A CIDADANIA E SUA
HISTÓRIA
Dalmo Dallari
A Cidadania na
Antigüidade
A
palavra cidadania foi usada na Roma antiga para indicar a situação
política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou
podia exercer. A sociedade romana fazia discriminações e
separava as pessoas por classes sociais. Havia, em primeiro
lugar, os romanos e os estrangeiros, mas os romanos não eram
considerados todos iguais, existindo várias categorias. Em
relação à liberdade das pessoas era feita a diferenciação
entre livres e escravos, mas entre os que eram livres também
havia igualdade, fazendo-se distinção entre os patrícios –
membros das famílias mais importantes que tinham participado da
fundação de Roma e por isso considerados nobres – e os
plebeus – pessoas comuns que não tinham o direito de ocupar
todos os cargos políticos. Com o tempo foram sendo criadas
categorias intermediárias, para que alguns plebeus recebessem
um título que os colocava mais próximos dos patrícios e lhes
permitia ter acesso aos cargos mais importantes.
Quanto
à possibilidade de participar das atividades políticas e
administrativas haviam uma distinção importante entre os
próprios romanos. Os romanos livres tinham cidadania: eram,
portanto, cidadãos, mas nem todos podiam ocupar os cargos
políticos, como ode senador ou de magistrado, nem os mais altos
cargos administrativos. Fazia-se uma distinção entre cidadania e cidadania ativa. Só os
cidadãos ativos tinham o direito de participar das atividades
políticas e de ocupar os mais altos postos da Administração
Pública. Uma particularidade que deve ser ressantada é que as
mulheres não tinham a cidadania ativa e por esse motivo nunca
houve mulheres na Senado nem nas magistraturas romanas.
As Revoluções
Burguesas e Cidadania
Nos séculos
dezessete e dezoito, quando na Europa já estavam começando os
tempos modernos, havia também a divisão da sociedade em
classes, lembrando muito a antiga divisão romana. Os nobres
gozavam de muitos privilégios, eram proprietários de grandes
extensões de terras, não pagavam impostos e ocupavam os cargos
políticos mais importantes. Ao lado deles existiam as pessoas
chamadas comuns, mas entre estas havia grande diferença entre os que eram
ricos, que compunham a burguesia,
e os outros que, por não terem riqueza, viviam de seu trabalho,
no campo ou na cidade. Nessa fase da história da humanidade
vamos encontrar os reis que governam sem nenhuma limitação,
com poderes absolutos, e por isso o período é conhecido como
do absolutismo.
Houve um momento em
que os burgueses e os trabalhadores já não suportavam as
arbitrariedades e as injustiças praticadas pelos reis
absolutistas e pela nobreza e por esse motivo, unindo-se todos
contra os nobres, fizeram uma série de revoluções, conhecidas
como revoluções burguesas. Desse modo foi feita a revolução
na Inglaterra, nos anos 1688 e 1689, quando o rei perdeu todos
os seus poderes e os burgueses passaram a dominar o Parlamento,
passando os nobres, que eram chamados lordes, para segundo
plano. Nessa época a Inglaterra tinha 13 colônias na América
do Norte. Influenciadas pelo que acontecia na Inglaterra, as
pessoas mais ricas dessas colônias, incluíndo os
proprietários de terras e os grandes comerciantes, promoveram
uma revolução no século seguinte. Desse modo proclamaram a
independência das colônias, em 1776. Alguns anos mais tarde,
em 1787, resolveram unir-se e criaram um novo Estado, que
recebeu o nome de Estados Unidos da América.
Dois
anos depois, em 1789, ocorreu na França um movimento
revolucionário semelhante, que passou para a história com o
nome de Revolução
Francesa. Esse movimento foi muito importante porque influiu
para que grande parte do mundo adotasse o novo modelo de
sociedade, criado em conseqüência da Revolução. Foi nesse
momento e nesse ambiente que nasceu a moderna concepção de
cidadania, que surgiu para afirmar a eliminação de
privilégios mas que, pouco depois, foi utilizada exatamente
para garantir a superioridade de novos privilegiados.
No
dia 14 de julho de 1789 o povo invadiu a prisão da Bastilha, na
cidade de Paris, onde se achavam presos os acusados de serem
inimigos do regime político absolutista. Esse fato marcou o
início de uma série de modificações importantes na
organização social da França e no seu sistema de governo,
estando entre essas modificações a eliminação dos
privilégios da nobreza. Por esse motivo a tomada da Bastilha
passou a ser comemorada como o dia da Revolução Francesa, mas
a revolução se caracteriza por um conjunto de fatos que tem
início bem antes daquela data.
Uma
das inovações importantes, ocorrida algumas décadas antes,
foi justamente o uso das palavras cidadão e cidadã, para simbolizar a igualdade de todos. Vários escritores
políticos vinham defendendo a idéia de que todos os seres
vivos nascem livres e são iguais, devendo ter os mesmos
direitos. Isso foi defendido pelos burgueses, que desejavam Ter
o direito de participar do governo, para não ficarem mais
sujeitos a regras que só convinham ao rei e aos nobres. O povo
que trabalhava, que vivia de salários e que dependia dos mais
ricos também queria reconhecimento da igualdade, achando que se
todos fossem iguais as pessoas mais humildes também poderiam
participar do governo e desse modo as leis seriam mais justas.
Cabe
lembrar que as mulheres tiveram importante participação nos
movimentos políticos e sociais da Revolução Francesa. Quando
se falava no direito da cidadania a intenção era dizer que
todos deveriam Ter os mesmo direito de participar do governo,
não havendo mais diferença entre nobres e não-nobres nem
entre ricos e pobres ou entre homens e mulheres.
Injustiça
Legalizada: Discriminação pela Cidadania
No ano de 1791 os
líderes da Revolução Francesa, reunidos numa assembléia,
aprovaram a primeira Constituição francesa e aí já
estabeleceram regras que deformavam completamente a idéia de
cidadania. Recuperando a antiga diferenciação romana entre
cidadania e cidadania ativa, os membros da assembléia e os
legisladores que vieram depois estabeleceram que para tter
participação na vida política, votando e recebendo mandato e
ocupando cargos elevados na administraçãso pública, não
bastava ser cidadão. E dispuseram que pata tter a cidadania
ativa eram necessários certos requisitos que logo mais serão
especificados, não bastando ser pessoa.
A
partir daí a cidadania continuou a indicar o conjunto de
pessoas com direito de participação política, falando-se nos
“direitos da cidadania” para indicar os direitos que
permitem participar do governo ou influir sobre ele, o direito
de votar e ser votado, bem como o direito de ocupar os cargos
públicos considerados mais importantes. Mas a cidadania deixou
de ser um símbolo de igualdade de todos e a derrubada dos
privilégios da nobreza deu lugar ao aparecimento de uma nova
classe de privilegiados.
A
Constituição francesa de 1791, feita pouco depois da
Declaração de Direitos de 1789, manteve a monarquia, o que já
significava um privilégio para uma família. Além disso,
contrariando a afirmação de igualdade de todos, estabeleceu
que somente os cidadãos ativos poderiam ser eleitos para a
Assembléia Nacional. Ficou sendo também um privilégio dos
cidadãos ativos o direito de votar para escolher os membros da
Assembléia. E para ser cidadão ativo era preciso ser francês,
do sexo masculino, ser proprietário de bens imóveis e tter um
renda mínima anual elevada.
As
mulheres, os trabalhadores, as camadas mais pobres da sociedade,
todos esses grupos sociais foram excluídos da cidadania ativa e
tiveram que iniciar uma nova luta, desde o começo de século
dezenove, para obterem os direitos da cidadania. Foram, até
agora, duzentos anos de lutas, que já proporcionaram muitas
vitórias, mas ainda falta caminhar bastante para que a
cidadania seja, realmente, expressão dos direitos de todos e
não privilégio dos setores mais favorecidos da sociedade. |