) 
                                                  que podemos adensar alguns traços 
                                                  mais recentes sobre os fundamentos 
                                                  da cidadania. Trava-se o embate 
                                                  entre uma concepção mais de 
                                                  “status 
                                                  legal” (direitos) contra  
                                                  uma perspectiva de um 
                                                  ideal normativo de deveres cívicos. 
                                                  Através da análise de Michael 
                                                  Walzer, 
                                                  é possível apreender outros 
                                                  aspectos importantes desses 
                                                  contrastes das leituras liberais 
                                                  e comunitárias acerca da cidadania. 
                                                  Walzer indica, nesse raciocínio, 
                                                  os legados greco-romanos para 
                                                  uma concepção de dever cívico 
                                                  para a cidadania. Em contrapartida, 
                                                  esse filósofo norte-americano 
                                                  vê a compreensão liberal na 
                                                  fonte situada na Roma ulterior 
                                                  ao tempo do Império e nas reflexões 
                                                  modernos de Direito Romano. 
                                                  O autor da obra clássica  
                                                  Spheres of Justice delineia, ainda, como a visão rousseauniana 
                                                  e o período jacobino da Revolução 
                                                  Francesa consolidaram para os 
                                                  teóricos comunitários (os republicanos 
                                                  cívicos) a idéia da maior felicidade 
                                                  na proporção do envolvimento 
                                                  na atividade pública. Em síntese, 
                                                  para Walzer a cidadania comunitária 
                                                  é uma responsabilidade e, por 
                                                  conseqüência, um encargo orgulhosamente 
                                                  assumido. Em relação à visão 
                                                  liberal, é um conjunto de direitos 
                                                  no qual se integra de forma 
                                                  passiva. Numa, a cidadania demanda 
                                                  a nossa concepção de vida e 
                                                  noutra está localizada numa 
                                                  esfera exterior. Pressupõem-se, 
                                                  assim, duas distinções: uma 
                                                  da homogeneidade social e outra 
                                                  simbolizada por um processo 
                                                  mais difuso. Apesar dessas diferenciações, 
                                                  Walzer opta por uma postura 
                                                  socialista em detrimento desse 
                                                  conflito entre liberais e comunitários.
                                                Dentro 
                                                  desse conjunto mais vinculado 
                                                  à ação política do indivíduo, 
                                                  não pode ser omitida a contribuição 
                                                  de Hannah Arendt. A presença 
                                                  de Arendt para o debate da cidadania 
                                                  é, atualmente, redesenhada devido 
                                                  à temática da identidade cultural. 
                                                  Desse modo, a cidadania significa 
                                                  um “pertencer” a uma comunidade. 
                                                  A leitura dessa arguta pensadora 
                                                  deste século traz importantes 
                                                  pontos de contraste no debate 
                                                  contemporâneo sobre a construção 
                                                  da identidade cultural. Há, 
                                                  desse modo, para a autora, em 
                                                  realidade, uma permanente contradição 
                                                  entre as duas ordens de existência 
                                                  diferentes nas quais o indivíduo 
                                                  se integra, a saber: uma que 
                                                  lhe é própria, e outra que é 
                                                  comum aos seus pares. Nessa 
                                                  direção, o “bem público”, do 
                                                  qual se inquietam os cidadãos, 
                                                  é, realmente, o “bem comum” 
                                                  no sentido de estar no mundo 
                                                  sem ele (o indivíduo) possuir . Registre-se, o que qualifica 
                                                  o espaço público da cidadania 
                                                  é uma ação política própria 
                                                  e concertada.
                                                Cabe, 
                                                  agora, examinar o universo da 
                                                  cidadania sob a perspectiva 
                                                  de um processo democrático onde 
                                                  encontramos as contribuições 
                                                  de Chantal Mouffe e de Habermas. 
                                                  A de Chantal Mouffe vem com 
                                                  a marca de uma busca de uma 
                                                  democracia radical. Essa estudiosa 
                                                  francesa procura estabelecer 
                                                  um diálogo que consiga superar 
                                                  a dicotomia entre modernidade 
                                                  e pós-modernidade. Assim, a 
                                                  sua concepção de modernidade 
                                                  opõe-se a uma perspectiva de 
                                                  firmar, por exemplo, exclusivamente 
                                                  valores que a integram, fruto 
                                                  do Iluminismo do final do século 
                                                  XVIII. Chantal Mouffe reconhece 
                                                  como grande parâmetro da modernidade  
                                                  a revolução democrática 
                                                  antevista por Claude Lefort. 
                                                  Através do seguinte trecho, 
                                                  de autoria de Chantal Mouffe, 
                                                  podemos sintetizar o seu pensamento:
                                                “Em 
                                                  efeito, se vê a revolução democrática, 
                                                  tal qual ela é apresentada por 
                                                  Lefort, como sendo o que caracteriza 
                                                  a modernidade, ele é claro  
                                                  no que se designa, hoje 
                                                  como a pós-modernidade em filosofia 
                                                  é, de fato, somente o reconhecimento 
                                                  dessa impossibilidade de achar 
                                                  um fundamento último e uma legitimação 
                                                  por trás que é constitutivo 
                                                  de acontecimento mesmo da forma 
                                                  democrática da sociedade e, 
                                                  daí, pela modernidade” .
                                                Na 
                                                  outra ponta do conjunto democrático 
                                                  a respeito da cidadania está 
                                                  a contribuição habermasiana. 
                                                  O objetivo de Jürgen Habermas 
                                                  é viabilizar, também, essa concepção 
                                                  de democracia radical através 
                                                  de uma noção bem definida de 
                                                  espaço público como mecanismo 
                                                  procedimental para a construção 
                                                  dessa forma política. Habermas 
                                                  é, nesse nível, um crítico pertinaz 
                                                  da colonização do mundo da vida 
                                                  pelas políticas administrativo-sociais 
                                                  de Estado de Bem-Estar Social. 
                                                  No seu importante artigo “Soberania 
                                                  Popular como procedimento”, 
                                                  ao questionar o esvaziamento 
                                                  do processo democrático-representativo, 
                                                  defende não uma volta ao passado, 
                                                  mas sim a materialização de 
                                                  uma nova dinâmica através de 
                                                  um discurso comunicativo. Com 
                                                  esse objetivo, Habermas rediscute 
                                                  os legados do liberalismo e 
                                                  do socialismo. Quanto ao liberalismo, 
                                                  acentua a possibilidade por 
                                                  meio de um contexto discursivo 
                                                  de garantir as diferenças. Em 
                                                  relação ao socialismo, visualizar 
                                                  a riqueza do anarquismo ao defender 
                                                  a relevância para o processo 
                                                  político das associações. Habermas 
                                                  rejeita, também, que o procedimento 
                                                  democrático permita a existência 
                                                  de um saber intelectual condutor. 
                                                  O filósofo alemão abre o caminho 
                                                  para a trajetória de duas formas 
                                                  de democracia nas quais podemos 
                                                  distinguir a presença da cidadania, 
                                                  a saber:
                                                modelo 
                                                  de sitiamento - 
                                                  implica que a “fortificação 
                                                  política” é sitiada à medida 
                                                  que os cidadãos, por intermédio 
                                                  de discursos públicos, tentam 
                                                  influenciar, sem intenções de 
                                                  conquista, os processos de julgamento 
                                                  e de decisão;
                                                modelo 
                                                  de eclusa: 
                                                  para que os cidadãos possam 
                                                  exercer influência sobre o centro, 
                                                  isto é, parlamento, tribunais 
                                                  e administração, os influxos 
                                                  comunicativos vindos da periferia 
                                                  têm que ultrapassar as eclusas 
                                                  dos procedimentos democráticos 
                                                  e do Estado constitucional.
                                                Vale 
                                                  registrar que Habermas opta 
                                                  pelo modelo por eclusa na medida 
                                                  em que reconhece a sua perspectiva 
                                                  como sitiamento bastante derrotista, 
                                                  pela seguinte razão:
                                                “Uma dose de formação democrática 
                                                  da vontade tem então de migrar 
                                                  para dentro da própria administração; 
                                                  o judiciário, por sua vez, que 
                                                  implementa o direito, tem que 
                                                  se justificar diante de foros 
                                                  ampliados da crítica jurídica. 
                                                  Nesse sentido, o modelo das 
                                                  eclusas conta com uma democratização 
                                                  mais abrangente que o modelo 
                                                  do sitiamento”  .
                                                Fixamos, 
                                                  então, que o quadro teórico 
                                                  mais questionador e completo 
                                                  para enfrentar os desafios da 
                                                  cidadania nos dias atuais é 
                                                  essa elaboração habermasiana 
                                                  de espaço público. E mais ainda. 
                                                  Através do autor da Teoria da Ação Comunicativa, acreditamos 
                                                  que é possível estabelecer um 
                                                  profundo diálogo com a ordem 
                                                  jurídica. Foi no campo do Direito 
                                                  Constitucional que mais avançou 
                                                  um debate pertinente a essa 
                                                  articulação de democracia e 
                                                  cidadania.
                                                 
                                                2. Constituição, Democracia e Cidadania
                                                Exemplificando 
                                                  pelo Direito Constitucional 
                                                  alemão após os anos 20 deste 
                                                  século, seu centro de análise 
                                                  foi a concretização das normas 
                                                  constitucionais. Estudaram-se, 
                                                  assim, os mecanismos da efetividade 
                                                  do conteúdo das constituições. 
                                                  Coube à interpretação constitucional 
                                                  (via Hermenêutica) um lugar 
                                                  central nesse debate. Não podemos 
                                                  esquecer a presença do intérprete 
                                                  como um filtro nesse procedimento. 
                                                  Devemos agregar as observações 
                                                  críticas, já mencionadas por 
                                                  nós, de Habermas para o perigo 
                                                  de qualquer saber especializado 
                                                  dentro do procedimento democrático. 
                                                  Contra essa postura diferenciada 
                                                  entre os intérpretes constitucionais 
                                                  insurge, nos últimos vinte anos, 
                                                  a figura de Peter Häberle. Este jurista alemão visualiza 
                                                  que há, na verdade, um espectro 
                                                  mais amplo de participantes 
                                                  nessa concretização constitucional 
                                                  ( via interpretação). Pois esta 
                                                  resulta de uma sociedade aberta 
                                                  caracterizada pelo pluralismo 
                                                  da participação e, ao mesmo 
                                                  tempo, ocorre um mecanismo dialético 
                                                  ao resultar um elemento formado 
                                                  e constituinte dessa própria 
                                                  sociedade. Desse modo, o processo 
                                                  interpretativo resulta de todas 
                                                  as forças sociais da comunidade 
                                                  política. Häberle aponta, por 
                                                  exemplo, que o cidadão é legítimo 
                                                  para propor um recurso constitucional, 
                                                  como é previsto pela Lei Fundamental 
                                                  de 1949 (Art. 93.4a), após o 
                                                  esgotamento de todas as medidas 
                                                  judiciais protetoras de lesão 
                                                  judicial de Direito Fundamental. 
                                                  Assim, segundo esse jurista, 
                                                  a presença de vários desses 
                                                  entes legítimos participando 
                                                  da Jurisdição constitucional 
                                                  traduz um verdadeiro processo 
                                                  público. Ela tem por conseqüência 
                                                  uma dupla interface: estrutura 
                                                  ao mesmo tempo o Estado, como 
                                                  também a própria esfera pública. 
                                                  Häberle rejeita a possibilidade 
                                                  de tratar as forças sociais 
                                                  como mero objetos. Deve haver 
                                                  uma integração ativa delas como 
                                                  sujeito. Entretanto, Häberle 
                                                  cai no mesmo dilema da concretização 
                                                  constitucional ao privilegiar 
                                                  o saber especializado através 
                                                  de uma teoria constitucional:
                                                “É 
                                                  verdade que o processo político 
                                                  é um processo de comunicação 
                                                  de todos para com todos, no 
                                                  qual a teoria constitucional 
                                                  deve tentar ser ouvida, encontrando 
                                                  um espaço próprio e assumindo 
                                                  sua função enquanto instância 
                                                  crítica. Porém, a ausência (ëin 
                                                  Zuwening) da “academical self 
                                                  restraint” pode levar a uma 
                                                  perda da autoridade. A teoria 
                                                  constitucional democrática aqui 
                                                  enunciada tem também uma peculiar 
                                                  responsabilidade para a sociedade 
                                                  aberta dos intérpretes da Constituição” 
                                                  .
                                                No 
                                                  Brasil, através de notícia publicada 
                                                  pelo jornal  Folha 
                                                  de São Paulo de 9 de abril 
                                                  de 1997, informa-se que o Poder 
                                                  Executivo enviou ao Congresso 
                                                  Nacional projeto de lei disciplinando 
                                                  o processo e julgamento de ação 
                                                  declaratória de constitucionalidade. 
                                                  Nesse referido projeto, é apontada, 
                                                  pela primeira vez entre nós, 
                                                  a possibilidade de uma maior 
                                                  participação da sociedade civil 
                                                  na jurisdição constitucional 
                                                  através do artigo 29, § 2 º que dispõe:
                                                “Art. 29...
                                                Segundo 
                                                  os titulares do direito de propositura 
                                                  referidos no art. 103 da Constituição 
                                                  poderão manifestar-se, por escrito, 
                                                  sobre a questão constitucional 
                                                  objeto da apreciação pelo órgão 
                                                  especial ou pelo plano do Tribunal, 
                                                  no prazo fixado em Regimento, 
                                                  sendo lhes assegurado o direito 
                                                  de  apresentar 
                                                  memoriais ou de pedir a juntada 
                                                  de documentos” ( o grifo 
                                                  é nosso).
                                                É 
                                                  na noção de espaço público habermasiano 
                                                  que encontraremos elementos 
                                                  para questionar as categorias 
                                                  de sociedade aberta/constituição 
                                                  propostas por Häberle. Frontalmente, 
                                                  coloca-se o pensador alemão 
                                                  contra o papel a ser desempenhado 
                                                  pelo tribunal constitucional 
                                                  como um filtro de todas as forças 
                                                  sociais intérpretes da constituição, 
                                                  ao afirmar:
                                                “A 
                                                  corte não pode assumir o papel 
                                                  de um regente que assume o lugar 
                                                  de um sucessor menor ao trono. 
                                                  Sob um olhar crítico de uma 
                                                  robusta esfera pública legal 
                                                  - uma cidadania que tem crescido 
                                                  para tornar-se uma “comuniade 
                                                  de intérpretes constitucionais”- 
                                                  uma corte constitucional pode, 
                                                  na meslhor das hipóteses, exercer 
                                                  o papel de tutor” .
                                                Habernas 
                                                  fulmina, ao lembrar a discussão 
                                                  da lei do aborto na Alemanha, 
                                                  o fato de que “o 
                                                  Tribunal Constitucional desempenha 
                                                  um papel infeliz ao exercer 
                                                  funções de legislador paralelo”. 
                                                  Cabe para esse filósofo alemão 
                                                  não uma competência desse órgão 
                                                  de exame da constitucionalidade 
                                                  de arvorar-se num intérprete 
                                                  de ordem concreta de valores 
                                                  da constituição. E sim, apenas 
                                                  esse aspecto, sublinha de forma 
                                                  exata Habermas, seria uma atribuição 
                                                  do Tribunal Constitucional zelar 
                                                  somente pelo surgimento democrático 
                                                  do direito. Isto é, se foram 
                                                  cumpridas todas as exigências 
                                                  normativas do processo democrático 
                                                  de legislar. 
                                                  Arremata ainda o autor de Between 
                                                  Facts and Norms que a razão 
                                                  não pode estar centrada numa 
                                                  autoridade estranha residindo 
                                                  em algum lugar além da comunicação 
                                                  política.
                                                É 
                                                  importante lembrar que o próprio 
                                                  Häberle está consciente  
                                                  de outras restrições 
                                                  no tocante à própria legitimidade 
                                                  da Jurisdição Constitucional 
                                                  na Alemanha, ao apontar:
                                                “Agora 
                                                  bem, a forte articulação da 
                                                  ética e com a opinião pública 
                                                  burguesa (cidadã) do controle 
                                                  jurisdicional da Constituição 
                                                  (especialmente no que respeita 
                                                  ao recurso constitucional), 
                                                  sua capacidade de identificação 
                                                  na relação cidadão-Constituição 
                                                  e, com isso, sua participação 
                                                  da construção de uma cultura 
                                                  política, ocultam também um 
                                                  aspecto negativo; o Controle 
                                                  Jurisdicional da Constitucional 
                                                  da Lei Fundamental pode induzir 
                                                  também, a uma desconfiannça 
                                                  política contra a democracia 
                                                  e a uma confiança desproporcional 
                                                  na Jurisprudência” .
                                                Assim 
                                                  , esse jurista alemão adverte 
                                                  sobre o perigo de a atuação 
                                                  do Tribunal Constitucional resvalar 
                                                  para uma situação de abandono 
                                                  de “pluralismo de interesse”. 
                                                  
                                                 
                                                3. Conclusão
                                                A 
                                                  análise de determinadas leituras 
                                                  demonstrou a complexidade e 
                                                  o aprofundamento do debate sobre 
                                                  a cidadania além dos limites 
                                                  das contribuições (apesar de 
                                                  ainda serem pontos de referências 
                                                  teóricas) delineadas por T. 
                                                  H. Marshall ou a sua redução 
                                                  a um mero núcleo de participação 
                                                  política. Vimos que quer através 
                                                  de privilegiar o indivíduo como 
                                                  sujeito político, quer por meio 
                                                  da intersubjetividade esboçada 
                                                  no processo comunicativo, há, 
                                                  na verdade, nas novas discussões 
                                                  em torno da categoria de cidadania 
                                                  um interesse na compreensão 
                                                  de uma ação política bem direcionada 
                                                  e explicitamente ativa. Não 
                                                  se pode esquecer, ainda, o que 
                                                  vincula todo esse novo universo 
                                                  teórico é seu profundo compromisso 
                                                  de viabilizar (através de uma 
                                                  ação política) uma estrutura 
                                                  democrática. Destacamos, nesse 
                                                  quadro, a presença fundamental 
                                                  dos estudos de Jürgen Habermas 
                                                  através do espaço público e 
                                                  de uma perspectiva procedimental 
                                                  do campo democrático. Centramos, 
                                                  por conseqüência, suas reflexões 
                                                  para demarcar as fronteiras 
                                                  da relação da cidadania com 
                                                  o direito. Apontou-se, dessa 
                                                  forma, se Härbele abre as portas 
                                                  para a participação necessária 
                                                  da sociedade no desenho constitucional, 
                                                  de outro modo, ele, na verdade, 
                                                  como aponta Habermas, perfila 
                                                  por meio da teoria constitucional/tribunal 
                                                  constitucional uma postura de 
                                                  um certo fechamento de uma participação 
                                                  de uma sociedade aberta no exame 
                                                  das normas da constituição. 
                                                  
                                                Julgamos 
                                                  também relevante que esse todo 
                                                  conjunto teórico seja essencial 
                                                  para a transição das leituras 
                                                  de cidadania no Brasil. De uma 
                                                  sociedade que foi fundamentada 
                                                  por uma cidadania regulada ( 
                                                  W. Guilherme dos Santos ) sem 
                                                  o “lastro de políticos ” passando 
                                                  por uma ruputura, nos dias de 
                                                  hoje, pela atuação dos movimentos 
                                                  sociais, corra um risco. Risco 
                                                  esse que ao enaltecer o discurso 
                                                  do Judiciário como elemento 
                                                  e intérprete das garantias dos 
                                                  Direitos Fundamentais e da própria 
                                                  cidadania, possamos 
                                                  estar, 
                                                  via o papel atribuído 
                                                  aos juízes entre nós, 
                                                  substituindo uma forma de cidadania 
                                                  regulada por meio de corporações 
                                                  por outra marcada pela função 
                                                  de tutor como é, hoje, materializada 
                                                  de modo emblemático pelo Supremo 
                                                  Tribunal Federal. Sem dúvida 
                                                  nenhuma, cremos que essa é a 
                                                  maior conclusão a ser extraída 
                                                  dessas observações esboçadas 
                                                  a partir do atual debate articulado 
                                                  no quadro da cidadania. 
                                                
                                               
                                              
                                                
                                                 
                                                   Trabalho apresentado no “Seminário sobre o Espaço Público”, promovido 
                                                    pelo Departamento de Direito 
                                                    da PUC-RIO, em 29 de agosto 
                                                    de 1997.
                                                 
                                                 
                                                  Professor titular de Teoria do Direito e Direito Constitucional da 
                                                    “Universidade Federal Fluminense” 
                                                    (UFF), Professor Associado 
                                                    da “Pontifícia Universidade 
                                                    Católica do Rio deJaneiro”(PUC-RIO) 
                                                    e Professor Adjunto de Teoria 
                                                    do Estado da “Universidade 
                                                    Federal do Rio de Janeiro”(UFRJ).
                                                 
                                                 
                                                  Vide o artigo de Peter Häberle, “El 
                                                    recerso de Amparo en el sistema 
                                                    germano-federal ” in La Jurisdiccion Constitucional  en  Iberoamericana  
                                                    (Madrid-Dykinson, S.-L., 
                                                    1997 ). Na página 256, Häberle 
                                                    acentua como o Tribunal Constitucional  
                                                    alemão atua como uma 
                                                    “corte cidadã ” ao decidir 
                                                    recurso constitucional previsto 
                                                    no artigo 93.4a. da Lei Fundamental 
                                                    de 1949 ao facultar a qualquer 
                                                    cidadão, esgotados outros 
                                                    meios judiciais, a proteção 
                                                    de direitos fundamentais.
                                                 
                                                 
                                                  Vide T. H. Marshall .  Cidadania , Classe Social e Status ( Rio 
                                                    de Janeiro: Zahar Editores 
                                                    , 1967) - capítulo III .
                                                 
                                                 
                                                  Wanderley Guilherme dos Santos . Ordem Burguesa e Liberalismo Político ( São Paulo : Livraria Duas 
                                                    Cidades , 1978) e , também 
                                                    , José Álvaro Moisés . Cidadania e Participação .  Ensaio 
                                                    sobre o plebiscito , o referendo 
                                                    e a iniciativa popular na 
                                                    nova Constituição (São 
                                                    Paulo : Editora Marca Zero 
                                                    , 1990) .
                                                 
                                                 
                                                  Vide o verbete “ citzenship ” in The Oxford Companion to Philosophy ( organizado por Ted Honderich 
                                                    ) (Oxford: Oxford University 
                                                    Press , 1995 ) , páginas 135 
                                                    e 136 e André Berten e outros 
                                                    . Libéraux 
                                                    et Communautariens .  
                                                    Paris . PUF . 1996
                                                 
                                                 
                                                  O resumo exposto por nós sustentou-se no artigo elaborado por Michael 
                                                    Walzer sobre título “ Communauté 
                                                    , citoyermeté et jouissance 
                                                    des droits ”  
                                                    in  Revista Esprit ( maio-abril-1997) 
                                                    122:121 . 
                                                 
                                                 
                                                  Vide Étienne Tassin , “Qu’est-ce qu’un sujet polítique? Remarques sur 
                                                    les notions d’identité et 
                                                    d’action , in  Revista Esprit , op. cit. , especialmente , pág . 144 . E 
                                                    , também , é importante , 
                                                    a leitura de Seyla Benhabib 
                                                    , “ Models Y Public Space 
                                                    : Hannah Arendt , the liberal 
                                                    tradition , and Jürgen Habermas 
                                                    ” in Habermas and the public Sphere  organizado por Craig Calloum ( Cambridge : 
                                                    The Mit Press , 1993 . 73 
                                                    . 98 
                                                 
                                                 
                                                  Chantal Mouffe , Le Politique 
                                                    et ses enjeux ( Pour 
                                                    une démocratie plurielle) 
                                                    (collection “Recherches” ) 
                                                    (Paris Éditions la Dé ceuverte 
                                                    / Mauss , 1994) , pág . 30 
                                                    e a obra organizada pela mencionada 
                                                    autora ,  Dimensions 
                                                    of Radical Democracy - Pluralism 
                                                    , Citizenship , Community 
                                                    ( Londres : Verso , 
                                                    1992 )
                                                 
                                                 
                                                  Jürgen Habermas , “Soberania Popular como procedimento ” in Novos Estudos - Cebrap ( nº 26 - março 
                                                    de 1990) 100:113
                                                 
                                                 
                                                  Jürgen Habermas , “Uma conversa sobre questões da Teoria Política - 
                                                    entrevista com Jürgen Habermas 
                                                    a Mikael Carlekedem e René 
                                                    Gabriels” in  Novos 
                                                    Estudos - Cebrap (nº 47 
                                                    - março 1997 ) 85:102 . Os 
                                                    modelos citados constam da 
                                                    pag . 87 .
                                                 
                                                 
                                                  Habermas , Entrevista , 
                                                    op.cit. página 88 .
                                                 
                                                 
                                                  Peter Häberle ,  Hermenêutica Constitucional . A Sociedade 
                                                    aberta dos intérpretes da 
                                                    Constituição: contribuição 
                                                    para a interpretação pluralista 
                                                    e “procedimental” da constituição.  (Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris Editor , 1997 ) . As passagens 
                                                    de Häberle contidas no trabalho 
                                                    foram extraídas desse livro 
                                                    . Vide , também ,  
                                                    Retos Actuales del Estado Constitucional (  Oñati: IVAP , 1996) .
                                                 
                                                 
                                                  Häberle ,  Hermenêutica ,  op. cit. pág , 55 . 
                                                 
                                                 
                                                  Jürgen Habermas . Between Facts 
                                                    and Norms - Contributions 
                                                    to a Discourse Theory of Law 
                                                    and Democracy ( Cambridge 
                                                    : The Mit Press , 1996) - 
                                                    capítulo 6 , pág. 280 .
                                                 
                                                 
                                                  Habermas .  Entrevista . op. cit. pág . 100
                                                 
                                                 
                                                  Habermas .  Between Facts and Norms .  pág . 285 .
                                                 
                                                 
                                                  Häberle , “El Recurso de Amparo ”, pág . 254, op.cit. Aliás , o artigo 
                                                    escrito por Christine Landfried 
                                                    “Germany” in   The Global Expansion of 
                                                    Judicial power  
                                                    (New York . New York 
                                                    University Press . 1996)  
                                                    examina o perigo da 
                                                    presença da força dos partidos 
                                                    políticos na jurisdição Constitucional 
                                                    alemã . Häberle está , também 
                                                    , atento à injunção dos partidos 
                                                    políticos no Tribunal Constitucional 
                                                    alemão.