DIREITO
ECONÔMICO E CIDADANIA
Cláudia Mª Toledo Silveira
Professora do curso de graduação da Faculdade de
Direito da UFMG
Este
artigo constitui-se em no terceiro
capítulo de monografia
de minha autoria, publicada
pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas
Gerais. Este trabalho, resultado
de 1 (um) ano de pesquisa de
iniciação científica,
financiada pelo CNPq, sob a
orientação do
Prof. Dr. José Luiz Quadros
de Magalhães, teve como
objetivo maior o de se efetivar
um estudo abrangente à
questão cidadania. Para
tanto, buscou-se a demonstração
de uma trajetória deste
conceito no decorrer do tempo
(capítulo transformado
no artigo intitulado Cidadania);
sua análise atual e específica
com a evidenciação
de sua interrelação
com os Direitos Humanos e a
decomposição e
estudo particular de cada um
destes (capítulo transformado
no artigo intitulado A Cidadania
no Brasil pela Constituição
Federal de 1988); a exposição
da conexão entre o Direito
Econômico e a cidadania
(capítulo consubstanciado
no presente artigo); e, principalmente,
a disposição dos
instrumentos jurídicos
viabilizadores da concretização
dos direitos constitucional
e legalmente assegurados (capítulo
transformado no artigo intitulado
Instrumentos de viabilização
do equilíbrio sócio-econômico-constitucional).
DIREITO ECONÔMICO E CIDADANIA
1 - CONCEITO DE DIREITO ECONÔMICO
Alguns autores consideram o
Direito Econômico como
surgido na década de
vinte, quando, após a
Primeira Guerra, as condições
econômicas dos países
e, conseqüentemente, de
sua população
estavam completamente desfavoráveis,
chegando este desequilíbrio
a culminar na famosa crise de
29. Alternativas foram-se criando
para o contorno daquela instabilidade
financeira e recessão
por que se passava. Dentre elas
surgiram as socializações,
a reforma agrária, o
controle de preços e
de câmbios. Todas essas
situações tratavam
de questões econômicas,
não tendo sido cabíveis
em nenhum dos ramos do Direito
vigente à época.
Seu agrupamento, apesar de não
codificado, teria originado
o Direito Econômico.
Sabe-se que essas alternativas
não surgiram sem precedentes.
Situações fáticas
já ocorriam em que eram
aplicadas, não sendo,
no entanto, em sua grande parte,
legisladas. As suas primeiras
formalizações,
de caráter mais amplo
do que um mero acordo inter
partis, foram as Constituições
Sociais do México (1917)
e de Weimar (1919). Esta última
teve uma abrangência maior
por influenciar um continente
mais desenvolvido à época,
que pôde acompanhar sua
evolução em maior
ou menor grau, de acordo com
o país.
Com a inserção,
portanto, de novos direitos
relativos à atividade
econômica, originados
após o surgimento do
neo-liberalismo, percebeu-se
ser necessária a conservação
de determinada flexibilidade
no tocante à esta matéria,
de forma a se permitirem eventuais
adaptações ligadas
às evoluções
e modificações
constantes referentes ao tema.
Destarte, com a constituição
de uma disciplina jurídica
específica, denominada
Direito Econômico, seria
possível a institucionalização
de normas e regras, superando-se
o mero contratualismo. Este
ramo do Direito viria, exatamente,
a ajustar os mutantes quadros
sociais à economia, na
medida julgada oportuna. A autonomia
deste foi imposta pela realidade
social.
De qualquer forma, a preocupação
com o aparecimento de uma nova
divisão didática
do Direito, teria apenas surgido
após a chegada do constitucionalismo
social.
No entanto, no âmbito
brasileiro, somente na Constituição
Federal de 1988 foi o Direito
Econômico nominal e positivamente
incluído, em seu art.
24, o qual declara, em seu inciso
I, competir concorrentemente
à União, Estados
e Distrito Federal legislar
sobre o mesmo.
Assim sendo, a União
é competente para o estabelecimento
de normas gerais (art. 24, §
1º), cabendo aos Estados
a competência suplementar
em tais casos (art. 24, §
2º). Em não havendo
normas gerais sobre determinado
tema, os Estados exercerão
competência legislativa
plena sob suas peculiaridades
(art. 24, § 3º), sendo
a eficácia da lei estadual
suspensa quando da superveniência
de lei federal (art. 24, §
4º).
O Direito Econômico, como
ramo autônomo, tem como
conteúdo específico
de suas normas, as atividades
econômicas ocorrentes
no mercado, sejam elas provenientes
do setor privado ou público.
Naturalmente, por ser o Direito
uma ciência una, os ramos,
convenções estabelecidas
com fins meramente didáticos,
interligam-se. Assim, o Direito
Administrativo, o Direito Constitucional
e tantos outros, tratam de matérias
relativas às atividades
econômicas existentes.
No entanto, apenas o Direito
Econômico as adota com
primazia, considerando a regulamentação
destas de modo a torná-las
uma política econômica
objeto exclusivo seu. Sua finalidade
é, dessa forma, regulamentar
a atividade econômica
do mercado, estabelecendo limites
e parâmetros para empresas
privadas e públicas.
Ele trata de estabelecer uma
política econômica
no sentido de concretização
dos ditames e princípios
constitucionais.
Tome-se como exemplo ilustrativo
a questão da 'compra
e venda'. Tanto é regulada
pelo Direito Civil, quanto pelo
Econômico. Pelo primeiro
no sentido de se estabelecerem
normas regentes da relação
contratual privatística
entre comprador e vendedor.
Pelo último, na medida
em que se dispõem regras
determinadoras da relação
de consumo, tendo em vista a
proteção dos direitos
e interesses dos consumidores.
Por política econômica
se deve entender como a reunião
das prioridades, medidas e metas
econômicas traçadas
e executadas, de forma a se
atingirem os objetivos de determinada
ideologia vigente. É
a superação dos
limites dos interesses privados
ou dos conflitos destes com
os públicos. Constitui-se
o tratamento sistêmico
de todas estas questões,
com uma dimensão global.
Para tanto, carece de ser devidamente
regulamentada, de maneira a
gerar a devida segurança
jurídica não apenas
de seu cumprimento, como de
sua restrição
aos limites preestabelecidos.
Além disso, é
somente através do Direito
Econômico que se aplicam
normas próprias a essas
várias situações
econômicas, muitas vezes
abordadas pelos demais ramos
do Direito. Estas normas encontram-se
em estrita conformidade com
suas regras exclusivas, a partir
de uma regulamentação
jurídica da política
econômica. E esta política
econômica é definida
com base na ideologia existente
na Constituição.
Nota-se que o Direito Econômico
tem como característica
marcante a efemeridade de suas
normas, a flexibilidade das
mesmas. Efemeridade devido ao
fato de que elas são,
necessariamente, adstritas à
ideologia de determinada constituição.
Revogada ou reformada esta,
acrescentando-se palpáveis
modificações em
termos ideológicos, conseqüentemente,
muda-se aquela, para que, novamente,
adeque-se à nova ordem.
Os agentes econômicos,
ou seja, os sujeitos das atividades
econômicas são
os indivíduos particulares,
o Estado, as empresas, os órgãos
nacionais, internacionais e
comunitários, bem como
os titulares de direitos difusos
e coletivos.
Nota-se que a gama de sujeitos
é bastante ampla. Dessa
forma, o Direito Econômico
atua no sentido de conciliar
os interesses econômicos
de todos eles por meio da política
econômica elaborada.
O Direito Econômico busca
harmonizar as medidas de política
econômica públicas
e privadas, através do
princípio da economicidade,
com a ideologia constitucionalmente
adotada.
O princípio da economicidade
é aquele através
do qual se busca a concretização
dos objetivos constitucionalmente
traçados por uma linha
de maior vantagem, isto é,
de forma mais viável
possível para o suprimento
de determinada necessidade,
seja esta de que ordem for,
não apenas patrimonial,
mas também social, política,
cultural, moral.
Muitas vezes, a solução
mais vantajosa para a situação
não se trata daquela
mais lucrativa em termos financeiros,
capitalistas. Tudo dependerá
da finalidade que se busca atingir.
Se se almeja, por exemplo, o
alcance da instalação
telefônica em meios rurais
de difícil acesso, apesar
de ser uma obra extremamente
dispendiosa e de pouco retorno
financeiro, em se concretizando
tal meta, o objetivo social
terá sido realizado,
embora não sejam auferidos
lucros em matéria de
rendas e sim de benefícios
para a população.
Dessa maneira, o sentido do
termo 'economicidade' é
muito mais amplo do que simplesmente
'econômico' , o qual se
liga, intrinsecamente, à
idéia material de lucro,
de finanças.
Simultaneamente, por assumir
como tema a ideologia constitucional
adotada, assunto suscetível
de contínuas modificações,
o emprego deste princípio
vem a corresponder à
necessidade de flexibilidade
das normas de Direito Econômico
face às diversas circunstâncias
com que este se depara, ao longo
da trajetória econômica
de um país. Um mesmo
fato em contextos distintos
pode levar a decisões
inteiramente contrárias,
sem a ocorrência de qualquer
contradição. Trata-se
de simples ajuste ao dispositivo
constitucional adequado para
situações individualizadas,
realizado pelo instrumento harmonizador
da economicidade .
Essa 'maior vantagem' há
de ser adequada aos objetivos
constitucionalmente definidos.
Permite, destarte, a opção
mais justa ou recomendável,
em política econômica,
a ser realizada pelo aplicador
ou intérprete da norma,
quando da realização
concreta de situações
hipoteticamente previstas. O
ideal é que se consiga
conciliar aquilo tomado como
certo economicamente, com o
considerado justo juridicamente.
Em caso de incompatibilidade,
deve prevalecer o justo. Afinal
a 'linha de maior vantagem'
é pautada em temos do
'valor justiça'. Restringe-se
o arbítrio, o poder de
decidir do aplicador, o qual
se deve ater às disposições
constitucionais e princípios
hermenêuticos, preterindo-se
qualquer subjetividade.
No caso da Carta Brasileira
de 1988, em seu artigo 170,
segundo o Prof. WASHINGTON ALBINO,
a 'linha de maior vantagem'
é da seguinte forma definida.
a) Dados ideológicos
fundamentais da ordem econômica:
1. valorização
do trabalho humano;
2. livre iniciativa.
b) Fins a atingir:
1. assegurar a todos existência
digna.
c) Referencial:
1. conforme os ditames da justiça
social.
A ideologia constitucionalmente
adotada é o conjunto
de princípios, fundamentos
e regras dispostos na Constituição
vigente em determinado Estado
em um dado momento de sua história.
Na hipótese de se tratar
de um país onde vigore
o Direito Consuetudinário,
para a identificação
da ideologia adotada, devem-se
analisar e considerar os 'princípios
gerais aceitos' naquele contexto.
No caso brasileiro atual, a
ideologia que se adotou com
a Constituição
Federal de 1988 foi a neo-liberal,
isto é, conciliaram-se
ditames puramente liberais com
outros socializantes. Se se
considerar a Constituição
Federal de 1891, notar-se-á,
claramente, a ideologia estritamente
liberal da mesma.
Não é necessária,
portanto, para a constituição
de uma ideologia constitucional,
a pureza dos modelos e princípios
ideológicos. Tanto modelos
ideológicos puros, quanto
mistos, podem ser absorvidos,
de modo completo ou parcial,
pela Constituição.
É através da identificação
da ideologia acolhida pela Lei
Maior que se conseguirá
ter a noção da
unidade da ordem jurídica,
de forma a se perceber que esta
não se trata, apenas,
de uma somatória de normas,
mas sim de um conjunto uno,
coeso e coerente.
Na presente Constituição,
os elementos componentes da
atual ideologia encontram-se,
em sua maior parte, reunidos
em seu Título VIII, da
Ordem Econômica e Financeira,
embora haja disposições
esparsas em outras partes do
texto constitucional. O conjunto
de temas econômicos, estejam
ou não concentrados em
determinado capítulo
ou título do texto constitucional,
recebe o nome de Constituição
Econômica.
Enfim, pode-se concluir que
o Direito Econômico é
o ramo do Direito que tem por
objeto a regulamentação
da política econômica
e por sujeito o agente que dela
participe. Como tal, é
um conjunto de normas de conteúdo
econômico que assegura
a defesa e harmonia dos interesses
individuais e coletivos, de
acordo com a ideologia adotada
na ordem jurídica. Para
tanto, utiliza-se do "princípio
da economicidade".
2 -
DIREITO ECONÔMICO COMO
MECANISMO DE IMPLEMENTAÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS
Analisando-se a função
do Direito Econômico explicitada
acima, encontra-se, nitidamente,
sua interrelação
com os Direitos Humanos.
Sabe-se que o objeto do Direito
Econômico é a regulamentação
das medidas de política
econômica. Ao mesmo tempo,
notória é a adoção,
pela atual Constituição
brasileira, da garantia do exercício
dos direitos sociais e individuais
como valores supremos; da cidadania
e da dignidade da pessoa humana
como fundamentos; da construção
de uma sociedade livre, justa
e solidária, bem como
da erradicação
da pobreza e redução
das desigualdades sociais e
regionais como objetivos fundamentais
e, finalmente, da prevalência
dos Direitos Humanos como princípio.
Dessa maneira, o Direito Econômico
funciona como instrumento para
que tais metas sejam alcançadas
e cumpridas, visto que, é
somente através dele,
com suas normas, regras, institutos
e características próprios
que se pode fazer uma regulamentação
jurídica da política
econômica a ser adotada
para que se concretize a ideologia
assumida pela Constituição.
Assim, o Direito Econômico
fornece o arcabouço jurídico
para que se limitem as atividades
econômicas presentes no
mercado, sejam elas do setor
público ou privado, de
forma a se adequarem aos valores,
fundamentos, objetivos e princípios
constitucionais.
No caso de nossa Constituição
de 1988, portanto, a .política
econômica em que se deve
pautar é a de se conferir
prioridade aos Direitos Humanos,
de se reduzirem as desigualdades
sociais, de se implementar ou,
em vários casos, construir
a cidadania, dentre outros dispostos
no preâmbulo e nos arts.
1º a 4º .
Infere-se que, qualquer medida
econômica adotada pelo
governo, suas empresas ou pelo
empresariado em geral, que atente
contra tal ideologia, além
de contrária ao Direito
Econômico, é inconstitucional,
devendo ser, dessa forma invalidada
e os prejudicados, ressarcidos.
Percebe-se, aqui, a importância
do princípio da economicidade,
pelo uso do qual, no presente
texto constitucional, depreende-se
que o valor constante em suas
disposições é
o ser humano, tornando-se, então,
este o objetivo de qualquer
medida de política econômica.
Atua-se no sentido da 'maior
vantagem social', a despeito
do lucro exclusivamente material.
Desse modo, patente fica a seguinte
ordem de pensamento. O Direito
Econômico funciona como
mecanismo, como meio através
do qual se torna possível
a concretização
dos Direitos Sociais. Somente
a partir da existência
destes, conforme estudado, é
que se pode chegar à
efetivação dos
Direitos Individuais.
Afirma-se constituir o Direito
Econômico um instrumento
para a fruição
e exercício dos Direitos
Sociais porque, por exemplo,
é somente através
da regulamentação
de medidas de política
econômica que se pode,
por exemplo, coibir a concentração
de empresas, monopólio
do mercado e outras formas de
abuso do poder econômico,
fatos que geram uma suscetibilidade
muito grande do consumidor em
relação aos interesses
privados e conseqüente
aumento de preços. Essas
situações são
contrárias ao direito
social de manutenção
do poder real de compra do salário
ou 'salário justo', pois
este fica, progressivamente,
desvalorizado.
Analogamente, somente por meio
de uma política econômica
que vise à garantia de
oportunidades de emprego através
de um planejamento, com o fornecimento
de estímulos ao setor
privado é que se poderá
assegurar o direito social do
pleno emprego e de uma distribuição
de rendas.
Desse modo, pode-se fazer a
relação entre
a política econômica
regulamentada, através
do princípio da economicidade,
e os vários Direitos
Sociais da saúde, educação,
trabalho, lazer, transporte,
segurança.
Assim, sem a elaboração
dessa política, desse
planejamento econômico,
inviável se faz a concretização
dos Direitos Sociais. E, finalmente,
estes, ao se apresentarem como
meio de materialização
dos Direitos Individuais, são
imprescindíveis para
a fruição e exercício
do direito à vida, à
liberdade, à propriedade,
dentre tantos outros.
Cada vez mais clara se torna
a conexão entre Direitos
Individuais, Sociais e Econômicos.
Evidencia-se o fato de que os
Direitos Humanos formam um corpo
uno, de forma que, se lhe falta
algum de seus componentes, como
os Direitos Sociais, por exemplo,
aqueles não se completam,
não conseguindo, o indivíduo
desfrutar de uma vida digna.
E, sem as normas, regras e institutos
do Direito Econômico,
não se consegue estabelecer
uma política econômica
que equilibre as divergências
ideológicas constitucionais
de forma a torná-las,
todas, um conjunto único,
possuidor de apenas uma ideologia
global.
O Direito Econômico, portanto,
por meio de suas leis de caráter
mais genérico - fato
que permite sua constante atualização
à realidade econômica,
altamente mutável - ,
de seus institutos, de suas
regras, vem a desempenhar o
papel de um dos meios de concretização
e implementação
dos Direitos Humanos.
Dentre seus institutos e regras,
destacam-se os que se verão
a seguir. Percebe-se que deles
se podem valer aqueles que se
sentirem lesados em seus direitos
assegurados, uma vez que vêm
a complementar o ordenamento
juridico positivo, funcionando
como mais um instrumento a sua
disposição, no
qual se podem pautar para a
construção de
sua cidadania.
2 . 1 - INSTITUTOS DE DIREITO
ECONÔMICO
Instituto é um "conjunto
de normas reguladoras ou disciplinadoras
de construções
culturais de natureza jurídica".
Trata-se da reunião de
diversas normas que lidem, abordem,
disponham sobre fatos concretos,
reais, empíricos, interrelacionados
entre si e que possuam alguma
relevância jurídica.
Através deste agrupamento
de normas, cria-se uma sistematização
das mesmas, de forma a facilitar
sua compreensão como
características de determinado
ramo do Direito.
Assim como as regras de Direito
Econômico, os institutos
funcionam como importante mecanismo
no qual o intérprete
da lei pode-se pautar para a
complementação
e enriquecimento do conhecimento,
de forma a se obter uma hermenêutica
fundamentada.
Configuram-se disposições
de que se podem e devem valer
tanto o legislador, quanto o
aplicador das normas. Mesmo
que não positivamente
expressos na legislação,
caso em que esta se tornaria
de inviável manuseio
devido à grande extensão,
compõem o sistema do
ordenamento jurídico.
Destarte as regras e institutos
deste ramo do Direito acabam,
também, por se apresentarem
como meios de concretização
e viabilização
dos Direitos Fundamentais, visto
que, como já demonstrado,
estes apresentam nítida
interrelação e
interdependência como
o Direito Econômico.
Na medida em que tais recursos
atuam como asseguradores do
cumprimento de medidas de política
econômica em conformidade
com a ideologia adotada, e esta
tem como fundamentos o 'desenvolvimento'
e a 'justiça social',
conseqüentemente, agem
no sentido de materialização
dos Direitos Humanos.
Particularmente, no Direito
Econômico, existem os
seguintes institutos.
2 . 1 . 1 - INTERVENÇÃO
Quando se refere a 'intervenção'
, remete-se àquela realizada
pelo Estado no domínio
econômico. Esta se pode
dar de duas maneiras, conforme
o Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS
DE MAGALHÃES:
. através da elaboração
de normas pelo Estado para o
disciplinamento da economia,
realizando-se, assim, o planejamento
desta;
. através da prática
concreta de atos econômicos
pelo Estado, seja de forma direta,
seja indiretamente, por meio
de empresas criadas para tanto,
como 'empresas públicas',
'sociedades de economia mista'.
A partir da lª Guerra Mundial,
como visto, surge a preocupação
maior com os problemas sociais
existentes, agravados por mais
de um século de liberalismo
puro incisivo. Desta maneira,
o Estado passa a direcionar
seus objetivos não apenas
no sentido estritamente liberal
de lucro material do particular,
mas também na realização
de metas sociais, haja vista
se ter passado de um Estado
Liberal para um Estado Social.
Nota-se, portanto, que a intervenção
não é incompatível
com o princípio 'liberal'
da abstenção do
Estado em termos de ação
econômica direta. Proibida
no Liberalismo Puro, vem a ser,
posteriormente, admitida no
Neo-Liberalismo, o qual, embora
modificado, conserva a grande
parte da ideologia anterior.
A compatibilidade se realiza
devido ao caráter de
excepcionalidade da intervenção
estatal no domínio econômico.
Comprova-se tal fato com a simples
análise do caput do art.
173 da CF/88, no qual se lê
que, ressalvados os casos previstos
naquela Carta, a exploração
da atividade econômica
pelo Estado só será
permitida quando necessária
aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse
coletivo.
A natureza desta ação
do Estado é, assim, política.
Efetiva-se, justamente, por
meio da Política Econômica,
a qual institui providências
de longo prazo - reformas estruturais
- ou de médio e curto
prazos - medidas conjunturais.
O Estado atua no domínio
econômico através
de seus próprios Poderes,
com a elaboração
(Legislativo), execução
(Executivo) e aplicação
(Judiciário) de disposições
legais a este tema referentes.
Também se pode valer
de organismos criados para a
prática de atividade
econômica ao lado dos
particulares e nas mesmas condições
destes, como as Sociedades de
Economia Mista e as Empresas
Públicas.
Essa forma de intervenção
não é recente
na realidade brasileira, datando
a criação destas
duas últimas figuras
da Revolução de
30. Fundaram-se Institutos,
como o do Café, do Mate,
do Pinho, do Cacau, do Açúcar,
do Álcool, dentre outros,
cuja função era
a orientação das
respectivas políticas
econômicas praticadas.
Além da adoção
de Comissões, como as
de Preços, com o poder
de os tabelar e fiscalizar,
de Defesa de Capitais Nacionais,
de Política Agrária,
de Planejamento e outras.
A política estatal intervencionista
somente veio a compor a legislação
constitucional brasileira com
o texto de 1934, na qual se
inseriu o título "Da
Ordem Econômica e Social",
haja vista que aquelas de 1824
e 1891 se adequavam à
ideologia liberal pura do século
XIX.
Foi então que se estabeleceram
monopólios de determinadas
atividades econômicas
por 'motivo de interesse público';
retiraram-se bens do domínio
de ação da propriedade
privada, como as jazidas; além
de se determinarem a promoção
ou fomento da economia popular.
A partir desta Carta Magna,
todas as seguintes abordaram
esta questão.
O atual texto constitucional
dispõe, inclusive, sobre
a maneira pela qual o Estado
atuará como agente normativo
e regulamentador da atividade
econômica, exercendo funções
de fiscalização,
incentivo e planejamento, sendo
este determinante para o setor
público e indicativo
para o setor privado (art. 174).
Importante se ressaltar que
a intervenção
não se efetiva apenas
no sentido de controlar ou impedir
medidas concentracionistas,
mas também na direção
contrária, isto é,
de a estimular, por meio de
incentivos fiscais e creditícios,
bem como permissões legais
para tais práticas.
A Lei 8884/94, por exemplo,
é uma daquelas que expõem
regras autorizadoras de atos
de concentração
do poder econômico. Este
dispositivo legal será
futuramente analisado neste
trabalho, com nova alusão
feita a este ponto.
Analogamente, a Lei das Sociedades
por Ações (Lei
6404, de 15.12.66) estimula
o desenvolvimento do 'mercado
de capitais'.
2 . 1 . 2 - REPARTIÇAO
Este instituto se funda, basicamente,
no direito de propriedade, cujo
conceito, já estudado,
é muito diverso em se
tratando de um Estado Liberal
ou um Estado Social.
Buscam os Direitos Humanos,
no Estado Social, harmonizar
as instituições
'propriedade privada, intocável,
cuja destinação
compete exclusivamente ao proprietário
escolher' e 'função
social da propriedade, desapropriação
de terras improdutivas, redistribuição
de riquezas'.
Neste ponto entra o Direito
Econômico, visto que,
para que esta compatibilização
de ideologias se materialize,
necessárias se fazem
políticas econômicas,
agrícolas, fundiárias
para tal voltadas.
Dessa maneira, através
do Instituto da Repartição,
políticas econômicas
são traçadas de
forma a se atribuir a cada componente
da sociedade uma parte da riqueza
criada. Passa-se, portanto,
por questões como a renda
(ganho sem trabalho), salário
(cuja manutenção
do poder de compra é
Direito Social constitucionalmente
assegurado), lucro, juros.
A Carta de 1988 dispõe
sobre o tema 'repartição'
ou 'distribuição'
de forma esparsa, não
se distinguindo, neste ponto,
de suas anteriores.
O sentido central deste instituto
está expresso no caput
do art. 170, no qual se assume
a asseguração
a todos de existência
digna, conforme os ditames da
justiça social, como
a finalidade da Ordem Econômica
Constitucional. Nota-se, destarte,
o caráter distributivo
prioritário ao comutativo.
As maneiras de realização
da 'justiça distributiva'
identificam-se com os próprios
fundamentos constitucionais:
. a erradicação
da pobreza e da marginalização,
bem como a redução
das desigualdades sociais e
regionais (art. 3º, III
e art. 170, VII);
. valorização
do trabalho (art. 170, caput);
. função social
da propriedade (art. 5º,
XXII e XXIII; art. 170, II e
III; art. 182, § 2º;
art. 186);
. defesa do consumidor (art.
5º, XXXII; art. 170, IV
e V) e a repressão do
abuso do poder econômico
(art. 173, § 4º);
. busca do pleno emprego, isto
é, da oportunidade de
'ganho' - salário, renda,
juros ou lucro - assegurada
a todos os membros da sociedade
(art. 170, VII), do qual a garantia
do seguro-desemprego, em caso
de desemprego involuntário,
também é integrante
(art. 7º, II).
Os instrumentos de política
econômica componentes
deste instituto encontram-se
dispostos não apenas
no texto constitucional, mas
também em diplomas emanados
de órgãos como
os Conselhos, em Decretos da
administração
direta ou na própria
regulamentação
da legislação.
2 . 1 . 3 - PLANEJAMENTO
O Planejamento é instituto
que se modifica completamente
de acordo com o regime político
a que se aplica.
Envolve todo o processo desde
a elaboração da
'peça técnica'
até a sua transformação
em Lei do Plano.
Por ele, o Estado estabelece
suas metas e os meios para as
atingir. Destarte dispõe
sobre a forma adequada de suplementação
da iniciativa privada, bem como
a maneira de comando encontrada
para a vida econômica
do país. Isto é,
compõe-se de planos indicativos
e imperativos.
Envolve atos de natureza política,
econômica, administrativa
e jurídica, podendo constituir-se
de planos de longo, médio
ou curto prazo; globais ou setoriais.
A Constituição
de 1988 trata do tema em vários
de seus dispositivos, determinando
que:
. a competência de elaboração
e execução de
planos nacionais e regionais
de ordenação do
território e de desenvolvimento
econômico e social cabe
à União (art.
21, IX);
. a instituição
de regiões metropolitanas
e aglomerações
urbanas poderá ser efetuada
pelos Estados, mediante lei
complementar (art. 25, §
3º);
. a promoção de
ordenamento territorial adequado,
mediante planejamento e ocupação
do solo urbano compete ao município
(art. 30);
. a execução dos
planos regionais, integrantes
dos planos nacionais de desenvolvimento
econômico e social, caberá
a organismos regionais, sobre
cuja composição
disporá lei complementar
(art. 43, § 1º);
. a disposição
sobre o plano plurianual, planos
e programas nacionais, regionais
e setoriais de desenvolvimento,
bem como a apreciação
de relatórios sobre a
execução dos planos
do governo competem ao Congresso
Nacional (art. 48 e 49, IX);
. a apreciação
de programas de obras, planos
nacionais, regionais e setoriais
de desenvolvimento, assim como
a emissão de parecer
sobre eles compete às
comissões do Congresso
Nacional e sua Casa (art. 5º,
§ 2º, VI);
. o controle do cumprimento
das metas previstas no plano
plurianual e a execução
dos programas de governo e dos
orçamentos da União
cabe aos três Poderes
do Estado, integradamente (art.
74, I);
. a remessa de mensagem e plano
de governo, o envio do Plano
Plurianual e Projeto de Lei
de Diretrizes Orçamentárias,
bem como a entrega de propostas
de orçamento ao Congresso
Nacional compete privativamente
ao Presidente da República
(art. 84, XI e XXIII);
. o estabelecimento do plano
plurianual e a previsão
de despesas decorrentes dos
programas nacionais, regionais
e setoriais deverão se
encontrar dispostos nas leis
de iniciativa do Poder Executivo
(art. 165, I, § 1º);
. a apreciação
dos projetos de lei relativos
ao plano plurianual, diretrizes
orçamentárias,
orçamento anual, créditos
adicionais compete às
Casas do Congresso Nacional
(art. 166, caput);
. é vedada a execução
de programas e projetos não
incluídos na lei orçamentária,
bem como a transferência
de recursos de uma categoria
de programação
para outra ou de órgão
para outro, sem prévia
autorização (art.
167, I e VI);
. a fiscalização,
o incentivo e o planejamento
da atividade econômica
são funções
do Estado (art. 174, caput);
. a aprovação
de plano diretor pela Câmara
Municipal para cidade com mais
de 20000 habitantes é
obrigatória(art. 182,
§ 1º);
. a política agrícola
será planejada e executada
na forma da lei, com a participação
dos setores de produção
e comercialização
(art. 187);
. a destinação
de terras públicas e
devolutas será compatibilizada
com a política agrícola
e com o plano nacional de reforma
agrária (art. 188).
2 . 1 . 4 - PRODUÇÃO
Este instituto aborda a questão
do ato de produzir e do fato
produção. Ambos
têm natureza econômica.
Ao se lhe introduzir o elemento
social, passam a assumir feições
de política econômica.
Finalmente, quando se revestem
por uma norma, transformam-se
em 'ato' e 'fato' jurídicos
de Direito Econômico.
O fato produção
pode ser decomposto nos seguintes
'fatores', os quais constituem
o 'processo produtivo', levando
ao 'produto', seguindo o Prof.
WASHINGTON ALBINO:
. recursos naturais ou matérias-primas;
. trabalho;
. capital;
. organização.
A relação de produção
é montada em concordância
com a ideologia adotada. De
acordo com os fundamentos e
princípios desta, estabelecem-se
os objetivos e resultados almejados
por aquela.
A 'linha de maior vantagem',
ou seja, a melhor medida econômica
da produção no
sentido de obtenção
da mais elevada produtividade
é extraída da
ideologia constitucional. As
decisões, quanto à
relação 'custo-benefício',
com esta base serão tomadas.
A política econômica
da produção encontra
na 'lei do plano econômico
geral' suas diretrizes mais
amplas. Na falta desta, a legislação
ordinária vai regulamentá-la.
De uma forma ou de outra, buscam-se
estabelecer prioridades e linhas
de conduta para a composição
da estratégia mais conveniente
para a obtenção
dos resultados traçados.
Desta maneira, discriminam-se,
especificam-se ou criam-se a
matéria-prima; a política
salarial; subsídios;
financiamentos; pólos
ou regiões alvo; infra-estrutura
a nível de energia, transporte,
comunicações;
além, claro, de legislação
especializada, sistemática
e orgânica.
A Constituição
de 1988 trata deste tema na
medida em que dispõe,
em vários de seus artigos,
sobre o 'direito de propriedade',
suas limitações
ou ampliações
maiores ou menores, seu uso
particular ou público,
sua função social.
A competência para legislar
sobre a produção,
enquanto matéria do Direito
Econômico, é concorrente
entre União, Estados
e Distrito Federal (art. 23,
I).
Em caso de inexistência
de lei federal sobre normas
gerais, os Estados exercerão
competência plena para
atender às suas peculiaridades.
Trata-se da competência
suplementar dos Estados (art.
23, § 3º).
Aos municípios resta
a competência para legislar
sobre assunto de interesse local
e para suplementar a legislação
federal e estadual no que couber
(art. 30, I e II).
Entretanto há matérias
sobre as quais a União
exerce competência exclusiva,
sendo completamente interligadas
ao Instituto da Produção
e se encontram dispostas no
art. 21:
. a elaboração
e execução de
planos nacionais e regionais
de ordenamento do território
e desenvolvimento nacional (inc.
IX);
. o planejamento e a promoção
de defesa permanente contra
as calamidades públicas
(inc. XVIII);
. a instituição
de sistema nacional de gerenciamento
de recursos hídricos
(inc. XIX).
Sobre a legislação
de outros elementos componentes
deste instituto, a União
exerce competência privativa,
tais como:
. águas e energia (art.
22, IV);
. jazidas, minas e outros recursos
minerais (art. 22, XII);
. emigração e
imigração (art.
22, XV);
. organização
do sistema nacional de emprego
e condições para
o exercício das profissões
(art. 22, XVI);
. exploração de
serviços e instalações
nucleares com o monopólio
sobre todo o processo produtivo,
desde a lavra até a comercialização
de minérios nucleares
e derivados (art. 22, XXVI),
dentre outros.
A competência é
comum da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios,
nos seguintes temas, integrantes
deste instituto e expressos
no art. 23:
. a preservação
da floresta, fauna e flora (inc.
VII);
. o fomento da produção
agropecuária e a organização
do abastecimento alimentar (inc.
VIII).
2 . 1 . 5 - CIRCULAÇÃO
Compõem este instituto,
segundo o Prof. WASHINGTON ALBINO,
os elementos:
. mercado, tomado como local
de circulação;
. procura e oferta de bens e
serviços;
. moeda;
. crédito;
. preços.
A atual Carta Constitucional
aborda este assunto em vários
de seus artigos, evidenciando
o caráter de grande importância
deste instituto para a concretização
da ideologia adotada.
As idéias do 'direito
de propriedade' (art. 5º,
caput) e da 'liberdade de iniciativa'
(art. 170, I) se apresentam
estreitamente ligadas ao conteúdo
do instituto ora enfocado.
Todo o Capítulo IV, referente
ao Sistema Financeiro Nacional,
constante do Título VII
"Da Ordem Econômica
e Financeira", apresenta-se
relacionado com a questão
da circulação
de mercadorias, na medida em
que anuncia ficar o mesmo estruturado
com vistas a promover o desenvolvimento
equilibrado do país e
a servir ao interesse da comunidade
(art. 192, caput). Para tanto,
em seus incisos, determina que:
. a participação
do capital estrangeiro nas instituições
bancárias, estabelecimentos
de seguro, previdência
e capitalização
deverá ater-se aos interesses
nacionais e acordos internacionais
(III);
. fundos ou seguros criados
com o objetivo de proteger a
economia popular terão
crédito, aplicações
e depósitos garantidos
até determinado valor
(VI);
. a transferência de poupança
de regiões mais pobres
para outras mais desenvolvidas
será restringida (VII);
. as instituições
bancárias oficiais estão
igualadas às privada,
com pleno acesso a todos os
instrumentos do mercado financeiro,
além de se estimular
o funcionamento de cooperativas
de crédito (VIII).
A União possui competência
exclusiva para, seguindo os
incisos do art. 21:
. emitir moeda (VII);
. administrar as reservas cambiais
do País e fiscalizar
as operações de
natureza financeira (VIII).
A ela compete privativamente,
conforme os incisos do art.
22, legislar sobre:
. o sistema monetário
e de medidas, títulos
e garantias de metais (VI);
. a política de crédito,
câmbio, seguros e transferência
de valores (VII);
. o comércio exterior
e interestadual (VIII);
. os sistemas de consórcios
e sorteios (XX);
. a propaganda comercial (XXIX).
Além do texto constitucional,
outros dispositivos legais cuidam
da questão 'circulação',
tais como o Decreto 95863, de
22.03.88, pelo qual se criou
o Conselho de Desenvolvimento
Comercial, encarregado de formular,
coordenar e acompanhar a execução
da política interna de
promoção comercial
e industrial, bem como de definir
diretrizes, prioridades, programas
e instrumentos nesse sentido.
A antiga Lei 8158, de 08.01.91,
revogada pela atual Lei 8884,
de 11.06.94, já instituía
normas para a defesa da concorrência.
Esta foi tratada pela recente
lei pelo prisma de infrações.
Também os Planos Nacionais
de Desenvolvimento I, II, III
(PND), ao estabelecerem um planejamento
econômico para o país,
abordaram o tema 'circulação'
na medida em que dispuseram
sobre as diretrizes das políticas
monetária, fiscal, orçamentária,
salarial, de controle de preços,
de balança de pagamentos,
bem como do mercado de capitais.
2 . 1 . 6 - CONSUMO
A importância assumida
pelo 'consumidor' na sociedade
cresceu na medida em que a 'economia
de mercado' se implementou,
ao longo dos tempos. Quanto
mais amplo o campo de incidência
desta economia e quanto maior
o número de participantes
da mesma, seja como fornecedores
ou consumidores, maior a quantidade
de bens e serviços oferecidos
e requeridos. Conseqüentemente,
maior número de relações
jurídicas efetivadas.
Portanto, se primeiramente apenas
as regras do Direito Privado
supriam as necessidades de regulamentação
da relação de
consumo, atualmente, seu grande
leque de atuação
requer mais dispositivos regentes
a respeito.
Com a Revolução
Tecnológica ocorrida
pós Segunda Guerra, nos
anos 60 e 70, geradora dos valores
de necessidade de melhor qualidade
de vida, de garantia de emprego
e ganho suficiente às
suas necessidades, de maior
participação na
distribuição da
renda, de presença e
participação decisional
em igualdade de condições
com as demais categorias na
política de consumo traçadas
pelos órgãos políticos
e administrativos, o consumidor
despontou com grau de importância
e respeito jamais vistos.
Esta é uma tendência
notada mundialmente nos diversos
países. O que varia é,
apenas, o grau de participação
ou proteção oferecido
ao consumidor. Este é
encarado como a parte economicamente
mais fraca da relação
jurídica, por isso devendo
ter seus interesses e direitos
garantidos em lei, merecendo
amparo do Poder Público,
fato impossível de se
implementar com o auxílio
apenas do Direito Privado.
Até mesmo organismos
internacionais como a Organização
das Nações Unidas
ou a Comunidade Econômica
Européia estabeleceram
resoluções e recomendações
neste sentido, tendo servido
como fonte de inspiração
para a elaboração
das legislações
nacionais dos países
membros.
Considera-se consumidor, no
Brasil, apenas aquele que se
encontra na posição
final da cadeia de consumo.
É o que se depreende
do art. 2º da Lei 8078,
de 11.02.90, o Código
de Defesa do Consumidor, no
qual se lê que "consumidor
é toda pessoa física
ou jurídica que adquire
ou utiliza produto ou serviço
como destinatário final".
Desta forma, o comprador de
um bem para o qual não
destine o 'uso final' não
é tido como consumidor.
Exemplo claro são as
pessoas físicas ou jurídicas
que funcionam como 'revendedoras'
de produtos. Elas os compram
não para o consumo próprio
ou satisfação
de suas necessidades, mas para
uma futura venda.
Tanto os consumidores ao constituírem
associações ou
realizarem boicotes à
compra de determinado produto,
quanto o Estado, por meio do
Instituto de Defesa do Consumidor,
dos Programas de Proteção
ao Consumidor - PROCONs -, de
órgãos como o
Conselho Nacional de Metrologia,
Normalização e
Qualidade Industrial (Dec. 74209/74),
atuam no sentido de guarida
dos direitos e interesses dos
consumidores.
A política econômica
do consumo é estabelecida
pelas medidas postas em prática,
como a política tutelar;
planos econômicos; leis
referentes ao abuso do poder
econômico; medidas de
incentivo fiscal, crédito.
Também o indivíduo
participa nesta política
econômica quando realiza
boicotes, como visto.
Apesar de as Constituições
Brasileiras anteriores disporem
sobre o salário e as
demais formas de 'ganho', idéias
inerentes à possibilidade
de 'consumo', não abordavam
mais profundamente este instituto.
Tal direção somente
veio a ser dada na atual Lei
Maior, com a exposição
da matéria em vários
artigos, os quais estabelecem:
. a defesa do consumidor como
princípio geral da atividade
econômica (art. 170, V);
. a proteção ao
consumidor como direito fundamental
da pessoa (art. 5º, XXXII);
. a elaboração
de um Código de Defesa
do Consumidor (art. 48 das Disposições
Transitórias);
. a possibilidade de impetração
de mandado de segurança
coletivo, instrumento jurídico
passível de ser utilizado
para a defesa e preservação
dos interesses e direitos dos
consumidores (art. 5º,
LXX);
. a possibilidade de impetração
de ação civil
pública pelo Ministério
Público para a proteção
dos direitos dos consumidores
- direitos difusos (art. 129,
III).
2 . 2 - REGRAS DE DIREITO ECONÔMICO
A 'Ordem Jurídica' é
composta por normas jurídicas.
Essas podem ou não estar
positivadas. Caso estejam, o
ordenamento positivo absorveu
determinadas regras. Nem todas
elas são incorporadas
na legislação,
permanecendo, então,
como regras de direito, não
menos válidas, porém.
São úteis para
a efetivação de
um ajustamento da lei positiva
à realidade, no caso
da jurisprudência; para
a modificação,
revogação ou elaboração
de novas leis, em relação
ao legislador; para o estabelecimento
de uma doutrina, no tocante
ao cientista do Direito. Funcionam
assim como uma base, como um
recurso adicional de que podem
e devem se valer os profissionais
do Direito.
As regras do Direito Econômico,
em particular, inspiram-se na
ideologia constitucionalmente
adotada e exprimem-se por meio
das medidas de política
econômica traçada.
Nas hipóteses em que
a legislação vigente
não tiver captado os
elementos completos desta ideologia,
há que se utilizarem
as 'regras de direito' que ainda
não foram positivadas
em lei.
Funcionam, destarte, como fonte
de auxílio subsidiária
para a concretização
dos direitos adquiridos constitucionalmente,
dentre eles, os Direitos Fundamentais,
haja vista serem a cidadania
e a dignidade da pessoa humana
fundamentos da atual Carta Constitucional,
a construção de
uma sociedade justa é
objetivo fundamental, devendo-se
pautar no referencial da realização
da Justiça Social.
2 . 2 . 1 - EQUILÍBRIO
Não se refere aqui ao
equilíbrio no sentido
estritamente materialístico
do termo, mas no balanceamento
dos diversos interesses sociais
de forma a se efetivar a política
econômica em conformidade
com a ideologia constitucionalmente
adotada.
Através desta regra,
busca-se, portanto, o alcance
de um 'ponto de equilíbrio'
entre os interesses individuais
e sociais confrontantes, valendo-se
dos fundamentos econômicos
da ideologia adotada.
2 . 2 . 2 - EQUIVALÊNCIA
É utilizada como forma
de se ajustarem as obrigações
contraídas pelos sujeitos
das atividades econômicas
no mercado. Aplica-se na adequação
dos 'valores' daquelas na data
do seu cumprimento, tomando-se
como base os parâmetros
estabelecidos quando da realização
do negócio. Por 'valores',
mais uma vez, não se
deve tomar o conteúdo
meramente material, de renda
ou lucro financeiro, mas qualquer
referencial que não exclusivamente
o preço, embora seja
este, na maioria dos casos,
a questão central.
" Quando as medidas de
política econômica
postas em prática por
autoridade superior influem
nos valores de bens e serviços
em proporções
superiores às que representem
as oscilações
normais da conjuntura econômica,
o pagamento da obrigação
cominada deve satisfazer, na
data de sua efetivação,
ao 'valor' correspondente ao
que representava no momento
em que se ajustou o compromisso".
2 . 2 . 3 - RECOMPENSA
É regra inerente a qualquer
relação econômica.
Trata-se do próprio sentido
da comutatividade das obrigações
nas relações jurídicas.
A toda ação econômica
há de corresponder um
proveito que coincida com os
dispêndios efetuados pelo
seu sujeito e, simultaneamente,
com o interesse geral dela decorrente.
Isto é, para a prestação
de qualquer obrigação,
necessariamente, haverá
retorno correspondente. É
imprescindível que ocorra
uma compensação
à altura da ação
efetuada. No entanto não
deve ser compensatória
a contra-prestação
apenas ao particular, mas a
toda a coletividade. Em caso
de oposição de
interesses entre estes, prevalece
a situação mais
benéfica à coletividade.
2 . 2 . 4 - LIBERDADE DE AÇÃO
Esta regra coaduna perfeitamente
com o princípio liberal
da 'livre-iniciativa'. Por ele
o indivíduo pode atuar
livremente no comércio,
sem obstáculos governamentais
para tanto. Sabe-se que, com
o neo-liberalismo, algumas restrições
à esta liberdade foram
impostas como a de condicioná-la
aos imperativos da justiça
social, ao bem comum, ao interesse
coletivo, além, claro,
da segurança nacional.
Entretanto situações
ocorrem em que o governo altera
de tal forma a política
econômica adotada que,
indiretamente, sua atuação
acaba por influir negativamente
nas atividades econômicas
do mercado. Acaba-se por desestabilizar
relação previamente
equilibrada e, conseqüentemente,
compromissos já assumidos.
Estes passam a se mostrar de
cumprimento ou execução
inviáveis, devido, justamente,
a uma desestabilização
ou desestruturação
econômica causada por
motivos alheios à vontade
ou competência das partes
contratantes.
A responsabilidade por tal desajuste,
portanto, não é
do particular, mas do governo,
haja vista ter sido cerceada
a autonomia de vontade daquele
pela imposição
de condições por
este, o qual deve arcar com
as conseqüências
de sua política econômica.
Deduz-se que "uma vez assegurada
a liberdade de ação
econômica ao sujeito,
pela ideologia adotada, o mesmo
não pode ser responsabilizado
pelas conseqüências
decorrentes de atos de autoridade
superior que venham modificar
a orientação dada
à política econômica
vigente no momento da prática
daqueles atos".
2 . 2 . 5 - PRIMAZIA DA REALIDADE
SOCIAL
Trata-se da consideração
à força jurígena
do fato, isto é, a regulamentação
das atividades econômicas,
seus atos e fatos, de forma
a ajustá-los à
ideologia adotada, deve-se realizar
com total respeito e adequação
ao contexto econômico
e social fático, para
que se evitem eventuais distorções
entre a à realidade formal
e a material. Basta a constante
defasagem já existente
entre o ordenamento legal e
a realidade empírica
da sociedade. É o caso,
por exemplo, de se tabelarem
produtos com preço inferior
ao real, em um momento de promoção
extraordinária. Não
se estará obedecendo
ao preço justo ou devido
do bem, criando-se uma situação
artificial. Medida esta fadada
ao fracasso, justamente, por
não se encontrar pautada
na realidade social.
2 . 2 . 6 - INTERESSE SOCIAL
Por esta regra, o Direito Econômico
busca harmonizar os interesses
individuais e coletivos, os
privados e públicos,
de forma a se conseguir implementar
a política econômica
planejada em conformidade com
a ideologia adotada.
Em adequação à
atual Constituição
brasileira, esta política
econômica há de
ter como objetivos a realização
da justiça social e a
materialização
de um desenvolvimento econômico.
Deve-se ter sempre em mente
que o interesse social, coletivo,
público é superior
ao particular, individual, privado.
Como dito anteriormente, em
caso de incompatibilidade ou
controvérsias, seguramente,
a prevalência é
do primeiro. E nesse sentido
se deve pautar o Direito Econômico,
na prioridade ao interesse social.
2 . 2 . 7 - INDEXAÇÃO
Traduz-se na obrigação
governamental de reajustar os
preços dos produtos comercializáveis
e das formas de ganho, na medida
em que, conseqüentemente
à política econômica
adotada, houver desestabilização
da economia capaz de gerar a
desvalorização
da moeda, ou seja, a queda do
seu poder aquisitivo.
É a forma de que dispõe
o particular de se ver menos
lesado por um processo inflacionário
defasador do seu poder de compra.
2 . 2 . 8 - UTILIDADE PÚBLICA
É utilizada, primordialmente,
nos contratos de concessão
de serviços públicos
a empresas particulares.
Por ela, deve prevalecer a utilidade
ou interesse público,
na medida em que o serviço
oferecido deve compactuar-se
com os objetivos da política
econômica adotada. Isto
é, no caso da atual política
assumida pelo Brasil, deve ser
de boa qualidade e as tarifas
cobradas à população
em geral devem ser módicas.
Mas não apenas em relação
a concessões ou permissões
se refere esta regra, mas para
toda situação
em que o Estado tente adequar
a iniciativa privada aos interesses
comuns da coletividade. Dessa
forma atua o governo quando
concede subsídios, incentivos
fiscais para, por exemplo, uma
safra de produtos agrícolas
ou a instalação
de uma empresa no seu território,
sucessivamente. Age, desta maneira,
em conformidade com a corrente
política econômica,
assegurando o bem-estar social.
2 . 2 . 9 - OPORTUNIDADE
Trata-se da primazia ao contexto,
às circunstâncias
que envolviam o agente, sujeito
de Direito Econômico,
quando de seu ato econômico.
Prioriza-se, destarte, a condição
de escolha, a oportunidade que
teve este sujeito de agir ou
não de determinada forma,
de adotar certo comportamento
econômico.
Somente se contextualizando
a atitude em questão,
pode-se estabelecer ou avaliar
sua legitimidade. O ato que,
de acordo com as particularidades
de ocasião específica,
foi a mais viável opção
encontrada, em outra, diversa,
poderá, sem qualquer
empecilho de contradição,
ser tido como ilegítimo.
A situação que
aborda esta regra assemelha-se
bastante ao tipo penal do 'estado
de necessidade', no qual o agente
poderá atuar contra bens
protegidos pelo Direito, com
o objetivo de se assegurar a
integridade de um bem maior.
Em tais circunstâncias,
sua atitude será tida
como legítima e legal.
Contrariamente, em não
ocorrendo quaisquer causas determinantes
daquele comportamento, sua conduta
será atentatória
ao ordenamento jurídico.
2 . 2 . 10 - RAZÃO
Esta intimamente ligada à
regra acima exposta.
Inseriu-se no contexto brasileiro,
especialmente, após a
elaboração da
Lei 4137 de 10 de setembro de
1962, pela qual, através
de seu art. 74, criou-se o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica
(CADE), órgão
encarregado, então, da
autorização prévia
de atos, ajustes, acordos ou
convenções genericamente
proibidos no art. 2º da
mesma lei, classificados, por
este, ilícitos, como
formas de abuso do poder econômico.
Numeraram-se, destarte, as hipóteses
nas quais o senso de razoabilidade
exigido pela situação
concreta específica,
mostra que, mesmo se tendo que
optar pela contrariedade de
determinado dispositivo legal,
tal conduta será mais
benéfica aos interesses
da coletividade e ao mercado
naquelas circunstâncias
especiais.
Dessa maneira, visa-se à
concretização
da política econômica
adotada, a qual, por sua própria
característica de mutabilidade,
exige grande flexibilidade legal
para que se faça possível
a adequação das
leis às constantes modificações
ocorridas na realidade fática.
Estas demandam uma atuação
rápida, a qual, se fosse
ater-se ao excessivo rigor legal,
seriam inviabilizadas.
2 . 2 . 11 - IRREVERSIBILIDADE
Esta regra vem a impor maiores
restrições ao
livre arbítrio do sujeito
de Direito Econômico,
ou seja, o agente de medidas
de política econômica,
no sentido de evidenciar o caráter
de irreversibilidade que vários
projetos ou atitudes econômicas
acabam por assumir na realidade
social.
Várias vezes, os efeitos
de um erro vem a ser tão
nocivo que supera os sucessos
de determinado investimento
econômico, gerando uma
situação de impraticabilidade
de ressarcimento pelos prejuízos
causados tanto ao indivíduo
em particular, quanto à
população em geral.
O Direito Processual já
avançou razoavelmente
nessa direção
de precaução contra
possibilidade de concretização
de plano econômico danoso
ou lesivo, por meio das ações
populares, medidas cautelares,
mandados de segurança
coletivo, ações
coletivas.
Esta regra oferece, por exemplo,
subsídio aos cidadãos
para que requeiram a continuidade
de certo projeto econômico,
isto é, a chamada continuidade
administrativa iniciado na vigência
do mandato de um representante,
por ocasião de eleição
de outro, com ideais políticos
diversos. O prejuízo
a ser suportado pela coletividade
superaria qualquer divergência
política.
2 . 2 . 12 - PRECAUÇÃO
Por essa regra se gera efetividade
à anterior, na medida
em que se exige a disposição
de meios jurídicos para
evitar que medidas de política
econômica, não
coincidentes com o interesse
geral ou com as atividades econômicas
em particular, venham a ser
postas em prática, sem
o oferecimento de garantias
concretas pelos agentes econômicos,
no caso de possíveis
prejuízos decorrentes
de má administração,
gerenciamento, planejamento
ou execução de
projetos e investimentos.
Em se dando tal situação,
os prováveis lesados
podem e devem ingressar na Justiça
para a asseguração
de seus interesses e direitos,
utilizando-se dos instrumentos
processuais legais acima descritos.