Chegamos na aldeia
Pataxó de Coroa Vermelha, município de Santa Cruz Cabrália, Bahia, no
dia 17 de abril. Cumprimos o compromisso de refazer os caminhos da
grande invasão sobre nossos territórios, que perdura já 500 anos.
Somos mais de 3.000
representantes, de 140 povos indígenas de todo o país. Percorremos
terras e caminhos dos rios, das montanhas, dos vales e planícies antes
habitados por nossos antepassados. Olhamos com emoção as regiões onde
os povos indígenas dominavam e construíam o futuro, ao longo de 40 mil
anos. Olhamos com emoção as regiões onde os povos indígenas tombaram
defendendo a terra cortada por bandeirantes, por aventureiros, por
garimpeiros e, mais tarde, por estradas, por fazendas, por empresários
com sede de terra, de lucro e de poder.
Refizemos este caminho de
luta e de dor, para retomar a história em nossas próprias mãos e
apontar, novamente, um futuro digno para todos os povos indígenas.
Aqui, nesta Conferência,
analisamos a sociedade brasileira nestes 500 anos de história de sua
construção sobre os nossos territórios. Confirmamos, mais do que
nunca, que esta sociedade, fundada na invasão e no extermínio dos
povos que aqui viviam, foi construída na escravidão e na exploração
dos negros e dos setores populares. É uma história infame, é uma
história indigna.
Dignidade tiveram,
sempre, os perseguidos e os explorados, ao longo destes cinco séculos.
Revoltas, insurreições, movimentos políticos e sociais marcaram
também nossa história, estabelecendo uma linha contínua de
resistência.
Por isso, voltamos a
recuperar essa marca do passado para projetá-la em direção ao futuro,
nos unindo aos movimentos negro e popular e construindo uma aliança
maior: a Resistência Indígena, Negra e Popular.
Nossas
principais exigências e propostas:
São as seguintes as
principais exigências e propostas dos povos indígenas para o Estado
brasileiro, destacadas por esta Conferência:
1. cumprimento dos direitos dos povos
indígenas garantidos na Constituição Federal:
- Até o final do ano 2000 exigimos a
demarcação e regularização de todas as terras indígenas;
- Revogação do Decreto 1.775/96;
- Garantia e proteção das terras
indígenas;
- Devolução dos territórios
reivindicados pelos diversos povos indígenas do Brasil inteiro;
- Ampliação dos limites das áreas
insuficientes para a vida e o crescimento das famílias indígenas;
- Desintrusão (retirada dos invasores)
de todas as terras demarcadas, indenização e recuperação das
áreas e dos rios degradados, como por exemplo o Rio São Francisco;
- Reconhecimento dos povos ressurgidos e
seus territórios;
- Proteção contra a invasão dos
territórios dos povos isolados;
- Desconstituição dos municípios
instalados ilegalmente em área indígena;
- respeito ao direito de usufruto
exclusivo dos recursos naturais contidos nas áreas indígenas, com
atenção especial à biopirataria;
- paralisação da construção de
hidrelétricas, hidrovias, ferrovias, rodovias, gasodutos em
andamento e indenização pelos danos causados pelos projetos já
realizados;
- apoio a auto-sustentação, com
recursos financeiros destinados a projetos agrícolas, entre outros,
para as comunidades indígenas.
2. a imediata aprovação da Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
3. aprovação do Estatuto dos Povos
Indígenas que tramita no Congresso Nacional conforme aprovado pelos
povos e organizações indígenas (PL 2.057/91);
4. o fim de todas as formas de
discriminação, expulsão, massacres, ameaças às lideranças,
violências e impunidade. Apuração imediata de todos os crimes
cometidos contra os povos indígenas nos últimos 20 anos e punição
dos responsáveis. Exigimos o respeito às nossas culturas, tradições,
línguas, religiões dos diferentes povos indígenas do Brasil;
5. a punição dos responsáveis pela
esterilização criminosa das mulheres indígenas a critério da
comunidade;
6. que a verdadeira história deste país
seja reconhecida e ensinada nas escolas, levando em conta os milhares de
anos de existência das populações indígenas nesta terra;
7. reestruturação do órgão
indigenista, seu fortalecimento e sua vinculação à Presidência da
República, através de uma Secretaria de Assuntos Indígenas,
consultando-se as organizações de base quanto a escolha dos
secretários;
8. que o presidente da Funai seja eleito
pelos povos indígenas com indicação das diferentes regiões do
Brasil;
9. a educação tem que estar a serviço
das lutas indígenas e do fortalecimento das nossas culturas;
10. que seja garantido o acesso dos
estudantes indígenas nas universidades federais sem o vestibular;
11. reforma, ampliação e construção
das escolas indígenas e oferta de ensino em todos os níveis,
garantido-se o magistério indígena e educação de segundo grau
profissionalizante;
12. fiscalização da aplicação das
verbas destinadas às escolas indígenas, criando um Conselho Indígena;
13. a educação escolar indígena e o
atendimento à saúde deve ser de responsabilidade federal. Rejeitamos
as tentativas de estadualização e municipalização;
14. a Lei Arouca, que institui um
subsistema de atenção à saúde dos povos indígena, seja aplicada;
15. fortalecer e ampliar a participação
ativa das comunidades e lideranças nas instâncias decisórias das
políticas públicas para os povos indígenas, em especial, que os
Distritos Sanitários Especiais Indígenas tenham autonomia nas
deliberações;
16. o atendimento de saúde deve
considerar e respeitar a cultura do povo. A medicina tradicional deve
ser valorizada e fortalecida;
17. formação específica e de qualidade
para professores, agentes de saúde e demais profissionais indígenas
que atuam junto às comunidades;
18. que seja elaborada uma política
específica para cada grande região do país, com a participação
ampla dos povos indígenas e de todos os segmentos da sociedade, a
partir dos conhecimentos e projetos de vida existentes;
19. fortalecer o impedimento da entrada
(e retirada) das polícias Militar e Civil de dentro das áreas
indígenas sem autorização das lideranças;
20. exigimos a extinção dos processos
judiciais contrários a demarcação das terras tradicionais ocupadas
pelos povos indígenas.
Nós, povos indígenas do
Brasil, percorremos já um longo caminho de reconstrução dos nossos
territórios e das nossas comunidades. Com essa história firmemente
agarrada por nossas mãos coletivas, temos a certeza de que rompemos com
o triste passado e nos lançamos com confiança em direção ao futuro.
Apesar do peso da velha
história, inscrita nas classes dominantes deste país, na sua cultura,
nas suas práticas políticas e econômicas e nas suas instituições de
Estado, já lançamos o nosso grito de guerra e fundamos o início de
uma nova história, a grande história dos "Outros 500".
A nossa luta indígena é
uma homenagem aos inúmeros heróis que tombaram guerreando ao longo de
cinco séculos. A nossa luta é para nossos filhos e netos, povos livres
numa terra livre.
Coroa Vermelha, Bahia, 21
de abril de 2000.