SUMÁRIO
Apresentação
Introdução
Transcrições
das exposições e debates do Seminário
Abertura
Aspectos
jurídicos e legais da orientação homossexual
Políticas
públicas e ações governamentais
Debates
Entidades
Carta
de Brasília
Projeto
de Lei sugerido pelos participantes do seminário
APRESENTAÇÃO
A questão
da cidadania do homossexual é uma realidade a cada dia
mais presente nos trabalhos da Comissão de Direitos
Humanos. Em 1999, recebemos de diversas entidades denúncias
sobre violações dos direitos dos homossexuais. Por outro
lado, é um dos grupos vulneráveis que mais rapidamente
vem se organizando no Brasil em prol de seus legítimos
interesses.
Mas os
dados sobre os crimes que se cometem contra os homossexuais
são alarmantes. De acordo com a ABGLT - Associação Brasileira
de Gays, Lésbicas e Travestis, a cada três dias, um
homossexual é assassinato no país em decorrência de
sua condição sexual. É crescente o número de crimes
de torturas, agressões, ameaças e difamações, principalmente
nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo,
onde há um número maior de violações.
Os dados
ainda são incompletos e parciais, tendo em vista que
muitos crimes não são sequer registrados. É que, freqüentemente,
ao tentar registrar agressões junto às delegacias, homossexuais
acabam sendo vítimas de mais discriminação e preconceito
por parte dos próprios policiais, passando de denunciantes
a denunciados. As ocorrências são então modificadas
ou desestimuladas.
Os estudiosos
demonstram em suas pesquisas que somos uma sociedade
homofóbica, ou seja, há uma especificidade na discriminação
existente contra os homossexuais. Neste contexto, o
que motiva o crime ou o preconceito, muitas vezes, é
a rejeição pura e simples da pessoa em razão de sua
orientação sexual. O homem que opta por ser gay, travesti,
transexual ou a mulher que opta por ser lésbica, são
vistos como desequilibrados, desajustados, doentes que
precisam ser excluídos do convívio social. Tudo isso
reforça uma cultura hermética e machista que desrespeita
a pessoa humana e fere o direito e a liberdade de exercer
livremente sua sexualidade.
Estamos
certos que o nosso desafio é grandioso, já que não basta
legislarmos para tornar cada vez mais eficaz o ordenamento
jurídico na punição dos crimes praticados contra os
homossexuais. Precisamos igualmente atuar no fomento
de ações afirmativas, nas quais a especificidade da
cidadania dos homossexuais esteja incorporada a políticas
públicas. No combate à violência, é preciso desde educar
nossas polícias para o respeito à orientação homossexual,
até incentivar a criação de disque-denúncias e programas
voltados ao combate à impunidade.
Esta publicação
é um meio de contribuição a esse processo de conscientização
dos direitos humanos dos homossexuais. Além de divulgar
a íntegra dos debates do seminário realizado em setembro
de 1991 pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados, em conjunto com a Secretaria de Estado
de Direitos Humanos (Ministério da Justiça) e com o
apoio de várias organizações não-governamentais. Por
ter sido rico e contado com presença de lideranças nacionais
que refletem sobre o tema, decidimos transcrever o debate
tal como ele ocorreu. Estes Anais também contém a Carta
de Brasília, com as conclusões e recomendações
do encontro, além de cópia do Projeto de Lei 1.904/99,
que apresentamos em antendimento a uma sugestão consensual
das entidades participantes do evento.
Desta forma,
esperamos que cada vez mais os Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário, bem como do conjunto da sociedade,
assumam iniciativas voltadas para o combate às discriminações,
inclusive dos homossexuais. Se todos fizerem a sua parte,
contribuiremos para construir uma sociedade pluralista,
verdadeiramente democrática e humanista.
Deputado
Nilmário Miranda
Presidente
da Comissão de Direitos Humanos
INTRODUÇÃO
SEMINÁRIO
CIDADANIA HOMOSSEXUAL E DIREITOS HUMANOS
O Seminário
Direitos Humanos e Cidadania Homossexual foi realizado
no dia 21 de setembro de 1999, no plenário 9 do Anexo
II da Câmara dos Deputados, pela Comissão de Direitos
Humanos da Câmara, em conjunto com a Secretaria de Estado
de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, contando
ainda com o inestimável apoio de organizações não-governamentais
representativas dos segmentos homossexuais da população
homossexual, como a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas
e Travestis, Fórum Paulista da Gays, Lésbicas, Bissexuais
e Transgêneros, Grupo Corsa, Associação de Travestis
e Liberados-RJ, Grupo Gay da Bahia e Núcleo de Gays
e Lésbicas do PT.
Na ocasião
foram debatidos os direitos dos homossexuais, ações
afirmativas, aspectos jurídicos e legais da orientação
homossexual, políticas públicas e ações governamentais.
Foram apresentadas diversas denúncias de violações dos
direitos humanos de cidadãos homossexuais no país.
Participam
do seminário, entre outros expositores, a ex-deputada
Marta Suplicy; o procurador da República Aurélio Virgílio
Rios; o diretor do Departamento de Direitos Humanos,
Ivair Augusto dos Santos; e o representante da Rede
Nacional de Direitos Humanos, Raldo Bonifácio.
TRANSCRIÇÃO
DAS EXPOSIÇÕES E DEBATES DO SEMINÁRIO
DIREITOS
HUMANOS E CIDADANIA HOMOSSEXUAL
ABERTURA
O SR. COORDENADOR
(Deputado Nilmário Miranda) - Declaro abertos os trabalhos
da Comissão de Direitos Humanos, dando início ao seminário
Direitos Humanos e Cidadania Homossexual.
Antes de
explicar a dinâmica desse evento, quero dizer a todos
os presentes que a Câmara dos Deputados acabou de votar,
há exatamente dez minutos, projeto de lei de iniciativa
popular que aqui chegou com 1 milhão de assinaturas.
Esse projeto, que é uma novidade, pune a corrupção eleitoral
antes das eleições. Qualquer eleitor corrompido por
um candidato, com distribuição de bens de qualquer natureza
em troca do voto, pode denunciar o político. O eleitor
terá o perdão judicial, e o candidato pode ter a sua
candidatura impugnada, cassada. Essa denúncia impede,
lá no começo, a própria candidatura.
Esse projeto
é oriundo de uma articulação que envolveu dezenas de
entidades da sociedade civil e foi liderado por igrejas
evangélicas e católicas, pela OAB, pelas Centrais Sindicais
e por diversas ONGs que, durante um ano, coletaram um
milhão de assinaturas com o devido título de eleitor,
o que é uma atividade muito difícil. É o segundo projeto
de iniciativa popular que chegou no Congresso Nacional
em dez anos. Só dois conseguiram isso, o de moradia
e esse.
Vamos iniciar
este seminário sabendo que, devido à importância da
referida votação, a sessão extraordinária da Câmara
dos Deputados se estendeu além do tempo previsto, provocando
atraso no início do nosso seminário.
Antes de
mencionar a importância e o significado deste seminário,
convido para compor a Mesa, em primeiro lugar, a ex-Deputada
Marta Suplicy, uma das expositoras que, sendo autora
de um projeto a respeito do assunto, deixou aqui seu
rastro. Convido também os Srs. Aurélio Virgílio Rios,
Procurador Federal; Ivair Augusto Alves dos Santos,
militante dos Direitos Humanos que "emprestamos"
ao Governo e que aqui está representando o Ministério
da Justiça, na qualidade de chefe do Departamento de
Direitos Humanos daquele ministério; e Cláudio Nascimento,
representante da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas
e Travestis. Naturalmente, não tenho como chamar para
a Mesa todos os companheiros e companheiras que aqui
usarão da palavra.
Vamos começar
ouvindo os nossos convidados. Já estão inscritos para
usar da palavra a Sra. Zora Yonara Iones, Diretora do
Grupo de Lésbicas da Bahia e Secretária Adjunta de Direitos
Humanos da ABGLT; o Sr. Marcelo Cerqueira; a Sra. Rosângela
Castro; o Sr. Roberto de Oliveira; o Sr. Midori Amorim;
o Sr. Derli Luiz; o Sr. Danne Roos e o Sr. Enilson Ferreira.
Em seguida, passaremos a palavra aos expositores, o
Sr. Cláudio Nascimento; o Dr. Aurélio Virgílio Rios;
o Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos; o Sr. Raldo Bonifácio,
da Rede Nacional de Direitos Humanos, do Ministério
da Saúde; e a Deputada Marta Suplicy, que estão compondo
a Mesa.
Esta é
a primeira vez que, no Congresso Nacional, os direitos
humanos dos cidadãos homossexuais são debatidos em evento
organizado exclusivamente para esse fim. O modesto número
de pessoas presentes reflete as dificuldades naturais
de iniciativas como esta, inclusive o preconceito da
sociedade sobre o assunto.
Na realidade,
os homossexuais constituem uma parcela significativa
da população e são um dos setores mais vitimados pela
violência. O número de casos de violação dos direitos
humanos dos homossexuais é alto, se comparado ao de
outros setores. Todos sabemos da intolerância e da discriminação
que pesa sobre esses cidadãos e essas cidadãs. As agressões
têm atingido proporções alarmantes. São numerosos os
casos de ação de grupos de extermínio e de violência
policial contra essa parcela de nossa população.
Cidades
como o Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Goiânia
registram uma expressiva quantidade de homicídios, torturas
e agressões físicas envolvendo gays, lésbicas,
travestis e transexuais. Grande parte desses crimes
tem ficado na impunidade por falta de empenho das instituições
policiais e judiciárias, nas quais a discriminação persiste,
a exemplo de outras instituições.
A Constituição
Federal dispõe sobre o princípio da dignidade da pessoa
humana como um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil. Há também dispositivos que asseguram direitos
à intimidade, à vida privada, à proibição de qualquer
discriminação etc. No entanto, o que se vê é o constante
desrespeito desses direitos pela sociedade brasileira.
Não haverá um verdadeiro Estado Democrático de Direito
enquanto a liberdade e a privacidade das pessoas não
forem efetivamente asseguradas, tanto pela Legislação
quanto pelas instituições e entidades governamentais.
Políticas públicas voltadas especificamente para os
direitos dos homossexuais devem ser agilizadas, para
que se crie uma cultura e uma educação de respeito à
liberdade e à orientação sexual das pessoas.
O Programa
Nacional dos Direitos Humanos não incorporou uma extensão
adequada às demandas dos cidadãos homossexuais. A representação
desses setores nos organismos colegiados do Estado não
corresponde à amplitude de sua presença na sociedade.
Esses são indicadores incontestáveis de que é preciso
agirmos no sentido de garantir os valores democráticos
em toda a extensão dos direitos humanos aos homossexuais.
A votação
do projeto de lei da união civil, apresentado pela Deputada
Marta Suplicy, revelou as dificuldades que essa caminhada
impõe. Mas foi um começo — um bom começo! Outras proposições
que assegurem os interesses e direitos legítimos dessa
parcela de nossa população serão apresentados e debatidos.
A Parada Gay de São Paulo, com cerca de 30 mil participantes,
revelou a força crescente da mobilização dos diferentes
setores da população homossexual do País.
Ao realizar
este evento, em conjunto com a Secretaria de Estado
de Direitos Humanos, aqui representada pelo Dr. Ivair
Augusto dos Santos, a Comissão de Direitos Humanos assume
o compromisso de intensificar a luta pela garantia dos
direitos fundamentais de todos os cidadãos homossexuais
e se coloca à disposição para, juntos, apresentarmos
alternativas nessa luta.
Está presente
também o Deputado Nelson Pellegrino, Vice-Presidente
da Comissão de Direitos Humanos e ex-Presidente da Comissão
de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia
durante oito anos. Após a votação em plenário, S.Exa.
foi fazer um lanche, para agora vir presidir os trabalhos
da Comissão, conforme combinamos.
Passo a
Presidência ao Deputado Nelson Pellegrino.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Inicialmente, daremos a
palavra ao Sr. Marcelo Cerqueira, Diretor do GGB, Grupo
Gay da Bahia, e também Secretário de Saúde da ABLT.
Ele é um velho conhecido da Bahia e, juntamente com
outros companheiros, tem feito um importante trabalho
em seu Estado.
Com a palavra o companheiro
Marcelo.
O SR. MARCELO
CERQUEIRA - Senhoras e senhores, boa-tarde. Sou Vice-Presidente do
Grupo Gay da Bahia e estou aqui para trazer depoimento
quanto à violação dos direitos humanos dos homossexuais,
gays, lésbicas e travestis no Estado.
Ultimamente,
estamos vivendo um regime de autoritarismo, de prisão
e de violência em Salvador, pois a Secretária de Segurança
Pública, Kátia Alves, autorizou prender todos os travestis
que estiverem nas ruas da cidade a partir de determinado
horário. É uma vergonha sermos obrigados a conviver
com esse tipo de violência e de agressão em nossa cidade
e num Estado como o nosso. Trago também o dossiê da
violação dos direitos humanos de homossexuais no Brasil
no ano de 1998, em que constatamos 116 assassinatos
de homossexuais, sendo 73 gays, 36 travestis
e 7 lésbicas.
Essa situação
é alarmante. O ano de 1999 nem terminou, e já constatamos,
através de pesquisas na imprensa, que 104 homossexuais
foram assassinados no Brasil.
Bahia e
São Paulo são os Estados onde mais se matam homossexuais.
Existe uma cultura que determina que o homossexual é
frágil, é um cidadão de segunda categoria; por isso,
tem seus direitos desrespeitados constantemente nos
Estados da Bahia e de São Paulo.
O SR. COORDENADOR
(Deputado Nelson Pellegrino) - Passo a palavra à Sra. Rosângela
Castro, diretora do Grupo Arco-Íris e Secretaria de
Mulheres da ABGLT.
A SRA.
ROSÂNGELA CASTRO - Senhoras e senhores, a Secretaria de Mulheres da
ABGLT agradece o convite para este seminário, que, com
certeza, é um marco para o movimento homossexual brasileiro
e também um incentivo do Ministério da Justiça para
que possamos estar aqui.
A discriminação
em função da orientação sexual tem levado ao isolamento
e à marginalização das lésbicas por parte da sociedade.
Acreditamos que, se não lutarmos, se não colocarmos
a nossa cara nas ruas para mudar a atual situação, seremos
penalizadas mais uma vez com o esquecimento e continuaremos
isoladas e invisíveis.
A violação
de nossos direitos começa em nossas próprias casas.
Quando descoberta a nossa orientação sexual, somos humilhadas,
espancadas e expulsas, em alguns casos, como temos conhecimento,
e até abusadas sexualmente para aprendermos a gostar
de homens. Nós gostamos de homens, sim; apenas não os
queremos para nossos companheiros, para construirmos
e compartilharmos as nossas vidas. Às vezes temos de
sair muito cedo das escolas, devido às pressões sofridas
e à falta de preparo dos professores e das equipes pedagógicas
para enfrentarem a questão da homossexualidade. Muitas
vezes, são eles os grandes discriminadores.
O direito
à religião também nos é vedado, quando somos colocadas
como pecadoras e transgressoras da vontade de Deus,
e nos falam que não herdaremos o reino dos Céus e não
somos dignas de suas bênçãos. Também somos demitidas
de nossos trabalhos. A mídia em pouco tem ajudado a
dignificar a nossa imagem, pois continuamos como sapatões,
mulher-macho, paraíba, caminhoneira, roceira, roçona,
a que deu para ruim. Nas raras vezes em que aparecemos
com uma situação financeira estável, bem-sucedidas profissionalmente
e numa relação saudável de afeto e amor, somos mortas
ou em acidente de carro ou queimadas em incêndio no
shopping center.
Acreditamos
que esta é a hora de nós, lésbicas, defendermos os nossos
direitos, pois temos a força necessária para conseguir
mudanças sociais e políticas fundamentais, para sermos
cidadãs de plenos direitos na sociedade em que vivemos,
de modo a acabar com a discriminação a que somos sujeitas.
Queremos
acesso aos serviços de saúde, a barreiras para prática
de sexo mais seguro, à partilha de bens, a colocarmos
nossas companheiras como beneficiárias de nossos planos
de saúde, de nossos clubes e de nossas colônias de férias.
Queremos e temos direito a PCR, temos direitos à guarda
de nossos filhos.
Dos crimes
contra lésbicas, 60% estão caracterizados pela "lesbofobia"
e apresentam requintes de crueldade, como objetos introduzidos
nas genitálias e queimaduras no corpo. Devido à invisibilidade
das lésbicas, de 1970 a 1999, segundo o Grupo Gay da
Bahia e o Grupo Lésbica da Bahia, temos registrados
apenas 60 casos de assassinatos — o que não corresponde
à realidade, até porque nossos familiares prezam para
que não seja divulgada a nossa orientação sexual.
Algumas
coisas se modificaram. Temos acompanhado casos de sucesso
de companheiras que tiveram seus direitos violados,
como o de uma que recebeu indenização da fábrica Aymoré
ao ter sido demitida por ser lésbica. Acompanhamos também,
inclusive nesta Casa, o caso de duas companheiras que
tiveram seus direitos violados, ficaram presas onze
meses e ainda correm o risco de ser julgadas. Mas o
movimento homossexual brasileiro acredita que justiça
será feita. Já tivemos exemplos positivos, e já conseguimos
também que gays e lésbicas conseguissem partilha
de bens, na Justiça do Rio de Janeiro.
Safo, a
quem em sua homenagem somos chamadas de lésbicas, há
640 anos antes de Cristo falou: "Alguém, creio,
se lembrará de nós no futuro, e acreditamos que sem
os homossexuais os direitos não são humanos".
Obrigada.
(Palmas.)
O SR. COORDENADOR
(Deputado Nelson Pellegrino) - Passo a palavra a Sra. Zora
Yonara Iones, diretora do Grupo Lésbicas da Bahia e
também secretária adjunta de Direitos Humanos da ABGLT.
A SRA.
ZORA YONARA IONES COSTA - Sr. Presidente, senhoras e senhores, eu queria
agradecer a presença de todos os grupos, de todas as
pessoas que aqui estão, porque este é um grande passo
para a conquista dos direitos dos homossexuais no Brasil.
Nós, homossexuais,
temos pouco a comemorar nesses vinte anos da existência
do movimento homossexual no Brasil. Cada vez mais nos
temos concentrado para a realização e concretização
de políticas públicas, que são ações plenas, grandes
e únicas, mas decerto pequenas para o que temos ainda
a fazer. Este é um processo que vem sendo conquistado
com muita dificuldade em nosso País, e temo que entremos
no novo milênio com mais registros negativos na nossa
causa do que positivos. Se todos temos direitos iguais,
então por que, quase na passagem do milênio, ainda não
conseguimos políticas públicas efetivas e leis que nos
protejam contra tanto ódio e intolerância?
Atualmente,
no Brasil, temos 73 leis orgânicas municipais que, em
sua constituição, rezam sobre a não-discriminação por
orientação sexual. Aqui está um exemplo vivo de ação
concreta e política pública. Mas queremos mais, Senhoras
e Senhores: queremos que a nossa Carta Magna, a Constituição
Federal, tenha escrito que é proibido discriminar por
orientação sexual em âmbito nacional. E já existe um
projeto de reformulação ou alteração do art. 5º da Constituição
Federal, do Deputado Federal Marcos Rolim.
Precisamos
que os nossos governantes tenham boa vontade e nos ajudem,
política e socialmente, para que essa lei seja aprovada,
pois nossa população de gays, lésbicas e travestis
está carente de um regimento que nos proteja e de apoio
oficial do Governo para que os nossos direitos humanos
sejam garantidos por lei. Por isso, reforço meu pedido
e digo que nós dependemos do apoio de toda a sociedade
para que leis sejam concretizadas. Todos temos responsabilidade,
neste instante, e essa população, que é constituída
de 10% do total, aproximadamente, necessita dessas leis
que nos protejam contra tamanha violência.
Somos homossexuais
e somos brasileiros. Temos voz e nunca iremos silenciar.
Afinal, o silêncio é igual a morte. E queremos agora
gritar aos quatro cantos do Brasil que dentro de nós
há uma alma viva e latente por direitos que nos são
negados em todos os âmbitos sociais, no seio familiar,
na escola, entre os vizinhos, e também na forma mais
sublime, que é o amor por outra pessoa. Mas estamos
aqui para mudar o curso desse caminho sombrio, instituído
por aqueles que insistem em nos calar e nos matar socialmente.
Obrigada.
(Palmas.)
VOLTA AO SUMÁRIO
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Passo a palavra, em seguida,
ao Sr. Roberto de Oliveira, Coordenador do Grupo de
Gays e Lésbicas do Partido dos Trabalhadores.
O SR. ROBERTO
DE OLIVEIRA SILVA - Boa-tarde a todos. O que queremos ressaltar
é que no Brasil o preconceito é cultural, é histórico
— ou seja, ele foi socialmente construído. Entendemos
que não será por decreto que vamos conseguir eliminar
o preconceito da sociedade brasileira, mas isso não
impede que o Estado, enquanto regulador das relações
sociais, possa e deva criar políticas públicas e mecanismos
de combate ao preconceito.
Na questão
da educação, entendemos claramente que seria necessária
a inserção da educação sexual sem preconceitos desde
o ensino básico, e também o combate à violência social
— a grande bandeira que temos hoje é a tipificação do
crime de ódio — mais geral, à violência policial e à
violência judiciária. Em particular, precisamos combater
o crescimento do neonazismo no Brasil, que em São Paulo,
pelo menos, tem crescido e exercido ações quase que
cotidianas contra negros, nordestinos e homossexuais.
Gostaríamos
que esta Casa garantisse — não sei como, porque a Deputada
Marta Suplicy já saiu do Congresso — a aprovação do
Projeto de Parceria Civil, que, com certeza, já eliminaria
muitas situações esdrúxulas que gays e lésbicas
vivem neste País.
Basicamente,
seria isto. Mais tarde, no debate, teremos outras questões.
Obrigado.
(Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Passo a palavra ao Sr. Midori
Amorim, secretário da Associação dos Travestis e também
da ABGLT.
O SR. MIDORI
AMORIM - Boa-tarde a todos. Estou aqui representando a frente
de discriminação de toda a homossexualidade brasileira.
Nós, travestis, somos alvos fáceis, porque muitas das
vezes somos profissionais de sexo e nos tornamos alvos
muito fáceis de serem abatidos por preconceituosos e
discriminadores.
Em São
Paulo, ultimamente, nós temos uma grande luta contra
a FAC, que é a Frente Anticaos, um grupo neonazista
que está tentando eliminar todos os homossexuais. E
não só a FAC, também o Governo está tentando fazer isso,
dizendo que vai moralizar São Paulo tirando os travestis
da rua. Não sei como, porque a moralização não é por
esse lado, discriminando pessoas e tirando seus direitos
civis e humanos.
Quanto
à questão de termos leis, eu peço por favor, encarecidamente,
a todos aqui desta Casa que tentem fazer uma lei pela
criminalização, não por orientação, não por crimes de
ódio, porque crimes de ódio é uma lei que vai abranger
muitas coisas; mas que comecem, pelo menos, com a criminalização
das pessoas que nos discriminam. Nós queremos criminalizar
essas pessoas que não nos deixam entrar, que nos batem,
nos espancam e muitas das vezes nos matam.
Eu sofri
muito porque fui presa injustamente, por conta de uma
denúncia feita por um Promotor de São Paulo, dizendo
que no Butantã, que é um bairro nobre de São Paulo,
estava havendo tráfico de drogas por parte dos travestis.
Não tinha isso. Só que eu fui pega para provar essa
denúncia, porque eu sabia dos meus direitos e estava
brigando por eles — não só pelos meus como pelos das
outras travestis que estavam sendo presas naquele dia.
E, para provar essa denúncia, eles me forjaram um tráfico
de drogas.
Eu fiquei
presa seis meses. Por uma questão judicial, eu não fui
solta porque teve um excesso de prazo. As minhas audiências
eram de dois em dois meses, o que é um absurdo. Depois,
naturalmente, eu vou fazer a denúncia. Eu trouxe um
outro relatório aqui para esta Comissão avaliar e me
ajudar no que for possível.
Quanto
à questão do travesti no Brasil, como eu já disse, nós
somos a linha de frente de toda essa discriminação a
homossexuais. Então, eu peço mais uma vez, encarecidamente,
que seja feita uma lei de criminalização a esses crimes
contra nós todos, gays, homossexuais, lésbicas,
travestis e transexuais.
Obrigada.
(Palmas.)
VOLTA AO SUMÁRIO
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Então, esta denúncia a que
V.Sa. se referiu, quer formular agora ou vai encaminhar
diretamente à Comissão?
O SR. MIDORI
AMORIM - Eu tenho o relatório pronto. Se V.Exas. quiserem, eu
poderei ler e passarei depois aos senhores. No dia 10
de novembro de 1998, aproximadamente às 22h30min, encontrava-me
trabalhando como voluntária do GRAPA (Grupo de Apoio
e Prevenção à AIDS), de São Paulo, GIVI (Grupo de Incentivo
à Vida), e CORSA (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade
e Amor), do qual faço parte da Coordenadoria de Travestis,
junto aos trabalhadores do sexo, na região do hipódromo,
que é o Jóquei Clube de São Paulo, no Butantã, pois
também trabalhava como profissional do sexo.
Quando
estava na Praça Hugo Sarmento, parou um carro do tipo
Monza com dois ocupantes, que se apresentaram como possíveis
clientes. Perguntaram o preço de um programa e eu informei.
Eles aceitaram fazer. Entrei no carro e fomos em direção
a um hotel ali na região. Só que, no caminho do hotel,
eles começaram a perguntar: "Você vende droga?".
Eu disse que não vendia. "Você usa?" Disse:
"Não uso e nunca usei". "E você não conhece
quem vende?" Eu disse que não conhecia porque nunca
usei droga e não saberia dizer. Então eles entraram
numa direção oposta ao hotel e falaram que iríamos tomar
cerveja. Eu disse que a cerveja nós tomaríamos no hotel,
porque seria mais cômodo, já que nós iríamos fazer sexo
no hotel. Eles aceleraram o carro nesse momento, e um,
o que estava no banco de trás, agarrou-me por trás,
enforcando-me com os braços. Foi quando o outro me batia,
o que estava dirigindo, com os cotovelos, e dando-me
pontapés também. Então eu consegui morder o que estava
me enforcando, para que ele não me enforcasse mais,
e escapei dele. Eu puxei o freio de mão do carro.
O carro
parou. Eu tentei descer, mas foi em vão. Eles pararam
o carro — já estava parado — e começaram a me espancar
mais ainda. Foi quando escapei deles e comecei a correr
na rua. Eles correram atrás de mim e conseguiram me
apanhar. Só que nós conseguimos brigar muito. Brigamos
cerca de dez minutos. Eram dois contra eu só. Só que,
por trás da rua onde eu estava, a duas quadras, tinha
um caminhão-baú da Delegacia de Narcóticos de São Paulo
com cerca de 45 travestis e 30 mulheres prostitutas
já dentro do caminhão. Então, vieram correndo cerca
de três policiais e conseguiram me agarrar. Aí, então,
eu fui saber que os dois que estavam brigando comigo
eram policiais dessa mesma instituição. Então, fui amarrada
com cordas de sisal, algemada nos pés e nas mãos, e
fui arrastada no chão. Eles me espancaram muito a ponto
de eu desmaiar.
Eu acordei
e já estava dentro da Delegacia do DENARC, no centro
de São Paulo, não sei quanto tempo depois. Então, começaram
mais uma outra sessão de torturas. E essa já foi com
cabo de vassoura, com pedaços de cano de ferro, tacos
de beisebol. Eu me lembro muito que num deles vinha
escrito assim: "Direitos humanos". E eles
diziam que era o que eu tinha muito porque eu havia
brigado pelos meus direitos naquele momento, e me espancavam
muito com aquele taco de beisebol, ao ponto de me quebrarem
o nariz, a boca e algumas outras partes.
Daí, então,
eu fui levada ao IML para nada, porque a minha guia
de exame de corpo e delito veio em branco e a deles
veio assinada de todas as outras formas de agressão
que eu teria feito contra eles. Depois de eu ter voltado
do IML, trancaram-me numa sala escura e jogaram-me um
ácido no olho, do qual sofro da vista até hoje. Não
consigo enxergar direito. Eu não conseguia enxergar
quem estava me espancando. Espancaram-me até cerca das
7 horas da manhã. Eu acho que de tortura deve ter sido
cerca de umas 6 horas. Paravam, eu pensava que eles
iriam parar e diziam que não, que era só revezamento,
que tinha mais policiais para me bater.
Aí, de
manhã cedo, às 9 horas da manhã, eu assinei o Boletim
de Ocorrência forçada, porque eu não sabia do que se
tratava. Eles me disseram que era de drogas, que eles
tinham me forjado um tráfico de drogas para eu aprender
direito todos os meus direitos que eu tinha e para ver
se eu saberia me livrar daquela situação. Eu fiquei
presa por seis meses dentro da Delegacia. Nós sofríamos
tortura por conta do GARRA e do GOE. O GOE é o Grupo
de Operações Especiais e o GARRA é o Grupo de Ataque
e Repressão à alguma coisa armada.
Então,
eles sempre entravam de madrugada, cerca de 3 ou 4 horas
da madrugada, encapuzados, me excluíam do meio dos outros
presos — havia 180 presos ali comigo no Distrito do
Ipiranga, no 17º — e me espancavam para um lado porque
eu era travesti, e espancavam os outros juntos jogando
água fria, deixando-nos nus e coisas desse tipo.
Além de
eu não ter um acesso ao apoio jurídico, foram apontados
dois advogados para me defender, os quais também tentaram
me incriminar, porque eles diziam que os nomes dos advogados
eram Adail Leone e Eula do Prado. Na primeira visita
que a Dra. Eula me fez, ela disse que eu merecia castigo
porque era muito rebelde. Na segunda visita foi o Dr.
Adail que me fez. Ele batia no meu ombro e dizia: "Não
se preocupe, porque o lugar para onde você vai, do que
você gosta tem um monte". No entanto, seria o Carandiru,
que tem sete mil homens. Ou seja, ele queria que eu
fosse condenado para ir para o Carandiru. Condenado,
sim, por uma coisa que eu não fiz, apenas por ser travesti
e estar ali trabalhando para sobreviver.
E aí, então,
eu fiquei seis meses preso, até que consegui outros
advogados, e eles conseguiram fazer relaxamento de flagrante,
não relaxaram de artigo. O artigo continua sendo o 12.
Eu ainda respondo a processo. Mudou de processo para
diligência. Eu posso ainda ser condenada.
Então,
eu faço essa denúncia, pedindo apoio desta Casa para
que me ajudem nesta luta. Eu nunca fui traficante, nunca
usei drogas, tanto que nunca foi pedido exame nenhum
de entorpecentes para que eu fizesse. Foi negado, aliás
não foi nem lido pela Juíza um pedido de exame de corpo
e delito no momento em que eu entrei na Delegacia, no
dia seguinte ao meu espancamento pelos policiais e pela
tortura.
Isso tudo
é muito revoltante porque eu sempre, vamos dizer assim,
briguei pelas questões de discriminação, principalmente
contra travestis, que é quem eu conheço mais. E, de
repente, eu própria ser apunhalada pelos próprios policiais...
Mas não tinha só eu. Há outras travestis também que
foram incriminadas, várias por roubo, várias outras
por tentativa de homicídio — quatro travestis foram
incriminadas por isso — e outras por assalto. Por quê?
Porque é a forma legal que eles têm de nos tirar da
rua. Eles forjam esses crimes em nós e dizem: "Nós
não podemos incriminá-la por você estar andando de mulher,
nós não podemos incriminá-la por você fazer prostituição,
nós a incriminamos por direitos. Vocês são assaltantes.
Vocês são traficantes. Vocês são assassinas." Então,
eles forjam isso e nos prendem. Então, esta eu acho
que seja a forma que o Governo esteja usando para tirar
os travestis da rua.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - A denúncia precisa ser encaminhada
por escrito, Sr. Midori Amorim, para que a Mesa, no
âmbito da Comissão, possa dar-lhe seguimento.
Passo a
palavra, em seguida, ao Sr. Derli Luiz, da Associação
Goiana de Gays e Lésbicas e após ao Sr. Danne
Roos, do Grupo Dignidade, do Rio Grande do Sul.
O SR. DERLI
LUIZ CHAVES - Primeiramente, boa-tarde. Quero, mais uma vez, agradecer
o convite para estar aqui. Nós, que vivemos na região
Centro-Oeste, sabemos que a situação aqui não é diferente
da que há no Sudeste ou no Nordeste. Sabemos que também
aqui a homofobia é grande, e sofremos muito por isso.
Se estamos aqui hoje, mais uma vez, reunidos para discutir
os direitos humanos, é porque acreditamos na Justiça
e sabemos que ainda podemos ter esperança de um dia
não precisarmos mais estar reunidos para discutir direitos
humanos, e sim direitos gerais, legais, como educação
e outras coisas mais, e não por questão de homofobia,
por estarmos mais preocupados em saber se iremos morrer
ou não. Mas, se estamos aqui hoje, graças a Deus, é
porque confiamos nisso, e, mais uma vez, esperamos que
esta Comissão possa nos ajudar em alguma coisa.
Obrigado.
(Palmas.)
O SR. DANNE
ROOS - Boa-tarde a todos os amigos aqui presentes, aos representantes
de várias entidades que cuidam dos direitos humanos
dos homossexuais, iguais a mim, aos repórteres, a Marta
Suplicy e aos Deputados.
Eu me sinto
bem à vontade para estar falando com vocês porque, apesar
de viver num País que se diz democrático, um País tido
como a oitava economia do mundo, e apesar de ter 31
anos de idade, ainda assim a sociedade de meu País não
consegue me compreender. A palavra "homossexual"
tornou-se, no povoamento de meus pensamentos, uma tortura,
a tal ponto de eu esquecer realmente que o meu País
é um país para mim.
Ao estar
aqui com vocês, eu me sinto privilegiada. Centenas de
homossexuais gostariam de estar aqui, mas, por fazerem
parte daquele grande grupo de excluídos da economia
deste País, infelizmente não podem. E, como falou a
minha amiga de São Paulo, o gay está na marginalidade
não porque quer — porque é muito importante existir
o respeito à prostituição, mas quando a prostituição
é voluntária, quando a pessoa tem o direito de compreender
a conceituação da palavra "voluntária".
As pessoas
nos dizem que os homossexuais têm direito à opção, mas
acredito que a palavra "opção", no meu caso
e no de muitos homossexuais homens e mulheres não deveria
ser usada. Ninguém faz uma opção dentro do Brasil em
termos de direitos humanos. Somos jogados na marginalidade.
Trabalhamos com o total falta de privilégio dos direitos
a nós cabíveis. Neste Planeta, há centenas de anos se
fala sobre o homossexualismo e, apesar de tanto conhecimento
moderno, ainda assim, ninguém chegou a um consenso.
Agora, crime, maldade humana, ódio, raiva, governos
corruptos, policial bárbaro, isso aí é bem fácil compreendermos.
Seria muito
difícil defendermos os direitos dos homossexuais sem
compreendermos a cultura deste País, que, infelizmente,
é muito mesquinha, em que muito poucos conseguem manter
o seu corpo, a sua sobrevivência, com dignidade, e outros
tantos mal conseguem isso. Ser homossexual no Brasil
é muito sério. O que mais me deixa perplexo é saber
que homens normais, iguais a mim — porque me considero
normal, sei ler, sei escrever, respeito o alheio, respeito
as leis deste meu País —, homens e mulheres tidos como
normais, seres humanos, conseguem olhar para nós sempre
com algum tipo de consciência para buscar algum adjetivo
pejorativo. As pessoas não conseguem olhar para um homossexual
e vê-lo como um cidadão, já não diria nem ser humano,
não precisa falar em religião, mas um cidadão. Temos
uma Constituição. Somos comuns neste País. Temos os
mesmos direitos. E, se não os temos, temos que buscá-los.
Estamos
aqui hoje para denunciar mesmo, seria a principal razão
de a Comissão nos reservar este seminário, denunciar
essa maldade que existe na sociedade. A questão não
é ser cidadão brasileiro; a questão é ser um ser humano.
Uma pessoa matar, odiar o outro porque ele é sensível,
sem se colocar no lugar dele? Enquanto estou falando
aqui, quantas crianças, no Brasil todo, filhos de mães
e pais homofóbicos serão homossexuais no futuro? E,
nesta reunião de hoje, 21 de setembro de 1999, o que
podemos fazer por eles?
Fico pensando
no que falar, enquanto centenas de homossexuais no Brasil
— é reconhecido que são centenas, milhares de homossexuais
— mal sabem dos seus direitos, seu direito de cidadão,
de completar uma universidade. Mas aí ele parte para
estudar o primeiro e o segundo graus. Se ele consegue
freqüentar o ensino médio, como fica? O ser humano é
um ser animal como qualquer outro, e o sexo é inerente
a qualquer ser vivo. Agora, o homossexual não pode manifestar
o seu sentimento. E, quando ele o faz, é podado diariamente.
Não adianta eu, no meu caso, por exemplo, exigir que
os policiais me respeitem, se a minha família não me
respeita. E quantas famílias de gays os expulsam
de casa? Não acredito que haja uma única solução para
os problemas dos gays. Existem, sim, várias soluções,
e várias entidades estão trabalhando para isso. Volto
a dizer que é um privilégio estar aqui.
Para não
me prolongar, eu gostaria de dizer que o Grupo Dignidade,
do Rio Grande do Sul, começou atuando na área de prevenção
à AIDS. Vemos como é importante a prevenção à AIDS no
mundo dos homossexuais, porque, em termos gerais, quando
o cidadão valoriza o seu corpo, ele começa a ser cidadão.
E o Grupo Dignidade começou a atuar há mais de sete
anos, na região da fronteira oeste do Rio Grande do
Sul, onde a discriminação é muito maior do que se pode
ouvir falar. Graças a Deus, conscientizamos as pessoas.
Eu traria para esta Comissão a palavra "conscientização".
Conscientizar o cidadão comum de que chamar um homossexual
de adjetivos pejorativos é crime. Mas, quando um homossexual
ou uma lésbica que foram vítimas da homofobia se dirigem
a uma Delegacia de Polícia, sofrem ainda mais agressividade
de policiais, muitas vezes extremamente desqualificados,
que usam palavras como: "Você é "homossexual"?
Um policial, no Brasil, no ano de 1999, usando palavras
tão distorcidas.
Não se
pode falar de homossexualismo no Brasil e não se falar
de Igreja, principalmente da católica, do cristianismo.
O Grupo Dignidade, do Rio Grande do Sul, mandou para
todos vocês, através da minha pessoa, uma mensagem,
que muito tem a dizer sobre os direitos dos gays.
É muito
difícil para nós, homossexuais no geral, raciocinarmos
a partir do ponto de vista católico-cristão e, ao mesmo
tempo, aceitarmos a doutrina discriminatória imposta
pelo Vaticano.
Quando
o Papa ordena aos fiéis a discriminação às tendências
homossexuais, ele está desobedecendo a ordem de Cristo,
que diz: 'Não julgueis, para não serdes julgados; atire
a primeira pedra quem não tem nenhum pecado.' E assim
por diante.
É lógico
que o Vaticano compreende que o Novo Testamento anulou
o Velho. Cristo disse: 'Nem olho por olho e nem dente
por dente.' E acrescentou: 'Dá tua face direita quando
baterem na tua face esquerda.'
A Igreja
é basicamente alicerçada nos princípios judaicos primitivos;
e não é à toa que foram os judeus os carrascos de Cristo.
Apesar
de sabermos das atrocidades patrocinadas em todos os
séculos pelo catolicismo, permanecemos omissos perante
o poderio doutrinário ditatorial dos dogmas apostólicos
romanos sobre nossas leis constitucionais de Nação independente.
É óbvio
que o materialismo que infringe o direito individual
é contrastante com a espiritualidade cristã. Entretanto,
a Igreja detona arbitrariamente regras abusivas, bem
mais opressoras do todo respeitado livre arbítrio, intocável
direito eterno das almas, do que propriamente as leis
dos homens brasileiros.
No Brasil,
temos nossas leis constitucionais e, nelas, a discriminação
é condenada. No entanto, quando o Sr. Papa João Paulo
II estipula determinações incontestáveis a serem seguidas
pelos seus fiéis, do maior rebanho católico oficialmente
reconhecido, que é o Brasil, o que eles, os fiéis católicos
brasileiros, a TFP, Tradição, Família e Propriedade,
a ultradireita, poderão fazer a não ser acatar tais
ironicamente violações dos direitos humanos, quando
milhares de homens e mulheres homossexuais são vítimas
da homofobia, voluntariamente incentivada pela Igreja?
Qual a diferença que a análise poderá reconhecer entre
o Papa João Paulo II e Adolph Hitler, por exemplo, e,
também, que validade têm as leis da Constituição da
República Federativa do Brasil perante o império da
Igreja do Vaticano?
Diante
dessa incógnita, quais as conclusões que devemos avaliar
quando formos diagnosticar as razões que levam uma sociedade
em pleno início de uma nova era, que precisa e quer
muito sepultar da lembrança uma horrível trajetória
da história do Holocausto e do homem carrasco do próprio
homem, a manter a permanente perseguição, com tamanha
ferocidade, sobre membros minoritários, que bem poderiam
ser seus próprios pais, irmãos, irmãs, tios, sobrinhos,
amigas, por pura incapacitação lógica da assimilação
do mandamento máximo da mesma espiritualidade em que
se apegam a basearem-se, a fim de darem razão para a
brutal prática de atrocidades a parcelas da sociedade
que sempre foram minorias desprezadas? Onde está o amor
ao próximo como a ti mesmo?
Nós, gays,
poderíamos dar vários palpites a respeito desse delírio
coletivo. Porém, como sempre, nossas bocas estarão amordaçadas,
nossas vozes inaudíveis, nossos gemidos não-lamentáveis,
e a vida a que temos direito não é vida, é mera aberração
da natureza. Não é que somos incompreensíveis, apenas
não querem compreender-nos.
Os mantenedores
da nossa condição marginal vão à igreja, oram, choram
e dão esmola, lêem a Bíblia Sagrada, texto por texto,
versículo por versículo, declaram aos quatro ventos
que são servos de Deus e que respeitam vossos mandamentos,
revelam que querem viver felizes consigo mesmos e com
seus semelhantes. Gritam, em altos brados, que querem
e precisam ser santos, que não são maus nem ambiciosos,
mas sim grandes seguidores da palavra, e que seu labutar
diário é a serviço da paz do mundo.
Infelizmente,
porém, o resultado de seus esforços são os referenciais
da ganância, da ambição desenfreada, da perseguição
aos mais fracos e, ao mesmo tempo, submissão aos poderosos,
do amor ao orgulho e a vaidade pelo conquistado. Suas
colheitas, que são feitas por métodos muitos sofisticados,
garantem-lhes cada vez mais abundância de lucros exorbitantes.
Seus poderios estão cada vez mais além de fronteiras
e, profeticamente, contabilizam ainda ganhos maiores
além-mundo e vão, com toda a certeza, angariar mais
e mais fortunas. E até que Deus os duvide, ninguém os
fará parar ou mudar de idéia. Estufam o peito e amaldiçoam
à destruição qualquer um que os faça refletir, mesmo
que sem vontade alguma, naquela remota possibilidade
de existirem riquezas maiores do que as fortunas a que
detêm apego neste mundo em alguma outra dimensão e,
nesse estado de espírito enlouquecido, antecipadamente
já decidiram que, se um poderá ser contra todos, portanto,
todos poderão ser contra um gay, um negro, um
menino de rua, um velho, um aleijado, um louco, um estrangeiro,
um discriminado, um marginalizado, um humilhado, um
índio, um brasileiro, um ser humano."
Obrigada.
(Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Esse seu documento poderia
ser encaminhado para a Mesa, Danne Roos, para que fosse
incluído no arquivo da Comissão. Passo a palavra, em
seguida, a Enilson Ferreira, Presidente do Grupo Estruturação,
de Brasília.
O SR. ENILSON
FERREIRA BASTOS - Boa-tarde e bem-vindos a todos os colegas do Brasil. Estou
surpreso até por estar falando aqui, agora, mas, enfim.
Quando fui convidado para o seminário, fiquei muito
contente, porque não tinha conhecimento, como funcionário
desta Casa, de iniciativa anterior. Mas a minha alegria
se dissipou um pouco com essas estatísticas, com isso
tudo que ouvi aqui, não porque eu desconhecesse que
isso acontecia, lógico que não, mas porque, aqui em
Brasília, felizmente, nossos dados não são assim tão
pesados.
Se, de
um lado, não existe, digamos assim, tanta violência
física, eu só gostaria de dizer que um dos primeiros
atos do atual Governador de Brasília foi tirar do ar
o único programa de rádio que existia no Brasil dedicado
a gays e lésbicas. Assim que tomou posse, o programa
saiu do ar, sem nenhuma justificativa, o que se traduz,
realmente, em uma grande violência.
Não sei
mais em que posso contribuir, mas estamos aqui. Espero
que o resultado desta Comissão seja realmente alguma
contribuição, porque estou acostumado a acompanhar os
projetos desta Casa, acompanhei com ansiedade o projeto
da Deputada Marta Suplicy, e vemos que, além de demorar
muito, no final, acaba acontecendo o que aconteceu.
Espero que realmente saia uma iniciativa que tenha algum
resultado prático. Até se citou aqui o Brasil como potência
econômica e tudo, e não podemos continuar nesse atraso,
porque vemos que a Colômbia já aprovou um projeto de
parceria civil há pouco tempo, e o México também. Será
que vamos continuar sendo uma cidadezinha, uma republicazinha
de bananas sempre, sem uma lei para proteger os nossos
direitos? Não é possível. É inadmissível. É inaceitável.
Não podemos continuar aceitando isso.
Obrigado.
(Palmas.)
VOLTA AO SUMÁRIO
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Por fim, nessa fase de depoimento
das entidades, passamos a palavra a Cláudio Nascimento,
Secretário-Geral da ABGLT e, também, Presidente do Grupo
Arco-Íris.
Com a palavra
o companheiro Cláudio.
O SR. CLÁUDIO
NASCIMENTO - Boa-tarde a todos, boa-tarde aos membros da Mesa. É um
prazer estar aqui com vocês, uma enorme satisfação.
Estou muito feliz também com a participação dos grupos
aqui presentes. Já verifiquei que há grupos das Regiões
Sudeste, Sul, Nordeste e Centro-Oeste. Não estão aqui
membros da Região Norte, mas isso, de certa forma, aponta
para as dificuldades econômicas e financeiras que os
grupos homossexuais no Brasil têm para estar presentes
em eventos tão distantes de suas cidades. Mas também
demonstra a força e a capacidade de organização desses
grupos para estarem aqui. Também é importante destacar
e agradecer a presença maciça hoje do Grupo Estruturação.
Bem, essa
iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados é muito importante. Eu gostaria de parabenizar
o Presidente desta Comissão, Deputado Nilmário Miranda
e todos os membros da sua equipe, Secretária Nacional
de Direitos Humanos, Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos,
do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da
Justiça, que, na verdade, foi a pessoa que conseguiu
garantir esforços para que representantes de outros
Estados estivessem aqui, como o Roberto de Oliveira,
do GGL-PT, de São Paulo, a Rosângela Castro, do Rio
de Janeiro, a Zora Yonara, da Bahia, o Marcelo Cerqueira,
da Bahia, várias outras pessoas que estão aqui participando
e eu.
Quero agradecer
muito, porque, sem esse apoio prático, sem essa parceria,
seria, de fato, impossível estarmos hoje neste seminário.
Em nome
da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis,
considero importante este momento para apontar suas
afirmativas concretas para a promoção dos Direitos Humanos
e civis de gays, lésbicas, travestis, transexuais
e bissexuais em nosso País, nos três Poderes.
Em 4 de
dezembro de 1998, Associação Brasileira de Gays, Lésbicas
e Travestis recebeu em audiência o Celso de Melo, que
declarou ser preciso que os três Poderes tomem consciência
e tenham percepção de que é necessário enfrentar essa
situação de grande adversidade por que passam os integrantes
desse grupo extremamente vulnerável. Seguindo esse caminho,
é importante ressaltar que a violação aos Direitos Humanos
de gays, lésbicas, travestis e bissexuais é preocupante
e atinge todas as esferas da sociedade. Nós, gays,
lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais, sofremos
com o preconceito e a discriminação na família, na escola,
no trabalho, nos meios de comunicação, nos aparatos
de segurança pública e privada, na religião e na sociedade
em geral.
Na família,
somos alvos de perseguição de parentes, somos mantidos
em situação de cárcere privado, somos forçados a tratamentos
psiquiátricos e psicológicos forçados, quando não, em
muitos casos, somos expulsos de casa, sofrendo agressões
morais e físicas.
Na escola,
muitos homossexuais percebem um ambiente hostil e incapaz
de conviver com a diferença. A pedagogia escolar não
estabelece espaços para uma abordagem positiva e respeitosa
dos direitos sexuais. Temos inúmeros exemplos de gays,
lésbicas e travestis expulsos da escola sem motivo aparente.
No trabalho,
a discriminação ainda acontece. Sofremos com o a preterição
na hora da seleção. Muitos homossexuais não têm ascensão
profissional e outros são demitidos por causa da sua
orientação sexual.
Os meios
de comunicação ainda fazem uma abordagem da homossexualidade
baseada em estereótipos, calcada quase sempre em buscas
sensacionalistas, apesar de vários órgãos da imprensa
já terem avançado neste sentido. No geral, ainda permanece
a piada e as palavras jocosas, que, em boa parte delas,
alimentam o preconceito e arraigam a noção de que é
mais do que natural a violência contra os homossexuais.
A novela Suave Veneno deu um exemplo de que isso
pode ser diferente.
Quanto
aos aparatos de segurança pública, Polícia Militar,
Civil e Guarda Municipal, o Dr. José Gregori, recentemente,
em congresso na OAB, afirmou: a maior dificuldade para
colocar em prática uma política atuante de direitos
humanos no País é a tradição da impunidade, da desigualdade,
do desrespeito aos semelhantes e de violência das instituições
policiais, problemas estes que fazem parte da história
do Brasil. Pois é este ainda um problema crônico. A
violência e o abuso de autoridade policial contra os
homossexuais é alarmante e precisa de dois tratamentos.
O primeiro é punir severamente policiais que estejam
envolvidos em violência contra os homossexuais. Outro
é educar os policias para a noção e filosofia dos Direitos
Humanos.
No Rio
de Janeiro, o Grupo Arco-Íris está coordenando um programa
pioneiro de sensibilização das Polícias Civil e Militar
em Direitos Humanos e homossexualidade. Já atingimos
até agora quase três mil policiais militares em quatro
meses, mais de oitenta delegados e detetives em dois
meses e, agora, oitenta instrutores da Guarda Municipal
foram capacitados e sensibilizados para a questão dos
direitos humanos e homossexualidade.
É fundamental
marcar a denúncia e que hoje estejamos todos aqui falando
da violação dos direitos humanos dessa população. De
fato, só nós podemos avaliar nosso sofrimento e como
isso nos vitima, provocando-nos baixa auto-estima, que,
muitas vezes, nos faz perder a força e a capacidade
de luta. Mas é fundamental também que não fiquemos apenas
na denúncia, mas que partamos para ações concretas,
no campo da sociedade civil organizada e, também, no
âmbito dos Três Poderes.
No campo
do Poder Legislativo, é imperioso destacar, em primeiro
lugar, a atuação que a ex-Deputada Marta Suplicy teve
em seu mandato, pois conseguiu incluir na pauta política
nacional as questões dos diretos humanos de gays,
lésbicas e travestis, a partir de dois projetos importantíssimos
para a comunidade homossexual.
O primeiro
projeto estabelece a não-discriminação por orientação
sexual, em relação aos arts. 3º e 7º da Constituição
Federal, justamente para garantir proteção a casos de
homossexuais discriminados no trabalho, na escola e
em outras esferas; o segundo, o projeto da parceria
civil registrada, trata de importante lei para assegurar
direitos de casais homossexuais, o qual a Igreja, por
muito tempo, tentou apresentar como se fosse projeto
de casamento, de matrimônio.
No Brasil,
não existe nenhuma lei que proíba um casal homossexual,
seja de lésbica, de gays ou de travesti — como
seu companheiro —, de se casar em cerimônia religiosa
e tudo o mais. Essa lei não existe. Mas queremos, de
fato, que a partilha de bens e os direitos aos benefícios
na relação com o companheiro sejam garantidos. São questões
legais, patrimoniais.
Por muito
tempo, tivemos que brigar com a Igreja — por sinal,
uma briga muito feia —, que ainda tenta disfarçar seu
preconceito e discriminação contra homossexuais com
argumentos de que isso seria uma afronta aos valores
familiares, de matrimônio — e nada tem a ver uma coisa
com outra.
Ainda em
relação à legislação, tivemos várias audiências com
o Dr. José Gregori, da Secretaria de Direitos Humanos,
e com o Dr. José Carlos Dias, do Ministério da Justiça
— fomos recebidos no dia 24 de agosto deste ano — e
enfatizamos, já que está sendo elaborado anteprojeto
do Código Penal, a reivindicação da comunidade homossexual
de que nele estejam tipificados os crimes por orientação
sexual. E desde já queremos o compromisso desta Casa,
já que o anteprojeto será avaliado por ela. Essa é uma
reivindicação importante para a comunidade.
Outro projeto
que está tramitando na Casa, reapresentado pelo Deputado
Marcos Rolim, é o da ex-Deputada Marta Suplicy, que
foi ampliado pela inclusão da não-discriminação por
credo. Também é um projeto muito importante, motivo
pelo qual faremos esforços para que seja aprovado. Pedimos
apoio não só dos Deputados, mas da comunidade e das
autoridades aqui presentes, no sentido de envidarmos
esforços para aprovação desse projeto que será muito
importante para estabelecer uma referência positiva
no campo da legislação brasileira.
De fato,
não há nenhuma lei que criminaliza a homossexualidade
no Brasil. A homossexualidade não é crime no País. Por
outro lado, não temos nenhuma legislação que, de fato,
estabeleça direitos concretos e que proteja os direitos
dos homossexuais. Então, vivemos uma contradição.
No campo
do Executivo, temos outro trabalho a fazer. É fundamental
que o Executivo, pela Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, pelo Departamento de Direitos Humanos e por
outras áreas, como os Ministérios da Educação e da Saúde,
cada vez mais amplie ações de promoção dos direitos
humanos. Nesse caso, posso destacar algumas ações importantes
que já vêm acontecendo, principalmente realizadas pelo
Ministério da Saúde, que há vários anos apóia o movimento
homossexual em relação à prevenção da AIDS e à defesa
dos direitos humanos.
Há um ano
estabelecemos parceria com a Secretaria Nacional dos
Direitos Humanos, na pessoa do Dr. José Gregori, e com
o Departamento de Direitos Humanos, na pessoa do Dr.
Ivair Augusto da Silva. É fundamental que essa parceria
seja ampliada, não só pela retórica, mas também por
projetos e ações, para que, de fato, todas essas propostas
aqui apresentadas possam ser executadas e efetivadas.
Já estamos estabelecendo parceria com o Departamento
de Direitos Humanos e esta participação aqui já é fruto
dessa parceria. Ainda não nos sentimos contemplados
com o Plano Nacional de Direitos Humanos, conforme já
nos pronunciamos publicamente e em audiências com o
Dr. José Gregori e com o Ministro José Carlos Dias,
pois sentimos que ainda não há propostas concretas de
implementação de ações dos direitos humanos de homossexuais.
Buscamos
implementar essas ações por intermédio do Dr. Ivair
Augusto, mas, em relação ao Plano Nacional de Direitos
Humanos, ainda não foi feita essa reformulação. Para
nós, essa é uma questão fundamental, para que justamente
possa servir como referência aos Estados e Municípios
que estão estabelecendo seus planos estaduais e municipais
de direitos humanos.
No campo
da sociedade civil organizada, é fundamental pensarmos
e trabalharmos com uma visão pontual de direitos humanos.
Sabemos que, em um primeiro momento, não alcançaremos
tudo o que reivindicamos e apontamos como importante.
Precisamos eleger prioridades. Então, a partir delas,
poderemos estabelecer ações pontuais de cobrança e de
pressão aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Principalmente ao Poder Judiciário, porque, nos últimos
anos, vem estabelecendo relação de total exclusão de
defesa dos direitos dos homossexuais, haja vista que,
por exemplo, o processo do Vereador Renildo José dos
Santos, assassinado em 1993, em Coqueiro Seco, Alagoas,
continua às moscas. Ele está no Supremo Tribunal de
Justiça desde 1995, mas até hoje não houve nenhum tipo
de julgamento: nem absolvição dos culpados, nem condenação.
Isso é fruto de total displicência e homofobia da Justiça.
Outro caso
a destacar é o de um travesti assassinado em São Paulo,
em 1994, em que a Justiça Militar acabou absolvendo
o soldado, mesmo com todas as provas. Isso mostra a
política de dois pesos e duas medidas à qual a Justiça
e esses Poderes estabelecem na relação com os cidadãos.
É muito
importante pontuar que a questão do preconceito contra
gays, lésbicas e travestis é fruto, conforme
já foi dito pelos nobres colegas, de cultura e valores
arraigados, principalmente, a partir de visão religiosa.
Mas não podemos ficar reféns desse tipo de visão. A
política dos diretos humanos é muito clara e não seleciona
o grupo "x" ou "y", mas deve ser
administrada para negros e brancos, mulheres e homens,
homossexuais e heterossexuais, mocinhas e prostitutas,
pessoas saudáveis e doentes, homens ricos e pobres,
pessoas com teto e sem teto, pessoas sem casa e com
casa. A política dos direitos humanos é radical e deixa
muito claro seu princípio de respeito a todos, independentemente
de orientação sexual, de gênero, de raça, de etnia e
de vários outros aspectos.
Nesse sentido,
solicito que, ao final deste evento, aprovemos pelo
menos uma carta sintética com os pontos principais,
apontados neste seminário, a respeito das necessidades
da comunidade homossexual. Também esperamos que as autoridades
aqui presentes apóiem esse empreendimento.
De fato,
é necessário que partamos para ações positivas. Com
relação a ações positivas, estamos conseguindo estabelecer,
no Rio de Janeiro, o programa de treinamento da Polícia
Militar. Trata-se de treinamento pioneiro, realizado
desde março, que tem sido muito rico para nossa comunidade
no Rio de Janeiro. Já fizemos palestras para a Polícia
Civil e, em cinco aulas, atingimos 80 delegados e detetives,
que estão sendo direcionados para delegacias onde existe
o maior foco de apresentação de denúncias de violência
contra homossexuais. A Polícia Militar está sendo sensibilizada
no contexto de direitos humanos e homossexualidade,
em programa conjunto com a comunidade homossexual do
Rio de Janeiro e a UERJ. A Polícia Militar fez o convite
direto à comunidade homossexual do Rio de Janeiro, por
intermédio do Grupo Arco-Íris, para, juntos, coordenarmos
esse programa. A partir dessas ações positivas é que
podemos começar a mudar esse contexto.
Outra questão
importante a dizer é que lançamos, no Rio de Janeiro,
o Disque Defesa Homossexual, um serviço telefônico que
orienta gays, lésbicas, travestis e bissexuais
em situação de violência. Esse serviço foi inaugurado
em 1º de julho e, nos dois primeiros meses de serviço,
já recebeu quase 500 ligações. Dessas, quase 200 tornaram-se
casos registrados, ou seja, viraram denúncias, o que
demonstra que a comunidade homossexual vive um potencial
reprimido de denúncia. Na medida em que se tem um espaço
para estabelecer a denúncia, a comunidade o aproveita
e o efetiva de fato.
Para finalizar,
ainda me referindo à experiência do Rio de Janeiro,
criamos o Centro de Referência de Acompanhamento de
Crimes e Violência contra Homossexuais. Trata-se de
fórum formado pela Secretaria de Segurança Pública,
pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis,
e pelos oito grupos de homossexuais do Rio de Janeiro.
Temos uma executiva de quatro pessoas — uma da Secretaria
e mais três ativistas do movimento — que se encontram
e, de dois em dois meses, há um encontro geral dos grupos
e da Secretaria, que monitoram as políticas nessa área.
De fato, já estamos estabelecendo essa parceria com
o Governo Anthony Garotinho, o que tem sido muito positivo.
Espero que essas ações que ocorrem no Rio de Janeiro
possam servir de referência para todo o Brasil. O Ministério
da Justiça, o Congresso Nacional e os Deputados aqui
presentes podem ajudar, e muito, para que essa idéia
possa ser estendida a todo o País.
Obrigado.
(Palmas.)
VOLTA AO SUMÁRIO
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Registro a presença do Deputado
José Genoíno, de São Paulo, Líder do Partido dos Trabalhadores
nesta Casa, a quem, pela ordem, concedo a palavra.
O SR. DEPUTADO
JOSÉ GENOÍNO - Sr. Presidente, em um minuto farei meu registro.
Em primeiro
lugar, quero expressar meu compromisso militante com
a causa apresentada neste Seminário de Direitos Humanos
e Cidadania Homossexual. Entendo que esse é um problema
do modelo de visão democrática de sociedade pluralista,
humanista e, realmente, democrática; não se trata de
problema em que se discuta apenas um setor da sociedade.
Na verdade, estamos discutindo a feição, o tipo, a visão
que temos de sociedade realmente pluralista em toda
a sua radicalidade.
Devido
as minhas obrigações como Líder, tenho que ir ao plenário
para cuidar da pauta e uma série de outros problemas,
mas deixo aqui meu apoio à Comissão, às entidades aqui
presentes e a todas as pessoas, além de prestigiar minha
colega de partido e de bancada, que teve e continua
tendo papel de vanguarda na Câmara dos Deputados no
tratamento dessa questão de cidadania. Afinal, não existe
cidadania pela metade, relativa ou em termos. A cidadania
é a coisa mais radical que a sociedade humana pode construir,
enquanto utopia viável, possível, tanto dos pontos de
vista das condições materiais de vida como das condições
humanas, subjetivas, etc.
Portanto,
expresso meu compromisso de luta por essa causa e prestigio,
na condição de Líder, este importante debate, mesmo
considerando que não há, aqui, grande número de Deputados.
O enfoque desse tema tira, dos escaninhos do preconceito,
questão nova, pluralista.
Realmente,
não poderia deixar de fazer esse registro. (Palmas.)
VOLTA AO SUMÁRIO
ASPECTOS JURÍDICOS E LEGAIS DA ORIENTAÇÃO HOMOSSEXUAL
O
SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Passando
a outra fase desta audiência pública, anuncio dois temas
para os quais haverá quatro expositores, isto é, dois
para cada tema.
O primeiro
tema são os aspectos jurídicos e legais da orientação
homossexual. Para esse tema, teremos como palestrantes
a ex-Deputada Federal, do PT de São Paulo, Marta Suplicy,
e o Dr. Aurélio Virgílio Rios, Procurador da República
do Distrito Federal; o segundo tema é sobre as Políticas
Públicas e Ações Governamentais, cujos expositores serão
o Dr. Ivair Augusto dos Santos, do Departamento de Direitos
Humanos do Ministério da Justiça, que também trabalha
na Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e o Dr.
Raldo Bonifácio, da Rede Nacional de Direitos Humanos
do Ministério da Saúde.
Passo a
palavra à ex-Deputada Marta Suplicy, que não necessita
de apresentação, pois teve participação destacada nesta
Casa em defesa da mulher e das minorias, concorrendo,
nas eleições de 1998, ao Governo do Estado de São Paulo,
privando-nos da sua valiosa presença nesta Casa.
A SRA.
MARTA SUPLICY - É um prazer retornar a esta Casa em defesa do projeto
de parceria civil, que está pronto para ser votado pelo
Plenário quando o Presidente da Casa assim o desejar.
Agora,
estamos vivendo o final deste século, que foi caracterizado
pela conquista dos direitos humanos. Mesmo que muitas
delas ainda estejam no papel, não podemos deixar de
reconhecer que a situação da mulher neste século teve
uma melhora muito grande, assim como a situação do negro,
do índio e das minorias sexuais também começou a ser
discutida. Muito há para ser conquistado. Mas, nas Constituições
da grande maioria dos países, já há o reconhecimento
de que todas as pessoas têm direito à cidadania. E até
naqueles que não conseguiram concretizar no papel esse
reconhecimento, vive-se esse pensamento.
No nosso
País, temos realizado avanços em relação à questão da
homossexualidade. Até esta semana, o tema da homossexualidade
estava meio adormecido e não o estavam discutindo muito,
mas, para minha surpresa, a revista Época o trouxe
na capa, talvez pela novela em que tivemos um casal
homossexual. No artigo, a abordagem de que os gays
ou lésbicas só são aceitos nas novelas quando estereotipados
foi muito boa. No caso, eram duas mulheres — que poderiam
ser duas mulheres quaisquer —, e elas foram explodidas
num shopping center. Mas quando colocam-se dois
gays com trejeitos, estereotipados, aí, sim,
a sociedade aceita.
Então,
é um longo caminho. Digo que fizemos progresso porque
não podia aparecer de jeito nenhum. E agora, pelo menos,
já pode aparecer, ser discutido e, como disse Cláudio
Nascimento, às vezes, até aparece de forma mais simpática.
E essas conquistas são gotas d'água, mas só podemos
ultrapassar esse preconceito se for mesmo tijolinho
por tijolinho. Vivemos numa sociedade que nos educa
para a heterossexualidade. E não é só para a heterossexualidade.
A pessoa é mais cidadão quando heterossexual, homem,
branco e rico. Essa é a realidade da sociedade em que
vivemos. E essa visão normatizadora, cristalizada da
sexualidade impede que se veja o outro como pessoa singular,
que se foi desenvolvendo como ser único e, a partir
dessa consciência, foi tendo seu comportamento, sua
orientação sexual para um lado ou para outro. Agora,
quando se normatiza, cria-se comportamentos antagônicos:
é o comportamento do homem, é o comportamento da mulher,
do outro lado. E passa-se a não perceber que a sociedade
não é feita dessa forma. São muitas as formas de ser
e não existe a naturalização do jeito de ser. Nós estereotipamos,
mas as pessoas não se portam dessa forma.
De acordo
com o comportamento da sociedade, a exclusão começa
a ocorrer. Muitos aqui abordaram a dificuldade em poder
apresentar-se até no próprio seio familiar; em poder
dizer para a mãe que é homossexual; em poder levar a
parceira ou o parceiro em casa; em poder andar de mãos
dadas na rua; em poder dar uma festa na firma onde trabalha
e apresentar o parceiro que é gay.
Então,
tudo isso é muito difícil e faz com que as pessoas acabem
vivendo pela metade. E esse viver pela metade significa
viver na exclusão, na clandestinidade e sem a possibilidade
de ser feliz e aceito na sociedade, que é um direito
de todos nós.
Temos que
conceituar um pouco o que é a homossexualidade. A homossexualidade
é a atração, o desejo, o encantamento, o amor por pessoa
do mesmo sexo. E a homossexualidade sempre existiu;
ela não é novidade de agora. E ela nunca foi aceita
de forma homogênea. Tivemos séculos em que ela foi mais
aceita; séculos em que foi bem aceita; séculos em que
foi mais perseguida do que agora e neste século, dos
direitos humanos, as minorias estão organizadas, pela
primeira vez, e os homossexuais organizados pela primeira
vez. Ainda não fazemos passeatas com 1 milhão de pessoas,
mas foi um êxito fazermos uma passeata em São Paulo
com 20 mil pessoas. E sabem o que me emocionou mais
na passeata? Foi olhar para os lados e ver famílias:
via-se o pai, a mãe e o irmãozinho pequeno. E eles olhavam
para seu familiar que estava ali desfilando. Nunca tinha
visto isso antes aqui no Brasil. E fiquei muito orgulhosa
de ver como as famílias, aos poucos, estão podendo apreciar
a pessoa da família que tem orientação diferente, para
que essa não precise, então, ficar escondida.
Vou reiterar
o conceito de homossexual, porque as pessoas utilizam
as palavras homossexualismo, homossexualidade. O termo
homossexualismo foi criado no século passado por um
médico húngaro, Dr. Becker Benked, que, na época, escreveu
ao Ministro da Justiça da Alemanha do norte que homens
homossexuais estavam sendo perseguidos por motivos políticos.
E o §175 do Código Penal do 2º Reich punia com pena
de morte os homossexuais. E esse médico defendia que
o homossexualismo — como chamava-se na época — era um
comportamento anormal que se diferenciava do comportamento
heterossexual, tido como normal; mas era também um comportamento
inato e não adquirido. Portanto, não era transmissível
nem poderia ser considerado perigoso e, sendo assim,
não deveria ser tratado pela Justiça e sim pela medicina.
Foi daí
que passou da Justiça para a medicina a questão do chamado
homossexualismo na época. E o homossexualismo fazia
parte da CID, que é a Classificação Internacional de
Doenças, e foi classificado como distúrbio mental. Isso
dava muito poder aos médicos, que podiam diagnosticar
doença mental em qualquer um, a partir dessa classificação.
Só em 1975, o homossexualismo, que aparecia então como
diagnóstico psiquiátrico, no capítulo das doenças mentais,
conseguiu ser revisto. E após dez anos, em 1985 somente,
a Organização Mundial de Saúde publicou circular em
que esclarecia que o homossexualismo deixava de ser
considerado uma doença por si só. Com isso, estava mudando
o capítulo em que se inseria o homossexualismo, que
saiu das doenças mentais para o capítulo dos sintomas
decorrentes de circunstâncias psicossociais. Isto é,
com essa alteração, passou a ser considerado um desajuste
social decorrente de discriminação política, religiosa
ou sexual. Se em algum momento fosse encarado como distúrbio,
não seria porque a pessoa é homossexual, mas em conseqüência
do tratamento que se tivesse dando a essa pessoa.
Daí a importância
de não se usar mais a palavra homossexualismo. O sufixo
"ismo" significa doença e o sufixo "dade",
da homossexualidade, significa forma de ser. Então,
temos que ser muito cuidadosos, porque foi uma conquista
muito importante, principalmente quando sabemos que,
pelo menos, 10% da humanidade é homossexual.
Hoje, já
existem pesquisas que apontam numa direção genética
e, pelo menos, uma boa parcela — uma das pessoas presentes,
Danne Roos, abordou muito claramente — de homossexuais,
não sei se metade desses 10%, não se enquadraria na
palavra opção. Para grande número de homossexuais, não
se trata de opção, mas de um jeito de ser que não poderia
ser diferente.
Também
temos muito claro de que há uma parcela que pode escolher,
que pode apaixonar-se por um homem ou por uma mulher,
e não temos a mais leve idéia do que faz uma pessoa
ser bissexual. Agora, sabemos que as pessoas homossexuais
são uma parcela da população que têm orientação sexual
diferente e que, portanto, deve ter um tratamento de
cidadania plena, de acordo com essas diferenças que
têm em relação à maioria das pessoas.
Independente
de explicação científica, que não é o caso, devemos
ter claro que as pessoas homossexuais sempre existiram;
vão continuar a existir; são cidadãos; pagam impostos
e devem ter direitos. É isso que vemos com maior clareza
e não há disputa a respeito dessa frase. Aí, entra o
projeto da parceria civil registrada entre pessoas do
mesmo sexo. É um projeto que tramitou nesta Casa, com
bastante dificuldade e com bastante êxito, porque foi
aprovado na Comissão Especial por dez votos contra cinco.
Temos aqui um membro original daquela época, o Deputado
Fernando Gabeira, que muito ajudou a defender o projeto
nesta Casa.
E o que
o projeto assegura? É muito pouco. Não é o que gostaríamos,
mas foi o possível. O substitutivo do Deputado Roberto
Jefferson foi aprovado pela Comissão Especial e está
em votação. O projeto assegura direito à herança, à
Previdência Social e ao Imposto de Renda e seguro saúde
conjuntos. Ele não muda o estado civil da pessoa, que
permanecerá solteira, casada ou viúva, nem permite às
duas pessoas que assinam o contrato — trata-se de contrato,
não de matrimônio — a guarda e a tutela de crianças.
Permanece o direito constitucional de todo o cidadão
brasileiro poder adotar uma criança, independente da
sua orientação sexual. Mas, nesse contrato, como não
é considerado casal, não se permite a adoção de criança.
Esse é
o projeto que está em votação, e sobre o qual se faz
tanta discussão e erguem-se tantas oposições. São direitos
tão pequenos ainda e tão difíceis de serem conquistados
por essa população.
Em países
como Dinamarca, Noruega, Suécia isso já está regulamentado;
na Groenlândia, Hungria, Islândia, Bélgica, Espanha
e Canadá também se reconhecem a união civil; na França,
temos 234 prefeituras e, nos Estados Unidos, 26 cidades
que reconhecem o contrato da união civil; e a maioria
desses países, incluindo também a Noruega, Alemanha,
Áustria e Holanda, concedem asilo político por motivos
de discriminação. Eu mesma, como Deputada, fiz vários
pareceres a brasileiros que pediram asilo político nos
Estados Unidos, em virtude de perseguição e de assassinatos
de homossexuais. Os senhores militantes já abordaram
muito bem a dimensão do problema hoje, que está bastante
acirrado, principalmente na minha cidade de São Paulo,
onde picham-se postes com palavras ofensivas aos homossexuais,
em que se pede a limpeza da cidade em relação a eles.
Não duvido, como Midori Amorim disse, que provas forjadas
sejam a forma encontrada para tirar os travestis das
ruas de São Paulo.
Queria
terminar com algumas cartas que recebi de uma escola
de classe média, em São Paulo, que resolveu fazer uma
discussão em sala de aula. É interessante como os adolescentes
pensam nessa questão. Os adolescentes costumam ser muito
preconceituosos, ao contrário do que imaginamos, porque
eles absorvem o que a televisão e as famílias transmitem.
Mas escutem
o que dizem: "Este projeto nada mais é do que uma
autorização para que os homossexuais possam viver uma
vida normal, sem preconceitos e sem medo!" Outro:
"Sou a favor do projeto, apesar de não simpatizar
muito com a idéia de duas pessoas do mesmo sexo se amarem.
Mas se elas se amam e estão dispostas a enfrentar preconceitos
da sociedade inteira, a lei deve estar aí para ajudar
as pessoas e não para discriminar as pessoas".
Houve muitos
depoimentos discordantes, que achavam que não devia
existir esse tipo de relacionamento, que era feio, mas
o que resgata uma esperança é que todos dizem: "Bom,
posso não concordar, mas, se é assim, que tenham os
direitos". O que mostra uma aceitação, pelo menos,
da diferença. Quando se vê o preconceito e o racismo,
o que está por trás disso é exatamente a pessoa não
aceitar nada que seja diferente do que acredito, do
que sou ou do que acho bom para mim e para minha família.
Finalizo
com a palavra do Jurista Edson Faquim(?), que participou
da formulação do projeto e deu contribuição importante
à Comissão, que diz o seguinte: "O direito e a
orientação sexual como direito personalíssimo, atributo
inerente e inegável da pessoa humana e, como direito
fundamental, surge o prolongamento dos direitos da personalidade,
imprescindíveis para a construção de uma sociedade que
se quer livre, justa e igualitária".
Também,
de outro colaborador, o advogado Rui Fragoso: "As
leis devem ser criadas para assegurar direitos e possibilitar
uma vida digna para todos os cidadãos. Os movimentos
e as transformações sociais exigem hoje do Direito um
posicionamento frente a situações já existentes, rompendo
com o silêncio e a omissão tão comuns nesta área".
Fiquei
muito satisfeita quando li a posição do atual Ministro
da Justiça, Sr. José Carlos Dias, em defesa do projeto
da parceria civil. É a primeira vez que um Ministro
da Justiça se pronuncia a esse respeito.
Terminando
com as palavras do Sr. Ricardo Balestrere, Presidente
da Anistia Internacional no Brasil, que diz o seguinte:
"Esse projeto coloca o Brasil em outro patamar
na discussão dos direitos humanos e nos coloca na vanguarda
dessa questão na América Latina".
Muito obrigada.
(Palmas.)
VOLTA AO SUMÁRIO
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Em seguida, passamos a palavra
ao Dr. Aurélio Virgílio Rios, Procurador da República,
do Distrito Federal.
DR. AURÉLIO
VIRGÍLIO RIOS - (Texto revisado pelo autor)
Aspectos
jurídicos e legais da orientação homossexual
Em primeiro
lugar, eu gostaria de agradecer a presença de todos
os que estão aqui, independente de sua orientação política
ou sexual, e dizer da minha satisfação de estar ao lado
da ex-deputada e sexóloga Marta Suplicy , pessoa por
quem tenho imensa estima e respeito, lamentando a sua
sentida ausência, ainda que momentânea, desta casa.
Não seria justo ocultar de todos que este seminário
somente realiza-se pelo esforço e sensibilidade da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, na pessoa
do Deputado Nilmário Miranda, a quem igualmente presto
as minhas homenagens, juntamente com os demais integrantes
da Comissão e seus abnegados assessores e funcionários.
Em 1948
foi firmada a Declaração Universal dos Direitos Humanos
que reconhecia a dignidade, a igualdade e os direitos
inalienáveis a vida e a liberdade de todos os membros
da família (ou raça) humana. O art. 1º da declaração
cinqüentenária dizia que todos os seres humanos nascem
iguais em dignidade e direitos. É interessante que a
tradução da expressão human beings foi traduzida
para o português como homens, de forma genérica, o que
tem levado alguns a dar uma interpretação restritiva
e sexista do termo que não tem nenhuma sustentação na
Resolução nº 217 da Assembléia Geral das Nações Unidas
que aprovou a mencionada Declaração.
O art.
2º da Declaração apregoa que todos os seres humanos
estão aptos a exercer os seus direitos sem distinção
de nenhum tipo ou gênero, seja por raça, cor, cor, sexo,
língua, orientação política, origem social ou o que
seja. O art. 3º declara que todos tem direito à vida,
a liberdade e a segurança pessoal.
Em 1966
foi adotado pela Assembléia Geral da ONU o Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos que veio a conferir força
vinculante aos direitos individuais e coletivos já declarados
em 1948. Dentre eles destaco, por interessar diretamente
ao nosso tema, o art. 6º que proclama que todos os seres
humanos têm direito à vida e que esse direito inalienável
deve ser protegido eficazmente pelas leis de cada país
e ninguém dele poderá ser privado arbitrariamente .
O art.
7º apregoa que ninguém será submetido a tortura, castigo
cruel ou tratamento desumano por qualquer que seja o
ato ou fato cometido, incluindo evidentemente os atos
abjetos de discriminação em razão de orientação política,
sexual ou religiosa ou de outra natureza. O art. 9º
do Pacto Civil e Político declara que todos têm direito
a liberdade e a segurança pessoal e ninguém será preso
ou detido sem observância do devido processo legal.
Desse modo
tem-se como parte indissociável dos direitos inerentes
a toda e qualquer pessoa humana, o direito à vida, à
liberdade e o de não ser arbitrariamente punido pela
sua origem, raça, credo, cor, orientação política e
sexual.
Se no plano
internacional a proteção a todos os seres humanos parece
incontroversa, não é menos verdade que cada país tem
dado às Convenções e documentos internacionais as mais
diversas interpretações de modo a tornar alguns desses
direitos inalienáveis mera retórica política sem nenhuma
consistência pratica . É certamente o caso dos países
que adotam a pena de morte para crimes comuns e os que
admitem como lícita a prática de tortura e tratamento
cruéis e desumanos como punição pela prática de delitos
comuns, como, inclusive, o de relacionar-se com parceiros
do mesmo sexo.
Em relação
às mulheres e aos homossexuais de qualquer gênero a
relação entre eficácia desses direitos inalienáveis
à liberdade e à segurança pessoal são diariamente postos
à prova pelas mais diversas organizações sociais, instituições
públicas e policias em todo o planeta. Pode se dizer
que, com mais ou menos intensidade, dependendo de cada
país e alguns, de cada Estado ou província, o direito
ao exercício pleno da liberdade sexual ou do direito
à privacidade tem sido restringido, quando não punido
e vastamente reprimido.
Sobre a
ótica dos conflitos valorativos numa perspectiva de
gênero, Flávia Piovesan esclarece que, "se de um
lado a Constituição Brasileira e os tratados internacionais
de proteção aos direitos da mulher consagram a igualdade
entre homens e mulheres, o dever de promover essa igualdade
e proibir discriminações, os diplomas infra-constitucionais
adotam uma perspectiva androcêntrica (segundo a qual
a perspectiva masculina é a central e o homem é o paradigma
da humanidade) e discriminatória com relação à mulher"
.
Se há ainda
um longo caminho a percorrer quanto à inserção da mulher
no mercado de trabalho, nas relações familiares, sociais,
de modo a afastar a intensa discriminação sofrida durante
séculos, em relação aos homossexuais, em particular
os travestis ou transexuais, a sua situação hoje é imensamente
mais grave do que a das mulheres, sob qualquer ângulo
que se veja posta a questão .
Daí a tendência
de se fazer incluir no art. 3º da Constituição Federal,
a proibição contra todas as formas de discriminação
por orientação sexual . A razão para tanto estaria
no fato de que a expressão orientação sexual designa
atração sexual, quanto ao gênero, de uma pessoa por
outra. A sua incorporação alargaria as hipóteses de
proibição à discriminação, deixando sem argumento os
que defendem a idéia de que a atual Constituição somente
proíbe a discriminação contra pessoas do sexo masculino
e o feminino .
É necessário
igualmente afastar a idéia, hoje ultrapassada, de que
as pessoas escolhem, como livre opção, a sua sexualidade.
A Exposição de Motivos do referido Projeto de Emenda
Constitucional lembra "que a Organização
Mundial da Saúde não considera homossexualidade doença.
É consenso para os estudiosos da sexualidade que a orientação
sexual não é meramente uma opção, mas questão
complexa, com fortes possibilidade da existência de
predisposição genética, que seria concretizada ou não,
a partir das relações familiares. As pessoas não escolhem,
portanto, sua orientação sexual".
Ainda que
se discorde do enfoque genético da condição homossexual,
como menciona a referida Exposição de Motivos e, na
contrapartida, admita-se razões comportamentais para
que este ou aquele indivíduo exerça esta ou aquela opção
sexual, o fato é que, independentemente das razões que
possam levar alguém a opção ou a condição homossexual,
a Constituição Federal, em seu art. 3º, proíbe a discriminação
contra as pessoas que exerçam esta opção ou estejam
nesta condição.
Passo a
passo, alguns países e seus tribunais começam a inquietar-se
com a falta de cumprimento efetivo das normas internacionais
de proteção dos direitos humanos e das minorias étnicas
e sexuais. Sobre o tema, a Suprema Corte Americana já
teve a oportunidade de firmar o entendimento de que
não há base legal para tratamento arbitrário diferenciado
entre pessoas de classes e categorias distintas.
Em conhecido
precedente (Loving v. Virginia 1967) a Corte
Suprema Americana decidiu que há discriminação no fato
de uma lei permitir a todos de uma mesma raça o casamento
e proibir, também a todos, o casamento interracial.
Por sua vez Suprema Corte do Canadá, decidiu recentemente
em Symes v. Canada 1993 que a discriminação não
pode ser justificada, criando-se nova forma de discriminação
("discrimination can not be justified by
pointing other discrimination") .
Essa tem
sido a tônica das decisões de algumas Cortes Superiores
de Estado como Iowa e Massachussets onde restou assentado
que as legislações estaduais, de origem puritana com
forte orientação religiosa, proibindo atos sexuais
não naturais e lascivos não podem ser aplicadas quando
a conduta for praticada de forma consensual, por adultos
em ambientes privados. O Estado de Iowa, por exemplo,
proibia a prática de sexo anal e oral em qualquer situação,
inclusive entre heterossexuais casados. Tal lei foi
considerada inconstitucional pela Suprema Corte do Estado
por interferir na esfera privada de pessoas adultas.
Não faz muito tempo, em 1977, a Suprema Corte de New
Jersey afastou no caso State v. Sanders a legislação
proibitiva de relações sexuais entre heterossexuais
solteiros, invocando mais uma vez a liberdade, o consentimento
entre adultos e a autonomia individual.
De forma
mais explícita, Suprema Corte do Havaí decidiu que a
discriminação por orientação sexual configura verdadeira
discriminação sexual (Baehr v. Lewin, 1993).
No mesmo ano a Corte de Apelação da Califórnia proclamou
o resultado do caso (Engel v. Wortington) destacando
que a recusa de um editor quanto a inclusão de foto
de um casal homossexual em livro de recordações constituía
discriminação sexual. Deste modo, "discriminação
sexual também envolve discriminação por orientação sexual"
(discrimination based on Sex also covers discrimination
involving sexual orientation).
Na Europa
a questão que tem se colocado perante a Corte Européia
de Direitos Humanos é saber até que ponto o Estado,
e a sociedade, podem interferir nessa esfera da vida
privada, e quais as implicações jurídicas disso. Na
Irlanda do Norte, até bem pouco tempo, a conduta homossexual
era por lei considerada criminosa. E a Corte Européia,
examinando um caso contra o Governo da Irlanda do Norte
(Dudgeon v. UK, 1981), entendeu que tal norma
violava o direito à vida privada, quando aquela conduta
fosse praticada por adultos maiores, com plena capacidade
de consentir, e fossem conduzidas em recintos privados.
Mais ainda entendeu a Corte Européia de que o respeito
a vida privada inclui o respeito a condição sexual de
cada pessoa. Assim, a expressão privada deve
ser lida de modo a não alcançar apenas os fatos ou circunstâncias
pessoais de cada indivíduo que podem ou não ser revelados,
mas, sobretudo, de garantir que as escolhas íntimas
de cada um fiquem longe da interferência do Estado .
No Brasil
se, de fato, não há criminalização da conduta de manifestar
preferência ou orientação sexual homossexual, isso não
significa a ausência de preconceito ou discriminação.
Por exemplo, não faz muito tempo um oficial das forças
armadas se viu envolvido em escândalo policial, com
comprometimento de sua carreira militar, porque foi
flagrado em via pública, com outro homem.
O fato
foi comentado pelo eminente Ministro Celso de Mello,
quando em exercício da Presidência do Supremo Tribunal
Federal, que defendeu o fim da punição a militares homossexuais,
e também a união civil de pessoas do mesmo sexo, a proibição
constitucional do preconceito, o direito à cirurgia
para mudar de sexo e a alteração do registro civil,
para modificar nome e identificação sexual. Segundo
a Folha de S. Paulo, ele teria sido "particularmente
duro ao defender a revogação do artigo do Código Penal
Militar que determina a prisão de seis meses a um ano
do militar que é flagrado tendo relação homossexual
em estabelecimento das Forças Armadas. Mello colocou
em dúvida a constitucionalidade dessa norma, em razão
de seu caráter discriminatório, afirmou que ela é injusta.
Mello afirmou que a discussão desses temas está impregnada
de forte componente ideológico e de aspectos religiosos
e disse que as restrições de ordem religiosa devem ser
afastadas desse debate" .
De fato,
a Constituição Federal proíbe a discriminação em razão
de origem, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação. Não se pode alegar que a declaração
de direitos postas na Constituição, ao proibir a discriminação
sexual, não desejasse a incluir a discriminação por
orientação sexual. Tal objeção, se ainda feita, vem
sendo totalmente superada pela hermenêutica jurídica,
ainda mais quando não se admite interpretação restritiva
em questões referentes aos direitos inalienáveis da
pessoa humana .
Nesse sentido,
embora elogiável do ponto de vista político a proposta
de emenda à constituição que venha incluir na vedação
a discriminação a expressão a orientação sexual como
espécie do gênero discriminação sexual, a jurisprudência
dela não precisa para fixar o conceito de que toda a
forma de discriminação por orientação sexual é vedada
pela Constituição Federal.
O ilustre
magistrado gaúcho Roger Raupp Rios teve a oportunidade
de afastar a objeção que se fez no caso já citado quanto
ao alcance da proteção constitucional contra a discriminação
sexual. Disse ele, com grande propriedade, que "argumentar
que a diferença se dá tão só pela orientação sexual
nada muda, só oculta o verdadeiro – e sempre permanente
– fator de discriminação sexual. O sexo da pessoa escolhida
(se homem ou mulher) em relação ao sexo A, é que vai
continuar qualificando a orientação sexual como causa
de tratamento diferenciado ou não, em relação A".
Vale dizer, na sua abalizada opinião, "que é impossível
qualificar a orientação sexual de A sem tomar como fundamento
o sexo do parceiro ou parceira escolhida".
Desse modo,
melhor é estabelecermos as bases legais para parceria
civil entre pessoas do mesmo sexo, como propôs a deputada
Marta Suplicy em seu acertado projeto de lei de união
entre parceiros do mesmo sexo, regulando os direitos
civis dos homossexuais, reafirmando sua condição de
cidadãos, estabelecendo o direito à herança, a extensão
de benefícios previdenciários, a aquisição de seguro-saúde
em comum e outros direitos advindos da união estável.
Além do
mais, há que se reconhecer, como faz o ilustre colega
e Professor Luciano Maia, outro grande mérito no projeto
da Deputada Marta Suplicy. A discussão chama a atenção
para o drama vivido no cotidiano pelos homossexuais.
Ele permite que as pessoas comuns observem melhor e
atentem para problemas simples e corriqueiros de outros
tantos cidadãos e cidadãs também comuns que, por terem
manifestado uma opção ou condição sexual, são submetidos
no seu dia-a-dia a críticas, chacotas, acintes e agressões
.
Para finalizar,
devo acrescentar ao debate o seguinte ponto: pode ser,
de fato, proveitoso criar uma forma punitiva específica
contra os atos de discriminação por orientação sexual.
Entretanto, mais importante do que criar novos tipos
penais é lutar para a implementação dos direitos civis
e políticos das pessoas que relacionam-se com outras
do mesmo sexo e pela punição dos crimes hediondos cometidos
contra minorias sexuais, especialmente quando causados
por homofobia. Para isso não é necessário inventar mais
nada, mas fazer valer e cumprir a legislação penal em
vigor. Afinal o artigo 121 do Código Penal quando estabelece
a pena para quem pratica a conduta de matar alguém,
não discrimina neste alguém que ele seja rico
ou pobre, brasileiro ou estrangeiro, homossexual ou
heterossexual.
Se a cidadania
não chegou para muitos, isso não é um problema de poucos.
Não respeitar as diferenças existentes na sociedade
e em nós mesmos, reforça os preconceitos herdados, criados
e construídos discriminando os que não são ou parecem
iguais. A defesa dos direitos humanos não tem barreiras
geográficas, sexuais ou raciais. O único limite é ético.
O desrespeito a eles atinge cada um e todos nós ao mesmo
tempo.
VOLTA AO SUMÁRIO
POLÍTICAS
PÚBLICAS E AÇÕES
GOVERNAMENTAIS
O SR.
COORDENADOR (Deputado Fernando Gabeira) - Dando continuidade ao seminário
sobre direito dos homossexuais, entramos agora no capítulo
das Políticas Públicas e Ações Governamentais. Tem a
palavra o Dr. Ivair Augusto dos Santos, do Departamento
de Direitos Humanos.
O SR. IVAIR
AUGUSTO ALVES DOS SANTOS
- Agradeço o apoio do Deputado Nilmário Miranda. Tão
logo assumiu a Presidência da Comissão de Direitos Humanos,
propusemos a realização de um seminário sobre esse tema.
Pareceu-lhe oportuno, aceitou e realizou o evento.
Quero dizer
também que me sinto muito honrado de compor a Mesa juntamente
com Marta Suplicy, Deputado Fernando Gabeira, Cláudio
Nascimento, o Raldo Bonifácio e o nosso procurador da
República Aurélio Rios.
Para muitos
talvez esta reunião seja mais uma audiência pública
no Congresso, mas para chegar a ela foram necessárias
muitas outras anteriores e, muitas vezes, aconselhei-me
com Raldo Bonifácio. No momento de discutirmos este
tema dentro do Governo, muitas vezes me aconselhei com
ele sobre o melhor caminho e a melhor estratégia para
introduzir o assunto.
Há muito
tempo trabalho, no campo dos direitos humanos, com a
discriminação. Quando comecei a trabalhar com a questão
dos gays, lésbicas e travestis, pude perceber
que a complexidade era muito maior do que imaginava.
Viajo pelo
País inteiro e toda vez que falo do Programa Nacional
de Direitos Humanos, falo dos vários grupos, inclusive
da questão dos gays, lésbicas e travestis. Invariavelmente,
quando toco nesse assunto, há na platéia um grupinho
que solta um risinho maroto. Invariavelmente. Posso
falar com um público de juízes, de delegados, de policiais,
sempre que falo desse tema percebo um risinho irônico.
Começo
a contar os casos que tenho recebido no Departamento
de Direitos Humanos. Não são casos muito simples, são
casos de violência, tortura, descaso, desrespeito, pessoas
que querem ter acesso à medicação e, muitas vezes, são
destratados pelos funcionários. No caso de muitas das
queixas que nos chegam, do outro lado sempre há uma
história de intolerância absoluta. É como se um gay,
uma lésbica, um travesti não tivesse direitos.
Essa convivência,
essa parceria com Cláudio Nascimento foi-me abrindo
os olhos para a complexidade do problema, para o desafio
que representava. Quando fizemos, neste ano, um panfletinho
de apoio ao dia dedicado à causa gay em
Brasília, vocês não fazem idéia do número de piadinhas
e insinuações que tivemos de ouvir por ter bancado isto.
Mas decidimos bancar.
O fato
de dizermos de maneira muito explícita que estávamos
apoiando tal movimento provocou algumas reações. E o
que mais nos assusta é que às vezes são reações de parceiros
do próprio campo dos Direitos Humanos. O que mais incomoda
é que se pode exigir isso de um outro, mas quando se
fala disso, mexe-se com algumas coisas que eu procuro
entender, mas é difícil.
Se eu,
por exemplo, tenho clareza dos limites de trabalhar
com a discriminação aos portadores de deficiência, com
o racismo, no caso da discriminação aos gays,
lésbicas e travestis, surpreendeu-me a forma como as
pessoas reagem. Estou acostumado a trabalhar com a discriminação,
mas trabalhar com a discriminação profundamente cínica,
ou seja, pessoas que supostamente estariam no seu campo
dos direitos humanos têm uma reação profundamente chocante
quando se toca nesse assunto.
Então,
quando conseguimos qualquer envolvimento do Governo,
festejamos com muita tranqüilidade, porque sabemos a
dificuldade que existe. Para fazer o folheto, fizemos
uma festa, porque sabíamos que estávamos rompendo uma
barreira interna muito grande — fazer um folhetinho
desse, colocar lá, mostrar que o Ministério da Justiça
estava apoiando e tal, isso resultou num grande debate
interno pelo convencimento de um, de outro, buscando
o conselho de um, de outro.
Para chegarmos
a esta reunião, portanto, houve uma longa trajetória.
Além disso, começamos a inserir o tema em todos os debates
a que vamos, falar de gays, lésbicas e travestis.
Faço questão de falar nos três, deixando muito claras
as diferenças de cada um desses setores.
Em relação
a políticas públicas no campo dos direitos humanos,
houve uma que inserimos, graças a Deus, com sucesso.
Foi assassinado um travesti e, graças ao atual Programa
de Proteção à Testemunha, conseguimos punir as pessoas
que estavam envolvidas no crime. Para nós foi uma conquista
importante saber que o nosso Programa de Proteção à
Testemunha, no momento certo, reconheceu aquele problema
e deu um certo amparo às pessoas.
Além disso,
em articulação com o Ministério do Trabalho, estamos
montando, em vários lugares do Brasil, núcleos de combate
à discriminação. Como isso funciona? Temos chamado os
portadores de deficiência, o Movimento Negro, o Movimento
Gay, os portadores de HIV e, juntamente com o Ministério
do Trabalho e os fiscais do trabalho, temos feito fóruns
permanentes de encaminhamento de denúncias desse tipo
de discriminação.
Então,
já conseguimos montar, com esse universo, um trabalho
muito importante em alguns Estados, que vou destacar.
É um trabalho lento, porque nem sempre as pessoas estão
dispostas a falar sobre discriminação, principalmente
quando se refere a gays, lésbicas e travestis.
Já conseguimos montar núcleos de combate à discriminação
nas Delegacias Regionais do Trabalho do Piauí, Rio Grande
do Norte, Pernambuco, Estado do Rio de Janeiro e Mato
Grosso do Sul. Até o final do ano, vamos ampliar esse
nosso trabalho de combate à discriminação no trabalho,
envolvendo vários atores — Ministério Público do Trabalho,
fiscais do trabalho, e também a Bahia e o Ceará. Esses
dois Estados estão predispostos a fazer essa parceria
conosco. Isso consiste em quê? Consiste em fazer fóruns
permanentes e dar abertura para que as pessoas que se
sentem discriminadas possam contar com o apoio do Ministério
Público do Trabalho e dos fiscais do trabalho para poder
agir nesse caso. Temos conseguido algum sucesso importante
em alguns Estados. Esse trabalho só foi possível graças
a uma articulação entre o Ministério da Justiça e o
Ministério do Trabalho.
Um outro
trabalho que estamos fazendo também é com relação à
educação. Estamos em articulação com a ABGLT, com Cláudio
Nascimento, e com a Anistia Internacional. Estamos querendo
fazer um curso em parceria, para poder, de certa forma,
levar isso a alguns públicos específicos.
Vou citar
um exemplo concreto: a experiência do Rio de Janeiro,
do Cláudio Nascimento, parece que está dando certo com
relação à PM. Já estou em conversação com algumas academias
de polícia que estão predispostas a abrir o debate sobre
esse tema. Então, Cláudio Nascimento, junto com a Anistia
Internacional, estará fazendo esse ciclo de palestras
em outros Estados, como o Rio de Janeiro. A Academia
de Polícia de São Paulo, por exemplo, está disposta
a fazer essa experiência que o Cláudio Nascimento desenvolveu
no Rio de Janeiro e levar para lá também.
Um outro
aspecto que queríamos registrar é que a ABGLT fez uma
proposta de construção de uma rede. A nossa idéia é
dar esse insight inicial, fortalecer essa rede
de comunicação ainda neste ano. Esta é a nossa proposta
de trabalho concreto.
Além disso,
aproveito a presença da Jussara, do INESC, que nos enviou
e-mail dizendo que não havia no PPA uma rubrica
com relação à questão de apoio aos gays, lésbicas
e travestis, para dizer que a Secretaria colocou no
PPA, de maneira explícita, "apoiar a rede de gays
e travestis". Essa conquista não foi simples, houve
um debate interno com a área orçamentária, foi uma loucura
tentar explicar que queríamos uma rubrica específica
para gays, lésbicas e travestis, porque as pessoas
têm mania de colocar todo mundo num grupo chamado minoria,
joga todo mundo lá e fica tão diluído que não se sabe
bem o que é. Então, estamos com esse trabalho.
Para além
desses projetos que temos desenvolvido, é preciso destacar
que isto só foi possível porque contamos com algumas
conversas e encaminhamentos com os militantes da ABGLT.
Se não fosse esse grau de franqueza e de entendimento
de que, muitas vezes, não podemos ir em uma velocidade
maior, seria impossível.
Queria
destacar também a importância do Luiz Motti, que tem
feito uma denúncia permanente em relação a esse tema.
Com relação
ao Programa Nacional de Direitos Humanos, já foi dito
na 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos que na
reformulação será contemplada de maneira explícita,
mais ampla, a questão dos gays, lésbicas e travestis.
Acho que foi uma conquista importante do pessoal que
reclamou muito por mais amplitude. Já foi anunciado
mais de uma vez, em vários fóruns, que o tema deverá
ser contemplado de maneira mais aberta.
Há um outro
tema que eu gostaria de propor. Tenho recebido com alguma
freqüência denúncias de violação dos direitos dos travestis
em Salvador. Participei, há questão de dois meses, de
uma audiência pública sobre grupos de extermínio. Havia
um grupo de travestis que trouxe, de maneira muito clara,
a questão da violação dos seus direitos.
Gostaria
de propor, juntamente com a ABGLT e a Comissão de Direitos
Humanos, que fosse constituída uma Comissão — para nós,
não há nenhum problema em fazer parte dessa Comissão
— para conversar com a Secretária de Segurança Pública
da Bahia, para evitar esse terrível tratamento aos travestis,
que pude presenciar em Salvador.
Com relação
ao companheiro da entidade de travestis de São Paulo,
acho que a sua denúncia foi muito grave, gostaria de
ter acesso a ela, porque vamos entrar em contato com
a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e acompanhar
esse caso de perto. Acho que a Comissão serve exatamente
para isso, para registrar esses casos e acompanhá-los.
Quero também
reforçar e dizer o seguinte: quando recebi o relatório
que o Grupo Gay da Bahia fez com relação a assassinatos,
tive o trabalho de escrever uma carta para cada uma
daquelas delegacias de polícia onde tinha sido aberto
o boletim de ocorrência com relação aos crimes contra
gays. E posso dizer-lhes que a minha decepção
foi grande, ou seja, a tendência, normalmente, é realmente,
de que esses casos sejam arquivados. É preciso que a
nossa vigilância no campo dos direitos humanos seja
cada vez mais permanente. Não dá para esquecermos um
crime que aconteceu em 1998, 1997. Precisamos estar
fazendo essa cobrança, porque só dessa forma é que vamos
conseguir combater a impunidade.
Queria
dizer que, em nome da Secretaria de Estado de Direitos
Humanos — hoje temos um Ministro da Justiça muito sensível
à questão, para nós é importante esse avanço —, em nome
de José Gregori, em nome do nosso Departamento, que,
muito mais do que aliados, nós nos consideramos seus
parceiros nesse processo. Entendemos internamente que
isso é um caminhar muito mais lento, muito mais complexo,
muito mais difícil.
Muito obrigado.
(Palmas.)
O SR. COORDENADOR
(Deputado Fernando Gabeira) - Dando prosseguimento ao seminário,
passamos a palavra ao Sr. Raldo Bonifácio, da Rede Nacional
de Direitos Humanos.
O SR. RALDO
BONIFÁCIO COSTA FILHO -
De saída, quero agradecer o convite para estar aqui,
por ter tido a oportunidade de ouvir companheiros que
vieram de outros lugares e que se manifestaram de maneira
brilhante, com informações muito importantes na luta
pelos direitos humanos. Participar desta Mesa também
é um privilégio muito grande. Todos vão concordar comigo,
porque não preciso me delongar a respeito do brilhantismo
da Mesa que, ao mesmo tempo, me dá uma responsabilidade
enorme agora, quando vou falar.
Sou responsável
pela Rede de Direitos Humanos da Coordenação Nacional
de DST e AIDS do Ministério da Saúde. Na verdade, é
Rede de Direitos Humanos em HIV e AIDS e que, mais recentemente,
foi acrescido de saúde mental, também, mas isso é uma
outra história.
O que tem
a ver o fato de eu estar aqui com a Rede de Direitos
Humanos em HIV e AIDS, quando estamos discutindo direitos
humanos e cidadania dos homossexuais?
Isso tem
a ver, sim, com a própria história da AIDS. AIDS, antes
que se soubesse que era uma síndrome, que se devia à
infecção por um vírus e à diminuição decorrente dessa
infecção da imunidade necessária à saúde, era conhecida
como a doença dos quatro agás; depois, aumentaram para
cinco, mas no início eram os quatro agás. Esses quatro
agás eram os hemofílicos, os haitianos, os heroinômanos
— tudo com agá — e os homossexuais. Reparem que ela
surgiu já com esse toque, com essa marca discriminatória,
surgiu como discriminação. No caso, um dos elementos
de discriminação, de saída, foram os homossexuais.
Quando
chega ao Brasil a AIDS, chega, principalmente, com essa
marca, ainda mais que não tínhamos os outros agás, os
haitianos, os heroinômanos, tínhamos os hemofílicos
e os homossexuais.
Então,
os homossexuais passam a ter uma importância muito grande
no campo da AIDS. É importante marcar isso, porque é
da história da AIDS no mundo, especialmente no Primeiro
Mundo, na Europa. Se a comunidade homossexual denunciou
a epidemia, foi ela também que colaborou ou que marcou
o desenvolvimento das descobertas que se fizeram tão
rapidamente a respeito da epidemia. Estou quase seguro
de que muito em breve vamos tê-la debelado, pelo menos
descoberto alguma maneira de debelá-la.
Isso prevalece
até hoje. Vamos ver que na Europa os trabalhos de prevenção,
de promoção à saúde que puderam acontecer antes de qualquer
descoberta assistencial ou de tratamento originaram-se
com as comunidades gays organizadas, depois as
comunidades organizadas, as organizações não-governamentais,
especialmente, na prevenção, ou seja, estabilizar, conter
o avanço da epidemia nesses países. O modelo de trabalho
nesses países foi o modelo que já ofereciam as organizações
gays.
Aqui no
Brasil isso também aconteceu, sem dúvida. Hoje não há
como não reverenciarmos modelos da comunidade gay
organizada, que também pôde expandir-se, ampliar-se
e multiplicar-se graças a essa primeira colaboração
sua na prevenção da AIDS e pôde, depois, expandir-se
e se organizar, podendo usufruir dos benefícios financeiros
que pôde ter a luta contra a AIDS no Brasil.
Fora isso,
há uma questão que diz respeito a qualquer epidemia.
A política pública, em relação à epidemia, é sempre,
em sua estrutura, de identificação de quem está infectado
ou enfermo, de isolamento, de notificação, ou seja,
são necessárias, por medida de saúde pública, em outras
epidemias, até para a proteção dos outros cidadãos.
Com a AIDS,
ficou muito complicado pensar-se em identificação, notificação,
isolamento. Nada disso apresentava benefício para a
erradicação da epidemia, além de violar, de atacar diretamente
a intimidade dos indivíduos, porque a epidemia de HIV
decorre da intimidade extrema do ser humano, seja na
relação sexual, seja na amamentação, seja na transfusão
de sangue. Então, todas essas medidas de saúde pública,
automaticamente, mesmo que as autoridades não quisessem,
violariam os direitos fundamentais.
Observem
que, quando o programa brasileiro dispensa atenção à
AIDS, se defronta com isso. Durante muito tempo, houve
muita dificuldade em tratar desse assunto, até que,
em vez de ser adotada uma política tradicional em saúde
pública, medidas coercitivas, passou-se a adotar uma
política de ajuste das medidas de saúde pública, de
controle da epidemia aos direitos humanos. Com isso,
houve um momento em que o Ministério da Saúde, através
da Coordenação de AIDS, teve de criar um lócus onde
se pudesse desenvolver, refletir e estabelecer ações
em conformidade com os princípios dos direitos humanos.
E aí a
comunidade homossexual é beneficiada; ela que, inicialmente,
trazia a marca da AIDS. Reparem que toda a política
surgiu por força de um empréstimo, de um acordo com
o Banco Mundial e as contrapartidas brasileiras, e se
dirigiu, desde o seu início, a olhar, na estruturação,
na determinação das políticas públicas em relação às
epidemias, o que as comunidades, o que as populações
específicas, o que a comunidade organizada estava fazendo.
Destaca-se aí a comunidade gay, que, sem dúvida
alguma, colaborou com a estabilização da epidemia na
população gay.
Hoje, podemos
dizer que a tendência da epidemia é outra. A população
gay vem chamando a atenção para esse fato, mas
deve-se ter cuidado, porque em outros países já aconteceu
o contrário: estabilizou graças à colaboração da comunidade
gay, mas recrudesceu recentemente, porque a população
jovem, o adolescente gay não participou disso.
Há experiências, estudos claros mostrando isso — a comunidade
gay tem alertado para isso —, apesar de, no momento,
a epidemia ter, no Brasil, tendência à heterossexualização,
à pauperização, à interiorização, como Danne me alertou
ainda há pouco, no seu trabalho no Rio Grande do Sul.
Mesmo com
essa nova tendência da epidemia, ficará marcado na história
que a estabilização se deve à comunidade gay.
Digo com isso que se chegarmos a ter uma vacina contra
o vírus da AIDS, no Brasil, a comunidade gay
estará em primeiro lugar como colaboradora. Se no momento
existe alguma coisa de pesquisa para uma futura vacina,
é porque temos quatro grandes grupos em Belo Horizonte,
em São Paulo e dois no Rio de Janeiro de pesquisa rigorosa
da população gay, exclusivamente gay.
Se temos idéia sobre a incidência, hoje, do HIV em população
específica, devemos isso à solidariedade, à generosidade
da população gay. Apesar de toda a violência,
há uma colaboração muito grande da comunidade gay.
O Dr. Ivair
Augusto — tenho de dizer isto publicamente — disse que
eu o aconselhei no início. Mas isso era mútuo: eu o
aconselhava e ele me aconselhava. Hoje, mais do que
parceiros, do que companheiros de trabalho — ele no
Ministério da Justiça e eu no Ministério da Saúde —,
já somos até cúmplices, porque há uma afinidade, há
um contato freqüente. E há pouco tempo descobri que
estava havendo também uma afinidade com o ministério
do Trabalho — fazíamos trabalhos comuns; então descobri
que era a esposa do Dr. Ivair. Portanto, há uma cumplicidade
muito benéfica.
Falando
em ações governamentais que beneficiam a população gay,
da política de DST e AIDS, posso apontar, na perspectiva
de direitos humanos, as interfaces com a rede de assistência
que se criou no Brasil a partir dessa doença. Hoje,
não há um Estado da Federação que não tenha um serviço
credenciado para atender à população infectada pelo
vírus da AIDS e assistências alternativas, não só a
hospitalar, mas a ambulatorial, o hospital-dia, a assistência
domiciliar. Posso mostrar-lhes mapas sobre isso, números
dessas ações que têm acontecido, e posso garantir-lhes
que elas vêm acontecendo graças à atenção, à vigilância
constante da comunidade organizada; e os grupos organizados
da população gay têm sido fundamentais.
Posso mostrar
isso através de correspondências, de telefonemas, de
e-mail, que agora se tornou um meio importante.
Por isso, temos fomentado a entrada das organizações
no mundo da informática, porque isso tem facilitado
muito a comunicação em rede.
Na assistência,
observa-se que o medicamento disponível hoje para as
pessoas com AIDS também depende de toda uma rede da
comunidade organizada; e se há uma ação sobre isso,
é necessário que se incentive essa organização.
Às vezes
esses grupos se organizam em lugares onde parece não
haver a mínima possibilidade. Posso citar como exemplo
a comunidade travesti. Pela minha experiência no Ministério
da Saúde, é a comunidade mais violentada que conheço.
E trabalho com várias comunidades. A população indígena
também é muito violentada. Compartilhamos com o Dr.
Ivair Augusto de situações neste sentido, mas no dia-a-dia
a comunidade travesti sofre violências incríveis.
Partimos
para uma política que fomente a organização e a qualificação
de vida da população travesti. Posso falar sobre isso
em outro momento, a quem estiver interessado. Se a Secretária
de Segurança de Salvador pudesse sentar-se, ouvir, dialogar,
se interlocutores fossem criados, se emergissem, ou
se houvesse a possibilidade da interlocução, é inimaginável
o que de fecundo poderia surgir com esse trabalho, inclusive
como política do Governo do Estado da Bahia. Pela experiência
que temos no Ministério da Saúde, quando trazemos um
travesti que já tenha capacidade de organização de um
determinado Estado e o levamos para outro extremo, deixando-o
lá alguns dias, num trabalho parceiro de cooperação,
ele consegue organizar a comunidade travesti, e o que
surge daí é uma coisa impressionante. É uma população
que, quando organizada, é muito criativa; o trabalho
que surge é muito interessante, muito fecundo.
Falei na
assistência, na organização, no tratamento. Para que
os senhores tenham uma idéia da importância de se olhar
tudo isso na perspectiva de direitos humanos, por exemplo,
a garantia legal do tratamento para as pessoas que tenham
AIDS — estamos cansados de conhecer isso no Brasil —
não é suficiente. Mas se precisamos de 600 milhões de
reais para comprar medicamentos, durante o ano de 1999,
e não houve a previsão no Orçamento, conseguiremos isso
pela mobilização. Não sei se os senhores chegaram a
ver, mas no dia 8 de setembro houve uma manifestação
nacional a respeito disso, e prontamente houve uma resposta
governamental. De imediato, estava o Presidente enviando
mensagem ao Congresso Nacional. Na verdade, o trabalho
do Ministério da Saúde, de alguma maneira, tem um dedo
para facilitar, fomentar a organização da sociedade.
Aproveito
a oportunidade para apresentar aos senhores a nossa
advogada Cláudia de Paula, que está sentada ali no cantinho.
Posso garantir-lhes que muitos dos projetos nas câmaras
de vereadores, nas assembléias legislativas e no Congresso
Nacional têm um dedinho da Cláudia. Quando os projetos
que têm a ver com discriminação, preconceito, HIV vão
parar no Ministério, há sempre um dedinho da Cláudia.
Às vezes contra, para abortar determinados projetos.
Como ações
efetivas, formais, temos 23 projetos no Brasil, de orientação
e assistência jurídica. São específicos, chamados projetos
de orientação e assistência jurídica às pessoas vivendo
com HIV e AIDS, mas são extensivos às populações em
situação de risco e vulnerabilidade, aos profissionais
que trabalham também com HIV e AIDS.
Um desses
projetos, estava me lembrando, é de uma organização
gay — Grupo Gay de Alagoas —, que implantou agora
um projeto jurídico. Eu ficaria muito decepcionado se
Midori Amorim não me dissesse que foi ajudada de alguma
maneira por algum dos projetos jurídicos de São Paulo;
do GAPA de São Paulo ou de São José dos Campos. Lembro-me
de que, de alguma maneira, acompanhei o seu caso através
do GAPA de São José dos Campos.
O SR. MIDORI
AMORIM - Logo no início tive o apoio do Luciano Toledo, o Presidente
do GAPA de São José dos Campos, mas ele foi tirado do
caso por não ser criminalista. Então, era preciso que
houvesse advogados criminalistas, e puseram esses dois.
Não tenho nada contra evangélicos, mas eles eram.
O SR. RALDO
BONIFÁCIO COSTA FILHO
- Este é um dos problemas que enfrentamos. Temos conseguido
implantar as assistências jurídicas. São 23, como já
disse, espalhados pelo Brasil. Mas o grande problema
é o Direito Penal. Quando se chega nesse campo é problemático,
porque depende de um investimento pessoal dos advogados,
pois as violações são de direitos civis. Esses projetos
estão voltados para isso. Fora isso, temos investido
em ações de capacitação, de aprimoramento, de desenvolvimento
das organizações não-governamentais. E entre elas estão
as organizações gays.
Poderia
falar mais sobre a população atingida por esses projetos,
mas no momento temos 21 projetos cujo público alvo é
o homossexual. São projetos realizados por comunidades
organizadas de homossexuais. Em termos de investimento,
são 500 mil reais em 1999, ou seja, até então, para
esses 21 projetos, com a cobertura populacional de 35
mil pessoas. Quer dizer que, se no total há cerca de
duzentos projetos envolvidos com assistência, casa de
apoio, auto-ajuda, prevenção propriamente dita, somente
21 projetos são da população homossexual. Não que se
pense em investir somente 10% dos projetos voltados
para população homossexual, mas é devido ao fato de
nos aparecerem poucos projetos vindos da população homossexual.
Há disponibilidade de ouvir, de estabelecer planos de
ação, ouvindo sempre a população, no caso dos projetos
da população homossexual, ouvindo as organizações homossexuais.
Neste sentido,
sempre ouvimos, e nos esforçamos, não só investindo
em cursos de capacitação, em congressos, encontros,
mas também indo a eventos que são importantes na qualificação
e na visibilidade do movimento homossexual.
Muito obrigado.
(Palmas.)
VOLTA AO SUMÁRIO
DEBATES
O SR.
ENILSON FERREIRA BASTOS - Meu nome é Enilson Ferreira Bastos. Sou Presidente do
Grupo Estruturação, em Brasília.
O Dr. Aurélio
disse que não acredita que seja necessária a tipificação
de delitos na área da discriminação, ou qualquer coisa
assim. Acredito que seja, sim, porque é desse modo que
vamos ter capacidade de punir alguém por algum ato.
Meu conhecimento jurídico é muito limitado, mas sei
que na Lei Orgânica do Distrito Federal está dito que
é proibida a discriminação por orientação sexual. Fosse
assim, o próprio Governador seria enquadrado, porque
tirou do ar um programa gay só por ser gay.
Então, como é que fica? O senhor continua achando que
não é necessário? Como é que fica?
O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Bom, vamos direto ao ponto. Talvez
não me tenha feito entender, mas não é o fato de haver
lei contra a discriminação. O que acho pouco produtivo
é criar tipos penais como "matar um homossexual"
— gay, lésbica ou travesti — ou "submeter
um homossexual à tortura". Não é necessário isso.
Para que haja punição efetiva de quem tortura, de quem
mata, não precisa haver um tipo penal específico, do
mesmo modo que não precisa haver a tipificação de genocídio
específico de índios, de judeus, de palestinos. Basta
dizer "matar um grupo étnico com a intenção de
exterminá-lo". Então, é esta a idéia. Se o Código
Penal fala "matar alguém", não é necessário
dizer mais nada. É claro que a luta contra a impunidade
ou a luta para fazer com que as instituições funcionem,
nesse caso, é muito difícil. Talvez em Brasília as coisas
sejam mais tranqüilas do que no resto do País, mas ainda
há um longo caminho a ser percorrido.
É absolutamente
elogiável o que a Lei Orgânica do Distrito Federal diz
com relação à proibição da discriminação por orientação
sexual. Seria ótimo que se tivesse isso com mais freqüência;
melhor ainda que isso seja cumprido.
O que quero
dizer é que já temos na nossa malha legislativa, que
não é pequena, lei para todo tipo de conduta possível
e imaginável. Hoje o Deputado Fernando Gabeira me disse
que temos agora um decreto regulamentando a lei que
criou os crimes ambientais. Ótimo. Boa medida. Mas o
que precisamos fazer é tornar efetivas essas leis. Então,
mais do que lutar para a criação de novos tipos penais,
o que me interessa mais é que os velhos tipos, como
homicídio e lesões corporais, que são definidos no Código
Penal como delitos graves, sejam punidos.
Hoje não
me preocupa tanto tentar aperfeiçoar o modelo, mas fazer
com que ele funcione minimamente. O minimamente que
digo é o quê? É, por exemplo, quem for vítima, não importa
sob que orientação sexual, poder ir à delegacia de polícia,
registrar esse fato, isso constar de um inquérito policial,
esse inquérito policial resultar em um relatório, as
provas serem produzidas satisfatoriamente, para que
o promotor seja obrigado a denunciar o criminoso, e
para que o juiz o condene com base nas provas.
Dentro
dessa questão do Direito Penal, não precisamos de novos
tipos. Agora, questões referentes à discriminação, leis
específicas em cada Estado são uma coisa ótima. Maravilha!
A lei do Distrito Federal é uma boa referência para
isso.
Agora,
interessa-me muito mais a aprovação do projeto da Deputada
Marta Suplicy. Tenho absoluta certeza de que esse é
o ponto que está pegando para o exercício da cidadania:
a lei civil. Às vezes nos importamos muito com a questão
penal, como ocorre dentro do Movimento Negro. E as medidas
de discriminação positiva? E as políticas públicas?
E como é que fazemos para acertar as questões patrimoniais
decorrentes até da discriminação? Como fazemos para
assessorar as pessoas que são discriminadas, para que,
pelo menos, possamos imputar a quem discrimina uma perda
econômica por isso?
O SR. ENILSON
FERREIRA BASTOS - O senhor me desculpe, mas o cerceamento da liberdade é
uma maneira de se punir quem discrimina; não é só a
coisa material, como o senhor está falando, da lei da
Deputada. No caso da discriminação, para se prender
alguém, para a autoridade policial agir, é preciso uma
lei definindo a conduta delituosa e a pena. Entendo
que é necessário haver uma lei que permita a prisão
de quem esteja cometendo o crime de discriminação.
A SRA.
MARTA SUPLICY - Gostaria de fazer uma pergunta complementar, tomando
como exemplo essa emenda à Constituição que apresentei
quando Deputada, e que agora o Deputado Marcos Rolim
reapresentou.
Quando
a Constituição diz que não se pode discriminar por religião,
por sexo etc. — sexo é masculino ou feminino —, não
quer dizer orientação sexual. Se se está diante de um
juiz ou de um delegado que entenda dessa forma, como
é que fica? Gostaria de uma reflexão a respeito.
O SR. AURÉLIO
VIRGÍLIO RIOS - Bom, a senhora me dá oportunidade de falar sobre uma recente
decisão judicial do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, que é bastante interessante, em um caso que
envolvia duas pessoas da comunidade lésbica daquele
Estado, que entraram com uma ação ordinária contra a
Caixa Econômica Federal. A Fundação dos Economiários
pediu a declaração de existência de união estável e
a condenação dos réus à admissão do segundo autor —
da companheira ou do companheiro — como beneficiário
do plano de assistência médica. O tribunal do Rio Grande
Sul proferiu uma decisão bastante interessante, numa
interpretação com a qual concordo inteiramente, no sentido
de que, na prestação da jurisdição, o juiz deve entender
que, quando se fala em sexo, há uma proibição contra
a discriminação. Aí não se trata tão-somente de gênero:
masculino ou feminino. Qualquer que seja a pessoa, ela
não pode ser discriminada por motivos sexuais. Se a
questão envolve a orientação sexual, isso também pertence
a essa questão da discriminação por sexo. Esta é uma
interpretação que, acho, tem base constitucional; e
tem sido apresentada pelo menos em dois ou três acórdãos.
Vocês vão dizer que são acórdãos minoritários. Ainda
são; são esporádicos. Agora, tenho a impressão de que,
se estivesse de forma mais explícita a questão da orientação
sexual, seria melhor. Mas não precisamos dessa emenda
constitucional para que, em um trabalho de interpretação
da Constituição, estabeleçamos que a nossa ordem constitucional
— a Constituição cidadã, como dizia o Dr. Ulysses Guimarães
— não permite que se faça uma interpretação restritiva
de um direito inalienável de qualquer pessoa.
O SR. ENILSON
FERREIRA BASTOS - Desculpe-me, mas me recuso a acreditar que um delgado
de polícia vá chegar a esse nível de interpretação da
Constituição Federal.
O SR.
AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Mas é o juiz que interpreta.
O SR. ENILSON
FERREIRA BASTOS - Sim, mas estou falando na hora da ação.
O SR. AURÉLIO
VIRGÍLIO RIOS - Bom, aí é uma outra coisa.
O SR. MIDORI
AMORIM - Desculpe-me. Não quero fazer uma pergunta, só
quero expor
alguns pontos que considero pertinentes.
Eu sou
Midori, do Grupo CORSA, de São Paulo, e da RENATA, de
São Paulo. RENATA é Rede Nacional de Travestis.
Queremos
que a discriminação aos homossexuais seja uma conduta
tipificada como crime. Também acho horroroso ouvir o
senhor dizer que isso não é necessário. É necessário,
sim. Os negros conseguiram que se proibisse a discriminação
racial. Só que eles não conseguiram criminalizar a conduta.
Não há uma lei que permita a punição de quem discrimina
os negros.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Não, já há o tipo penal.
Você pode dizer que ninguém foi condenado até hoje,
mas há a lei.
O SR. AURÉLIO
VIRGÍLIO RIOS - Estamos num debate sobre se existe a lei ou se ela é eficiente?
Se formos discutir a questão da efetividade é diferente.
O SR. ENILSON
FERREIRA BASTOS - Quero uma lei eficiente, é lógico.
O SR. AURÉLIO
VIRGÍLIO RIOS - Sim, todos queremos. Mas quando você cita o comportamento
do policial na delegacia, entra em outro aspecto que
demanda até uma análise sociológica. Não vai ser pelo
fato de se inserir na Constituição que as pessoas não
devem discriminar por orientação sexual que os policiais
que hoje torturam e continuam praticando as maiores
violências vão deixar de fazer isso.
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - O Cláudio está pedindo um
aparte. Há mais dois companheiros que pediram para falar.
Vamos deixar o Midori concluir. Após, o Cláudio e os
demais inscritos poderão fazer uso da palavra.
O SR. MIDORI
AMORIM - Quanto a se criar uma delegacia específica para gays,
lésbicas e travestis, ou então estabelecer-se um percentual
de vagas na Câmara dos Deputados para Deputados homossexuais,
não quero guetos; quero apenas que os Srs. Deputados,
que são eleitos por nós, gays, travestis, lésbicas,
façam leis que sejam em nosso favor também. Já passamos
dessa idéia de guetos. Não queremos mais estar em guetos
em que travesti vai resolver problema de travesti, gay
vai resolver problema de gay, e o resto da
sociedade se isenta disso; inclusive aqueles que são
eleitos por nós também. Obrigado.
O SR. CLÁUDIO
NASCIMENTO - Entendo, como o Roberto já disse aqui, que mudança de
comportamento não se faz por decreto ou por lei, mas
sabemos também que uma lei, de certa forma, contribui
como referência positiva para grupos que são estigmatizados
e marginalizados. Neste sentido, o Movimento Homossexual
Brasileiro vem trabalhando com essa estratégia de aprovação
de leis que afirmem os direitos dos homossexuais.
Entendo
até, como o Dr. Aurélio, essa tempestade de leis que
existem no Brasil acerca de vários temas. Agora, em
relação à orientação sexual, não concordo, porque não
existe uma lei que criminalize, mas também não estão
assegurados esses direitos. Por outro lado, o que percebo
ainda é que existe na Justiça, por parte dos juízes
e dos profissionais da Justiça, uma homofobia muito
grande diante desse tema. Então, por mais que entenda
que os juízes competentes e de bom senso vão fazer uma
análise de bom senso e crítica, como o senhor diz, aqueles
juízes que ainda estão impregnados com uma visão evangélica,
uma visão preconceituosa acerca da homossexualidade,
não vão ter nenhum parâmetro objetivo para guiá-los
diante das reclamações dos homossexuais.
Por exemplo,
no Rio de Janeiro, em 76 Municípios, aprovamos uma lei
que proíbe a discriminação por orientação sexual. No
Rio de Janeiro temos a Lei nº 2.475, que não só proíbe
a discriminação como estabelece aos estabelecimentos
comerciais que discriminarem gays, lésbicas ou
travestis punições como multa, advertência, perda do
alvará, até o fechamento total da casa. Então, de certa
forma, isso cria um impacto social muito grande para
a nossa comunidade e para a comunidade em geral.
O SR. CLÓVIS
ARANTES - Sou Clóvis, do Grupo Estruturação de Brasília. O Cláudio
expôs bem essa questão. Aqui em Brasília temos um exemplo
muito claro: temos uma lei que define que não se pode
discriminar pela orientação sexual, mas não temos mecanismos
de punição. Com o Programa Tolerância Zero, quem é que
vai punir a tolerância zero dos policiais? Então, é
um exemplo muito claro esse de Brasília.
Não podemos,
quando tratamos de leis — entendo muito pouco do assunto,
mas acredito nisso —, trabalhar com as exceções, como
o Cláudio citou, como a questão dos juízes que vão analisar
isso, porque, quando um homossexual comete um crime,
ele não é julgado pelo crime somente, mas também pela
sua orientação sexual. Então, temos de colocar nessas
leis mecanismos que garantam os direitos desses cidadãos
homossexuais, que impeçam a interpretação da lei ao
bel-prazer do juiz, homofóbico ou não. Temos de garantir
mecanismos para que isso não aconteça. É esta a questão.
A SRA.
JUSSARA DE GOIÁS - Meu nome é Jussara de Goiás. Sou assessora do INESC e
coordeno a área de Defesa dos Direitos de Populações
Específicas. Trabalhamos muitos anos na questão da criança
e do adolescente. Mas, a partir do ano passado começamos
a inserir novas populações — porque somos poucos, e
tudo tem que andar devagar.
Por ocasião
da IV Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada
neste Congresso, na relação que tivemos com os representantes
da ABGLT, discutimos por que não conseguiram avançar
em relação ao que estava no Plano Nacional de Direitos
Humanos, já que todo ano dizem que isso sequer entrou
no Plano. Chegamos à conclusão de que nunca foi especificado
no Orçamento que essa população existe. Naquele momento,
aprovamos que fossem apresentadas emendas à LDO, à LO
e ao PPA, no sentido de inserirem isso. Conseguimos
fazê-lo em relação à LDO, onde foi consolidado no Capítulo
I, inciso VI: "Promover os direitos de minorias
vítimas de preconceito e discriminação".
Isso nos
abria caminho para atuar junto ao PPA e à LO para o
ano 2000 e a cada ano. Recebemos o PPA agora. O Dr.
Ivair já me mandou, inclusive, aquela informação, com
a qual concordo, que diz respeito especificamente à
Secretaria de Direitos Humanos. Mas, o PPA, a orientação
estratégica onde o Governo aponta cada item da LDO e
chega a promover direitos de minorias vítimas de preconceito,
diz:
A defesa
dos direitos humanos e particularmente das minorias
vítimas de preconceito e discriminação é peça fundamental
dentro da estratégia e ação do Governo....
Fortalecer
a cidadania implica mais progresso social, imprescindível
para a consolidação da democracia no País.
O Governo
vai trabalhar para promover a cultura, proteger a mulher
e a criança contra a violência sexual e doméstica e
garantir os direitos das populações negras indígenas.
Nada disse
com relação aos homossexuais, gays e lésbicas.
Não está definido, da forma como está, na LDO.
Quem conhece
um pouco o funcionamento do processo orçamentário sabe
que dificilmente consegue-se verba para o que não está
previsto como orientação estratégica. Portanto, o recurso
que a Secretaria de Direitos Humanos conseguiria para
um ação facilmente poderá ser alocado para outra rubrica,
porque não consta como diretriz; tem de estar registrado,
escrito.
Existem
esses cidadãos, que são muitos no Brasil. Não há só
crianças e índios. Até o fato de dizer que o negro é
minoria neste País é questionável. Esta é a defesa a
que me refiro, respondendo um pouco àquela fala.
A outra
questão é que na discriminação do PPA há o Programa
Gestão da Política de Direitos Humanos, onde temos a
criação de grupos de estudos, promoção e garantia dos
direitos de gays, lésbicas e travestis.
Quando
consultamos a Lei Orçamentária Anual — LOA para o ano
2000, não encontramos programa nenhum. Vemos contemplados
a criança, a mulher, o portador de deficiência, as vítimas
e testemunhas ameaçadas, programa por programa. Mas
o programa a que se refere esse documento não está contemplado
na próximo LO, a ser aprovada para o ano 2000. Não há
previsão de trabalho aqui. Portanto, temos que trabalhar
essa incoerência, senão nada acontece. Essa era a primeira
questão, um esclarecimento com relação à fala do Dr.
Ivair Augusto dos Santos.
Sou favorável
à especificação na lei. No estágio em que a sociedade
brasileira está, precisamos de ações positivas, sim.
As mulheres lutaram muito por isso. Estamos lutando
desde o Estatuto da Criança em prol das crianças em
situação de risco pessoal e social, para dizer quem
será a população atingida. Os negros também lutaram
muito por isso. Essa luta é viável porque, quem está
avaliando um momento desses, de violência ou de processo
criminal, não olha aquela pessoa como se ela fosse um
ser humano — gay, lésbica, travesti, heterossexual,
seja o que for —, mas como se não fosse gente; isso
precisa ser eliminado da sociedade. Por isso, temos
ainda de batalhar por leis com ações positivas.
Portanto,
registro esta minha manifestação de apoio.
A SRA.
ELAINE INOCENCIO - Sou Elaine Inocencio, Gerente de Projetos na Secretaria
de Estado de Direitos Humanos.
Gostaria
de explicar à companheira que na Secretaria fazemos
apenas aquela parte esmiuçada do PPA, onde constam programas
de trabalho com gays, lésbicas e travestis.
Quando
o programa sai da nossa mão, vai para o Ministério do
Orçamento e Gestão.
A partir
daí, não sabemos o que acontece. A parte estratégica
já é elaborada pela Presidência da República. Não temos
nenhum controle sobre o que vai acontecendo, porque
o Orçamento é montado em vários blocos; cada setor faz
o seu, e depois ele é consolidado. Na hora da consolidação,
ele foge totalmente ao nosso controle; só vamos ter
conhecimento dele novamente quando já estiver aprovado.
Na Câmara, ele é mais modificado ainda. Portanto aquilo
que é sancionado pelo Presidente da República não é
necessariamente o que foi elaborado no início.
A Secretaria
de Estado de Direitos Humanos teve a preocupação de
pontuar a questão dos homossexuais. Mas, não podemos
garantir que na aprovação do PPA esse projeto continue
contemplado.
O SR. AURÉLIO
VIRGÍLIO RIOS - Queria apenas fazer mais um esclarecimento sobre esse
tema.
Sou inteiramente
a favor das ações positivas. Penso que elas são absolutamente
necessárias, e que na parte cível há milhões de coisas
a fazer. O projeto da ex-Deputada é um avanço considerável.
Apenas
para esclarecer e para que não sejamos ingênuos o suficiente:
podemos ter a lei mais perfeita contra discriminação,
mas o juiz ou promotor homófobo sempre vai encontrar
um meio de interpretá-la para afastar sua incidência
no caso concreto. Contra essas pessoas não há remédio.
Tenho colegas que, por melhor que fosse a lei, saberiam
como achar uma maneira de não dar segmento à ação.
Portanto,
a lei em si, por mais perfeita que seja, não resolve
a questão do preconceito. Mas, o que resolve então?
Uma lei contra a discriminação? Ótimo, desde que também
pensemos nos modos de implementá-la.
Penso que
isso deve estar casado com a parte cível, as políticas
públicas e o comprometimento do Estado, porque uma lei
mais bonita do mundo numa sociedade extremamente racista
e discriminatória não vai dar seguimento a nada.
Não posso
minimizar, por exemplo, a importância dos passos dados
por parte da jurisprudência, por ela ser minoritária.
Lembro que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
por ampla maioria, já decidiu que um casal de mulheres
lésbicas tem direito patrimonial, e de colocar uma como
companheira da outra. Eles fizeram nada menos do que
aplicar o projeto de lei da ex-Deputada, que ainda não
está em vigor, mas é concretamente justo e precisa ser
dado a essas pessoas. Portanto, é um projeto interessante.
Para terminar,
vou lembrar que, em dezembro de 1997, o Presidente do
Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, fez
uma declaração importantíssima à Folha de S.Paulo.
Disse S.Exa. que a questão da discriminação contra os
homossexuais era gravíssima, e que era necessário que
o Poder Judiciário tivesse outros olhos para isso. Que
se desse esse passo em relação aos homossexuais, a exemplo
do que fez o Judiciário em relação à questão indígena,
que hoje está suficientemente resolvida na Justiça —
pelo menos, em grande parte, favorável aos índios. Vejam
que o Presidente do Supremo Tribunal Federal não é pouca
coisa!
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Estamos no final da reunião,
mas gostaria de saber se ainda há quem queira manifestar-se.
Ao final,
vou conceder a palavra aos que estão na Mesa. Posteriormente,
o Sr. Cláudio Nascimento apresentará a proposta da carta,
fruto do seminário.
O SR. DANNE
ROOS - Irei dirigir-me ao Dr. Aurélio. Só quem sofre na pele
a discriminação, Dr. Aurélio, pode realmente avaliar
o grau e a circunstância de risco que ela enfatizou
em relação aos gays. O dia-a-dia de um cidadão
não perseguido é diferente do cotidiano de quem é perseguido.
Quando
entramos no banheiro de um shopping, por exemplo,
temos o direito de pentear o cabelo. Mas assim não pensa
o segurança, quando nota que somos homossexuais. E aí
entra a questão: se somos homossexuais e temos o direito
de na sociedade vivenciar e extrapolar nossos limites
e compreender a nós mesmos, é direito nosso entrar no
banheiro de um shopping e arrumar o cabelo. No
caso de travestis, eles são proibidos de entrar em banheiros
femininos, a não ser de boate — pelo menos no Rio Grande
do Sul; não sei em São Paulo. Lá no Rio Grande do Sul,
quando um travesti entra num banheiro feminino, vários
seguranças vão atrás dele e o expulsam de lá, apenas
porque ele está se maquiando.
Portanto,
concordo plenamente com o senhor, no que se refere a
discriminações positivas. Tem de haver alguma ação bem
concreta para inibir o preconceito. Se a pessoa sabe
que discriminar um gay é crime, ela vai pensar
duas vezes antes de fazê-lo. Eu mesma sou vítima disso;
desde o momento em que me aceitei como homossexual,
protagonizei cenas que não gostaria de fazer, mas em
que fui envolvida, talvez por ingenuidade.
Com relação
à discriminação dos homossexuais, temos de considerar
que a palavra-chave é perseguição. As pessoas encurralam-nos.
As pessoas homofóbicas, de certa maneira, começam, têm
meio e fim. E, como foi dito, querem livrar-se dos gays.
Aconteceu
um fato comigo, num domingo do ano de 1991, quando passeava
no Conjunto Nacional. Sou um cidadão; portanto, tenho
direito de passear, a exemplo de algum familiar seu,
de você mesmo, de outras pessoas aqui presentes. Pois
bem. Veio um segurança e me expulsou de onde eu estava.
Disseram: "Não, você tem que se prostituir..."
Mas, eu não estava me prostituindo. Agora, será que
tenho que provar a ele que não estava me prostituindo?
E havia testemunhas ali. Só que, se eu fosse na delegacia
de polícia, como sempre acontece...
A discriminação
aos homossexuais é causada primeiramente por dois alicerces:
a Igreja em si — não que a religião seja ruim —; e a
mídia.
Disse muito
bem o menino de Brasília. A questão de deixar à la
volonté, para que a pessoa decida se vai discriminar
alguém porque é gay, ou não vai discriminar porque
acredita em Jesus Cristo, não é certa. A lei tem que
ser aplicada independente da vontade de quem vai aplicá-la.
Se um gay quiser entrar num shopping ou
num banco, e for discriminado, o policial tem que chegar
e dizer: "Mas, que discriminação é essa"?
Ele quer saber. Ah, danos morais! Mas, é diferente.
Tem que estar escrito num papel. Vejam o que aconteceu
comigo: sou gay, entrei de salto alto, acompanhado
de uma sobrinha, numa fila de um banco, mas o rapaz
não me atendeu. Aí, vou saber por que ele não me atendeu,
vou abrir inquérito policial em cima desse fato. Um
homem que não se aceita na condição de homossexual não
pode ter os privilégios de um homossexual.
Essa lei
que estamos implorando nesta Comissão é para que seja
tipificado. Qualquer delegado de polícia ou escrivão
fica perdido. Se estamos transitando numa rua e dez
pessoas começam a dizer palavras de baixo calão, como
é que fica? Eu não sou travesti, mas, e os meninos que
são? Se eles entram num shopping, um rapaz mexe;
se entram num supermercado, um rapaz mexe e diz palavrão.
Como é que fica? Se a Da. Ruth Cardoso entrar num mercado
ninguém vai mexer com ela. Portanto, já existe desrespeito
à cidadania do cidadão comum e do que não é comum.
Como disse,
no BANRISUL, passei por uma situação de preconceito,
no ano passado, com a minha sobrinha. O Jorge Lafond,
no Rio de Janeiro, — o Cláudio deve saber disso — ganhou
uma indenização de 20 mil reais em menos de três dias.
Acredito
que a perseguição — não é a discriminação — aos homossexuais
deve ser combatida rapidamente. Umas das sugestões que
daria à Comissão é a cobrança de indenização. Quando
a pessoa vir que terá de pagar mil ou 2 mil reais, vai
tomar cuidado e educar os filhos. O próprio chefe da
empresa vai educar o funcionário.
O SR. MARCOS DE ABREU FREIRE - Meu nome é Marcos, representante
do Núcleo de Gays e Lésbicas do PT de São Paulo.
Dr. Aurélio,
gostaria de, mais uma vez, afirmar que esta nossa discussão
está pautada justamente na questão de como vamos nos
proteger, de como vamos ter assegurada na lei a defesa
de nossos direitos enquanto cidadãos. É isso o que temos.
Num país
onde a Constituição é genérica, um juiz ou delegado
vai interpretar a lei de acordo com a defesa do cidadão,
dos seus direitos. No nosso País, infelizmente, não
é assim. Precisamos mostrar a lei e dizer: "Olha,
sr. cidadão, juiz ou delegado, não discrimine o negro,
porque há uma lei que o protege da discriminação racial".
Infelizmente, no nosso País é assim, e tem que ser assim,
senão fica genérico: "Ah! Mas, você não está enquadrado
na questão da lei, a sua defesa".
A nossa
luta é justamente essa: estar garantidos, sim, para
não sermos mais vítimas da exclusão social, e não considerarem
que não somos cidadãos. Somos cidadãos — já foi afirmado
isso várias vezes — e queremos ser atendidos, porque
na lei está especificada a nossa condição de cidadãos.
O SR. MÁRCIO
ANTÔNIO KOSHAKA - Meu nome é Márcio Koshaka. Sou do Grupo Estruturação
Homossexual de Brasília.
Queria
saber da ex-Deputada Marta Suplicy se está sendo inserido
o assunto homossexualidade nas escolas, se ele é discutido
quando se introduz a matéria sobre educação sexual.
Por meio da educação para as crianças poderemos estar
formando uma geração mais tolerante, que respeite mais
as diferenças e as diversidades.
A SRA.
MARTA SUPLICY - O número de escolas no Brasil com orientação sexual ainda
é mínimo. O Ministério da Saúde tem alguns programas,
que nem sei em que pé estão. Quando os profissionais
e professores são bem capacitados, realmente esse é
um dos instrumentos mais eficazes na luta contra o racismo,
o machismo, o preconceito contra a homossexualidade.
Mas, isso não tem sido prioridade do Governo.
Na Legislatura
passada, o Deputado Elias Murad, de Minas Gerais, foi
autor de um projeto sobre AIDS, ao qual apresentei um
substitutivo para AIDS e orientação sexual nas escolas
— orientação entendida como educação, não em relação
à homossexualidade.
O projeto
não foi para a frente, apesar de o Deputado ser do PSDB,
partido do Governo. Quando chegava a hora de a matéria
ser votada em qualquer Comissão, ela era barrada. Começamos
a achar que havia algo esquisito e fomos conversar com
o Ministro Paulo Renato, da Educação. Disseram-nos que
era um projeto muito custoso, que era muito caro capacitar
um professor, e que ele poderia ser mudado para um projeto-piloto
em algum canto. Na época, até indagamos o porquê do
piloto, se no Ministério da Saúde havia vários projetos
exitosos. Portanto, não havia necessidade de projeto-piloto.
Todo mundo já sabe que é melhor a prevenção do que depois
tratar de casos de AIDS, de aborto, de adolescentes
grávidas, e que se investe muito menos ao capacitar
professores. Mas, parece que houve certa dificuldade.
É isso
o que sei com relação à orientação sexual na escola.
A Deputada Iara Bernardi, de São Paulo, apresentou um
projeto, que irá encontrar as mesmas dificuldades, porque,
provavelmente, o Governo ainda mantém as mesmas restrições.
Entretanto, seria um instrumento muito importante.
O SR. RALDO
BONIFÁCIO COSTA FILHO - Srs. Deputados, mais uma vez quero
agradecer a V.Exas. a oportunidade de estar aqui.
As manifestações
foram muito interessantes. Saio daqui com novos elementos
para melhor trabalhar e planejar, e para poder contribuir
cada vez mais e com melhor qualidade nas políticas públicas.
Muito obrigado.
O SR. AURÉLIO
VIRGÍLIO RIOS - Sr. Presidente, quero, igualmente, agradecer à Comissão
de Direitos Humanos a oportunidade de estar aqui. Agradeço
a presença a todos que vieram conversar sobre assunto
tão complicado, que apresenta nuanças complexas.
Quando
falamos sobre os aspectos jurídicos, nunca nos podemos
esquecer dos aspectos políticos, sociológicos e educacionais.
A ex-Deputada Marta Suplicy começou a falar sobre educação,
que infelizmente foi um tema até pouco abordado, embora
fundamental.
Por ser
operador do Direito, estou absolutamente convencido
de que melhor do que qualquer lei seria a introdução
da questão do respeito às minorias na própria escola
e na Academia de Polícia, já no começo do curso de formação
policial. Esse ponto é fundamental, senão vamos discutir
sempre qual é o melhor remédio e nunca as medidas preventivas
que poderemos adotar.
Quero dizer
a todos que é muito bom estar aqui. Acho que este é
o primeiro passo, é um caminho. Podemos imaginar um
monte de medidas a serem adotadas a curto, médio e longo
prazos. Mas, qualquer medida legislativa — é necessário
dizer isto — é de médio ou longo prazo. Se quisermos
alguma medida de curto prazo, teremos que pensar em
outros mecanismos. E as medidas administrativas e políticas
públicas inserem-se perfeitamente nisso.
Sou plenamente
favorável à reestruturação legislativa, concordando
com o que foi dito. A Sra. Danne Roos falou sobre algo
muito interessante: a questão da indenização. As penas
pecuniárias são extremamente eficientes, porque oneram
a pessoa que discrimina naquilo que dizem que para o
ser humano é mais caro: o bolso.
Basicamente,
é preciso trabalhar com processo de ligar as pessoas,
quer dizer, dar mais transparência e deixar que saibam
que, independente do fato de ser negro ou homossexual,
ali está um colega, um cidadão, alguém com quem sempre
podemos contar.
A idéia
de que estamos todos no mesmo planeta e somos parte
de uma cidadania é essencial — e aí voltamos à questão
dos juízes, promotores e delegados homófobos. Quando
isso se quebra, não há solução, porque não adianta pensarmos
no ideal quando a questão desamarra no possível. Então,
é bom pensar no possível, no ideal, na possibilidade
de estarmos juntos discutindo isso por muito mais tempo.
Muito obrigado.
A SRA.
ROSÂNGELA CASTRO - Sr. Presidente, quero dizer que foi muito prazeroso para
a Secretaria de Direitos Humanos abrir esse novo espaço
de trabalho. Essa área ainda não tinha sido trabalhada
pela Secretaria, embora nesses últimos anos tenhamos
tido condições de abrir o diálogo e de participar, principalmente
através do pessoal da ABGLT.
Estamos
abertos e receptivos ao estabelecimento de parcerias
por meio do financiamento de projetos voltados para
a área de direitos humanos. É claro que o nosso orçamento
praticamente já está estourado para este ano; já fizemos
o que nos possível fazer.
Peço aos
grupos organizados — ONGs, sociedade civil etc. — que
tiverem interesse específico em desenvolver atividades
dentro da questão dos direitos humanos e da cidadania
homossexual que nos procurem no Ministério da Justiça
para discutirmos a possibilidade de parcerias já para
o início do próximo ano.
Muito obrigada.
A SRA.
MARTA SUPLICY - Quero dizer que foi um grande prazer voltar a esta Casa
para discutir a questão da homossexualidade, do projeto
da parceria civil e da cidadania dos homossexuais.
Pude constatar
que houve dois progressos. Primeiro, a abertura na Comissão
de Direitos Humanos da discussão do tema, o que é alvissareiro.
Quando
eu era Deputada, a Secretaria de Direitos Humanos sempre
tinha enorme dificuldade para se pronunciar a respeito
dessa questão, sempre escapulia e ficava em cima do
muro. Então, acho que houve um progresso acentuado,
talvez em razão de nova direção. Tenho certeza de que
isso ocorreu por pressão dos grupos organizados. Portanto,
parabenizo todos vocês.
Continuem
a fazer essa pressão, porque é a única maneira de mudarmos
a sociedade preconceituosa.
Muito obrigada.
(Palmas.)
O SR. CLÁUDIO
NASCIMENTO - Sr. Presidente, quero dizer que a Associação Brasileira
de Gays, Lésbicas e Travestis e todos os grupos presentes
também se sentem muito satisfeitos pela realização deste
evento.
Contabilizei
a presença de mais de dez grupos homossexuais neste
seminário, o que demonstra a mobilização e a vontade
de mudança de todos. Estão aqui grupos como o NGL, do
PT de São Paulo; a AGLT — Associação Goiana de Gays,
Lésbicas e Travestis; o Grupo Arco-Íris, do Rio de Janeiro;
o Grupo Gay, da Bahia; o Grupo Lésbico, da Bahia; o
Grupo CORSA; o Grupo Estruturação; o Grupo Dignidade,
do Rio Grande do Sul; além de vários outros. Todos viemos
para, juntos, pensar um pouco sobre a questão da homossexualidade
e as maneiras de promover ações e implementações concretas
em relação a ela.
Pontuamos
algumas questões que quero compartilhar com os membros
da Mesa e todos os participantes deste seminário. Estabelecemos
três ações importantes a serem adotada pela Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e pelo Departamento
de Direitos Humanos, ligado à Secretaria de Estado.
Peço aos grupos homossexuais e às pessoas aqui presentes
que nos ajudem a pressionar para que de fato tais ações
sejam implementadas.
Sei que
muitas ações têm caráter de médio ou longo prazo. Por
isso, em primeiro lugar estão as ações imediatas, que
são necessárias. O Sr. Ivair Augusto dos Santos sugeriu
a formação de comissão tripartite — formada pela ABGLT,
pelo Departamento de Direitos Humanos e pelo Câmara
dos Deputados — para ir à Bahia, onde realizará audiência
com a Secretaria de Segurança Pública daquele Estado.
Então, peço ao Departamento de Direitos Humanos e à
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
que assumam essa proposta conosco.
Em segundo
lugar, com relação ao combate à impunidade, há três
casos de violação aos direitos humanos de homossexuais.
O primeiro foi o do Vereador Renildo José dos Santos,
de Coqueiro Seco, Alagoas, assassinado em 1993. Até
hoje o caso está parado no Superior Tribunal de Justiça.
Então, pedimos à Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados e ao Departamento de Direitos Humanos
do Executivo que vejam a quantas anda esse processo,
que está parado desde 1995 .
Há também
o caso da Marli Rosana, com relação ao qual foram apresentados
dados bastantes ricos na audiência pública do dia 25;
e o do Sr. Midori Amorim, que foi apresentado hoje.
Sugerimos à Comissão de Direitos Humanos que receba
as denúncias, verifique os detalhes e veja a melhor
maneira de serem encaminhados os casos. Essas são as
ações imediatas.
Em relação
à legislação, propomos à Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados que requeira que o projeto da
parceria civil, de autoria da Sra. Marta Suplicy, que
ainda está em validade, seja apreciado em regime de
urgência .
Pedimos
à Comissão que apóie o projeto de lei do Deputado Marcos
Rolim, que proíbe a discriminação por orientação sexual,
e assuma, juntamente com a comunidade homossexual, a
proposta de inclusão de tipificação de crimes contra
homossexuais no novo anteprojeto de Código Penal. Por
último, que ela apóie o projeto de redesignação de sexo
para transexuais, de autoria do ex-Deputado Marcos Coimbra,
que está tramitando nesta Casa desde 1995.
Em relação
às ações afirmativas do Executivo, propomos primeiramente
a reformulação do Plano Nacional de Direitos Humanos,
incluindo a questão de orientação sexual,, não só no
aspecto retórico, mas também em termos concretos. Em
segundo lugar, ações jurídicas pontuais do Departamento
de Direitos Humanos da Secretaria de Estado e do Ministério
da Justiça. Em terceiro, ações afirmativas em direitos
humanos, no que tange à educação sexual nas escolas,
respeitando-se a livre orientação sexual. Para viabilizar
isso, que se busque parceria das áreas de direitos humanos
e de projetos especiais do Ministério da Educação.
Em relação
ao que propôs a Jussara, que haja não só vigilância
em relação à Lei Orçamentária, mas que esta Comissão
de Direitos Humanos apresente emenda à LDO incluindo
a questão das minorias sexuais.
Em relação
à educação em direitos humanos para policiais, sugerimos
que não só a Secretaria de Estado de Direitos Humanos
do Ministério da Justiça assuma a proposta e tente divulgá-la
em âmbito nacional, mas que esta Casa, por meio dos
Deputados e da Comissão de Direitos Humanos, também
tenha o compromisso de ajudar-nos a aprová-la. Trata-se
da capacitação e sensibilização de policiais militares
em âmbito nacional — e sabemos muito bem como é fundamental
educar para os direitos humanos.
Também
em relação a policiais militares e civis, percebemos
que existe grande dificuldade para assimilarem as questões
dos homossexuais, no sentido de protegê-los e garantir
sua segurança pública. No Rio de Janeiro, por meio de
interlocução entre a Secretaria de Segurança Pública
e os grupos homossexuais, foi criado um centro de referência
de acompanhamento de crimes e violência contra homossexuais.
O Grupo Arco-Íris e os grupos do Rio de Janeiro podem
estar ajudando na assessoria desse trabalho, a fim de
que também seja pensada em todos os Estados a possibilidade
de os homossexuais terem um lugar de referência.
A questão
de delegacias específicas para atendimento a homossexuais
ainda é polêmica na comunidade homossexual, mas achamos
que é possível a criação do centro de referência com
o caráter de agregador de denúncias, dos processos de
violação aos direitos humanos no âmbito policial. Creio
que é possível, sim, realizarmos isso.
Agradeço
à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
e ao Departamento dos Direitos Humanos a oportunidade
de estar aqui.
Agradeço,
pela presença, à Sra. Marta Suplicy, ao Sr. Aurélio
Virgílio Rios e ao Sr. Raldo Bonifácio, que muito nos
ajudaram a ilustrar a luta pela promoção dos direitos
humanos dos homossexuais.
Acredito
que um dia um simples beijo entre homossexuais será
assim considerado; ele não será alvo da discriminação
tão ferrenha que existe ainda hoje.
Muito obrigado.
(Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - As sugestões feitas pelo
Sr. Claúdio Nascimento estão dentro do conjunto das
manifestações sobre o assunto. Acho que não há divergência
em relação a elas; portanto, serão inseridas numa carta
a ser divulgada e efetivamente debatida no âmbito da
Comissão de Direitos Humanos, para que sejam traduzidas
em medidas concretas. Inclusive há proposta de parceria
entre o Departamento de Direitos Humanos do Executivo
e a Comissão de Direitos Humanos.
Informo
aos participantes que a Comissão de Direitos Humanos
constituiu subcomissão com o objetivo de levantar os
projetos relacionados a direitos humanos na Câmara dos
Deputados e estabelecer um processo de negociação direto
com o Executivo, com vistas a acelerar a aprovação desses
projetos. Fizemos isso com o Programa Nacional de Proteção
a Vítimas e Testemunhas, e agora estamos começando a
discutir a reformulação do CDDPH (Conselho Nacional
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana). Acredito que
essas e outras medidas poderão ser objeto de apreciação
dessa subcomissão, que coordeno para que possamos estabelecer
o diálogo também com o Executivo.
Penso que
o objetivo desta audiência pública — um misto de audiência
pública com seminário — foi plenamente alcançado. A
Comissão de Direitos Humanos cumpriu o seu papel de
debater e promover a questão dos direitos humanos —
onde estão inseridos os direitos dos homossexuais.
Esta Comissão
não poderia se omitir de promover o debate de questões
a ela trazidas — o que tem feito. Mas, o importante
é não só fazer o trabalho de recepção e pedir a punição
ou reparação, quando os casos acontecem. Acho que a
Comissão de Direitos Humanos tem também o papel de fazer
a prevenção — que passa pela conscientização, por uma
legislação que proteja o segmento, e por ações que inibam
determinados comportamentos.
Pude perceber,
no conjunto das manifestações, a angústia pela falta
de um arcabouço legislativo e de mecanismos que inibam
a discriminação contra homossexuais e punam quem a praticar.
Esta audiência
foi muito rica, porque nela estiveram envolvidos diversos
atores, dentre eles o Ministério da Saúde, o Ministério
Público Federal, o Ministério da Justiça, a Comissão
de Direitos Humanos e o segmento organizado. Acho que
essa interação é fundamental para trocarmos idéias e
informações.
Tenho certeza
de que todos saímos bastante enriquecidos deste evento,
e vamos poder traduzir isso em medidas concretas.
Agradeço
a contribuição inestimável à ex-Deputada Marta Suplicy;
ao Sr. Aurélio Virgílio Rios; ao Sr. Raldo Bonifácio;
ao Sr. Ivair Augusto dos Santos; à Sra. Elaine Inocencio,
da Secretaria de Estado de Direitos Humanos; ao companheiro
Cláudio Nascimento; e às entidades aqui presentes.
Muito obrigado
a todos. (Palmas.)
Está encerrada
a reunião.
ENTIDADES PRESENTES
Grupo Gay
da Bahia
Grupo Arco-Iris
ABGLT-Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis
Grupo Lésbicas
da Bahia
Associação
dos Travestis de São Paulo
Associação
Goiana de Gays e Lésbicas
Grupo Dignidade
do Rio Grande do Sul
Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão
Departamento
de Direitos Humanos do Ministério da Justiça
Grupo Estruturação
de Brasília
INESC
Grupo Estruturação
Homossexual de Brasília
Núcleo
de Gays e Lésbicas do PT de São Paulo
Movimento
Nacional de Direitos Humanos
PISTA-Grupo
de Travestis
Grupo Corsa/SP
SINTRAGERS/RJ
Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher
ANDES
ICCAB/MS
Universidade
de Brasília
CHM Memória
Popular
Secretaria
Nacional de Direitos Humanos
CECRIA
Corpo de
Bombeiros do Distrito Federal
CARTA DE BRASÍLIA
Nós, representantes
de várias entidades de defesa dos direitos dos homossexuais,
participantes do seminário "Direitos Humanos e
Cidadania Homossexual", realizado pela Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados(CDH) e Secretaria
de Estado dos Direitos Humanos, no dia 21 de setembro
de 1999, com a presença de diversos parlamentares, solicitamos
às autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário maior empenho para que os direitos humanos
dos homossexuais sejam efetivamente atendidos, principalmente
no que se refere:
-Ao combate
à Impunidade: Foram apresentados diversos casos de denúncias envolvendo
violações dos direitos individuais dos homossexuais
como a denúncia de homicídio supostamente cometidos
por duas lésbicas em Pernambuco(caso Marli e Rosana);
denúncia de envolvimento em crime de tráfico e tortura
contra uma travesti de São Paulo(caso Midouri Amorim);
caso do vereador Renildo José dos Santos, assassinado
em março de 1993 com processo até hoje parado no STJ
a espera de julgamento, grupo de neo fascistas denominado
Frente Anti-Caos em São Paulo e na Bahia as perseguições
policiais sofridas pelos travestis e que neste caso
seja feita uma visita imediata a este Estado através
de uma comissão com autoridades e outros. Que nestes
casos e em todos os apresentados através de dossiês
à Comissão de Direitos Humanos, sejam tomadas providências
para que a verdade seja restaurada e os criminosos condenados,
bem como as autoridades policiais, judiciárias e outras
envolvidas em casos de violações aos direitos humanos
sejam punidas.
-Ações
Legislativas: Neste item, ficou decidido a importância do pedido de
urgência na aprovação do projeto de lei da ex-deputada
Marta Suplicy sobre "Parceria civil registrada
entre pessoas do mesmo sexo" , que a Comissão de
Direitos Humanos recomende a aprovação e assuma as medidas
necessárias para protocolizar o referido pedido de urgência.
Que a CDH apoie o projeto do Dep. Marcos Rolim de emenda
constitucional que proíbe a discriminação por orientação
sexual e o projeto de lei de mudança de sexo para transexuais,
de autoria do deputado Marcos Coimbra. Que esta Comissão
apresente um projeto de lei ordinária objetivando a
tipificação penal da prática de discriminação por orientação
sexual. E ainda que a Comissão apresente emendas ao
Plano Plurianual e Lei Orçamentária com vistas a garantir
recursos para ações e políticas voltadas aos direitos
humanos dos homossexuais.
-Ações
Governamentais: Que a Secretaria de Estado de Direitos Humanos implemente
a reformulação do Plano Nacional de Direitos Humanos
no que tange ações e promoção dos direitos humanos de
gays, lésbicas, travestis e transexuais. Que a Secretaria
assuma ações e políticas de combate à violência contra
homossexuais acolhendo denúncias e promovendo assessoria
jurídica específica aos casos apresentados e que monitore
ações voltadas ao combate à impunidade e promoção da
cidadania homossexual. Que esta Secretaria implemente
programas de treinamento e sensibilização com objetivo
de educar para os direitos humanos e homossexualidade,
principalmente nas corporações militares e policiais,
ministério público e magistratura. E por último, que
esta Secretaria recomende às Secretarias de Segurança
Públicas Estaduais a criação de espaços de interlocução
do Poder Público com a comunidade homossexual, através
de um órgão específico para receber e acompanhar denúncias
de violações de direitos humanos dos homossexuais.
Brasília,
21 de setembro de 1999.
ABGLT- Associação Brasileira de Gays,
Lésbicas e Travestis
Arco-Íris de Conscientização de Homossexual/RJ
Associação Goiana de Gays, Lésbicas
e Travestis/Go
Corsa- Cidadania, Orgulho, Respeito,
Soliedariedade e Amor/SP
Núcleo de Gays e Lésbicas do PT/SP
Núcleo de Gays e Lésbicas do PT/GO
Grupo Gay da Bahia
Grupo Lésbico da Bahia
Grupo Dignidade/RS
Grupo Lésbico de Goiás
Grupo Estruturação/DF
PROJETO DE LEI SUGERIDO PELOS PARTICIPANTES DO SEMINÁRIO
E
APRESENTADO PELO DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA
PROJETO
DE LEI N° 1.904/99
(Do Sr.
Nilmário Miranda)
Altera
o art.1º da Lei 7.716 de 05 de Janeiro de
1989 que "Define os Crimes Resultantes
de Preconceitos de Raça ou de Cor" e
dá outras providências.
O Congresso
Nacional decreta:
Art.1º
O art.1º da Lei nº 7.716, de 1989, alterado pela Lei
9.459 de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art.1º
Serão punidos na forma desta lei, os crimes resultantes
de discriminação ou preconceitos de raça, cor, etnia,
religião, procedência nacional ou orientação sexual."
Art 2º
Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Os homossexuais
na sociedade brasileira sofrem todo tipo de discriminação
e preconceito, representando hoje um dos setores mais
vitimizados. As estatísticas demonstram que cresce o
número de crimes contra os homossexuais como assassinatos,
tortura, maus-tratos, lesões corporais etc. Também são
numerosos os casos de ação de grupos de extermínio e
de violência policial contra essas pessoas. As cidades
que registram maior número de violações são Rio de Janeiro,
Salvador, São Paulo e Goiânia.
No entanto,
a violação mais comum aos homossexuais é a discriminação
e o preconceito que acontecem cotidianamente nos locais
públicos e instituições. Recentemente, foi instalado
no Rio de Janeiro um disque-denúncia de violações contra
os homossexuais, registrando cerca de 60 denúncias de
discriminação por dia, somente nos primeiros dias de
funcionamento.
Os gays,
lésbicas, travestis e transexuais enfrentam humilhações,
intolerância e os mais diversos preconceitos. Porém,
quando chegam a denunciar tais condutas nada é feito
pelas instituições judiciárias. Na própria delegacia
de polícia essas ações delituosas, quando registradas,
sequer são averiguadas, sob a alegação de que não há
o tipo penal de discriminação por orientação sexual.
Assim não originam inquéritos nem mesmo ação penal.
A Constituição
Federal dispõe sobre a garantia do princípio da dignidade
da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil. Há também dispositivos que asseguram o direito
à intimidade e à vida privada.
No entanto,
é mister que se tenha no ordenamento jurídico a previsão
para a discriminação por orientação sexual, da mesma
forma que já existe essa conduta tipificada como delituosa
para o racismo.
No dia
21 de setembro de 1999, foi realizado na Comissão de
Direitos Humanos desta Casa Legislativa um seminário
com a presença de diversas entidades de defesa dos direitos
humanos dos homossexuais. Após um dia inteiro de debate
com juristas e deputados, ficou deliberado que esta
Comissão ingressaria com um projeto de lei tipificando
o crime de discriminação por orientação sexual. Optamos
assim, em alterar a lei 7.716/89 que define os crimes
resultantes de preconceito de raça ou de cor, ao invés
de criar nova lei ordinária para a tipificação penal
de preconceito por orientação sexual, uma vez que há
grande semelhança nas condutas discriminatórias.
Em face
do exposto, conclamo os nobres colegas a apoiarem a
presente iniciativa, na certeza de que estarão contribuindo
para acabar com a discriminação e o preconceito contra
os homossexuais.
Sala das
Sessões, outubro de 1999
Deputado
Nilmário Miranda (PT-MG)