Paulo
Silva de Oliveira*
Não
existe nada contra os direitos das pessoas doentes. Todas deveriam ter
acesso a tratamento, cuidados, informações, acompanhamento. Pessoas
doentes, com freqüência recebem melhor atenção por parte de familiares
do que quando estão sadias. O sistema de saúde freqüentemente propicia
atendimento gratuito para os doentes carentes. Nenhum governo é criticado
se estabelece uma eficiente maneira de cuidar dos doentes de sua
comunidade. Essas coisas acontecem em relação a muitas doenças. Mas
existem exceções. Existem doenças que geram controvérsias. Por
exemplo: doenças mentais.
Ao
longo da história os doentes mentais vêm recebendo diferentes tipos de
abordagem. Durante séculos a idéia prevalecente foi a de segregá-los,
de enviá-los para longe, literalmente, em enorme barcos, em viagens sem
volta. Ou transferi-los para locais distantes e ermos, longe da civilização.
Deveriam ficar confinados em autênticas prisões. Vários desses doentes
permaneciam inclusive acorrentados. Isolar esses doentes, de algum modo
livrar-se deles, era muito mais planejado e praticado do que tratar deles.
Pouco ou nada se pensava acerca dos direitos dessas pessoas a um
tratamento digno, ou a qualquer outra coisa. E por que acontecia isso? Por
que lidar com certos seres humanos como se eles fossem animais perigosos?
A
resposta não se resume a “preconceito” ou “crueldade”. Eram
pessoas com graves distúrbios de comportamento, desencadeados por
obscuras alterações no funcionamento da mente. Muitas dessas pessoas
tornavam-se agressivas, sim, perigosas, sim, para si mesmas e para outras.
Algumas delas poderiam influenciar o comportamento de outras pessoas mais
sensíveis ou suscetíveis e causar tumultos e rebeliões. Assim era
antigamente. Não havia remédios eficientes, a chance de melhorar era
quase inexistente e era real a possibilidade de contágio... Antigamente não
se sabia se as doenças mentais eram contagiosas... Antigamente achava-se
que uma crise convulsiva era sinal evidente de possessão demoníaca.
Sabia-se, erradamente, que saliva expelida durante um ataque epiléptico
era contagiosa...
As
doenças de fato contagiosas geram atitudes conflitantes. Ninguém quer
pegar uma doença. Nenhum governo quer que seu povo pegue doenças. Doenças
contagiosas, isto é, transmitidas de uma pessoa para outra, há muito,
muito tempo aterrorizam a humanidade. É um terror total, que provoca reações
extremas, muitas vezes tão desesperadas quanto equivocadas e lamentáveis.
Com o avanço do conhecimento sobre as causas de certas doenças, sua
evolução, seus sintomas, suas formas de transmissão, suas formas de
prevenção, seu tratamento, seu controle, sua cura, atitudes menos
passionais e muito mais adequadas podem e devem ser estabelecidas. No século
XXI cada vez mais devem ser respeitados os direitos das pessoas portadoras
de doenças, inclusive de doenças contagiosas.
Antigamente
e ainda hoje pessoas com determinadas doenças não apenas não tinham
seus direitos reconhecidos. Elas eram e muitas vezes ainda são
violentamente discriminadas e alijadas do convívio social. Temos
atualmente a epidemia de AIDS como um exemplo eloqüente de problemas e
tentativas de solução. Mas esse conflito vem de longe. Lembremos algumas
passagens da própria Bíblia. Elas retratam o equívoco vigente durante
uma longa época:
“Leproso é aquele homem, imundo está; o
sacerdote o declarará totalmente por imundo; na sua cabeça tem a sua
praga.
Também os vestidos do leproso, em que está
a praga, são rasgados, e a sua cabeça será descoberta, e cobrirá o beiço
superior, e clamará : Imundo, imundo.
Todos os dias em que a praga estiver nele
será imundo, imundo está, habitará só, a sua habitação será fora do
arraial.” (Levítico XIV, 44, 45, 46)
Considero
esse texto exemplar. Ele retrata de forma perfeita a questão. Durante
muitos séculos a lepra representou o que a AIDS passou a ser ao fim do século
XX: a peste. E, mais que doença, a peste é o terror. E quem a tem é
visto muito mais como ameaça do que como vítima. Lepra
resume tudo aquilo que foi feito de errado em relação à falta de
reconhecimento dos direitos humanos. Os leprosos
eram sumariamente expulsos de suas casas e aldeias. Muitos só não eram
linchados porque os sadios temiam chegar perto deles e pegar a doença. Os
leprosos sobreviviam
precariamente fora da comunidade. Mesmo considerando-se o desconhecimento
de tratamento eficaz naquela época, é evidente que a doença e o estigma
passavam a provocar seqüelas mais dolorosas e mortes mais lamentáveis e
prematuras.
Os
preconceitos em relação à lepra tornaram-se tão violentos e aceitos
que mesmo com o avanço do conhecimento científico eles se mantiveram.
Uma tentativa de resolver o problema pode parecer ingênua para muitos,
mas vem dando certo. Acaba-se com a lepra,
a doença e toda a terrível lenda que a cerca, deixando-se de mencioná-la.
Ou melhor, transformando-a no que ela de fato é: uma doença, em certas
formas e estágios transmissível, sim, mas, por outro lado, sempre tratável,
controlável e até curável, se diagnosticada e tratada a tempo. Quem
quiser que tema os leprosos,
mas os portadores da doença de
Hansen ou hanseníase são
apenas doentes, os quais devem, como os outros doentes ter garantidos seus
direitos de convívio na sociedade e acesso a tratamento. Devem ter
garantidos seus direitos de seres humanos, como todos os outros, doentes
ou não. Paralelamente, uma ampla campanha de esclarecimento da população,
começando pelos integrantes de equipes de saúde deve ser feita. Deve
ficar claro que não houve apenas uma mudança de nome. Só quem sabe o
que é hanseníase pode lidar com ela e tratar adequadamente quem a tem.
Isto tem sido feito e tem dado certo. Quer dizer, se a doença não foi
erradicada e até, em certos locais parece avançar, pelo menos não se
tem notícia de linchamentos, expulsões, recusa de tratamento, suicídios
de doentes. Se não se tem notícia, atualmente, quando a imprensa é
livre para divulgar informações e o mundo todo tem imediato acesso a
elas, é porque esses casos não estão mais ocorrendo.
Não
estamos falando de pessoas que adoecem e por ignorância e por insuficiência
de recursos e por inexistência de serviços de saúde nas proximidades não
procuram ou não encontram atendimento adequado a seu problema de falta de
saúde. Estamos falando de doenças transmissíveis que de algum modo
passaram a provocar problemas amplos e complexos que vão muito além dos
sintomas a elas inerentes.
As
doenças venéreas, outro
exemplo. Aqui temos outro caso de tentativa razoavelmente bem sucedida de
superar problemas de desinformação e preconceito inclusive mudando-se a
designação das doenças. O termo venéreas,
embora de origem e significado ignorados pela vasta maioria da população,
ficou marcado como englobando um grupo de doenças “vergonhosas”,
aquelas que não deveriam ser mencionadas, porque muitas vezes eram contraídas
nas “zonas de meretrício” ou, de qualquer modo, em atividades
evidentemente sexuais, numa época em que sexo era uma atividade bem mais
controvertida do que hoje. E também não havia tratamento eficaz contra a
sífilis, certamente a mais grave e traiçoeira dessas doenças. Nem
contra as outras. Sim, e não havia pílula anticoncepcional nem certos métodos
atuais para evitar gravidez indesejada. A controvérsia era total.
Camisinhas, por exemplo, eram coisas quase clandestinas, indignas de ser
mencionadas. As mulheres eram divididas em “virgens” e
“prostitutas” - amadoras e profissionais propriamente ditas. Pior do
que mulheres não-virgens, só os “não-homens”, ou seja, os
homossexuais, e os quase nunca mencionados bissexuais, misteriosos
“semi-homens”. O machismo era tanto que “paraíba masculina” era
melhor tolerada do que qualquer “fresco” ou “maricas”. Conclusão:
quem passava a ter uma doença venérea, bem, certamente não a tinha
contraído da digníssima esposa, nem da noiva ou namorada (virgem). Era
prova de que freqüentava a zona, tinha uma amante ou, pior ainda, que
andava com algum “pervertido” (homossexual). Mulher com doença venérea?!
Horror dos horrores. Se fosse casada, só escapava da morte se tivesse
pego a doença do seu digníssimo marido, a quem acabaria por perdoar por
ele ter ido à zona. Se fosse solteira...
De
novo a importância das palavras. Embora longe de se solucionar conflitos
gerados pelo aparecimento de uma dessas doenças, agora elas são pelo
menos chamadas de doenças
sexualmente transmissíveis, ou DST.
Há menos hipocrisia. Fala-se mais e mais abertamente sobre sexo. Informações
sobre sexo são acessíveis a quase todos. “Prostitutas” viraram profissionais
do sexo, ou garotas de programa.
A maioria cuida de sua saúde e não trabalha em zonas de baixo meretrício
e péssima higiene. Virgindade já não é obrigação. Usar pílula ou
camisinha é perfeitamente normal. Menor número de gays e lésbicas são
expulsos de casa pelos pais. Leis de defesa dos direitos de gays e lésbicas
são aprovadas ou seus projetos são ao menos discutidos cada vez mais
seriamente. Além dos bissexuais,
a mídia descobriu que existem garotos
de programa, ou michês.
Com o aparecimento de diversos antibióticos, muitas das DST passaram a
ser perfeitamente tratáveis e curáveis. Inclusive a sífilis. Certos
jovens chegavam a comentar orgulhosos que já tinham tido, por exemplo
“duas gonorréias”. Mau gosto mencionar isso? Possivelmente. Quando se
fala em sexo, controvérsias são inevitáveis.
Mas
o que aconteceria se surgisse, de repente, uma doença transmissível,
inclusive e principalmente sexualmente
transmissível, grave, que desencadeasse graves complicações,
facilitasse o aparecimento de outras doenças, fosse incurável e após
meses ou anos de sofrimento provocasse a morte das pessoas?
Pois
é, aconteceu. A AIDS foi detectada nos Estados Unidos no início dos anos
oitenta do século XX. Surgiu quando se imaginava que as doenças
transmissíveis estavam ficando cada vez mais sob controle. Surgiu quando
se discutia muito sobre direitos humanos. Surgiu numa época de
questionamentos e contradições. Numa época em que o mundo se
transmutava em aldeia, com o avanço dos meios de comunicação e de
transporte. O impacto provocado pela AIDS foi monumental. Jamais afloraram
tão claramente as contradições acerca da prevenção e tratamento de
uma doença, por um lado, e de defesa dos direitos dos portadores dessa
mesma doença, por outro lado. Talvez houvesse mais de dois lados. Havia
certamente nuances e paradoxos. Muito se tem aprendido sobre direitos
humanos devidos aos problemas suscitados pela AIDS. Agora existem remédios
que garantem uma melhor qualidade de vida para os doentes. Remédios que
garantem uma melhor qualidade de vida e mais tempo de vida para os
doentes. Mesmo assim há dúvidas, contradições e críticas.
A
AIDS é tão complexa e importante que se tornou a grande questão. Se
conseguirmos controlar a AIDS, impedir seu avanço, e, ao
mesmo tempo garantir os direitos dos portadores do vírus saberemos
garantir os direitos dos portadores de doenças transmissíveis menos
graves e menos complexas, ou seja, dos portadores de todas
as outras doenças transmissíveis.
Sim,
aprendemos muito, dolorosamente, com a AIDS. Houve avanço dos
conhecimentos científicos graças a pesquisas caras e exaustivas. Houve a
constatação do despreparo das pessoas, inclusive profissionais da área
de saúde para falar a uma ou várias pessoas acerca de sexualidade
humana. Houve enorme repercussão na mídia, que divulgou sensacionalmente
certas informações catastróficas, várias delas precipitadas, algumas
equivocadas, quase todas, inclusive as corretas, capazes de gerar reações
lamentáveis. Houve o hesitar de políticos e governos sobre admitir a
existência do problema na população sob seus cuidados. Houve a prova
irrefutável de que o comércio envolvendo transfusões de sangue levava a
transmissão mais direta possível, na veia, de certas doenças.
Constatou-se que poucas sociedades discutiam sobre a morte.
Esse tema era abordado apenas em determinados momentos de certos cultos
religiosos.
Sexo,
doença e morte. Temas tão complexos apareciam subitamente juntos,
intimamente interligados e clamando por atitudes firmes e decisivas. Tudo
por causa da AIDS. Aos poucos, de modo irritantemente lento, a AIDS vai se
tornando o que sempre deveria ter sido: uma doença. Transmissível,
grave, de difícil tratamento, sem vacina eficaz, mas apenas
uma doença. Entretanto a AIDS já surgiu sendo ou parecendo ser muito
mais e muito menos. Contradição sempre a ela esteve agregada.
No
início dos anos oitenta a comunidade científica viu surgirem em homens
jovens e sadios certas doenças anteriormente raras e que, quando
apareciam, isto ocorria em pessoas idosas e/ou com deficiência no sistema
imunológico. Essas doenças eram principalmente o sarcoma de Kaposi, um
tipo de câncer que provoca evidentes lesões na pele, e a pneumonia
causada pelo micro-organismo Pneumocystis carinii. Outras doenças anteriormente raras
tornavam-se freqüentes. Apareciam casos de tuberculose extra-pulmonar. Os
cientistas ficaram surpresos, curiosos e preocupados, talvez exatamente
nessa ordem. Trocando informações, descobriram que as doenças estavam
atacando jovens do sexo masculino que eram gays, ou seja, homossexuais.
Essa informação chegou à imprensa e foi logo amplamente divulgada, por
ser considerada como curiosa ou engraçada. Talvez apenas isso. Feita a
ligação entre sarcoma de Kaposi e homossexualidade, logo surgiu o
apelido destinado a aumentar a venda de jornais e revistas: câncer
gay... Não satisfeitos, os comunicadores logo criaram uma variante: peste gay. Aí o sucesso foi total. Certos líderes religiosos
aproveitaram a oportunidade. Imaginaram que se tratava de um castigo de
Deus contra certo tipo de pecado. Uma doença grave, que provocava grande
sofrimento, era incurável e levava à morte parecia sem dúvida um belíssimo
castigo. O cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, em artigo publicado em
jornais de grande circulação em 27 de julho de 1985 se manifestou:
“E cai, como um raio, na humanidade o
perigo da AIDS. Consciências anestesiadas são acordadas pelo pavor,
indivíduos são levados à moralização forçada. Surge como imposição
que atinge, em cheio, a inversão sexual, a troca de parceiros, uma
interminável lista de assuntos condenados pela legislação divina.
Quando o amor de Deus, manifestado na obediência a seus preceitos, é
vilipendiado, o chicote de um novo perigo de vida acorda os
recalcitrantes”[...]
Tragicamente
muitas pessoas, inclusive ilustres, inclusive intelectuais, inclusive
cultas, ficavam cegas e não viam o sofrimento dos doentes. Alegando que
se sabia pouco sobre a terrível doença, até considerável percentagem
de médicos e outros profissionais da área da saúde simplesmente se
recusavam a tratar doentes de AIDS. Mesmo com o aparecimento de crescente
número de casos de AIDS em outras pessoas, ou seja, em pessoas que não
eram gays, várias formas de evidente desrespeito aos direitos humanos se
manifestavam. E talvez mais chocante do que esse desrespeito era a quase
inexistência de críticas a ele. Médicos se recusavam a tratar de
doentes, hospitais se recusavam a internar doentes - e quase todo mundo
achava isso normal. Porque não eram doentes comuns: eram doentes com
AIDS, a “ peste “. Eram considerados culpados. E eram considerados
perigosos. Poderiam transmitir o Mal... Mesmo depois que foi amplamente
divulgado que a AIDS não se transmitia pelo ar, pelo contato com a pele,
enfim, pelo contato social com
as pessoas, ainda assim os preconceitos afloravam. A seguir descobriu-se
que a AIDS - na verdade o vírus que provoca AIDS - era transmissível
pelo esperma, sim, mas também pelo sangue. Descobriu-se que os hemofílicos
e outras pessoas que tinham recebido transfusão de sangue contaminado com
o vírus também desenvolveram AIDS. E logo foram verificados casos de
AIDS em usuários de droga injetável que partilhavam seringas e agulhas:
eles diluíam a droga no sangue e realizavam autênticas minitransfusões.
Também se descobriu que a mãe poderia transmitir o vírus a seu bebê,
no parto ou na gestação, através da placenta. E que as secreções
vaginais também podiam ter HIV, se bem que em quantidade inferior à do
esperma. Essas descobertas pareceram apenas aumentar a dimensão da tragédia.
Mas
não havia só o aspecto negativo. Surgiram reações. Vários cientistas
estudavam arduamente o problema. Em relativamente pouco tempo
identificaram e isolaram o vírus causador da AIDS. Após certas disputas
houve um acordo, e o vírus foi oficialmente batizado de HIV, Vírus de
Imunodeficiência Humana. Sim, e é bom lembrar que a AIDS significa Síndrome
de Imuno-Deficiência Adquirida. No Brasil ambas as siglas foram mantidas
de acordo com o idioma inglês...
Por
outro lado, o Brasil foi possivelmente o único país a criar um termo
especial para designar pessoas com AIDS. Foi criado o termo aidético. Há quem negue que se trate de um termo lesivo aos
direitos das pessoas. Mas essa designação sugere que uma pessoa deixa de
ser ela mesma, com uma doença,
e passa a ser outra coisa.
Pior: quando a mídia se refere a um artista ou a qualquer pessoa respeitável
e famosa, jamais a chama de “aidética”. Nesse caso nem se divulga que
tal pessoa tem AIDS. Diz-se que é “portadora do vírus da AIDS”. No
Brasil somente os pobres e não-famosos com HIV são chamados de “aidéticos”.
Se isso não é desrespeito aos direitos humanos, o que será? E além de
tudo, o termo engloba doentes com AIDS e portadores assintomáticos do vírus,
o HIV. Em alguns casos chegou a ser usado para designar “suspeitos de
serem portadores de AIDS”, em geral homossexuais. Certas crianças
chegaram a apontar para rapazes afeminados nas ruas e gritar: “Aidéticos!”
Muitos jornalistas não aceitam e não entendem as críticas ao termo
“aidético”. E a mídia tem poder.
A
mídia tem crucial importância em relação ao que a AIDS passou a
representar. Foi através da mídia que a AIDS foi tão divulgada, com
erros e acertos. Campanhas de prevenção dependeram e sempre dependem da
mídia. Cada novidade surgida sobre a AIDS, antes mesmo de se saber se é
algo útil ou não, verdadeiro ou não, é logo amplamente divulgada. Ao
serem criados e amplamente divulgados os termos “câncer gay” e
“peste gay” os comunicadores só pensaram no lado “bom” da coisa:
aumento nas vendas das publicações. As não-pensadas conseqüências
incluíram pânico total em pessoas que se consideravam gays e aumento do
preconceito contra essas mesmas pessoas. Mesmo sendo feita a ressalva de
que a AIDS não se transmitia por contato social, isto é, apertos de mão,
uso de objetos como talheres, etc, pessoas suspeitas de serem gays
passaram a ser discriminadas e evitadas.
Um
rapaz de uma cidade de Minas Gerais, rapaz assumidamente gay, começou a
emagrecer. Foi logo perseguido e acusado de transmitir AIDS
propositadamente da seguinte forma: andando pela feira livre e tocando
frutas, alegando querer verificar se estavam maduras e adequadas para
consumo imediato. Poucos se preocuparam em sugerir que esse rapaz fizesse
exames ou se tratasse. A grande preocupação era em não se contaminar
com ele. O rapaz não era visto como um doente, mas como uma pessoa
perigosa. Ele tinha deixado de ser uma pessoa: agora ele era um aidético.
O próprio rapaz, embora negando intenção de contaminar alguém,
acreditou estar com a peste, e
não procurou tratamento nem ajuda. Precisou ser levado a um hospital, e
deu sorte, pois poderia ter sido linchado. Lá foram feitos os exames, que
enfim constataram que ele estava mesmo doente. Só que não era AIDS: era
hepatite... Enquanto isso, mesmo em cidades grandes como São Paulo e Rio
de Janeiro várias pessoas passaram a exigir copos descartáveis quando
iam a um bar ou restaurante. Certas lojas colocaram aviso de que não era
mais permitido que fossem experimentadas roupas, antes de serem compradas.
O aviso justificava a proibição usando apenas quatro letras: AIDS.
Uma
coisa é fundamental em relação a AIDS e HIV: durante anos a pessoa pode
já ter o vírus no corpo, já o transmite em relações sexuais e também
pelo sangue, mas transmite o vírus sem
saber, por ser portadora assintomática, isto é, sem se sentir
doente.
A
criação de testes para se verificar se uma pessoa teve contato com o vírus
(HIV), testes que detectam a presença de anticorpos anti-HIV, ou seja,
testes que indiretamente indicam se uma pessoa era ou não portadora do vírus
da AIDS teve e ainda tem importantíssimo valor. Serve por exemplo para se
testar o sangue a ser utilizado em transfusões. Graças a esses testes
foi enormemente diminuída a incidência de transmissão de HIV por
transfusão de sangue. Testes com resultado negativo tranqüilizam pessoas
temerosas, pessoas que poderiam ser portadoras do vírus. Testes com
resultado positivo alertam pessoas para o fato de que são mesmo
portadoras do HIV e portanto devem iniciar acompanhamento e possivelmente
tratamento.
Mas
esses mesmos testes foram e são ainda outra fonte de desrespeito aos
direitos humanos. Pessoas eram discriminadas pelo fato de fazerem o teste.
O raciocínio era este: se Fulano fez o teste, era porque ele “tem culpa
no cartório”, é porque “é do grupo de risco”... Novamente a
preocupação não era em saber se Fulano estava bem ou se tinha em seu
corpo um vírus potencialmente nocivo à sua saúde. A preocupação era
se Fulano era do “grupo de risco”. Mesmo se o exame desse negativo o
preconceito poderia se manifestar. Houve empresas que discreta ou
ostensivamente dispensaram funcionários suspeitos. Suspeitos de ter AIDS,
por serem suspeitos de pertencer ao “grupo de risco”, expressão que
na verdade passou a ser eufemismo para designar homossexuais. E de pouco
adiantava o resultado do exame ser negativo: em pelo menos um Centro de
Referência para AIDS, na ficha da pessoa podia ficar registrado tratar-se
de “paciente homossexual assintomático HIV negativo”.
A
expressão “grupo de risco” era razoavelmente usada para designar
grupo em maior risco de contrair uma determinada doença. A expressão
estava restrita ao meio médico. Ao ser usada em relação à AIDS, como
tudo em relação à AIDS ela ultrapassou fronteiras e chegou à mídia e
ao grande público. E como os casos de AIDS no início da epidemia
ocorriam majoritariamente em homens homossexuais, quando foram divulgados
os grupos de risco para AIDS, todo mundo se lembrava primeiro e/ou
exclusivamente dos homossexuais. Mesmo quando se falava em bissexuais e
hemofílicos e politransfundidos e usuários de droga injetável e até em
haitianos - sim, haitianos
chegaram a ser considerados grupo de risco - as pessoas só se fixavam em
homossexuais como grupo de risco, e como os homossexuais já constituíam
um grupo discriminado, mesmo pela comunidade científica, com seus
tratados sobre “inversão sexual”, “perversão sexual” e a inclusão
da homossexualidade no Código Internacional de Doenças como “desvio e
transtorno mental”, assim sendo o óbvio aconteceu: grupo de risco
passou a significar grupo perigoso. Os homossexuais eram vistos como transmissores de
AIDS e só às vezes como doentes de AIDS. E era como se a AIDS fosse algo
que brotasse no corpo dessas pessoas pelo fato de elas serem homossexuais.
Um
dos grupos de defesa dos direitos dos homossexuais, o Triângulo Rosa, do
Rio de Janeiro, chegou a receber, em 1986, uma carta que era a comprovação
de até onde o terror e o preconceito podiam chegar. A carta era de um
rapaz pobre e de pouca cultura, residente no interior do estado do Rio
Grande do Norte. O rapaz tinha dezessete anos e estava apavorado, com medo
de estar com AIDS. Mesmo a ele tinha chegado a informação de que passara
a haver uma doença chamada AIDS. Pelo menos já tinham saído de circulação
as expressões “câncer gay” e “peste gay”. Mas existia a AIDS e o
que se imaginava dela. Divulgava-se que a AIDS se manifestava na grande
maioria dos casos em homossexuais. O rapaz deveria se preocupar. Deveria
se informar mais, por certo. E decidiu escrever uma carta para um grupo
confiável, um grupo que ele corretamente identificava como interessado em
ajudá-lo. O rapaz achava que poderia ter AIDS por ele ser homossexual. E ele se achava homossexual por se sentir
sexualmente atraído apenas por pessoas do sexo masculino. O detalhe é
que ele era virgem... Sim, ele jamais tinha tido qualquer tipo de relação
sexual com pessoa alguma. Mas ele não tinha ainda obtido a preciosa
informação de como se pegava
o vírus da AIDS. Os dados de que ele dispunha garantiam
apenas que os homossexuais eram um, ou o grupo de risco...
No
Brasil e no mundo o preconceito atingiu também as pessoas consideradas
“vítimas” da AIDS. Posteriormente certos soropositivos (portadores
assintomáticos do HIV) e mesmo certas pessoas com AIDS protestaram,
afirmando que não queriam ser discriminadas por ostentar o título de
“vítimas”, mas no Brasil isso foi bem depois. Antes houve a divisão:
certas pessoas com AIDS eram consideradas “vítimas”, isto é, crianças
e receptores de transfusão de sangue, dentre os quais se destacavam os
hemofílicos. Algumas crianças com AIDS foram excluídas das escolas, mas
foram imediatamente defendidas. Já os homo e os bissexuais e os drogados,
digo, os usuários de droga injetável, bem, esses, mesmo quando estavam
muito debilitados pela AIDS e visivelmente incapacitados para “atacar”
alguém, esses não eram considerados “vítimas”. Ficava implícito
que eram os culpados. Foi
sugerida a implantação de locais onde os “culpados” - com ou sem o
uso explícito desse termo - ficariam detidos. Pelo menos em Cuba chegou a
haver um local assim. No caso, aliás, sem nuances na discriminação:
todos os doentes de AIDS e todos os portadores do vírus da AIDS passaram
a residir em determinado “bairro”, de onde só podiam sair com permissão
especial e acompanhamento por parte de um agente do governo. Não sei se
esse “bairro” ainda existe por lá. O argumento a favor dessa medida
era que graças a ela a AIDS não estava se expandindo em Cuba.
Não
devemos nos lembrar apenas dos problemas: O impacto causado pela AIDS também
provocou respostas adequadas na sociedade. Em lugares onde, por exemplo,
os homossexuais estavam mobilizados, formando grupos atuantes, houve reação
imediata contra os conceitos de “câncer gay” e “peste gay”.
Paralelamente a variados atos públicos de protesto contra o preconceito,
esses grupos engajaram-se em campanhas de prevenção da AIDS,
esclarecendo os integrantes da própria comunidade gay e, logo, o público
em geral. Aliaram-se a médicos e autoridades mais preocupadas com a vida
e a saúde das pessoas do que em converter supostos pecadores ou combater
supostos pervertidos.
No
Brasil, a primeira Organização Não-Governamental (ONG) criada para
lidar com os problemas envolvendo a AIDS foi o Grupo de Apoio à Prevenção
da AIDS, em São Paulo, em 1985. Nessa época não havia uma campanha
nacional que lidasse com a questão da AIDS. Somente atitudes isoladas, de
setores dos governos dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro esboçavam
reações corretas, tentando divulgar informações. No caso específico
do Rio de Janeiro, chegou-se, ainda em 1985, a criar uma Comissão
Interinstitucional para prevenção e controle da AIDS, na qual havia um
representante da Associação dos Hemofílicos e um do já citado grupo
Triângulo Rosa, que de alguma forma defendia os direitos dos
homossexuais.
O
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS ficou logo conhecido pela sigla
GAPA. Era uma ONG/AIDS formada por voluntários, e sua atuação que
imediatamente recebeu destaque na mídia foi a de protestar na porta de
hospitais que se recusavam a internar e tratar doentes com AIDS. Diante do
escândalo e da repercussão na imprensa, os hospitais acabavam internando
os doentes, apesar de não serem, alegavam, especializados em AIDS ou
especialmente aparelhados para atender pessoas com AIDS. Ora, eram
simplesmente os primeiros casos de AIDS no Brasil. Como os hospitais
poderiam já estar “especializados” ou “aparelhados”? Pior: a
AIDS, já se sabia, não tinha sintomas próprios. Os doentes tinham
pneumonia, tuberculose, gastroenterite, etc. Tratava-se de desinformação,
medo, cautela excessiva e, acima de tudo, preconceito. Em pouco tempo
surgiram outras ONG/AIDS, como a ABIA e o nosso GAPA-Rio de Janeiro. A
ABIA lançou-se como uma ONG composta por cientistas e intelectuais de
diversas especialidades, tendo como presidente Herbert de Souza, o eterno
Betinho.
O
GAPA-Rio de Janeiro no início teve atuação semelhante à do GAPA-São
Paulo. Denunciava discriminações contra doentes de AIDS, exigindo que
fossem internados em hospitais públicos e recebessem o tratamento disponível,
por mais ineficaz que esse tratamento pudesse ser. E embora na época não
houvesse medicação contra o HIV, certamente havia tratamento contra
pneumonia, tuberculose, gastroenterite, etc. Aos poucos outros serviços
foram implantados, como aconselhamento, informações por telefone (disque
GAPA), cursos de treinamento de multiplicadores de informações, troca de
informações com outras ONGs, participação em Congressos, atendimento
psicológico, etc.
O
preconceito tinha várias faces. No Rio de Janeiro houve uma trágica
contaminação do sangue usado em transfusões. Isso atingiu enorme
percentual de hemofílicos, dentre os quais os irmãos Henfil, Betinho e
Chico Mário, e muitas outras pessoas, inclusive crianças, que precisaram
receber transfusão de sangue no início dos anos 80, quando não se sabia
da existência da AIDS e quando não estavam disponíveis ainda os testes
que detectavam, mesmo indiretamente, a presença do (vírus) HIV. Essa
tragédia era exageradamente focalizada. E os transfundidos eram
apresentados como vítimas da AIDS.
Dentre eles, as crianças eram apresentadas como vítimas
inocentes da AIDS. Era mais fácil falar em transfusão de sangue do
que em relações sexuais...
Logo
o GAPA-Rio aliou-se numa campanha com ninguém menos do que o governo
estadual, isto é, o departamento de Epidemiologia da Secretaria Estadual
de Saúde. Era no auditório desse departamento que o GAPA-Rio realizava
palestras de esclarecimento sobre AIDS dirigidas à população em geral.
Basicamente divulgávamos informações sobre o que é a AIDS, como se
transmite, como não se transmite, como evitar a transmissão. O diretor
do departamento também participava das palestras-debates. Reconhecia que
vários integrantes do GAPA-Rio tinham acesso mais fácil a certos setores
da sociedade e tinham formas mais diretas de se comunicar com as pessoas.
Outras
autoridades aos poucos foram percebendo a mesma coisa. Verificaram que o
GAPA-Rio e outras ONG/AIDS, ou pelo menos a maior parte delas, não eram
organizações anti-governamentais e radicais, dispostas a ficar o tempo
todo cobrando atuação do governo em relação à epidemia de AIDS e
quando essa atuação acontecia, criticando-a, fosse ela qual fosse. Se
bem que o governo federal e muitos governos estaduais demoraram a agir. A
AIDS foi detectada no Brasil em 1983. Em 1985 o problema era preocupante,
e só os governos dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro iniciaram um
trabalho específico. Em 1987, além do GAPA-Rio começaram a aparecer
Grupos de Apoio em outros estados, como Minas Gerais, Bahia, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Paralelamente outras ONG/AIDS foram criadas.
Portanto, a sociedade passou a agir antes que o governo federal finalmente
criasse uma Comissão e lançasse uma campanha de prevenção.
O
GAPA-Rio, assim como as outras ONG/AIDS criadas, atuava na área de prevenção.
Mas também compreendemos que precisávamos dar apoio direto aos doentes.
Além de garantir internação e tratamento, o GAPA-Rio passou a ter
voluntários fazendo acompanhamento desses doentes nos hospitais,
especialmente aqueles doentes que não tinham família. A seguir passou a
dar atendimento psicológico a doentes, portadores do vírus e seus
familiares.
O
GAPA-Rio sempre funcionou com voluntários. É uma organização sem fins
lucrativos e independente. Inclusive em relação aos outros GAPA, apesar
dos objetivos semelhantes. No início estava previsto que os voluntários
contribuiriam até com doações financeiras para as despesas do grupo.
Verificamos depois haver necessidade de termos alguns poucos funcionários.
Conseguimos um financiamento da Fundação Ford que garantia a remuneração
desses funcionários, dentre outras coisas. Verificamos que os voluntários
que queriam fazer acompanhamento de pacientes em hospitais precisam ser
treinados e permanecer emocionalmente preparados para enfrentar os
problemas, inclusive o da morte desses doentes, inevitável e que ocorria
em pouco tempo, na época. Em outros estados, exceto São Paulo, havia
menos doentes e a prevenção predominava. Mas todos os Grupos de Apoio
realizavam palestras em locais variados. Publicavam e distribuíam
folhetos informativos. E em parceria com governos estaduais ou o governo
federal, através do Departamento de DST/AIDS do Ministério da Saúde, os
GAPA também passaram a distribuir camisinhas e a executar projetos específicos.
Finalmente,
em 1987, o governo federal passou a agir em relação à AIDS. Nem sempre
agia corretamente. Um ministro da Saúde chegou a declarar que “as
pessoas não precisavam se preocupar”, porque a AIDS estava “restrita
aos grupos de risco”. Autoridades, não necessariamente do governo,
davam declarações equivocadas, preconceituosas e contra-producentes. Um
médico garantia que “mulher não transmite AIDS em relações
sexuais”. Provavelmente ele teria motivos para se preocupar se ficasse
cientificamente comprovada tal possibilidade. Mas, enfim, o Brasil entrou
na guerra, ou melhor, na necessária resposta global à epidemia de AIDS,
que incluiu desde o início uma ênfase no respeito aos direitos humanos.
Criou-se
um Programa Global de Combate à AIDS. O diretor desse Programa, em maio
de 1987, falou sobre a necessidade de haver uma “reação e uma resposta
social, econômica, política e cultural à AIDS e à infeção pelo
HIV”. Em discurso que fez em outubro de 1987 o Secretário Geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), Javier Pérez de Cuellar, disse
que a luta contra a AIDS “também é uma luta contra o medo, contra o
preconceito e contra o irracional proveniente da ignorância” e
acrescentou depois, em 1º de dezembro, Dia Internacional de Luta contra a
AIDS que “o mundo deve declarar guerra contra a AIDS, e não contra as
pessoas com AIDS”.
A
atuação dos Grupos de Apoio, de outras ONG/AIDS e informações vindas
do exterior, por exemplo, dos Congressos Internacionais sobre AIDS,
fizeram com que fosse atenuado e mesmo evitado o uso da expressão
“grupos de risco” em relação à AIDS. Um dos motivos, pelo menos no
Brasil, foi que a expressão era entendida como “grupos perigosos”. O
motivo principal para o não-uso, certamente em todo o planeta, foi que,
ao contrário do que declarou o tal ministro da Saúde em 1987, a AIDS não
ficou restrita aos grupos de risco. E desde o início o importante não
era ser isso ou aquilo, mas sim fazer
isso ou aquilo, desse ou daquele modo. Ou seja, era melhor falar-se em comportamento
de risco.
E
sobre o grupo de risco... Bem, outra tese nossa, essa inclusive
apresentada por mim no Congresso de Informação e Educação sobre AIDS,
realizado na República dos Camarões, África Central, em 1989, em vários
lugares do mundo, como o Brasil, a palavra gay está longe de ter uma
definição precisa. A maior parte dos homens que têm relações sexuais
com outros homens não se considera e não é considerada gay. Portanto
toda publicação dirigida a gays atingia possivelmente uma pequena
parcela do público-alvo. Essa avaliação ficou tão comprovada que em várias
partes do mundo essas publicações passaram a mencionar muito mais
“homens que fazem sexo com homens” do que “gays”.
Sem
sucumbir a preconceito algum, o GAPA -Rio sempre teve vários tipos de
voluntários, não sendo por exemplo um grupo gay, nem um grupo de
soropositivos, nem de profissionais do sexo, etc.
A
mídia alardeou e lamentou o fato de a AIDS atingir, em meio a inúmeras
pessoas, importantes artistas. Artistas com AIDS tornaram a AIDS ainda
mais conhecida.
Houve
vitórias contra a AIDS. Pequenas vitórias, talvez. Não se fala mais em
“grupo de risco”, por exemplo. Fala-se mais e mais abertamente sobre
sexo, drogas e até morte. Houve mais chance de se praticar a solidariedade.
Em
compensação criou-se e manteve-se no Brasil o termo “aidético”, já
comentado. E o preconceito contra certos tipos de doentes deslocou-se,
mais do que diminuiu. Passou a atingir quase todos os doentes de AIDS e
quase todos os portadores assintomáticos do HIV.
Certas
empresas e certas instituições, como presídios e as Forças Armadas
passaram a realizar testes para detectar a presença do HIV. Testes
compulsórios, isto é, obrigatórios a todos os funcionários, detentos e
soldados. O GAPA-Rio e todas as outras ONG/AIDS sempre foram contra isso.
Nem é preciso falar do aspecto humanitário, ou da discriminação que
obviamente motiva atitudes desse tipo. Nenhuma empresa parecia preocupada
em preservar a saúde ou mesmo a vida de seus funcionários. Muitas
empresas só passaram a fazer campanhas anuais de prevenção de acidente
quando uma lei tornou isso obrigatório. Posteriormente prevenção de
AIDS foi incluída nessa campanha. As empresas estavam interessadas em
demitir funcionários que estavam com a doença,
ou logo adoeceriam (no caso dos “apenas” soropositivos) e, assim
sendo, faltariam ao trabalho, entrariam de licença, dariam despesas, além
do “mau exemplo”... Essa questão tornou-se tão cruel que gerou forte
reação, com criação de normas protegendo os direitos das pessoas. Cabe
às pessoas decidir sobre fazer ou não o teste e a quem revelar o fato. E
havia também a questão do crime.
A transmissão voluntária de doença grave é crime no Brasil, há muitos
anos. Portanto quem fizesse o teste e fosse informado que o resultado dera
positivo arriscava-se a ser sumariamente despedido, pois freqüentemente
esse resultado era enviado ao patrão. E se tivesse relações sexuais
desprotegidas (sem camisinha) poderia ser acusado do crime de tentativa de
transmitir doença grave.
Poucas
coisas referentes à AIDS deixam de se tornar paradoxais, contraditórias
e/ou controvertidas. Por exemplo: eu considero a lei acima mencionada
correta. Mas, nos tempos de AIDS, se alguém aceita ter relação sexual
sem camisinha... fica em difícil posição quanto a denunciar o parceiro
ou parceira que o teria contaminado. E várias pessoas, principalmente
mulheres, argumentam que se exigem camisinha os parceiros se ofendem e
garantem que eles não tem AIDS nem outra DST. Portanto elas é que se
tornariam suspeitas... Algumas pessoas admitiam que preferiam não fazer o
teste. Se fossem soropositivas e transmitissem o vírus... bem, pelo menos
não poderiam ser acusadas de tentar transmitir vírus nenhum: elas não
sabiam que eram portadoras...
Bem,
isto está em parte superado hoje em dia. Há vantagens em se saber logo
se se é soropositivo. Atualmente existe o chamado coquetel de remédios
contra a AIDS. É um tratamento com dois ou três remédios anti-virais.
Ou seja, a pessoa toma dois ou três anti-virais de um grupo de remédios
de eficácia comprovada. São eficazes para impedir a multiplicação do
HIV e, portanto, a progressiva e devastadora destruição do sistema
imunológico da pessoa.
Outra
vitória contra a AIDS e uma decisão correta foi a implantação de serviços
de testagem gratuita e anônima. O governo acertou em providenciar isso.
O
governo deveria fazer uma eficiente e permanente campanha de informação
e prevenção da AIDS. A partir das informações as pessoas se disporiam
a fazer o teste, voluntariamente. Certos diretores de presídio alegaram
que promoviam uma palestra antes e a seguir faziam os testes nos voluntários.
Mas há palestras e palestras. Após essas palestras, mais de noventa por
cento dos detentos queriam submeter-se aos testes... E isso ocorria antes
de o coquetel existir... E será que o coquetel está disponível agora em
1998 para presidiários do Rio de Janeiro e outras partes do Brasil?
Inegavelmente
o governo federal melhorou muito sua atuação em relação à AIDS. Por
exemplo, o citado coquetel, por determinação de uma lei devidamente
aprovada e atualmente em vigor, deve ser distribuído gratuitamente a
todos os soropositivos e doentes de AIDS que dele necessitem e que estejam
inscritos em um setor do serviço público de Saúde.
Mesmo
se ocorrem falhas no sistema de distribuição dos remédios, essa lei e
sua aplicação são um enorme avanço num país em que um Ministro da Saúde
em certa época, ainda nos anos 80, chegou a afirmar que o combate à AIDS
não era uma prioridade do governo.
Outros
direitos foram concedidos a pessoas com AIDS. Citemos a lei 7670,
publicada no Diário Oficial da República em 09.09.1988. Em seu artigo
primeiro, resumidamente, eis o que prevê essa lei:
“Artigo 1º - A Síndrome
da Imuno-Deficiência Adquirida (SIDA/AIDS) fica considerada para os
efeitos legais causa que justifica:
I - a concessão de: a-
licença para tratamento de saúde; b-aposentadoria; c-reforma militar; d-
pensão especial; e- auxílio-doença ou aposentadoria, independentemente
do período de carência, para o segurado que, após filiação à Previdência
Social, vier a manifestá-la, bem como a pensão por morte aos seus
dependentes.
II - levantamento dos
valores correspondentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS,
independentemente de rescisão do contrato individual de trabalho ou de
qualquer outro tipo de pecúlio a que o paciente tenha direito.
parágrafo único - o
exame pericial para os fins deste artigo será realizado no local em que
se encontre a pessoa, desde que impossibilitada de se locomover”.
Para
lutar pelos direitos das pessoas com AIDS e contra discriminações a
todos os portadores do HIV, o GAPA-Rio presta atendimento na área jurídica.
Eu
entendo que os “benefícios” previstos em lei devem ser concedidos a
pessoas que estejam doentes, com AIDS em estágio de moderado a grave, estágio
que impeça a pessoa de trabalhar, por exemplo. Parece desnecessário
mencionar isso? Ocorre que há pessoas que entendem que essa e outras leis
que ajudam doentes com AIDS são extensivas a “aidéticos” em geral, ou
seja, a portadores assintomáticos do HIV ou soropositivos com sintomas
leves e reversíveis. Todos são às vezes mencionados como “portadores
de AIDS”, expressão bastante dúbia. Mas se nosso esforço é para,
entre outras coisas, garantir que a pessoa não perca o direito ao
trabalho, como iríamos ser a favor de que pessoas sem doença alguma se
aposentassem? Explicamos exaustivamente, em palestras, por exemplo, que um
portador do HIV pode passar vários anos sem sintoma algum, especialmente
agora que há remédios que combatem diretamente o vírus. Como a seguir
negar isso e dizer que todo portador deve ser “aposentado por doença”-
por uma doença que talvez nem venha a se manifestar.
Outro
discutível direito, que divide opiniões até no GAPA-Rio: ser designado
como soropositivo ou portador de HIV. Muito bem. Sabe-se o preconceito e o tamanho do
mundo que desaba sobre quem se sabe e é apontado como pessoa com AIDS. Não falo nem mais de “aidético”. Mesmo ao fim
dos anos 90 o peso de se ter AIDS é grande demais. Assim, alguns acham
que pelo menos esse peso pode ser diminuído. Como? Em vez de dizer que
Fulano está “com AIDS”, passa-se a dizer que Fulano é
“soropositivo” ou “portador do vírus”. Não é mentira. Toda
pessoa com AIDS é soropositiva e portadora do vírus. Só que,
tradicionalmente, quando se diz que alguém é portador de um vírus,
entende-se que se trata de portador assintomático,
isto é, sem sintomas, por não estar doente. No caso da AIDS, para
complicar um pouco, além dos assintomáticos propriamente ditos, bem, o
sistema imunológico de alguém pode já estar atingido e há exames que
podem comprovar isso (contagem de CD4 e medição da carga viral, por
exemplo). E mesmo assim, essa pessoa pode ainda estar sem sintomas.
Tecnicamente está doente, mas está sem sintomas. E aí? Se não tem
sintoma, não deve ter “privilégio” algum. Caso contrário, teríamos
uma legião de hipertensos, diabéticos, etc., todos com sua doença sob
controle, sem sintomas, mas recebendo auxílio-doença, ou mesmo se
aposentando... Também são doenças graves e que podem matar...
E
o que eu observo é que se uma determinada pessoa for respeitável,
conhecida e/ou classe média para alta, tem sempre preservado o discutível
direito de manter-se como ‘soropositiva” ou “portadora do HIV” ou,
no máximo, “ portadora do vírus da AIDS”. Essa pessoa, por mais
terminal que realmente seja seu estado, por mais que de fato morra por
complicações decorrentes da AIDS, jamais será citada como “pessoa com
AIDS”. É como se jamais adoecesse... Já para outras pessoas, as pouco
conhecidas e/ou classe baixa para abaixo da linha de pobreza, bem, essas,
mesmo se permanecem sem sintomas, sem doenças oportunistas, sem maiores
danos a seu sistema imunológico, talvez ajudadas pelo uso do coquetel que
recebem gratuitamente do governo, ainda assim são essas as pessoas
discriminadas como com AIDS, ou
mesmo os “aidéticos”.
Certas
ONG/AIDS, como o GAPA-Rio, permaneceram com uma atuação abrangente,
agindo tanto na prevenção de novos casos de AIDS e de transmissão de
HIV quanto no apoio direto a pacientes. Outras ONG/AIDS e certas Organizações
preexistentes e que passaram a também atuar em relação à AIDS
especializaram-se em programas destinados a grupos específicos. Considero
ambas as atitudes corretas. E a campanha de prevenção da AIDS exige
certas medidas que só o governo federal pode adotar. Outras em que a mídia
precisa cooperar. Outras que dependem da atuação de diversas Organizações
Não-Governamentais.
Aplaudo
as ONG/AIDS que conseguem vários financiamentos de projetos de trabalho,
além de patrocínios e constantes doações. Conseguem tudo isso com
trabalho e talento. Dentre elas algumas são basicamente constituídas por
soropositivos e pessoas com AIDS. Vários avanços no lidar com a AIDS,
inclusive pesquisas em relação à difícil fabricação de vacinas
anti-AIDS devem-se ao engajamento dessas pessoas, muitas das quais
assumiram publica e corajosamente o fato de ter HIV/AIDS. O GAPA-Rio,
embora certamente trabalhando muito, está entre as muitas ONG/AIDS
brasileiras que estão com dificuldades para arrecadar dinheiro para
manter suas atividades. Talvez nossa imagem tenha ficado marcada como
sendo uma ONG que ajuda doentes carentes e promove palestras gratuitamente
em escolas públicas, associações de moradores em favelas, etc. Assim,
acabamos sendo procurados praticamente só por pessoas carentes e
entidades que querem palestras gratuitas... Ainda assim, completamos em
1998 onze anos de atuação em defesa das pessoas com AIDS, dos portadores
de HIV e do direito de todas as pessoas receberem informações não-preconceituosas
e não alarmistas sobre AIDS e doenças sexualmente transmissíveis.
Prosseguimos com nossa atuação graças a doações de alguns integrantes
do próprio grupo. Sem novos voluntários, sem patrocínios, sem
financiamentos, sem outras doações e sem palestras remuneradas em
empresas, temo pelo futuro do GAPA-Rio.
Tudo
que envolve a AIDS é controvertido. Mesmo as boas notícias podem levar a
exageros e equívocos. O coquetel anti-HIV é um marco no tratamento da
AIDS. Esse coquetel passou a ser usado em 1995, ao se verificar que o
tratamento com apenas um remédio anti-viral (AZT, por exemplo) era
relativamente pouco eficaz. O uso combinado de diferentes duplas ou de um
trio de antivirais tem aumentado significativamente a sobrevida e reduzido
em mais de cinqüenta por cento as taxas de progressão do estágio de
soropositividade com sintomas, para o desenvolvimento de AIDS e para a
morte. Ou seja: o coquetel indiscutivelmente melhora a qualidade de vida e
prolonga a vida dos soropositivos e das pessoas com AIDS. E a partir daí
veio o exagero, no caso, para variar, em relação ao otimismo. As pessoas
entendem que com o coquetel a atuação de ONG/AIDS tornou-se desnecessária,
o que está longe de ser verdade. Muitas pessoas entenderam, erradamente,
que o coquetel era a solução. Que praticamente era a cura da AIDS. E não
o é, de forma alguma. Futuramente a AIDS deverá realmente ser uma doença
crônica e controlável, talvez como o diabetes. Mas por enquanto... O
fato é que ainda não se sabe se o coquetel é eficaz por muitos anos.
Por enquanto os remédios componentes do coquetel têm que ser tomados de
diferentes modos: um é antes de refeições, outro é depois; não se
pode interromper o uso dos remédios por um dia sequer; existem efeitos
colaterais importantes, envolvendo inclusive limitação de atividade
sexual e impedimento de se ter filhos.
Eis,
portanto, mais um item no direito de as pessoas obterem informações
corretas. São necessárias informações sobre o tratamento da AIDS. A
informação, por exemplo, de que ainda não há cura e que a prevenção
deve prosseguir através de práticas sexuais mais seguras, da improvável
abstinência sexual, da importância de não se partilhar seringa e agulha
nem para tomar injeção de vitamina, de exigir sangue testado e aprovado
para transfusão. Ou seja, da importância da vida, com ou sem HIV.
A
informação que tanto impacto causou no início, de que a AIDS era uma
doença nova, transmissível por sexo e pelo sangue, incurável e mortal
acabou gerando uma das formas mais cruéis de preconceito: a
morte civil. Quando era descoberto que alguém tinha AIDS - ou era
portador do vírus da AIDS - o que se esperava dessa pessoa era que ela
morresse. De preferência que morresse logo, antes “de alguma forma”
contaminar alguém... Essa pessoa podia perder o emprego, ser expulsa de
casa, ficar abandonada em sua casa sem receber ajuda ou visita, ver
fechadas as portas que deveriam recebê-la, até mesmo as portas dos
hospitais que deveriam tratá-la. No Brasil, um médico praticamente pediu
que até as portas dos cemitérios se fechassem para ela, pois, alardeou
inclusive pela televisão, que “formigas podem levar o vírus da AIDS
dos corpos enterrados nos cemitérios para as ruas”. Disse vários
absurdos numa mesma frase. Mas repare: se um absurdo é dito seriamente na
TV por um médico ou outro profissional supostamente culto e responsável,
certamente não serão poucos os espectadores que no mínimo ficarão em dúvida.
Outra doutora, em Miami, defendendo a comprovadamente falsa teoria de que
mosquitos transmitiriam o HIV, resumiu assim sua tese: “mosquitos são
seringas voadoras”. Poucos concordaram. Pior foi o médico que em pleno
Rio de Janeiro prometia, ainda em 1987, a “cura da AIDS” e para isso
usava vacina anti-rábica, que além de não ter efeito benéfico nenhum
para as pessoas com AIDS poderia ter efeito desastroso e matar essas
pessoas mais rapidamente que o HIV. Essa prática foi denunciada pelo
GAPA-Rio e devidamente proibida apelo Conselho Regional de Medicina. Mas
para alguns ou muitos a esperança era a morte dos “aidéticos”. E a
realidade era a morte civil dos
soropositivos e das pessoas com AIDS.
A
exigência de se fazer testes em massa para se saber quem tem AIDS ou HIV
é uma violação dos direitos humanos. E é contraproducente, como foi
denunciado por inúmeras ONG/AIDS. Se, por exemplo, um presídio realiza
testes compulsórios relacionados com HIV/AIDS, o que acontece? Digamos
que cinco por cento dos testes tenham resultado soropositivo. Que fazer, a
partir daí? Identificar os presidiários infectados? E deixar que eles
sejam devidamente linchados pelos outros? Ou libertá-los? Para
possivelmente contaminar pessoas cá fora? No Rio de Janeiro houve presídios
que fizeram o teste de forma praticamente compulsória. Pediram antes a
opinião do GAPA-Rio e da ABIA que foram contrários ao teste compulsório
e à identificação dos soropositivos. Disseram que não iam identificá-los.
Que iriam, ao contrário, até melhorar a alimentação deles...
Respondemos que se fizessem isso, estariam identificando-os perante os
outros presos... Não nos informaram o que terminaram fazendo ou deixando
de fazer. Nossa sugestão anterior, alternativa ao teste, de realização
de palestras informativas e distribuição de camisinhas foi recusada, com
o argumento de que isso seria “admitir oficialmente a existência de
relações homossexuais no presídio”. E a distribuição poderia ser
oficiosa. Pois se até drogas conseguem entrar em certos presídios...
Preferiram regulamentar o direito a visitas íntimas, ou seja, encontros
amorosos com a esposa ou companheira. Nada contra. Mas sem camisinha esses
encontros podem aumentar a incidência de AIDS entre as mulheres.
O
aumento da incidência de casos de AIDS e, obviamente, de soropositividade
entre as mulheres é uma realidade no Brasil, América Latina e grande
parte do mundo. Com exceção da África Não-Árabe, onde essa incidência
sempre foi altíssima, ou seja, em torno de cinqüenta por cento dos
casos. Comprovando a tese de que o importante não é ser isso ou aquilo e
sim fazer isto ou aquilo, deste ou daquele modo, mulheres, em sua maioria
casadas ou tendo um parceiro fixo a quem eram fiéis, estão sendo
contaminadas exatamente por seus companheiros. Estes dizem, quando admitem
falar do assunto, que transar com camisinha seria admitir para a esposa
que eles não eram fiéis.
O
direito à informação sobre o status sorológico do parceiro gera
controvérsias. Mas admite-se a quebra do sigilo médico, se a pessoa
soropositiva se recusar a revelar que é soropositivo a seu companheiro ou
companheira. A existência da AIDS exige que haja entre os casais diálogo,
honestidade... e bom-senso.
A
implementação do teste anti-HIV pré-nupcial compulsório mostrou-se inútil
e ineficaz, onde ocorreu. No estado de Illinois, Estados Unidos, por
exemplo, o número de candidatos a certidão de casamento diminuiu em
vinte e dois por cento em um ano. E de cento e cinqüenta e cinco mil
(155.000) candidatos que fizeram o teste, apenas vinte e seis (026) eram
soropositivos. O custo foi de U$ 208.000 (duzentos e oito mil dólares)
para cada resultado de soropositividade obtido. A obrigatoriedade do teste
anti-HIV pré-nupcial em Illinois foi revogado em 1989.
Muita
coisa ligada à AIDS é cara. O custo do tratamento, por exemplo,
inclusive e principalmente do coquetel anti-HIV é inacessível para a
grande maioria da população... e para muitos e muitos países...
O
tema é amplo. Inúmeros casos de violação dos direitos das pessoas
portadoras de HIV e das pessoas com AIDS poderiam ser citados. O direito
de ir e vir, por exemplo. Certos países, a começar pelos Estados Unidos,
andaram negando permissão para a entrada dessas pessoas no país.
A
estratégia para a promoção dos direitos das pessoas portadoras de doenças
contagiosas, inclusive e principalmente da mais complexa delas, a AIDS, é
uma apenas: é jamais esquecermos quem deve ser defendido, o ser humano, e
quem dever ser combatido, a doença. No caso da AIDS, o inimigo é o HIV,
um vírus. Toda a estratégia deve levar isso em conta.
Fazer
isso é uma tarefa bastante complicada, porque o HIV só sobrevive dentro
do corpo vivo dos seres humanos. Evidentemente o HIV, como qualquer vírus,
é infinitamente pequeno e é invisível para nós. Já as pessoas... Mas
o HIV é só um vírus. É extremamente primitivo. Causa deficiência
imunológica porque é assim que ele funciona, parasitando determinadas células.
É irônico que o mais simples dos seres, um reles vírus, provoque tantos
problemas aos seres mais complexos da galáxia, nós. Mas se merecemos ter
inteligência e outros dons sofisticados e superiores, é com eles que
entraremos, solidários, no novo século.
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